Edição 39
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A R E V I S TA Q U E VA L E P O R U M A A U L A D E F O T O G R A F I A
fotografia de
natureza em ambientes extremos
Entenda mais sobre foco e nitidez com as explicações do professor Thales Trigo
Passo a passo para aprender a usar um
fotômetro de mão
Especialistas dão dicas de como lidar com selvas úmidas, frio polar, calor escaldante e imagens debaixo d’água
Fotojornalismo Nove fotógrafos contam como venceram desafios para atuar no segmento
Moda
Dicas de luz, direção e maquiagem para produções ousadas
12 macetes para acertar a exposição na hora de fotografar
Cobertura de eventos: os segredos para boas fotos em palestras e congressos
O planejamento para criar a sua empresa de fotografia
Fotos: Alexandre Brum
PorTfólio
Flagrante de policial militar se protegendo de alagamento em cima de um carro na Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro (RJ)
Como me tornei
fotojornalista Nove profissionais estabelecidos contam sobre o começo de suas carreiras e dão dicas para quem quer atuar no segmento POR KARINA SÉRGIO GOMES
A
ntes de ver fotos feitas por eles estampadas em primeiras páginas de jornais e em capas de revistas, vários fotojornalistas renomados percorreram um longo caminho. Um teve de conviver com Mickey na Disney e outro teve de agradar a padres e pastores. Alguns começaram revelando muitos filmes de profissionais experientes. Vários abraçaram a fotografia como uma forma de mudar a própria realidade. Boa parte levou uma vida dupla, dividindo-se entre trabalhar em outra
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área para ganhar o pão e a fotografia – um deles segue nesse caminho até hoje. Algumas dessas histórias são comuns a muitos profissionais do fotojornalismo, mas aqui correspondem ao começo de carreira de Gustavo Andrade, Alexandre Brum, Daniel Castellano, Tadeu Vilani, Jonne Roriz, Naldinho Lourenço, Apu Gomes, Severino Silva e Levi Bianco. Eles contam os perrengues que passaram no começo da carreira e ensinam que persistência e dedicação são as palavraschaves para alcançar sucesso no segmento.
Apresentação da equipe brasileira de nado sincronizado durante os Jogos Pan-Americanos de 2007 no Rio de Janeiro
A OUSADIA DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO O carioca Alexandre Brum, 44 anos, tinha 27 e era funcionário público. Levava uma vida estável, mas profissionalmente infeliz. Antes de ir para o trabalho, parava na banca de jornal e ficava olhando as fotos nas páginas dos periódicos. “Acho que seria legal ser fotógrafo”, pensava. Começou um curso de fotografia e passou a registrar a família e os eventos de amigos. Um dia, uma vizinha que frequentava a igreja do bairro onde morava perguntou se ele poderia fotografar para o jornal da paróquia. Brum viu naquela proposta a oportunidade de fazer um portfólio e aceitou. Depois de alguns trabalhos publicados, a revista da igreja evangélica do bairro também o chamou para fazer umas fotos. Quando achou que já tinha um bom trabalho para mostrar, resolveu bater
à porta dos jornais fluminenses. O primeiro foi Povo do Rio. Chegou até o editor de fotografia e disse: “Quero trabalhar aqui e gostaria de mostrar o meu trabalho”. Ouviu como resposta: “Entra na fila. Têm uns 15 a sua frente”. Dias depois, voltou e o editor lhe disse que agora havia 25 candidatos antes dele. Resolveu falar com o dono do jornal, Alberto Ahmed. Por telefone, conversou com Leila, secretária de Ahmed, e pediu uma entrevista com o empresário. “Você é ousado, meu rapaz. Me ligue mais tarde”, respondeu ela. Quando retornou, Leila disse para ir à redação que havia uma vaga a sua espera. Brum trocou o emprego estável por um estágio para ganhar um salário mínimo na época. Ficou no Povo do Rio por seis anos e, desde 2001, fotografa para o jornal O Dia.
Ter muita persistência e ser paciente. Porém, é necessário também ser ousado e ter iniciativa Alexandre Brum
Espetáculo Nó, da Cia. de Balé Deborah Colker (abaixo à esq.), e a presidente Dilma na visita do papa Francisco ao Brasil (abaixo)
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Profissão
Fotos: Apu Gomes
Mural antiEstados Unidos pintado em fachada de prédio ao lado da Ponte Karim Khan, no centro de Teerã, no Irã
DE MOTOBOY A REPÓRTER FOTOGRÁFICO
Você tem de aprender a contar suas próprias histórias. Saber se pautar e fazer boas reportagens fotográficas Apu Gomes
Usuário de crack na “Cracolândia”, região de São Paulo conhecida pelo consumo de drogas
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O paulistano Apu Gomes, 30 anos, sempre gostou de fotografar. Trabalhava como motoboy para um escritório de publicidade quando conheceu o fotógrafo Guto Lima, responsável pelas primeiras lições. Lima dava filmes a Apu, revelava os negativos para ele e tecia comentários sobre as fotos que o aprendiz fazia. Até foram juntos comprar a primeira câmera profissional de Apu, uma Canon FTB. Juntos também fizeram um curso de fotojornalismo. E Apu, ao final das aulas, teve a certeza de que queria ser repórter fotográfico. Aproveitava o tempo que passava na rua como motoboy para fazer registros de flagrantes da cidade e vender para as agências de notícias. Por um tempo, trabalhou como fotógrafo em paralelo à atividade de motoboy. Assim que
fez uma poupança, passou a se dedicar em período integral à fotografia vendendo imagens para agências. Certo dia, no caminho para casa, viu helicópteros sobrevoando uma região, correu para lá e descobriu que a polícia estava apreendendo cargas roubadas. Depois que fez as fotos, uma repórter do Jornal da Tarde veio perguntar de qual veículo ele era, pois o JT não tinha enviado fotógrafos. Apu correu para o jornal levando os negativos. No dia seguinte, viu a foto estampando a primeira página. “Comprei cinco exemplares”, lembra. A partir daí, passou a frilar para o Diário de S. Paulo e, depois, para a Folha de S.Paulo, onde trabalha há sete anos. Em 2011, Apu foi enviado pelo jornal para cobrir os conflitos na Líbia e no Egito.
Fotos: Sverino Silva
Cenas de hard news no Rio: menino brinca de atirar em cima de carro da polícia; ataque à estação Itararé do teleférico do Complexo do Alemão; policial durante ação no Complexo da Maré (em sentido horário)
DE CORTA-CABEÇAS A DESTAQUE DO HARD NEWS Quando era criança, Severino Silva, 55 anos, tentava mostrar o mundo por meio de seus desenhos para as pessoas de Pirpirituba, cidade onde nasceu, a 112 km de João Pessoa, capital da Paraíba. “Mas ninguém entendia o que eu desenhava”, assume. Quando se mudou para o Rio de Janeiro (RJ), aos 10 anos, se interessou pelas fotografias dos jornais. Sua mãe, vendo o seu gosto pelo assunto, lhe deu uma câmera quando completou 13 anos. E praticava fotografando vizinhos e familiares. “Me chamavam de corta-cabeças, porque eu cortava os pés ou a cabeça de todos que retratava”, lembra. Entre as diversas funções em que trabalhou até se encontrar no fotojornalismo, estão balconista, office boy, operário da construção civil e contínuo no jornal O Globo, onde surgiu a
oportunidade para ser fotógrafo industrial – que consistia em fazer a foto, com filme reticulado, de uma imagem já produzida para publicá-la no jornal. Mas Severino queria fotografar na rua e, quando sobrava um tempinho, pedia dicas aos fotógrafos experientes. Assim que se sentiu apto, começou a fotografar para jornais de bairro. Durante três anos, Severino se dividiu entre os frilas e o trabalho em O Globo, até que foi chamado para trabalhar no jornal Povo do Rio. Depois passou pelos jornais A Notícia, O Globo – dessa vez como fotógrafo – e O Dia, onde está há 18 anos. Em quase duas décadas de carreira, ele se especializou em fotos de cobertura policial e foi reconhecido até pelo jornal inglês The Guardian, que considerou Severino um dos melhores fotógrafos de hard news do Brasil.
Ser humilde para reconhecer os seus erros e aprender. E não desistir fácil, porque a dificuldade vai existir sempre Severino Silva
Técnica&Prática
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Acima e abaixo, imagens mostram tropeiros que ainda fazem o transporte de gado pelo interior do Rio Grande do Sul
UM TALENTO FORJADO DENTRO DO LABORATÓRIO
Tadeu Vilani
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Em 1995, voltou para Santo Ângelo, e lá continuou a trabalhar como laboratorista e fotógrafo de estúdio, fazendo retratos e books. Nas horas vagas, fazia ensaios pessoais, sempre em P&B. Por indicação de um amigo, começou a trabalhar como frila para o jornal Zero Hora. “Como não tinha muita referência, sempre comprava os jornais para ver como os fotógrafos trabalhavam e tentar fazer imagens parecidas”, diz. Vilani trabalhou em Santo Ângelo até 2008, quando foi transferido para a redação da sede do jornal, em Porto Alegre, onde trabalha até hoje para a Zero Hora. E o amor pelo preto e branco, que começou com as películas de cinema, continua. “Quando posso, já edito as fotos em preto e branco e mostro para o editor assim”, conta ele, que venceu três vezes a categoria P&B do Concurso Leica-Fotografe. Fotos: Tadeu Vilani
Apesar de o fotojornalismo ser algo rápido e dinâmico, procure contemplar o momento fotográfico antes de sair clicando. Ambiente-se no local. E saiba editar o seu próprio material
Imagens em preto e branco sempre impressionaram o gaúcho Tadeu Vilani, 49 anos, nascido em Santo Ângelo. Nas horas vagas, Vilani gostava de ver filmes italianos antigos e, depois de assistir a Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio de Sica, decidiu que queria trabalhar com imagens. “A fotografia era o caminho mais econômico”, lembra. Quem deu o passo fundamental para que Vilani entrasse para esse universo foi Alba, então sua namorada e futura mulher, ao presenteá-lo com uma Yashica FX3 e matriculá-lo em um curso de fotografia no Senac, quando moravam em Porto Alegre (RS). Na busca de trabalhos na área, conseguiu um emprego como laboratorista de filmes preto e branco no laboratório de revelação de um amigo. “Esse trabalho me ensinou muito sobre composição e edição de imagem”, lembra.
Fotos: Jonne Roriz
Os atletas Rudá Franco e Arthur Salgado (de tatuagem), da seleção brasileira de polo aquático, disputando a bola durante treino
O ESTÁGIO QUE ACABOU DANDO CERTO Durante a infância, o baiano Jonne Roriz, 37 anos, oscilava entre o sonho de ser astronauta e piloto de Fórmula 1. Mas quando disse ao pai que queria ser fotógrafo ele não acreditou – achava que aquela era mais uma forma de o filho continuar a vida sem responsabilidade. Sem muito apoio da família, começou a fazer cursos livres de fotografia e a dedicar-se a registros do cotidiano. Em 1996, enquanto já era frila do jornal A Tarde, de Salvador (BA), ele veio para São Paulo fazer um estágio em O Estado de S. Paulo. Quando passou por um corredor com armários que tinham etiquetados os nomes dos fotógrafos do jornal, sonhou com o dia em que o seu estaria lá. Durante o estágio, para não cair na tentação da boemia e sair para beber com amigos, Jonne pegou os R$ 20 que tinha no bolso e comprou tudo em jornal. Passou a noite e o fim de semana analisando as edições. “Essa também era uma maneira que via para ganhar referências”, lembra. Quatro anos mais tarde, veio morar em São Paulo e
completar a equipe de fotógrafos do Estadão, no qual trabalhou por 13 anos e participou de grandes coberturas, como os terremotos no Haiti e no Chile (ambos em 2010), a passagem do furacão Katrina, EUA (2005), os Jogos Olímpicos de Atenas (2004) e de Pequim (2008), as Copas do Mundo da Alemanha (2006) e da África do Sul (2010). “Queria viajar o mundo e viver da fotografia. Às vezes me perguntava: 'será que vai dar certo?'. E deu”, conta o fotógrafo, que hoje trabalha como fotógrafo independente.
Se você estiver fazendo o que gosta, não vai sentir o esforço que fará para alcançar seus objetivos. É importante também falar outras línguas para coberturas internacionais Jonne Roriz
Campeão mundial e olímpico Cesar Cielo durante a final dos 50 m livre do Troféu Maria Lenk de Natação, em 2011
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Profissão
Mesmo com oito anos de experiência na profissão, o paranaense Daniel Castellano, 33 anos, se diz um aprendiz. Formado em Gestão de Informação, o fotógrafo foi parar no jornal Gazeta do Povo como estagiário do arquivo de fotografia. “Quando via as fotos que os fotógrafos traziam da rua, ficava encantado”, lembra. Entre uma digitalização aqui e uma legenda ali, interessou-se pelo processo fotográfico e foi fazer estágio no laboratório de revelação. Um ano e três meses depois, incentivado pelo editor de fotografia da época, João Bruchz, Castellano saiu em busca de pautas na rua. “Todo tempinho que tinha, saía para fotografar. Quando percebia que o Bruchz estava tranquilo, ia até ele pedir conselhos”, recorda.
Daniel Castellano
DO ARQUIVO PARA A RUA
Confronto entre polícia e torcida no jogo que rebaixou o Coritiba, em 2009
Mantenha contato com fotógrafos experientes e leia bastante sobre o assunto Sua primeira foto publicada foi de um retrato de uma enóloga para o caderno de culinária do jornal. Depois, começou a cavar espaço para pautas de política e cotidiano. A maior dificuldade era com fotos de esportes, que requeriam mais agilidade e manuseio de teles. E a consagração veio em 2012, quando cobriu a Olimpíada de Londres.
Daniel Castellano
FOTÓGRAFO PROFISSIONAL NAS HORAS VAGAS
Se prepare: tem de ter muito amor pela fotografia e persistência
Levi Bianco, 36 anos, fotografa desde 1999. Mas só em 2009 passou a se dedicar com afinco à fotografia. Durante um curso, se enturmou com fotógrafos que saíam para registrar a cidade. Em uma dessas jornadas, fotografou pessoas praticando rapel na ponte da Avenida Sumaré, bairro da zona oeste de São Paulo, na Virada Esportiva – evento em que ocorrem 24 horas de atividades. Enviou algumas fotos para a agência Futura Press. No dia seguinte, uma delas estava na primeira página do jornal Metro paulistano. A partir
Levi Bianco
Levi Bianco
Corinthians e Vasco no estádio do Pacaembu em São Paulo
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daí, Bianco começou a investir na carreira. Ele ganha a vida como assistente de informática, mas todo horário livre é dedicado à fotografia. Nos fins de semana vai para o estádio cobrir as rodadas de campeonatos de futebol. “Por mais que o mercado esteja ruim, continuo insistindo. Porque, à medida que você investe, as portas vão se abrindo. Espero um dia conseguir ganhar meu sustento só do fotojornalismo”, diz Levi Bianco, que em 2013 foi vencedor da categoria Ensaio do Concurso Leica-Fotografe.
Profissão
Morador do Complexo da Maré, zona norte do Rio de Janeiro, Naldo Lourenço, 30 anos, mais conhecido como Naldinho, entrou em contato com a fotografia pelo projeto social Escola de Fotógrafos Populares, de João Roberto Ripper. A ideia inicial era melhorar o seu trabalho como designer gráfico para poder editar, tratar as imagens e quiçá fotografar para as publicações que diagramava. “Depois que comecei a fotografar a comunidade onde moro, fui levado para o fotojornalismo. A foto de um garoto morto com uma moeda de um real na mão ganhou muita notabilidade e consequentemente meu trabalho como fotógrafo também”, conta. Depois que entrou para o fotojornalismo nunca mais largou a
Naldo Lourenço
FOTÓGRAFO FORMADO NO COMPLEXO DA MARÉ
Detalhe da morte de um menino no Complexo da Maré (RJ), em 2008
Você tem que se aperfeiçoar sempre e praticar. Ir para a rua e documentar a rotina das pessoas e do local onde você mora pode ser um bom começo Naldo Lourenço profissão. Colabora até hoje com a agência Imagens do Povo – espaço para os profissionais formados pela escola de Ripper publicarem seus trabalhos – e dá aulas de fotografia no mesmo projeto em que se formou.
DA DISNEY PARA AS ELEIÇÕES O mineiro Gustavo Andrade, 26 anos, conheceu a fotografia na faculdade. Enquanto cursava Jornalismo na PUC de Belo Hozionte (MG), trabalhou como fotógrafo no jornal-laboratório O Marco. E nunca mais parou de fotografar. Formado e sem trabalho, aceitou o convite para registrar turistas nos parques temáticos da Disney, em Orlando, Estados Unidos. Todos os dias, durante um mês e meio, Gustavo indicava as poses para brasileiros, argentinos e paraguaios – em geral –
Gustavo Andrade
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Gustavo Andrade
Crie um portfólio bacana e que tenha pelo menos um trabalho autoral
fazerem em frente ao castelo da Cinderela. “Foi bom porque ganhei uma grana e aprendi um pouco sobre direção de pessoas”, conta. Quando voltou, conseguiu um contrato temporário para cobrir as eleições de 2010 no jornal O Tempo, onde foi contratado e trabalhou por um ano. Em seguida, integrou a equipe do jornal Metro de BH, no qual também ficou mais doze meses. Atualmente, trabalha como fotógrafo independente e colabora principalmente para Veja BH.
Michel Temer, Dilma Rousseff e Hélio Costa, em Belo Horizonte (MG), durante a campanha eleitoral para a presidência da república em 2010