EDIFICAÇÃO PENAL FEMINININA Plano de Trabalho - introdução ao trabalho final de graduação FAU UNB 1/2015 Vanessa Costalonga Martins Autora Profa. Raquel Naves Blumenschein Orientadora
Este documento apresenta o Plano de Trabalho da disciplina Introdução ao Projeto Final de Graduação da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília, em conformidade com os parâmetros estabelecidos para o mesmo pelo Plano de Curso da disciplina.
Vanessa Costalonga Martins Matricula: 09/0014618 Orientadora: Profa. Raquel N. Blumenschein
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Raquel N. Blumenschein (Orientadora)
Vanessa C. Martins (Autora)
Data:
Este caderno tem por objetivo apresentar os estudos e motivações que servirão de guia para o projeto projeto a ser desenvolvido na disciplina Introdução ao Trabalho final de Graduação. As análises levaram em consideração aspectos políticos, históricos, sociológicos, físicos e urbanísticos, arquitetônicos e de legislação. O projeto em questão é uma edificação penal, por assim dizer, em sua concepção mais simples. Entretanto, este projeto não é, e nem almeja ser, uma edificação penal como se conhece e como se constrói atualmente. Sua principal motivação foi a crise do sistema penitenciário brasileiro e os diversos estudos multidisciplinares sobre o tema, que apontam a carência de alternativas construtivas. Longe de assumir-se como um projeto ideal para um mundo ideal ou uma sociedade idealizada, este projeto é uma resposta à realidade carcerária brasileira e à necessidade de se discutir novas possibilidades para a arquitetura penal. Muito mais que propor uma solução universal, almeja-se fazer uma proposta crítica, uma reflexão sobre olhar um problema por diferentes ângulos. Buscou-se questionar as bases préestabelecidas da arquitetura penal atual, seus erros e acertos.
PREFÁCIO
Figura 1: Colagem de n贸ticias sobre o sistema Penintenci谩rio Brasileiro
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 6 PRISÃO 10 CENÁRIO ATUAL
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NOVO CENÁRIO
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O EDIFÍCIO
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LOCALIZAÇÃO 42 PROGRAMA DE NECESSIDADES
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REFERÊNCIAS 74 CRONOGRAMA 85 BIBLIOGRAFIA 86 LISTA DE IMAGENS
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00 INTRODUÇÃO
“É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões.” (Dostoievski, em Crime e Castigo) 6
A crise do sistema penal brasileiro não é um assunto novo. Superlotação, rebeliões, falta de controle do Estado e as condições insalubres dos presídios brasileiros são fatos recorrentemente apresentados pela mídia. Entretanto, é raro ver essa discussão ir além de um retrato dos problemas. Pouco se discute sobre os fatores geradores desse cenário e menos ainda sobre alternativas para as edificações penais. Políticas mal implantadas, imperícias na administração e a falta de profissionais com conhecimentos específicos sobre o assunto fazem desse cenário um complexo quebra-cabeça de condicionantes multidisciplinares que moldam a edificação penal. O resultado são projetos inadequados e a falta de manutenção, aumentando o tempo e gastos na construção, reformas e amplianção das edificações penais. Uma vez que o crime pode ser considerado como um indicativo de desequilíbrio na sociedade, a edificação penal tem a função de reequilibrar a balança, por assim dizer. Seja qual for o princípio político que a rege, punitivo ou recuperativo, a prisão tem função correcional e é essencial para o funcionamento da sociedade atual. Percebe-se, portanto, que a edificação penal vive um enorme paradigma. Ao mesmo tempo em que ela é essencial para a sociedade, encontra-se no esquecimento, como se sua função fosse ser invísivel. Da mesma forma, o preso parece também ser esquecido pela sociedade brasileira. Desta maneira, presídios são projetados para oferecer o mínimo de infraestrutura possível, uma vez que qualquer conforto é considerado luxo pela população. Com isso, coloca-se o indivíduo em um lugar inadequado, sem as mínimas condições de infraestrutura e de privacidade, e espera-se que ele reflita sobre os crimes cometidos para depois ser ressocializado. Essa ressocialização, neste sentido, parece ter um caráter quase religioso, de remissão e redenção dos pecados. Na forma estabelecida na LEP1, a reinserção social do preso compreende a assistência na obtenção dos meios capazes de permitir o retorno à sociedade em condições favoráveis para a sua integração. Na prática, o isolamento gera a total exclusão do preso, cortanto todo e qualquer laço que ainda existia entre ele e a sociedade. Esse fenômeno, chamado de desterritorialização ou a “perda de poder em termos de controle dos processos sociais através do espaço” (HAESBAERT apud SILVA, F. 2007 p. 27), cria um homem-tipo, desprovido de sua identidade cultural e personalidade. O preso é só mais um número, mais uma estatística. O problema é ainda maior no se diz respeito às mulheres presas, que além de passar pelo mesmo descaso sofrido por todos os presos brasileiros no tangente à infraestrutura, lidam com problemas específicos de desestruturação familiar. 1 Lei de Execução Penal, LEI Nº 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984.
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Discutir a edificação penal não é só pertinente, como também necessário. O objetivo geral deste trabalho é traçar as diretrizes que serão utilizadas no Projeto Final de Graduação: uma edificação penal feminina. Para isso, inicialmente, é preciso analisar o que significa a prisão hoje e qual a sua representação no imaginário coletivo da sociedade. Percebe-se que a penitenciária tem em sua origem um caráter extremamente punitivo, de castigo e reclusão. Características totalmente oposta ao conceito “recuperativo” proposto pela LEP. Um panorama histórico dos principais fatos e edificações que moldaram o sistema penitenciário no Brasil e no mundo possibilita entender melhor a raiz do problema e refletir sobre experiências e sistemas já testados. Por exemplo, o Carandiru, inaugurado como a grande obra do início do século XIX, culminou em uma das mais horríveis tragédias penitenciárias do país, terminando com a implosão de alguns pavilhões. É interessante,também, notar como as sociedades indígenas lidam com a pena. Algumas tribos, como os Oiapoque tem como pena mais comum a “faxina”, ou seja, a limpeza de uma área de uso coletivo. Entretanto, nota-se que a pena de degredo e isolamento também existe para os crimes mais graves2. Portugal também aplicava a pena de degredo para certos crimes, fazendo do Brasil, nos seus primeiros anos de Colônia, o presídio do Reino (SILVA, F; 2007). Não à toa, os modelos penais adotados posteriormente foram baseados em ideiais europeus, cuja origem filosófica do isolamento encontra-se nos mosteiros da Idade média. Nota-se que, por mais diferentes que sejam as culturas, o isolamento parece ser a primeira resposta ao indivíduo desviante. Uma outra importante condicionante da arquitetura penal é o pensamento político e social vigente. Através da análise das tipologias mais utilizadas, percebe-se como este influenciou o desenho da edificação penal e o seu uso. Por isso, foi importante identificar os usuários da edificação, de modo a poder prever as suas necessidades no programa, e o modo no qual a edificação penal hoje é classificada pela lei brasileira, ou seja, quais os tipos de regimes existente e quais as principais edificações onde se é possível cumprir pena. Traçado esse panorama geral, é possível entrar em detalhes nas condicionantes do cenário atual, ou seja, quais são os fatores que fazem a edificação penal ser o que é hoje e entender as razões de sua falência. Para esse parte da análise, foi feito um levamento bibliográfico em esferas multidisciplinares, como Política, Administração, Sociologia e Psicologia. Uma vez que as bases condicionantes da arquitetura penal são fracas, é evidente a necessidade de se discutir alternativas que acompanhem os avanços do Direito Penal e da Sociologia, que cada vez mais apontam para importância da pena alternativa, em vez da pena de privação de liberdade. Como a destruição completa do sistema prisional é impossível e não se deseja cair na falácia da verdade absoluta de se querer propor um projeto universal, criou-se um novo cenário. O valor aqui de se imaginar um novo cenário é fazer uma crítica à realidade, para se questionar a ideologia construtiva atual e a forma de espacialização da maneira de entender o mundo, para instigar um possível reestruturação. Desta maneira, apresenta-se a nova lógica a ser utilizada no 2 WAGNER, Deize Fernanda em A Pena Privativa de liberdade entre os povos indígenas. sem data. Disponível em < http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0cf5d42e34cfeb8a>. Acesso em Abril de 2015
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edifício e identifica-se os principais conceitos da edificação penal desse novo cenário (Integração, Sustentabilidade, Dignidade, Prosperidade e Construtibilidade). Com esses conceitos em mente, apresenta-se as particularidades específicas do projeto. Com base em dados penais locais, concluise que a edificação deve ser feminina, recuperativa, de pequeno porte, passível de expansão, regime semi aberto e aberto, e locada em zona urbana. Ressalta-se que atualmente, com as legislações de uso de solo, planos diretores ou normas locais de uso e ocupação do solo, encontra-se delimitada praticamente toda as partes das cidade, como áreas residenciais, industriais, de lazer, comércio, etc. Entretanto, não se encontram áreas específicas para a edificação penal, evidenciando mais uma vez o caráter ‘invisível” da prisão, moldado pelo descaso das autoridades com o assunto. A locação da penitenciária fora de área urbana tem suas raízes no urbanismo progressista de higienização das cidades (SILVA, F; 2007) e contribui para a estigmatização da edificação penal e para a quebra de vínculos total entre o preso e a comunidade. Por isso, a localização é de especial importância para o desenvolvimento da proposta. Pesquisas apontam que, embora não comum, prisões locadas em áreas urbanas de pequenos municípios trazem vantagens não só para os internos, como incrementa o desenvolvimento municipal, aquecendo o comércio e aumentando a segurança local(SILVA, F; 2007, p. 85). Analisouse, portanto, potenciais terrenos que possibilitassem esse contato físico com a comunidade e que facilitassem o acesso para visitação. Esta análise possibilitou a escolha de um terreno que melhor possibilitasse a implantação dos conceitos estabelecidos. Para o desenvolvimento inicial da proposta, foi montado um programa de necessidades com base nas Diretrizes Básicas do Sistema penitenciário. Ressalta-se, entretanto, o carater preliminar dessa primeira versão, que será estudada e desenvolvida mais livremente de modo a possibilitar usos que integrem a comunidade e a edificação penal. Essa liberdade no programa é estudada nas referências do projeto, juntamente com referências de implantação, linguagem e métodos construtivos. Neste momento, a metodologia adotada é o uso de estudos de casos. Finalmente, como colocado pelo capitão da marinha Inglesa, Machonochie, em 1846, ao idealizar a prisão de Norfolk, “ apoiemo-nos mais na influência, e menos na força; erijamos mais estímulos e menos muralhas, e poderemos curar, como hoje sabemos piorar. E o proveito para a humanidade não será inferior a nenhum dos que obtemos nos tempos modernos. O que se necessita na luta com o crime é dar a devida importância à reforma dos criminosos e estudar o modo como o rigor pode atender para aquele fim. Mas isto é somente uma parte da obra. O tratamento deve ser preventivo mais que curativo; olhar para o futuro, não para o passado.” (MADGE apud SUN, 2008, p.58). Sabemos que os métodos adotados no passado, de segregação total e castigo, não são mais pertinentes. O modelo de arquitetura prisional não pode mais continuar cometendo os mesmos erros. A arquitetura penal deve se desenvolver de outra maneira. É preciso abrir caminhos para novas alternativas de construção, alojamento e novos tipos de aplicação de pena, assim como desenvolver um planejamento que inclua a prisão e a cidade.
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01
Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa quando não inútil. E entretanto não “vemos” o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão. (FOUCAULT, 2004, p. 196)
PRISÃO
Figura 2: Alcatraz
1.1 Conceito
A palavra prisão tem sua origem no latim prensio, do verbo prehendere, que significa “agarrar, prender”. Já a palavra penitenciária é originária do latim penitentiarius, “relativo à pena, ao castigo”, de pena, “castigo, penitência, condenação”.3 Conclui-se, portanto, que o conceito de prisão está diretamente relacionado ao conceito de pena, e logo, ao que a sociedade considera ser o crime. Percebe-se, também, que em seu fundamento a prisão já nasce com um forte caráter punitivo. Na sociedade ocidental contemporânea, as penas, por lei, deixaram de atingir a integridade física do indivíduo desviante, e focaram-se na execução da pena privativa de liberdade, ou seja, no isolamento do indivíduo infrator. Entretanto, ao analisar as “penas das sociedades civilizadas”, Michel Foucault (2004, p. 195) aponta que o isolamento acontece também com complementos punitivos referentes ao corpo, uma vez que gera privação de mobilidade, restrição de alimentação, expiação física, trabalho forçado. A prisão é, portanto, o castigo em uma sociedade em que a liberdade é o bem mais valioso. (FOUCAULT, 2004, P.196). A pena privativa de liberdade tem uma origem religiosa forte e parte do preceito que, uma vez isolado, o indivíduo desviante poderia se voltar à reflexão e se arrepender de seu pecado. Entretanto, a história mostra que essa estratégia fez por destruir muitas vezes o psicolólgico do indivíduo, desassociando-o completamente do seu meio. O próprio imaginário coletivo da prisão envolve associações a lugares insalubres, de sofrimento, do qual as pessoas tem medo e desconhecem o que ali acontece. A prisão, apesar de ser uma instituição importante para o funcionamento da sociedade, é um edificío estigmatizado por conta do seu próprio conceito de isolamento. 3 Segundo definição disponível em < http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/prisao/>. Acesso em 22 Abr 2015.
PRISÃO ǀ HISTÓRICO
1.2 Histórico Segundo Foulcault, a prisão não dever ser considerada uma institição inerte, uma vez que sempre fez parte de um campo ativo onde abundaram projetos, remanejamentos, experiências, discursos teóricos, testemunhos e inquéritos. (FOULCAULT apud SUN,2008). Portanto, para se tentar compreender o cenário atual, é importante fazer uma análise do histórico de como a pena foi executada no mundo e ,em especial, no Brasil e quais as experiências, discursos e projetos foram mais marcantes.
MUNDO BRASIL
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HISTÓRICO ǀ PRISÃO
ANTIGUIDADE Na Grécia Antiga e em Roma era aplicada a pena de morte, além de outras sanções como açoites, castigos corporais, mutilações, entre outras. Ostracismo, que atualmente se refere a isolamento social informal de um grupo, tem sua origem em Atenas. O indivíduo condenado era forçado ao exílio, sendo que seus pertences permaciam na cidade. Com esses métodos, não era necessário se criar um edifício de apoio. Entretanto, já nessa época começam os dicursos sobre a execução penal como instrumento do Estado, de prevenção, defesa e correção. (SUN, 2008)
ANTIGUIDADE A concepção de crime e as penas aplicadas variam de acordo com a sociedade. No caso das tribos indígenas, registros e estudos dos indígenas do Oiapoque identificaram três tipos de penas aplicadas: a faxina, que consiste em roçar uma determinada área de uso comum na aldeia, a expulsão ou degrego e a privação de liberdade no Encruzo (área longe da aldeia, onde a água não é potável e a terra pouco fértil, para crimes graves (tentativa de homicídio, homicídio).
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PRISÃO ǀ HISTÓRICO
IDADE MÉDIA A pena de prisão teve origem nos mosteiros da Idade Média e era aplicada de modo a punir monges ou clérigos faltosos. A prisão consistia no recolhimento para a cela, onde se dedicariam à reflexão reliogiosa e oração. “O vocábulo penitenciária remete, portanto, sua origem ao Direito Canônico. Na antiguidade, pessoas se afastavam do convívio social, na intenção de fazer penitências para corrigir as próprias falhas. A Igreja Católica, acreditando que a solidão e o silêncio promoviam a remissão dos pecados, criou os estabelecimentos penitenciais, os conventos e mosteiros, que também eram compreendidos como refúgios e centros de cultura. Por esta razão, acabava que esse ambiente fundamentado por preceitosde cunho eminentemente religioso já era uma espécie de prisão.”(SUN, 2008)
1550-1552: LONDRES HOUSE OF CORRECTION Construída a primeira edificação registrada com propósito de recolhimento de criminosos. No entanto, era mais um edificio que agora centralizava o que era feito em outros edifícios, não se tinham intenções de recuperar o indivíduo, que era confinado em um espaço mínimo, sob vigilância constante, até o seu julgamento e devida condenação. Não havia separação dos presos.
BRASIL COLÔNIA A primeira menção à prisão no Brasil feita no Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis portuguesas que foi implantado no Brasil durante o período Colonial. O Código decretava, na pena de degredo, a Colônia como presídio de para certo tipos de condenados. O pelourinho tinha a função de aplicação das penas para os crimes cometidos em solo nacional.
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HISTÓRICO ǀ PRISÃO
SÉCULO XVII Pena privativa de liberdade passa a ser instucionalizada e a prisão passa a ser o local principal de execução penal. 1703: ROMA HOSPITAL SAN MICHELE O Hospital existente foi renovado a mandato do Papa e destinado para isolamento de jovens considerados incorrigíveis. Fazia-se o uso de duas formas de pena, o regime de silêncio e o regime de reclusão solitária,San Michele é reconhecido como protótipo de projeto em bloco celular, dispondo de celas com janelas para o exterior.(SUN, 2008)
1760 - 1770: REFORMA PENAL A reforma tinha o intuito de aplicar disciplina e sobriedade nas edificações penais. Ligada ao projeto de prisões, tevese a adoção do plano celular iniciado em San Michele e foi o início do Sistema da Filadélfia (também conhecido como sistema da Pensivânia, belga ou celular). Baseavase em isolamento individual, com corredo isolado, sem trabalho ou visitas.
SÉC XVII A XIX: CASAS DE CÂMARA E CADEIA As primeiras edificações destinadas ao abrigo de infratores. Em vilas maiores
apresentavam a separação dos infratores por gênero, cor e classe econômica.
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PRISÃO ǀ HISTÓRICO
SÉC XVIII: PRISÃO DE CUSTÓDIA Durante muitos séculos, a prisão servia para encarceramento de escravos ou prisioneiros de guerra. Os condenados por crimes eram condenados a penas corporais ou capitais. Após críticas dos filósofos iluministas, a prisão tornou-se a principal forma de penalizar um crime. Entretanto, as torturas ainda eram uma prática comum.
1785: PANÓPTICO Desenvolvida a idéia do panóptico pelo filósofo Jeremy Bentham, em que se apresentavam “reformas morais, saúde preservada, trabalho reforçado, orçamento público aliviado, economia estável como uma rocha, o nó górdio das pobres leis estaria, não cortado, mas desfeito – tudo a partir de uma simples idéia arquitetônica”4. O Panóptico se tornou o programa da maior parte dos projetos de prisão.
1771-1773: BÉLGICA CASA DE FORÇA DE GHENT Construída em contrate com o sistema da Filadélfia, garantia trabalho e a fazia uma classificação dos detentos com base em gênero e natureza do delito. Esse modelo foi o embrião do Sistema de Auburn.
1808: BRASIL IMPÉRIO A chegada da família real causou grandes mudanças políticas na aplicação da penas no Brasil, com a criação do código penal do Império
e culminando com a supressão da pena de morte e do degredo em 1829 e 1930, respectivamente. 3 Bertham Apud. Max Grünhut, Penal Reform, Oxford, Claredon Press, 1948, p. 51-52
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HISTÓRICO ǀ PRISÃO
SÉCULO XIX Criação do sistema progressivo, também conhecido como Regime Irlandês, e utilizado por Walter Crofton em diversas penitenciárias da Irlanda. O regime, que foi essencial para a concepção da atual progressnao de Pena do Código Penal Brasileiro, consistia em quatro fases: iniciava-se na prisão celular, passando para o sistema misto, sucedido por reclusão intermediária (regime aberto, onde o preso trabalha fora da penitenciária, mas volta para o reclusão noturna) e por fim liberdade condicional. (SEGAWA, 1987, p. 272-273).
1829: CHERRY HILL Inaugurada a mais conhecida prisão que seguiu o Sistema da Filadélfia. Projetada por John Haviland. Medidas extremas eram tomadas para reforçar o isolamento. Nenhuma atividade conjunta era permitida. Os prisioneiros usavam máscaras ao transitar fora das celas para não ver-se uns aos outros e eram proibidos de falar entre eles.
1823: AUBURN Isolamento noturno em cela individual, com trabalho e refeições em ambiente coletivo. A regra do silêncio absoluto continua.
SÉCULO XIX NOVO CONCEITO DE PRISÃO Durante o século XIX, cresceu-se a preocupação com a salubridade das cidades do mundo inteiro. Isso resultou-se no urbanismo higienista e edificações como hospitais, hospícios, matadouros, cemitérios e prisões foram locadas em áreas afastadas do perímetro urbano, por serem considerados vetores de doenças.
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PRISÃO ǀ HISTÓRICO
1872: CONGRESSOS INTERNACIONAIS DE CIÊNCIA PENITENCIÁRIA E CRIMINOLOGIA A necessidade de reformular e criar regimes penais fez com que o primeiro evento internacional de ciência penitenciária acontecesse em Londres, do qual originou-se a Comisssão Penitenciária Internacional, extinta em 1951 ao transferir suas ações para a ONU.
SÉCULO XX Poucos avanços foram feitos nos projetos de prisão por consequência da grande decadência na categoria das penitenciárias, sendo as novas construções feitas nos padrões antigos. Mas percebe-se a institucionalização de um novo panóptico gerado pela tecnologia de supervisão, como câmeras de vigilância.
1833 - 1865: RJ CASA DE CORREÇÃO Considerada a primeira prisão brasileira, foi inicialmente construída para testar o sistema Auburn, mas acabou-se por adotar o panóptico. Possuía trabalho, estações e oficinas externas, biblioteca e escola de alfabetização
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SÉCULO XX Em 1920, o Estado decide passar as responsabilidades de execução penal para si, eliminando essa função nas casas de câmara e cadeia.
HISTÓRICO ǀ PRISÃO
1920- 2002: CARANDIRU A penitenciária é resultado das discussões internacionais sobre a Reforma Penitenciária e nos seus primeiros anos recebeu muitos elogios, sendo caracterizada como uma das grandes obras do início do século. A construção seguia condições de segurança e higiene em voga na época, além de garantir isolamento noturno e trabalho diurno. Havia previsão para salas de aula, biblioteca, salas de culto, enfermaria, refeitório e oficinas de trabalho. Inicialmento feita para 1200 presos, a penitenciária logo se encontrou em estado de superlotação, uma vez que começou a abrigar principalmente presos de fora do Estado de São Paulo. Em 1956, aumentou-se o número de vagas para quase o triplo. Mas isso não parou a superlotação, e em 1990, o complexo abrigava 8 mil presos. Em 1992, a crise do sistema penitenciário brasileiro culminou no que ficou conhecido como “O massacre do Carandiru”. O fechamento oficial foi de 111 presos mortos e nenhum responsável foi condenado pelos crimes.A partir disso, a história da instituição e das outras prisões brasileiras foi marcada por mega rebeliões. Em 2002, o Carandiru foi desocupado. 19
PRISÃO ǀ TIPOLOGIA
1.3 Tipologias LINEAR
Fig.3
Nesta tipologia, as celas são espelhadas e dispostas verticalmente. O acesso se dá por um corredor sem aberturas para o exterior. A tipologia linear tem a intenção de limitar o contato entre os detentos o máximo possível e também é conhecida como Sistema deAuburn ou Sistema de Nova Iorque.
PANÓPTICO Desenhado no final dos século XVIII pelo filósofo e teórico social Jeremy Bentham, esta tiplogia consiste em uma estrutura circular com um centro de vigilância. As celas são locadas de maneira a permitir o contato visual total com o centro. Uma variação do panóptico são as tipologias de pátio, cuja lógica da vigilância de 360 graus continua, mas há a circulação livre dos detentos pelo pátio.
Fig. 4
Fig. 5
RADIAL Conhecido como Sistema da Pensilvânia ou separatista5, esta tipologia veio acompanhada de um conceito de isolamento total baseado no confinamento monástico. Os blocos da prisão se desenvolvem rotacionados em torno de um centro, como um asterisco. Neste centro encontra-se um hall de vigilância, do qual os agentes penitenciários conseguem ter total acesso visual ao blocos. Ao contrário do panóptico, as celas individuais só são visivéis quando se acessa cada bloco. Os espaços entre os blocos são utilizados e o muro são utilizados para exercicíos. Nos primeiros modelos, até os exercícios eram feitos isoladamente, em celas de exercício.
5 Separate System. In: Wikipédia. Disponível em:. <http://en.wikipedia.org/wiki/Separate_system>. Acesso em: 17 Abr 2015.
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TIPOLOGIA ǀ PRISÃO
ESPINHA DE PEIXE A planta se desenvolve com base na circulação de segurança. Um bloco longo de corredor forma uma espinha central, da qual as estruturas de funções se desenvolvem paralelamente. Esta tipologia permite uma vigilância contínua e acesso independente para cada área funcional. Fig.6
URBANA Nesta tipologia, a edificação está implantada na malha urbana, sem muros defensivos. Entretanto, apresenta-se como um sólido intransponível e maciço, de modo a enfatizar o caráter de contenção e isolamento, gerando uma idéia de controle e segurança para o público geral. Fig.7
CAMPUS As unidades funcionais são organizadas em forma de pavilhões independentes, implantados de acordo com a circulação desejada. O muro externo marca o perímetro onde os detentos podem circular livremente entre os pavilhões. Fig.8
HÍBRIDA As tipologias híbridas combinam dois ou mais aspectos citados anteriormente. Fig.9
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PRISÃO ǀ CLASSIFICAÇÃO
1.4 Classificação 1.3.1 Regimes
O tipo de regime penal no qual deve-se cumprir a pena é estabelecido pelo Juiz na sentença.6 Ressalta-se que, segundo a lei, a pena privativa de liberdade dever ser executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da sua sentença no regime anterior7. Segundo o Código Penal Brasileiro, os principais regimes penais são: •
Fechado: O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e isolamento durante a noite, em cela individual. Não é permitida a saída. A pena é cumprida em estabelecimentos de segurança máxima ou média.
•
Semi Aberto: O condenado pode trabalhar ao ar livre e participar de cursos profissionalizantes. Execução da pena em colônia agrícola.
•
Aberto: O condenado trabalha, sem vigilância, fora do estabelecimento, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga. Execução em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
1.3.2 Usuários
visita
agente
preso
idosos
mulher
homem
temporário ou condenado
primário
reincidente
6 Observando o disposto no artigo 33 e seus parágrafos do Código Penal. 7 Provando-se bom comportamento, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão e aprovada pelo juiz.
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CLASSIFICAÇÃO ǀ PRISÃO
1.3.3 Estabelecimentos penais A Constituição Federal de 1988 assinala que a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado. Segundo as Diretrizes Básicas da Arquitetura Penal, os estabelecimentos penais são “todos todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar ou atender pessoas presas, quer provisórias, quer condenadas, ou ainda aquelas que estejam submetidas à medida de segurança”(2011). Segundo a LEP, essa classificação é feita nos Centros de Observação Criminológica, que são estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima onde são realizados exames cujos resultados indicarão o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa. Os estabelecimentos penais são classificados como: • Penitenciárias: destinadas ao recolhimento de pessoas presas com condenação à pena privativade liberdade em regime fechado, dotadas de celas individuais e/ou coletivas. Podem ser de segurança média ou máxima; •
Cadeias públicas: destinadas aos presos provisórios;
• Colônias agrícolas, industriais ou similares: destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena em regime semiaberto; • Casa do albergado: destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto, ou pena de limitação de fins de semana; • Hospitais de custódia e tratamento/ serviço de atenção ao paciente judiciário: destinados a atender pessoas submetidas à medida de segurança; • Central de penas e medidas alternativas: estabelecimentos destinados a atender pessoas que cumprem penas e medidas alternativas; • Complexos ou conjuntos penais: conjunto arquitetônico de unidades penais que formem um sistema de atendimentos; • Estabelecimentos para idosos: estabelecimentos penais próprios, ou módulos de um estabelecimento penal para adultos destinados a abrigar pessoas presas que tenham no mínimo 60 anos de idade ao ingressarem ou as que completem essa idade durante o tempo de cumprimento da pena; 23
02 CENÁRIO ATUAL Em primeiro lugar, antes de se propor qualquer mudança, é necessário entender o contexto no qual a arquitetura penal brasileira se insere. Neste capítulo, faz-se a caracterização das determinantes e condicionantes da arquitetura penal, através de dados e estatísticas governamentais, leis e notícias, para discutir-se os fundamentos que sustentam o sistema prisional de forma crítica.
2.1 Condicionantes É um fato conhecido o de que as penitenciárias brasileiras encontram-se em estado de calamidade. Uma rápida folheada nos períodiocos mais conhecidos, ou uma busca na internet evidencia o estado de degradação no qual se encontram as edificações penais do Brasil. Problemas como superlotação, rebeliões, depredação do espaço físico, contrabando e fugas parecem, à primeira vista, um problema causado pelo caráter ou índole dos que ali se encontram presos, mas são, na verdade, consequências de uma série de condicionantes que acarretam na falta de controle do Estado sobre a situação. Evidenciar as condicinantes da arquitetura penal é uma tarefa complexa, uma vez que estas se relacionam a campos multiciplinares que não necessariamente estão diretamente ligados à arquitetura. Ressalta-se que o espaço arquitetônico penal, em sua essência, é fruto de conceitos culturais, políticos e socio-econômicos de uma sociedade e o modo no qual esses conceitos influenciam a definição de pena. Logo, “o projeto arquitetônico de um estabelecimento prisional é o resultado de um conceito de pena privativa de liberdade” (ROLIM, 2005) e está diretamente relacionado com o que a sociedade considera como crime e a natureza da sua resposta a ele, que alterna entre punitiva ou de ressocialização. Numa sociedade em que o desemprego atinge a taxa de 5,9%8 , em que o trabalho informal é a única alternativa que muitas pessoas encontram para garantir uma renda mínima para a subsistência, em que o acesso à condições básicas de saneamento e de moradia própria não é regra geral, não é surpresa que grande parte das pessoas seja contra a decisão de se criar espaços salubres de moradia, recreação e oportunidade trabalho para os presos, mesmo que previsto por lei. Esse tipo de pensamento, além de constituir em um determinante do espaço arquitetônico, corroborando para a aprovação de projetos de caráter punitivo, define a quantidade de recursos e energia que são destinados ao sistema penitenciário. Por conta da escassez de investimentos, a qualidade na construção e a manuntenção das edificações é baixa, gerando espaços mal projetados e insalubres. As consequências psicólogias para a pessoa (preso e funcionário) que vivencia um ambiente deste durante um longo período de tempo são notáveis. No caso do preso, há um esmagamento do “eu”, “o que gera uma sensação de diminuição à pessoa, em que o ambiente passa a ser, de certa forma, opressor, além de deprimente, o que não leva à regeneração.”(SUN, 2008, pág. 99). Obviamente, essa situação gera revolta e frustação face à essa sociedade, e a sensação de vingança por se ter “pagado” mais pelo crime cometido. Erika Sun ressalta, em Pena, Prisão e Penitência, que “a reeducação, em sentido amplo, é dever não somente do Estado, como também da sociedade, da família e, individualmente, de cada cidadão. Nesse contexto, pior ainda é a irrefutável constatação de que, falhando nessa missão, concorrem todos para o retorno do criminoso à liberdade – antes de periculosidade sujeita a controle – na condição de egresso, discriminado e temido, sem oportunidade de emprego ou sequer de simples acolhida pela sua comunidade de origem, sem a menor chance de vida condigna.” (2008, pág 75). Percebe-se aí a estigmatização do egresso, que é descriminado e muitas vezes temido. 8 Segundo pesquisa do IBGE realizada em fevereiro de 2015
CENÁRIO ATUAL O mito da ressocialização se baseia no fato de que, por ter cumprido sua pena e ter sido liberado, esse indivíduo estaria apto para voltar a convivência social. O que ocorre na realidade é, por uma descrença da própria sociedade nos aparelhos de justiça do Governo, o egresso não se integra à sociedade e é novamente isolado, desta vez em liberdade. Isso explica a altíssima taxa de reincidência do país, onde 7 em cada 10 presidiários voltam a cometer outro crime9, muitas vezes mais sérios que o primeiro. Outro grande problema com esse mito é o fato de que a pessoa que cometeu o crime na maioria das vezes já fazia parte dessa parcela excluída das oportunidades de estudo e trabalho. Logo, como é possível re-socializar e re-integrar na sociedade uma pessoa que nunca fez parte da mesma? Com a reincidência, um ciclo vicioso é estabelecido. Quando o egresso volta a cometer um crime, a sociedade reafirma as suas suspeitas de ter tido medo dele, rotulando todos os egressos. Isso aumenta as pressões públicas para políticas punitivas, para aumento da segurança e da prisionalização, o que alimenta a superlotação, piorando a experiência do ingressos e criando a sensação de vingança e desepertencimento social. (...) a sociedade elimina, enviando para a prisão pessoas que esta quebra, esmaga fisicamente; uma vez quebrada essas pessoas, a prisão as elimina libertando-as, reenviando-as à sociedade; nesta, sua vida na prisão, o tratamento que sofreram, o estado no qual saíram, tudo concorre para que, de maneira infalível, a sociedade as elimine de novo, reenviando-as para a prisão.10
Talvez curiosamente, países que adotam um sistema punitivo tendem a ter um índice de reincidência maior do que o de países com políticas penitenciárias recuperativas. Nos Estados Unidos, país das supermax11, a taxa de reincidência é de 67%12, enquanto a Dinamarca, famosa sede da prisão de segurança máxima mais humana do mundo, esse índice chega a apenas 20% 13. No Brasil, existe uma grande disparidade entre Lei e Políticas, pois enquanto a Lei de Execução Penal (NOTA) estabelece parâmetros recuperativos para a execução penal, afirmando ser dever do Estado garantir a assistência social, material, religiosa, jurídica, educacional e médica, a realidade é punitiva por reflexos das Políticas punitivas. Os problemas são tanto de ordem estrutural como de ordem operacional. O processo de projeto é deficitário, falta planejamento e as demandas são de difícil cumprimento. Essas questões administrativas, políticas e operacionais enfatizam descaso existente com o setor prisional. 9 CNJ (Conselho Nacional de Justiça) 2014. 10 FOUCAULT, Michel. Sobre a Prisão de Attica in Estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 134. 11 Sistema de peniteciárias de segurança máxima aplicado nos EUA, onde o nivel de isolamento é tão elevado que o detento não tem acesso visual ao horizonte, com o intuito de impossibilitar que ele saiba a sua localização. 12 US Bureau of Justice, 2013 13 MELO, João Ozório de. Noruega consegue reabilitar 80% dos seus criminosos. Em: <http://www.conjur.com. br/2012-jun-27/noruega-reabilitar-80-criminosos-prisoes>. Acesso em 5 de maio de 2015.
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CENÁRIO ATUAL
Fig. 10: Diagrama ilustrando o ciclo vicioso da lógica de isolamento do Cenário Atual, onde se tem o isolamento do indíviduo desviante, com conseguinte encacerramento e o esmagamento do “eu”. Com isso, gera-se uma falsa resocialização.
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CENÁRIO ATUAL ǀ CONDICIONANTES Já a política sem planejamento, estrutura executiva e recursos financeiros compatíveis fazem com que a demanda dos projetos seja baseada exclusivamente na relação entre capacidade e custo. Essa questão financeira se sobrepõe às necessidades espaciais do preso como um ser humano e gera um grande impacto na administração das penitenciárias, que são geridas pelo governo e logo sofrem interferência das políticas públicas. Isso gera o fenômeno da superpopulação que tanto se vê na mídia. Para lidar com a superpopulação, em vez de se praticar a progressão de regime exigida em lei, ou enfatizar o regime semi-aberto ou aberto, o Estado escolhe por reforçar o regime de segurança máxima, nivelando por baixo a seleção de presos, uma vez que os centros de observação e triagem são praticamente inexistentes. A seleção prevista por Lei é importante para permitir a adequada separação dos presos conforme sua periculosidade, comportamento e natureza do delito cometido. Sem isso, muitos presos provisórios são colocados juntamente com presos condenados, misturando-se, em um espaço de confinamento, pessoas de todas as naturezas. 2.1.1 A mulher no sistema penitenciário É possível afirmar que a população carcerária corresponde a uma margem voluntariamente esquecida e sujeita ao descaso. No entanto, quando se discute os problemas enfretados por esta população, o foco é sempre direcionado aos homens presos, por representarem uma parcela maior dos presos. Entretanto, isso faz com que as mulheres presas virem uma margem dentro desta margem já esquecida pela sociedade. Segundo estudos do DEPEN14, existem atualmente 33.289 mulheres encarceradas no sistema penitenciário e nas delegacias de polícia, sendo o deficit de vagas femininas de 39,22%, ou seja, 13.058 mulheres a mais que a capacidade dos edifícios. Comparativamente, o deficit masculino é de 40% , o que corresponde a 194.258 presos acima da capacidade. Entretando, taxa do aumento de encarceramento de mulheres vem crescendo muito se comparada com a dos homens. De 2000 a 2006, o aumento foi de 135,37%, enquando o masculino foi de 53,36%. As presas, que representam 6,63% do total de presos no Sistema Penitenciário brasileiro, estão sujeitas a maiores adversidades, pois 25% cumprem pena em lugares inapropriados, em contraste com 13% dos homens na mesma situação. Esse locais inapropriados não apresentam suportes previstos por lei de apoio à saúde da mulher, da grávida e de saúde e educação da criança nascida ou não no cárcere. O perfil da presa brasileira é: mãe solteira, jovem, afro-descendente e condenada por envolvimento com tráfico de drogas. Tráfico este que acontece muitas vezes na tentativa de contrabandear drogas para seus companheiros que estão presos. Logo, um crime relacionado à vulnerabilidade sócio-econômica da mulher frente a uma sociedade patriarcal. Como o trafico de drogas é considerado crime hediondo, essas mulheres são encaminhadas para penitenciárias de segurança média ou máxima, onde sofrem todos os problemas de infra 14 Estudos apresentados pelo Infopen em dez de 2011
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CONDICIONANTES ǀ CENÁRIO ATUAL estrutura, superlotação e violência já citados. Entretanto, se comparado com a população carcerária masculina, há um maior abandono da família, uma vez que as visitas são menos frequentes que nos presídios masculinos. Por uma questão cultural e social, o homem geralmente abandona a mulher presa. Além disso, o direito de visita intima do cônjuge não é uma garantia. No próprio texto disposto pela LEP vemos a triste realidade do machismo velado que essas mulheres enfrentam todo dia. Ao se referir ao direito da visita íntima, a LEP utiliza o termo “companheira” (gênero feminino), partindo que a maioria das pessoas que receberiam visitas seriam os individuos do sexo masculino . Desta maneira, a maternidade na prisão se torna um assunto ainda mais delicado do que parece, pois a criança normalmente se encontra totalmente desamparada, sendo enviada a orfanatos temporários onde esperará pelo fim da sentença da mãe. Percebe-se, portanto, que no encarceramento da mulher há uma desestruturação social muito mais profunda. Apesar de hediondo, o crime por tráfico não se caracteriza como um crime violento e de acordo com a própria pesquisa do DEPEN, o número de mulheres presas poderia ser diminuído “através da efetiva ação do poder judiciário local; através da ampliação na aplicação de penas e medidas alternativas e através da realização de mutirões carcerários.”
Fig. 11: Penitenciária Feminina de Santana (SP)
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CENÁRIO ATUAL
COLAPSO
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CENÁRIO ATUAL
Os presos brasileiros, na sua totalidade, são forçados a permanecer em terríveis condições de vida nos presídios, cadeias e delegacias do país. A grande maioria dos estabelecimentos se encontra com sua estrutura física deteriorada e a falta de manutenção e a superpopulação são condições que só agravam o cenário. O estado de colapso é evidente. A falência do sistema é inegável e a própria efetividade do isolamento como prática para tratar os delitos sociais é questionável. É preciso mudar o paradigma do preso na nossa sociedade. Estudos contemporâneos no Direito e nas Ciências sociais já apontam para essa necessidade da Reforma Penitenciária, mas a arquitetura parece continuar se repetindo nos erros de sua origem.
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03
NOVO CENÁRIO
NOVO CENÁRIO Obviamente, a arquitetura ou um projeto por si só não tem o poder de mudar todo esse cenário. Acreditar que a arquitetura é a chave para acabar com conflitos, ao invés de revelar a sua natureza real, é uma tentação perigora. (PICON, 2013). Entretanto, é válido se pensar em um novo cenário, onde a Política acompanhou os avanços obtidos nos estudos da reforma penal no Direito e nas Ciências Socias e houve o interesse e a necessidade social de se propor um edifício penal que incorporasse essa mudança.
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NOVO CENÁRIO
2.1.1 Utopia como vetor Até um passado próximo, utopia e a sua relação com a arquitetura era somente um assunto tratado com interesse histórico. O caráter utópico da arquitetura moderna foi duramente denunciado e tomado como o grande culpado pelas falhas do urbanismo moderno. A Arquitetura Radical trouxe uma grande crítica a essa pretensão dos arquitetos de mudar o mundo por si só. A resposta foi uma arquitetura realista, que respondesse ao que estava acontecendo no mundo, em vez de se restringir aos sonhos da modernidade. Com isso, percebemos uma mudança no conceito de utopia. A influência do movimento da Arquitetura Radical em trabalhos de arquitetos contemporanêos (Koohlaas e Tschumi) tende a demonstrar que a utopia não é mais necessariamente um conceito estéril, mas que pode guiar arquitetura e provocar sua renovação. A Arquitetura também está relacionada à esperança de um futuro diferente e melhor, e essa é sua real função política e social. Mas essa esperança não está nas fórmulas tradicionais, a resposta não está em se desenhar cidades ou edifícios ideais. A primeira lição da história é tentar não se repetir. (PICON, 2013). Construir uma utopia arquitetônica no cenário atual consiste em uma proposta crítica ao presente e elaboração de uma transformação positiva, social e política. 2.1.2 Uma nova lógica Com isso em mente, o grande questionamento à lógica vigente do sistema de encarceramento apresentado nos últimos capítulos é a necessidade do isolamento total do indivíduo para o tratamento do delito. Sendo o crime um sintoma de mal funcionamento da sociedade, percebe-se que o delito ocorre quando o indivíduo que o comete já encontra-se desconectado dos valores que regem a sociedade. A resposta de isolá-lo ainda mais acaba por quebrar os vínculos que, mesmo tênues, ainda faziam com que este indivíduo pertencesse à sociedade. O ideal é que esses laços sejam estreitados, fortalecidos para aumentar a sensação de pertencimento, para que o crime não seja uma alternativa a se recorrer e principalmente, para evitar a reincidência. A arquitetura penal deve promover um ambiente propício para esse processo. Deve ajudar esse indivíduo a se sentir parte da sociedade em que ele se encontra. Como uma escola, é uma edificação que deve dar oportunidades para que seus usuários saiam de lá com autonomia e responsabilidade para viver em sociedade.
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NOVO CENÁRIO ǀ DIRETRIZES
Fig. 12: Diagrama da nova lógica da pena, onde se tem o estreitamento dos laços do indíviduo desviante com a sociedade, por meio do contato entre ambos.
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DIRETRIZES ǀ NOVO CENÁRIO 2.3 Conceitos Os conceitos principais que devem ser promovidos por e existir na arquitetura penal deste cenário são:
INTEGRAÇÃO Para se fortalecer os laços da pessoa condenada com a sociedade, é preciso também que a sociedade a veja como um dos seus integrantes. Para isso, a edificação deve ser integrada à comunidade, física e conceitualmente, de modo a participar do dia-a-dia da comunidade. A edificação penal implantada em local afastado não faz parte da vida da comunidade, sendo um edifício desconhecido, e portanto, temido. Locando-se o edifício em zona urbana, este passa a fazer parte do cotidiano vivencial e visual de todos os indivíduos, quebrando-se o estigma da prisão opressora e passando-se a ver o edifício como uma parte importante e necessária para o funcionamento da sociedade. Palavras chaves: implantação, permeabilidade, funcionalidade PROSPERIDADE Uma vez que o edifício passa a ser visto como parte da sociedade, cria-se um ambiente onde o objetivo é a prosperidade do funcionamento dos sistemas, onde cada indivíduo compreende seu papel. Dentro desse conceito entram fatores importantes para as relações do indivíduo para com a sociedade: ensino, trabalho, contato com família e visitas e o desenvolvimento de atividades focadas nessa interação preso/comunidade. Palavras chaves: convivência, função. DIGNIDADE A edificação penal deve zelar pela dignidade de todos os seus usuários. Uma vez que neste caso específico, o ambiente construído tem uma influência muito grande no psicológico do usuário, deve-se garantir ambientes salubres, bem iluminados e ventilados, com variedade de dimensões para propiciar diferentes níveis de interação interpessoal entre os internos, desde o nível de reflexão ou repouse pessoal, até o de socialização em grandes grupos. Dentro desse conceito entram fatores importantes para as relações do indivíduo com si mesmo: saúde, alimentação, esporte, privacidade, direito à personalidade e o desenvolvimento de atividades focadas para o desenvolvimento individual. Palavras chaves: psicologia do ambiente, fenomenologia, identidade de gênero e arquitetura.
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NOVO CENÁRIO ǀ CONCEITOS
SUSTENTABILIDADE Como o intuito é criar uma edificação com o menor impacto social possível, é necessário também reduzir o impacto ecológico da mesma. Edificações penais podem sobrecarregar as linhas de abastecimento de uma cidade, por concentrarem muitas pessoas em um espaço pequeno. Acrescenta-se o grande fluxo atrativo que elas podem gerar, também. Com isso, é necessário pensar na implantação da edificação, de modo a aproveitar a declividade do terreno para o zoneamento das atividade, aproveitar luz e ventilação naturais para se criar ambientes salubres, e utilizar métodos construtivos de menor impacto. Palavras chaves: conforto térmico, orientação solar, implantação, luz e ventilação naturais, reuso de água, materiais. CONSTRUTIBILIDADE A construção deve ser passível de uma ampliação, caso se faça necessário no futuro. Para isso, a maneira de se construir e os métodos a serem utilizados devem ser pensados desde a concepção do traçado inicial. Palavras chaves: modulação, pré-fabricação, métodos de construção
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CONCEITOS ǀ NOVO CENÁRIO
INTEGRAÇÃO
PROSPERIDADE
SUSTENTABILIDADE
DIGNIDADE
CONSTRUTIBILIDADE
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04
EDIFICIO
O EDIFÍCIO
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EDIFICIO
4.1 Particularidades Específicas O Distrito Federal possui uma totalidade de 641 presas, entre presas provisórias e condenadas, brasileiras e estrangeiras, todas provenientes de áreas urbanas. Há apenas uma edificação penal , a Penitenciária Feminina do Destrito Federal (Colméia), com capacidade para 422 pessoas. Logo, o déficit de vagas da região é de 219 vagas. Considerando o crescimento apresentado de 33% entre 2009 e 2011, prevê-se que em cinco anos a população carcerária feminina será de 1522 presas, aproximadamente. Conclui-se que a construção de uma nova unidade é não só necessária, como urgente. A maioria das presas cumpre penas de duração de até 8 anos e possuem idade de até 29 anos. Quanto à educação, percebe-se que a maior demanda é a de ensino fundamental. Percebe-se com essas estatísticas que a maioria são mulheres jovens, que cumprem penas curtas, se comparadas com as condenações masculinas, onde a grande maioria cumpre penas de até 15 anos. Logo, essas mulheres encontram-se em idade ótima e com tempo hábil para terminar seus estudos durante o cumprimento de suas penas. Entretanto, atualmente nenhuma dessas presas está estudando. Apenas 63 trabalham. Quanto ao delito cometido, seguindo as estatísticas nacionais, a grande maioria se divide entre crimes de tráfico e crimes contra o patrimônio. Ressalta-se que de 2008 a 2012, foram registradas 4 fugas. A unidade existente não possui creche nem módulo de saúde feminino (ou módulo de saúde em geral, destaca-se), mas possui 14 leitos destinados às crianças (de 6 meses a 7 anos) filhas de mães condenadas. 39
EDIFICIO Os seguintes grรกficos ilustram dados coletados pelo DEPEN em 2013 para as presas do DF
Fig. 13: Regimes de cumprimento das penas
Fig. 14: Tempo da sentenรงa
Fig. 15: Escolaridade
Fig. 16: Idade
Fig. 17: Natureza do Crime cometido
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EDIFICIO Com base nesses dados, definiu-se as seguintes características para a edificação a ser projetada: FEMININA Seguindo a recomendação feita por lei de se separar os condenados por tipo de gênero e tipo de delito e levando em consideração a homogeneidade do perfil da presa do Brasil e do DF, a edificação será destinada ao acolhimento de mulheres condenadas e em estado de prisão provisória. RECUPERATIVA Elaborar um programa que incentive atividades de crescimento individual e social. Não se fala de ressocialização ao final do processo, pois não se pretende criar um cenário de desocialisação. Os ambientes devem incentivar os conceitos da Integração, Prosperidade e dignidade apresentados anteriormente. PEQUENO PORTE Para suprir a demanda de vagas, mas ao mesmo tempo possibilitar a implantação em área urbanizada e conectada com a malha urbana, a edificação deve ter capacidade de 200 mulheres, prevendo uma expansão para 300 vagas. Destaca-se aqui que o ideal não é fazer edificações que abriguem todas as presas, mas prisões pequenas que sejam implantadas em diferentes zonas urbanas da cidade, para possibilitar a locação da presa de acordo com a sua região de proveniência, facilitando e estimulando a visita e o fortalecimento das relações da mesma com a comunidade. URBANA Mais uma vez ressalta-se a necessidade de implantar a edificação penal próxima a regiões urbanas de movimento de atividades e pessoas. REGIMES SEMI ABERTO E ABERTO Uma vez que a periculosidade geral das presas não é alta e a cidade não apresenta nenhuma edificação que implante os regimes semi- aberto e aberto, o isolamento total não é visto como uma resposta para o cumprimento da pena. Escolheu-se incentivar a aplicação de penas alternativas, o trabalho e o estudo. JOVENS Levando em consideração o perfil da presa do DF, conclui-se que o programa deve ser voltado de forma geral para suprir as necessidades físicas e psicológicas de jovens e jovens-adultos. Ensino, esporte e suporte à gravidez e maternidade e à saúde da mulher.
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05 LOCALIZAÇÃO
Como um dos conceitos fundamentais para o projeto é a conexão física e funcional entre edifício, comunidade e cidade, a escolha do terreno é de especial importância. Inicialmente, analisou-se três potenciais terrenos. Uma vez que não foram encontrados na pesquisa dos órgãos governamentais dados específicos de procedência das presas do DF, a escolha das localidades teve como base a facilidade de acesso em relação à Rodoviária de Brasilia, elemento conectivo central da cidade. Essa facilidade de acesso foi um critério central para facilitar o contato das presas com as suas famílias e estimular a visita, atividade essencial para a proposta. Outros critérios analisados foram área e legislação ativa de uso para cada terreno.
LOCALIZAÇÃO
9 km A
26 km
INGA T A GU
TA
B
C
30 km 23 km
AIA
AB SAM
35 km MA
GA
colméia
Fig. 18: Diagrama das distâncias das áreas de análise. Sem escala
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papuda
A
LOCALIZAÇÃO
Fig. 19
Opção A - Asa Norte, Plano Piloto - RA I Endereço: SGAN 916 Área: 60.000 m² Este terreno era sede do CAJE (Centro de Atendimento Juvenil Especializado). As péssimos condições de conservação, 30 mortes e várias rebeliões levaram o edifício a ser demolido em 2014. Até a presente data, não existe planos concretos para a destinação do terreno. O terreno não possui um destino de uso aparente e a existência anterior de uma edificação penal no lugar sugere que o uso é condizente. O acesso é fácil por meio de transporte público, apenas 9 km a partir da rodoviária do Plano Piloto. Entretanto, mesmo no Plano Piloto, zona central da cidade, o terreno encontra-se desconectado do seu entorno imediato, o que foge da proposta de integração com a comunidade. O terreno é desconectado também das principais cidades do entorno do Distrito Federal.
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B
LOCALIZAÇÃO
Opção B - Taguatinga RA III Endereço: Área Especial 02, Setor C Qnc, Taguatinga - DF Área: 33.000 m²
Fig. 20
Atualmente o terreno é ocupado informalmente por uma associação de futebol local e uma quadra de futebol também improvisada. Inserido entre dois parques, o Parque do Cortado e o Taguaparque, o terreno é conectado com a malha urbana e vizinho a vários equipamentos sócioculturais, como hospitais, escolas de ensino médio e superior, e o SENAI Taguatinga (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial ), o que possibilitaria uma possível parceria com algumas dessas instituições. Nas proximidades do Taguaparque encontram-se também a colônia agrícola de Samambaia. Já nas proximidades do Parque do Cortado, encontram-se o Centro de Referência Especializado para População de Rua e a UNAC ( Unidade de acolhimento para a criança e adolescente), ambos especializados com acolhimento de pessoas em situação de desamparo, o que enfatiza a vocação de assitência social da área.
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C
LOCALIZAÇÃO
Opção C - Samambaia RA XII Endereço: Área Especial 02, Setor C Qnc, Taguatinga - DF Área: 50.000 m²
Fig. 21
A área encontra-se no Centro Urbano da Região Administrativa de Samambaia- RA XII e corresponde à junção de dois terrenos vizinhos. A proximidade com a estação de metrô faz com que esse terreno seja de fácil acesso. Segundo a legislação local, a zona é de baixa restrição ao uso (L2), e logo apropriada para a atividade escolhida, mesmo considerando os possíveis incômodos que um aparelho de Justiça possa trazer. O terreno também é compatível para usos culturais e de educação, que possivelmente serão incluídos no programa como estratégia para proporcionar a integração desejada do edifício com a comunidade. Ressalta-se, entretanto, que apesar de não haver restrições para o porte do edifício na área, segundo a legislação vigente, é obrigatória no terreno em análise, a construção de, no mínimo 25% da área do lote, o que faria com que o edificío fosse de grande porte, e não de pequeno porte como desejado. A opção de se ocupar apenas um dos terrenos tornaria a proposta desconectada do entorno. Outro fator importante é a existência das torres da rede de alta tensão de Furnas, que apesar do plano diretor avaliar um remanejamento, compactação e enterramento futuro, separam consideravelmente a região da parte norte da cidade. 47
LOCALIZAÇÃO
5.2 - Terreno escolhido Levando em consideração a análise de cada terreno apresentada, conclui-se que o terreno que melhor atende aos conceitos propostos é o terreno localizado em Taguatinga, por sua conectividade com a malha urbana, sua área e o usos da região. A proximidade a equipamento institucionais enriquece a proposta de integração e possibilita várias conexões programáticas. A seguir se apresenta um estudo mais aprofundado do sítio, levando em consideração os seguintes fatores: a- Legislação b - Hierarquia Viária c - Uso do solo d- Fluxos e Acessibilidade e- Visuais f- Condicionantes físicos g- Condicionantes climáticos
Fig. 22: Mapa de localização do terreno
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200m
LOCALIZAÇÃO
a) Legislação Segundo o PDOT, o terreno se encontra em Zona Urbana de dinamização, na qual é conferida a prioridade de expansão urbana O lote é classificado como de menor restrição (L2). Dentro dos usos não residenciais previstos para a área, está o uso institucional (atividades de lazer, social, cultural, de culto, educação, administração, transporte e circulaçãos, segurança e de abastecimento). Essas atividades estão sujeitas a uma classificação de incomodidade, que caracteriza a natureza do incômodo do uso para o meio urbano. Segundo a classificação de incomodidade da norma, presídios ou casas de detetenção apresentam grau de incomodidade alto I3, sendo proibida em lotes de de maior restrição (L0) e lotes de média restrição. A atividade é compatível com a zona de baixa restrição (L2) em que o terreno se encontra, mediante a aprovação da Secretaria de Segurança Pública. A norma estabelece uma taxa mínima de permeabilidade do solo de 30% e taxa máxima de construção de 200%. Os afastamentos são definidos segundo fórmulas a serem aplicadas de acordo com a definição posterior das fachadas. Não há observações quanto ao número mínimo de vagas de estacionamento nem quanto à cota de coroamento.
Resumo: A partir dos dados coletados,conclui-se: Área máxima de ocupação: 23.100 m² Área máxima de construção: 66.000 m²
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LOCALIZAÇÃO
b) Hierarquia Viária
arterial coletora local
Fig. 23: Mapa de hierarquia viária
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200m
A classificação da hierarquia viária foi feita com base em GONDIM15. O mapa acima apresenta a representação gráfica desta classificação. A via Rua de Ligação Qnf/Qnl, que faz a ligação entre Ceilândia e Taguatingua e passa em frente ao lote em estudo, é considerada arterial, uma vez que deve atender às necessidades de tráfego mais intenso, com trânsito de automóveis, ônibus e caminhões e velocidade máxima de 50 km/h. Desta forma, essa via apresenta níveis mais elevados de poluição sonora, visual e atmosférica e a sua arborização é recomendada para amenizar os distúrbios do tráfego. Vale ressaltar que a fachada voltada para esta via deve recever um maior cuidado no desenho de aberturas, por conta desta poluição. As vias coletoras fazem a ligação entre as vias arteriais e são responsáveis pelo acesso ao interior dos bairros. No caso das vias marcadas no mapa, suas características são a de baixa velocidade e cruzamentos semaforizados. Em especial, o terreno apresenta uma forte conexão visual com a via St. C Norte Cnc, por ser estar em um ponto de intersecção entre a via em questão e a via arterial. Logo, o desenho da fachada e a ocupação da parte da via St. C Norte Cnc, é importante no sentido que esta será mais facilmente percebida pelos motoristas. Já as vias locais possuem caráter de passeio e acesso. São nessas vias que se encontram um grande número de estacionamentos. Mesmo assim, percebe-se no local estacionamentos irregulares, o que sugere que a área recebe um grande fluxo de veículo durante todo o dia. Esse fator deve ser levado em consideração, uma vez que a atividade proposta aumentará o fluxo de automóveis na zona em questão. Não se apresentam vias expressas na proximidade imediata ao sítio em análise, mas ressalta-se que as vias expressas DF-001 (EPCT - Estrada Parque do Contorno) e BR-070 são importantes conexões para o acesso motorizado ao local. Percebe-se que o terreno, no que se diz ao acesso por diferentes vias hierárquicas, é rico de possibilidades e cada fachada deve ser projetada levando-se em consideração as análises realizadas. 15 GONDIM, Monica Fiuza. Caderno de desenho de ciclovias. 2010. Pág 28 - 30.
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LOCALIZAÇÃO
c) Uso do Solo comercial Residencial unifamilar multifamiliar misto Institucional Saúde Admistrativo Ensino
Fig. 24: Mapa de uso e ocupação do solo
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200m
Como é possível se ver no mapa, a região é composta predominantemente pelo uso institucional (principalemte ensino e saúde) e residencial. As atividades comerciais são variadas: drogarias, funerárias, restaurantes, padarias, academias, supermercados, lavanderias, oficinas e, em sua grande parte, serviços. As atividades de destaque são o SENAI Taguatinga, que atrae uma grande quantidade de pessoas durante os horários comerciais e nos eventuais cursos noturnos, o Centro de Ensino Médio de Taguatinga Norte, que faz com que a área seja frequentada por muitos jovens durante a entrada e saída das aulas e as Faculdades Projeção e Uniseb, garantindo o movimento noturno. Muitos dos usuários desses equipamentos educacionais, mesmo quando não moram nas redondezas, ficam pela região após as aulas, frequentando restaurantes, centros comerciais e a quadra de futebol informal do terreno. Essas atividades pedem ser consideradas pólos regulares atrativos, pois seus usuários são assíduos. Ressalta-se a escassez de creches ou escolas de ensino infatil públicas na região. O Hospital Regional, Anchieta, Oftalmológico e o Centro de Saúde são atrativos de grande movimento, apesar de serem frequentados por diferentes usuários. Esses diferentes pólos de atração fazem com que a área seja bem dinâmica e com um público diverso, o que é extremamente positivo para a proposta da desestigmatização da edificação penal, além de possibilitar inúmeras parcerias entre os equipamentos e a desejada integração da edificação com a comunidade local.
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LOCALIZAÇÃO
Fig. 25: Mapa de acessos e fluxos
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LOCALIZAÇÃO
d) Acessibilidade e fluxos pedestre caminhos informais ônibus caminho para o metrô
Analisando a figura 25, é possível perceber os principais eixos de acesso ao lote em análise. A região é bem servida por transportes públicos, há presença de paradas de ônibus num raio de 150 metros. As linhas que sevem esta área conectam-a com as demais regiões administrativas do DF, principalmente Ceilândia, Gama, Samambaia e Plano piloto e também com a estação de metrô Praça do Relogio, distante apenas 5 minutos de ônibus ou 30 minutos a pé. O Senai, o Hospital Regional de Taguatinga e o Fórum de Taguatinga são equipamentos que atraem as pessoas. Entretanto, a única via confortável ao passeio de pedestres é a Rua de Ligação, que possui calçadas acessíveis e arborização. A presença de pedestres nas outras vias é pouca. Pecebem-se no terreno caminhos informais, ou os “caminhos do desejo”, traçados pelo grande fluxo de pedestres cortando caminho para acessar os equipamentos que ali se encontram. Essas linhas são importantes para o projeto no sentido de não se bloquear o acesso do térreo, uma vez que um dos conceitos buscados é a permeabilidade. Não foram identificadas ciclovias de acesso.
53
LOCALIZAÇÃO
e) Visuais
0
200m
Fig. 26: Visuais para o terreno
1 Fig. 27
2 Fig. 28
3 Fig. 29
54
LOCALIZAÇÃO e.1 Para o Terreno O terreno em estudo apresenta alguns pontos visuais de pausa interessantes. Isso faz com que ele, apesar de vazio, tenha bastante visibilidade na área. A foto 1 apresenta uma visual interessante para os motorista, pois representa a pausa da entrada para o estacionamento do SENAI e possibilita uma visão de canto do terreno. A foto 2 mostra a visual da alternativa da pausa da foto 1, para quem continuou o percurso de carro, ou para o pedestre que caminha na Rua de ligação. As fotos 3 e 4 apresentam a visual do ponto mais alto do terreno, segundo o acesso daa via coletora St. C Qnc, e as fotos 5 e 6 mostram a via local de acesso ao terreno.Essas imagens ilustram a qualidade topoceptiva simbólica que o terreno pode desenvolver em seu contexto.
4 Fig. 30
5 Fig. 31
6 Fig. 32
55
LOCALIZAÇÃO
e) Visuais
0
200m
Fig. 33: Visuais do terreno
1
Fig. 34
Fig. 35
56
2
LOCALIZAÇÃO e.1 A partir do terreno O terreno se encontra em uma área dinâmica e com grande diversidade de usos, o que faz com que as visuais a partir dele também sejam diversas.A foto 1 ilustra o caráter extremamente residencial deste lado do terreno. É de extrema importância que esta fachada seja desenvolvida de acordo com esse caracter nesta parte do terreno. A Foto 2 apresenta o muro do Centro de Ensino Médio de Taguatinga, explicitando o caráter inóspito desta visual. Este muro, aliado à pouca arborização, e a calçada em má condição faz com que a experiência do pedestre nessa área seja muito negativa. Por isso, esta fachada precisa ser tratada de maneira a atrair o acesso de pedestres e criar uma experiência mais agradável para os transeuntes, principalmente por se encontrar em uma área importante de intersecção viária. Já a Foto 3 ilustra a entrada do Fórum de Taguatinga, enquanto a foto 4, a do SENAI. Ressalta-se aqui uma ironia: todas as visuais a partir do terreno apresentam muros, fazendo com que, de certa forma, o terreno em si já seja murado.
3
Fig. 36
4
Fig. 37
57
LOCALIZAÇÃO
Fig. 38: Mapa de condicionantes físicos direção declive terreno vegetação curvas de nível 0
58
200m
LOCALIZAÇÃO
f) Condicionantes Físicos
Fig. 39: Corte territorial longitudinal
130 m
220 m
casas
0
10
terreno
50
fórum
100
Fig. 40: Corte territorial transversal
O terreno apresenta uma declividade de 10 metros na direção oeste. Atualmente, as curvas de nível originais foram modificadas e por isso essa declividade não é uniforme. Considerando esse grande desnível, uma das estratégias do projeto será aproveitá-lo para criar espaços amplos semienterrados, garantindo a unidade da cota de coroamento com o entorno. Outra preocupação é trabalhar esses volumes de modo a manter o caráter permeável deste terreno na malha urbana, garantindo acessibilidade aos diversos usos que o rodeia. Como dito no item anterior, e.2 Visuais a partir do terreno, há uma presença grande de muros de diversas formas, que constituem em barreiras visuais e físicas. Quanto à vegetação, o entorno é pouco arborizado, sendo as maiores massas vegetativas presentes na região dos parques. No terreno em si, ressalta-se a existência de árvores de pequeno porte (espécie não identificadas até o momento). 59
LOCALIZAÇÃO
Fig. 41: Mapa de condicionantes climáticos
0
60
200m
LOCALIZAÇÃO g) Condicionantes climáticos ventos predominantes ventos secos percurso solar ventos chuvosos fachadas com necessidade de proteção solar
A figura 41 foi criada com base na análise das cartas solares e frequência dos ventos para Brasília. A fachada noroeste recebe maior incidência solar durante o ano e é também a mais prejudicada com poluição sonora, visual e atmosférica proveniente da via arterial Rua de Ligação. A fachada Sudoeste também recebe considerável incidência de radiação solar nos períodos críticos do dia. Essas fachadas devem ser desenvolvidas de modo a barrar a incidência solar mas permitir a passagem dos ventos da estação chuvosa (noroeste), que trazem umidade.Nas fachadas nordeste e sudeste, o ideal é locar-se aberturas maiores, para se aproveitar a radiação do nascente e a ventilação proveniente dos ventos predominantes leste.
61
06 PROGRAMA DE NECESSIDADES Para estabelecer um programa de necessidades preliminar, usou-se como base as Diretrizes Básicas para a Arquitetura Prisional , buscando favorecer as instalações com conforto, mas trazendo soluções viáveis que permitam o grau de segurança necessário para o edifício e a comunidade.
O documento das Diretrizes Básicas para a Arquitetura Prisional sugere algumas recomendações de caráter geral, que visam nortear a escolha do partido. Destacam-se as seguintes recomendações: “ a) planejar as ampliações dos estabelecimentos desde o início doprojeto, para que as várias dependências destinadas a assistir apessoa presa possam vir a ser dimensionadas de acordo com acapacidade total a ser atingida; b) planejar as construções de novos estabelecimentos penais de maneira a atender às demandas por novas vagas, sem prescindir de critérios que favoreçam a saúde mental e o conforto ambiental daqueles que usam este espaço; c) compreender a área total do estabelecimento penal a ser construído entre os limites de 12,00 a 60,00m2 de área construída por pessoa presa (inclusive pátios de sol descobertos) e a área total de terreno entre os limites de 16,00 e 100,00 m2 de área de terreno por pessoa presa, como forma de fixar a taxa de ocupação; d) fazer uso de áreas verdes, visando a humanizar o ambiente diário da pessoa presa sem deixar de lado as particularidades relacionadas à segurança. Estas áreas verdes podem ser as áreas utilizadas para a permeabilidade do terreno; e) considerar como unidade de vivência as alas celulares, que, além das celas, devem contar com áreas para lazer diário, refeitório e pátio; esta medida, além de organizar melhor os fluxos internos no estabelecimento, permite uma melhor seleção de pessoas presassegundo sua categoria; f) evitar sobrecarregar e superpor fluxos nas escadas e circulações por onde transitem pessoas presas; g) evitar o uso de subsolos, por uma questão de salubridade. Caso sejam usados, destinar neles as áreas de serviços, desde que atendam a critérios de aeração, salubridade, iluminação natural, entradas esaídas de emergência acessíveis; h) caracterizar no projeto um zoneamento geral intencional que permita a organização de cada fluxo de circulação em particular; i) interligar blocos isolados, quando o partido escolhido assim definir a construção, por passarelas cobertas, fechadas lateralmente ou não, segundo o grau de segurança do estabelecimento; j) ter em conta um cuidado especial na escolha de elementos de composição e de fachada, devido à possibilidade de utilização dos mesmos como esconderijos para pessoas ou objetos; l) evitar barreiras visuais que possam criar pontos cegos em áreas de segurança, tais como: muralhas, corredores de circulação, acessos e telhados etc.”
PROGRAMA DE NECESSIDADES
ACESSOS E CIRCULAÇÕES Como a edificação penal apresenta diversos níveis de permissão de acesso e usuários diferentes, é essencial o estabelecimento de um bom fluxo de presos, funcionários, visitas e serviços. Segundo as Diretrizes, o acesso de pedestres e veículos deve ser único, através de portal específico que possibilite a restrição e vistoria da entrada, saída e circulação de pessoas. A exigência de largura mínima para as circulações internas (módulos de celas) é de 2,00 metros para corredores com celas em apenas uma de suas laterais e de 2,50 metros para corredores com celas nas duas laterais. Nas passagem cobertas que interligam os módulos, essa largura também deve ser de 2,50 metros. ESTACIONAMENTOS O ideal é que o estacionamento para funcionários seja exclusivo e o estacionamento público seja fora da área de segurança. O dimensionamento dos estacionamentos é feito em consideração à quantidade de funcionários e presos. CONFORTO AMBIENTAL Deseja-se adotar estratégias para o aproveitamento da ventilação e iluminação naturais. Para a zona bioclimática de Brasília (zona 4), a norma recomenda o uso de parede pesada (materiais com maior capacidade térmica e grandes espessuras), e cobertura leve isolada (materiais de baixa densidade, pequena espessura e baixa capacidade térmica com camada isolante). Para garantir a ventilação natural na zona bioclimática indicada, as aberturas dos compartimentos devem obedecer a um mínimo de 16% a máximo 25% da área do piso, excluindo-se corredores e passagem com área igual ou inferior a 10m2. As aberturas zenitais também estão sujeitas ao mesmo dimensionamento. Para garantir ventilação cruzada, a relação entre as aberturas de entrada e saída deve ser no mínimo de 0,5. Iluminação artificial deve ser prevista em todas as dependências do edifício, bem como um gerador de emergência. A iluminação artificial externa deve ser executada da periferia para o interior ou da superior para a inferior, desta forma, os postes terão altura mínima equivalente ao dobro da cumeeira da cobertura dos telhados, permitindo total iluminação das fachadas, pátios e coberturas. É interessante que as luminárias das celas e dos corredores fiquem embutidas no forro e protegidas por materiais que lhes vedem o acesso, e sua manutenção seja feita externamente às celas.
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PROGRAMA DE NECESSIDADES
5.2 Setores As diretrizes sugerem que o projeto seja elaborado de maneira a caracterizar, pelo uso, os setores de zoneamento para garantir um fluxo ordenado de pessoas e de veículos. Os setores são: a) Setor Externo, cujo fluxo é composto dos visitantes, da guarda externa e do pessoal administrativo; Nesse setor podem ser locadas as atividades voltadas à comunidade, sem a presença dos presos b) Setor intermediário, onde circulam pessoas dos setores externos e internos; Esse setor é essencial na proposta da integração entre preso e comunidade c) Setor interno, onde circulam exclusivamente os presos e os funcionários.
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PROGRAMA DE NECESSIDADES
5.2.1 Setor Externo: a) Módulo para Agentes Penitenciários Este módulo abriga a guarda interna, cuja função é controlar a entrada e a saída de pessoas presas, de visitantes, de viaturas e a segurança interna do estabelecimento penal. Este módulo poderá ser contíguo ao módulo da administração. b) Módulo de Recepção e Revista de Visitantes Entrada principal do estabelecimento, este módulo faz o controle de entrada e saída de pessoas, veículos, pertences e materiais. c) Módulo de Administração Funciona como central de controle e administração, abrigando a diretoria do estabelecimento e suas dependências administrativas.
66
PROGRAMA DE NECESSIDADES
Setor
Módulo
Módulo para agente penitenciário
Módulo de Recepção e Revista de Visitantes (entrada principal) Setor externo
Módulo de Administração
Programa descriminado
Área Minima (m2)
Dormitório
15
Vestiários maculino e feminino
24
DML - Depósito de material de limpeza
2
sala de espera externa
80
sala de administraçao e controle setor de revista sanitario de visitantes masculino e feminino Sala de pertences (visitantes) DML - Depósito de material de limpeza Portaria de acesso e recepçao Salas de atendimento familiar Sala Diretor com WC Sala secretaria/recepcao Sala Vice Diretor sala para prontuario Sala para apoio administrativo Sala administratica da equipe técnica Sala de reunioes Almoxarifado Central Wc maculino Wc feminino Copa
9 16
Oficina de reparos e manutenção Total Setor Externo:
30 3 2 8 9 15 9 9 9 9 9 12 9 2,25 2,25 6 20 309,5
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PROGRAMA DE NECESSIDADES
5.2.2 Setor Intermediário a) Módulo de Triagem/Inclusão Este módulo destina-se a receber a pessoa presa quando de sua entrada no estabelecimento, fazendo a coleta de dados e identificação. b) Módulo de Assistência à Saúde Provê, em caráter preventivo e curativo, assistência médica, farmacológica , psicológica, entre outras especialidades. c) Módulo de Tratamento Penal Este módulo destina-se às atividades de avaliação e de acompanhamento das pessoas presas, devendo funcionar em conjunto com a equipe de saúde e próximo ao Módulo de Saúde. d) Módulo de Serviços Este módulo deverá conter cozinha, lavanderia, almoxarifado, padaria etc., e, preferencialmente, usar a mão de obra das pessoas presas, servindo como curso profissionalizante. A cozinha poderá ser centralizada e a distribuição dos alimentos deverá atender aos vários refeitórios do estabelecimento. Para o cálculo da área de cozinha, almoxarifado e lavanderia, consultar o dimensionamento detalhado apresentado nas Diretrizes básicas.
68
PROGRAMA DE NECESSIDADES
Setor
Módulo
Módulo de Triagem/Inclusão
Setor Intermediário
Módulo de Assistência à Saúde
Módulo de Tratamento Penal
Modulo de Serviço total Setor Intermediário
Programa descriminado Eclusa para desembarque de veículos Sala para agentes Sala de chefia dos agentes
Área Minima (m2)
Instalação sanitária para agentes
3
Chuveiro/ higienização Sala de identificaçao/biometria Revista de pessoas presas 1,6m2/box Instalaçao Sanitária para funcionario 2,25 cada Celas individuais e coletivas com instalação sanitária 6,00 (cada) Solário coletivo Sala de pertences Sala/Cela para recebimento de pessoa presa Cela PNE Sala de recepção e espera Sala de acolhimento multiprofissional Sala de atendimento clínico multiprofissional Consultório de atendimento ginecológico com sanitário Estoque Dispensação de medicamentos e estoque Cela enfermaria 12m2/leito Consultório de atendimento odontológico Sala Multiuso Sala de procedimentos Salas de atendimento (serviço social e psicologia) Sala de atendimento jurídico Sala da Defensoria Pública Sala de atendimento em grupo Instalações Sanitárias (masculina/feminina) Espera para atendimento de pessoas presas Sala de reconhecimento/acareação Sala para interrogatório/audiência cozinha Almoxarifado Lavanderia
3 6
13 9 9
8 8 30 19 6 6 12 12 12 7,5 10 7,5 1,5 120 9 9 3,6 6 3 10 30 5 6 12 30 140 90 100 756,1
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PROGRAMA DE NECESSIDADES
5.2.3 Setor Interno a) Módulo Polivalente Este espaço destina-se, primordialmente, à prática de cerimônias e cultos religiosos, peças teatrais, atividades esportivas e visitas de familiares. b) Módulo de Visitas Íntimas Destina-se a propiciar à pessoa presa o acesso à visita íntima dos(as) esposos(as) ou companheiros(as) hetero ou homoafetivos. c) Módulo de Ensino Espaço destinado às atividades de ensino formal, informal e profissionalizante e atividades da comunidade com as pessoas presas. d) Módulo de Oficinas Espaço para favorecer as presas no desenvolvimento de competências para o convívio social e também para o trabalho remunerado. e) Módulo de Vivência Coletiva Este módulo deverá representar unidade autônoma, contando com espaços que sejam usados pelas pessoas presas em seu dia-a-dia, tais como: área coberta para refeitório, lazer, pátio de banho de sol etc. O solário deverá ter sua área dimensionada considerando um índice de, no mínimo, 6,00m2 ou, em caso de pátio de sol coletivo, respeitada a proporção de 1,50m2 por pessoa. A área total pode ser calculada sobre o número de usuários, considerando que o solário pode ser utilizado em forma de rodízio. O diâmetro mínimo exigido para o pátio de sol é de 10,00 metros. A cela individual é a menor cela possível em um estabelecimento penal. Devem ser previstos cama e área de higienização pessoas com pelo menos lavatório e aparelho sanitário, além de circulação. Nos estabelecimentos femininos é obrigatória a instalação do sanitário e do chuveiro na cela. A área mínima é de 6 metros quadrados, incluindo os elementos básicos e elementos de apoio (divisória, mesas, prateleiras). A cubagem mínima é de 15 metros cúbicos. O diâmetro mínimo é de 2 metros. As celas acessíveis devem atenter à NBR 9050/2004 e os armários devem atender ao item 7.4.2 da mesma. Deve haver pelo menos uma área com diâmentro de no mínimo 1,50 m que possibilite o giro de 360 graus. A altura das camas deve ser de 0,46 metros. A dimensão mínima de uma cama será de 0,70m x 1,90m. A cela coletiva é qualquer cômodo com a mesma função de uma cela individual, porém com capacidade para abrigar mais de um preso simultaneamente. Para dimensionamento desse tipo de cela, consultar a tabela 02 (dimensões mínimas para celas) das Diretrizes Básicas para Arquitetura Prisional. Não é admitido beliche superior a três camas.
70
PROGRAMA DE NECESSIDADES
Setor
Módulo Módulo Polivalente
Módulo de Visitas Íntimas
Setor Interno
Módulo de Ensino
Módulo de Oficinas
Módulo de Vivência Coletiva
Módulo de Berçário e Creche
Programa descriminado Área coberta Área descoberta com espaço para recreação infantil Instalações sanitárias femininas Sala de cabeleireiro Apartamento/suíte (2 unid./100 pessoas presas) + 1PNE Espaço para entrega de roupa suja Depósito Material de Limpeza Rouparia Biblioteca Sala de aula Instalação sanitária (pessoa presa) Sala de professores Sala de informática Sala de encontros com a sociedade Sala de controle Instalação sanitária Estoque Área de trabalho Carga/descarga Sala de controle Instalação sanitária funcionário Instalação sanitária externa Área coberta (refeitório, lazer etc.) Pátio de Sol Distribuição de refeições Celas individuais Controle para agentes Copa/Cozinha Estar Dormitório coletivo mãe/bebê (máximo 4 pes- soas) + banheiro e fraldário Lactário Rouparia Depósito de Material de Limpeza Despensa Área descoberta para banho de sol com playground Lavanderia / quarador Refeitório Dormitório gestante Refeitório gestantes/mães
Área Minima (m2) 200 600 24 20 30 3 3 3 30 45 3 25 45 30 9 25 30 300 20 6 3 12 100 300 15 1200 6 12 24 60 9 3 3 3 40 3 25 25 5
71
PROGRAMA DE NECESSIDADES
f) Módulo de Berçário e Creche Este módulo destina-se a atender as mulheres gestantes presas e mulheres presas e seus respectivos filhos e filhas contemplando as necessidades específicas do público nesta condição. A estrutura para crianças até dois anos contempla espaços de berçário e entre dois e sete anos, espaços que possibilitem a educação infantil. Estes espaços deverão ser previstos para um atendimento mínimo de 20 crianças, em unidades penais com capacidade de até 500 vagas. g) Módulo de Tratamento para dependentes químicos Este Módulo de Tratamento destina-se a abrigar as pessoas com alguma dependência química em fase de atenção especial pela equipe de saúde da unidade. h) Módulo de Esportes Este módulo destina-se a atividades esportivas, será composto de uma quadra poliesportiva, vestiários e depósito.
72
Módulo de Oficinas
Módulo de Vivência Coletiva
Módulo de Berçário e Creche Setor Interno
Módulo de tratamento para dependentes químicos Módulo de Esportes Total Setor Interno TOTAL UNIDADE
Estoque Área de trabalho Carga/descarga Sala dePROGRAMA controle DE Instalação sanitária funcionário Instalação sanitária externa Área coberta (refeitório, lazer etc.) Pátio de Sol Distribuição de refeições Celas individuais Controle para agentes Copa/Cozinha Estar Dormitório coletivo mãe/bebê (máximo 4 pes- soas) + banheiro e fraldário Lactário Rouparia Depósito de Material de Limpeza Despensa Área descoberta para banho de sol com playground Lavanderia / quarador Refeitório Dormitório gestante Refeitório gestantes/mães Sala terapia ocupacional e fisioterapia pediátrica Sala multiprofissional da saúde sala apoio administrativo/ pedagógico Sala dos professores sala de aula (crianças) Área coberta para atividades recreativas e educativas Entrada de serviços Refeitório infantil Cozinha creche Unidades sanitárias infantis Dormitório para criança Dormitório para cuidadora com instalação sanitária
30 300 20 6 NECESSIDADES 3 12 100 300 15 1200 6 12 24 60 9 3 3 3 40 3 25 25 5 15 9 12 12 30 24 5 10 10 10 60 9
cela individual
240
cela coletiva quadra poliesportiva depósito vestiarios
30 800 6 12 4593 5658,6
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07 REFERÊNCIAS
Uma vez que a intenção é criar uma edificação penal diferente do padrão, buscouse trazer referëncias de projetos não só de arquitetura penal, mas também de outros tipos de programas, de modo a implementar novas possibilidades na edificação penal e resignificar alguns de seus elementos. As referências estão divididas em: Refêrencias programáticas: exemplos de aplicação de programas diversos que podem ser aplicados na arquitetura penal. • Referências arquitetônicas: exemplos de elementos arquitetônicos e organizações espaciais. • Referências construtivas: exemplos de métodos construtivos relevantes de serem estudados e aplicados na concepção do projeto. •
REFERÊNCIAS ǀ PROGRAMA
Fig. 42
Fig. 43 a 45
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PROGRAMA ǀ REFERÊNCIAS
PRISCHOOL tese de graduação por Glen Satayana Harvard Graduate School of Architecture and Design 2013 Na tentativa de criar uma prisão que reduziria a alta taxa de reincidência americana (67%), este projeto faz um híbrifo entre prisão e escola. Seus usuários são indivíduos condenados por crimes não violentos, ou seja, segurança média. O projeto consiste em quatro prédios verticais. Um para a prisão em si, um edifício pré-liberdade (que faz a transição entre isolamento e liberdade para presos que estão prestes a terminar suas sentenças), um centro comunitário e uma escola de criminologia. O edifício pré-liberdade possui oficinas de técnicas de construção e laboratórios de computação para ensinar aos presos ofícios úteis que ajudem na sua reinserção na comunidade. O centro comunitário permite que os internos tenham um convívio com a comunidade, de modo a quebrar o estigma que o edifício penal tem na sociedade. Já a escola de criminologia promove estudos usando com base o dado dos internos. Destaca-se a sua implantação, em uma zona urbana e de grande especulação imoliária da cidade de Nova Yorque.
77
REFERÊNCIAS ǀ PROGRAMA
Fig. 46 a 50
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PROGRAMA ǀ REFERÊNCIAS
HALDEN PRISON Erik Møller Arkitekter + HLM arkitektur Noruega Considerada a prisão mais humana do mundo, a penitenciária de Halden é fruto de um sistema político-social de um país cuja taxa de reincidência é de apenas 20%. O edifício é de segurança máxima, locado em uma área florestada, fora do centro urbano e conta com espaços de atividades diversificadas, desde celas individuais até academia e salas de aula e estúdio de música. Todos os ambientes são bem iluminados e as janelas não possuem grades. Dependendo do nível de segurança necessário em cada área da edificação, a fachada se alterna, abrindo-se ao exterior ou fechando-se com muros. 79
REFERÊNCIAS ǀ ARQUITETURA
CELA A cela é uma dos espaços mais importantes de estudo, uma vez que é um dos ambiente mais utilizados. Seu caráter múltiplo e a necessidade de se economizar espaço fez com que as principais referências adotadas fossem exemplos de habitação mínima ou compacta, onde o mobiliário flexivel possibilita uma maior diversidade de uso.
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1
2
3
4
ARQUITETURA ǀ REFERÊNCIAS
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1 - Interior da Nagakin Tower, de Kisho Kurokawa (Fig. 51) 2- Interior do Monatério de Ronchamp, de Renzo Piano (Fig. 52) 3- Interior Fredoom Room - Projeto residencial baseado em celas de penitenciárias, por CibicWorkshop e Comodo (Fig. 53) 4- Interior Fredoom Room - Projeto residencial baseado em celas de penitenciárias, por CibicWorkshop e Comodo (Fig. 54) 5 - Croquis Diogene, por Renzo Piano (Fig. 55)
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REFERÊNCIAS ǀ ARQUITETURA
TORRE DE VIGILÄNCIA A torre é um elemento delicado na concepção do partido, pois apesar de necessária, pode ser um símbolo de opressão. Entretanto, é possível ressignificar essa torre, de modo que cumpra seu papel de vigilância, sem ser um elemento totalmente autoritário. Como principal referência, buscou-se projetos que utilizassem torres como elementos de transição. Assim, destaca-se uma possibilidade de fazer das torres de vigilância da edificação penal uma promenade que una a edificação com seu entorno (possivelmente os parques ou as outras edificações sociais que se encontram no entorno).
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Fig. 56 e 57
ARQUITETURA ǀ REFERÊNCIAS
Fig. 58
FANTASTIC NORWAY Kathrine Næss e Degrees of Freedom. Noruega Proposta de conexão por meio de ponte pedestrial entre estação de metrô e campus Rosenholm. A passarela de 330 metros possue quatro entradas em forma de torres que evocam temáticas da floresta.
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REFERÊNCIAS ǀ CONSTRUÇÃO
2
1
MÉTODOS MODERNOS DE CONSTRUÇÃO1 Sistemas pré-fabricados e industrializados. 1- Construção Volumétrica (Fig. 59) 2- Construção por Painéis (Fig. 60) Vantagens da utilização dos métodos citados: • qualidade elevada • curto prazo de execução • padronização • menos mão de obra • redução de custo de gerenciamento de projeto • redução de defeitos • redução de desperdícios • redução de dependência do clima • aumento de segurança na obra 1 NHBC Foundation, A guide to modern methods of construction, IHS BRE Press, Dezembro de 2006. 84
CRONOGRAMA
BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Diretrizes básicas para arquitetura prisional./Revisão técnica (ortográfica e metodológica): Gisela Maria Bester. Brasília: CNPCP, 2011. BRASIL. Presidência da República. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Grupo de Trabalho Interministerial. Reorganização e Reformulação do Sistema Prisional Feminino- 2008. Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2008. ESTECA, Austo Cristiano Prata. Arquitetura Penitenciária no Brasil: análise das relações entre a arquitetura e o sistema jurídico-penal / Augusto Cristiano Prata Esteca. 2010. 241 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - UnB, Brasilía. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da Prisão. Trad. Raquel Ramalhete. 23a Ed. Vozes - RJ, 2000. LODATO, Emily. Redefining the prison milieu. 2014. 120f. Tese (Graduação em Arquitetura) Syracure University, EUA. PICON, Antoine. Learning from utopia: contemporary architecture and the quest for political and social relevance. Journal of Architectural Education, numero 1, 2013. SANTAYANA, Glen. Prischool: prison and school hybrid. 2013. 144f. Arquitetura)-Harvard University, EUA.
Tese (Mestrado em
SEGAWA, H. Construções de ordens: um aspecto da arquitetura no Brasil 1808- 1930. 1987. 334f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1987. SILVA, Alexandre Calixto da. Sistemas e Regimes Penitenciários no Direito Penal Brasileiro: Uma Síntese Histórico/Jurídica. / Alexandre Calixto da Silva. 2009. 112f. Dissertação (Mestrado em Direito Penal) – UEM, Maringá. SILVA, Fabiana Nunes. Prisão, Cidade e Território. Campinas, 2008. 101f. Dissertação (Mestrado)Curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Campinas, 2008. SUN, Érika Wen Yih. Pena, Prisão, Penitência / Érika Wen Yih Sun. 2008. 264f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) - UnB, Brasília
BIBLIOGRAFIA
LISTA DE IMAGENS
Capa: ilustração do OMA para Parc de la Villette, 1982. Fonte: OMA Figura 1: produzido pela Autora Figura 2: Alcatraz, San Francisco Fonte: Daily Mail Figura 3: Auburn, New York. Fonte: Digital Sanborn Maps Figura 4: Elevation, section and plan of Jeremy Bentham’s Panopticon penitentiary, drawn by Willey Reveley, 1791/ Wikipedia Figura 5: Johnston, Forms of Constraint: A History of Prison Architecture, 77. Figura 6: Johnston, Forms of Constraint: A History of Prison Architecture, 96. Figura 7-8: Fairweather and McConville, Prison Architecture: Policy, Design and Experience, 93-94. Figura 9: Autoria desconhecida. Fonte: SANTAYANA, Glen. Prischool: prison and school hybrid. 2013. Pag 77 Figura 10: produzido pela Autora Figura 11: Cela da Penitenciária Feminina de Santana, Marlene Bergamo/ Folhapress Figura 12: produzido pela Autora Figuras 13-18: produzidos pela Autora Figuras 19-21: Google Earth, com ênfase da Autora Figuras 22- 26: produzidos pela Autora Figuras 27 - 32: Google Street View, Google Maps Figura 33: prodizido pela Autora Figuras 34-37: Google Street View, Google Maps Figuras 38 - 41 : Produzidos pela Autora Figuras 42 - 45: PriSchool, Glen Santayana Figuras 46- 50: Erik Møller Arkitekter Figura 51: Kisho Kurokawa Figura 52: Michel Denancé Figuras 53 - 54: Cibic Worshop e Comodo/ http://www.freedomroom.org Figura 55: Renzo Piano/ http://www.rpbw.com Figura 56 - 58: Fantastic Norway / http://www.fantasticnorway.no/ Figura 59: Module being lifted in the factory / http://www.steelconstruction.info/File:N2_Fig4.png Figura 60: Modern Methods of construction / <http://www.sidey.co.uk/tncsite/newbuild/off-site-construction.php>
O mundo bate do outro lado de minha porta
Arquitetura e Isolamento: conceito, elementos e programas
Vanessa Costalonga
Autora
Raquel N. Blumenschein
Orientadora
O mundo bate do outro lado de minha porta/ Isolamento e Arquitetura: conceito, elementos e programas Autora: Vanessa Costalonga Martins - matrícula 09/0014618 Orientadora: Raquel Naves Blumenschein Brasília, 2015 Ensaio desenvolvido na disciplina de Ensaio Teórico, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília - FAU UnB 1. Arquitetura e Isolamento; 2. Elementos fundamentais da Arquitetura; 3. Programas de isolamento;
Quem virĂĄ bater Ă porta? Numa porta aberta se entra Numa porta fechada um antro O mundo bate do outro lado de minha porta.
Pierre Albert-Birot Les Amusements Naturels, pĂĄg. 217.
Agradecimentos À minha orientadora, Raquel Blumenschein, por ter me guiado por esse caminho da pesquisa acadêmica, que antes me parecia um tanto obscuro. À minha família, pelo suporte e amor que me dão todos os dias. To Christo, for always being there for me, even an ocean away. Às amigas, Vesna e Cecília, que entenderam o meu “isolamento” temporário e ajudaram como puderam.
Fig.1
RESUMO O isolamento é intríseco à Arquitetura. Pode-se dizer que, desde os primórdios da primeira construção, o isolamento foi um fator motivador fundamental para a concepção do espaço edificado. Pretende-se investigar a relação entre o conceito de isolamento e a Arquitetura, buscando definir seus motivos geradores, elementos essenciais e materializações mais relevantes. Por meio da análise da evolução histórica dos principais programas de isolamento, é possível perceber como o comportamento dos elementos essenciais e o próprio conceito de isolamento mudou, à medida em que esses programas se adaptavam a mudanças políticas, sociais e econômicas. Palavras chaves: 1. Arquitetura e Isolamento; 2. Elementos fundamentais da Arquitetura; 3. Programas de isolamento;
Fig.2
ABSTRACT Isolation is an intrinsic concept of Architecture. From the earliest man made construction, isolation has been a driving factor and key motivation for making buildings. The aim of this paper is to investigate the concept of isolation in Architecture; defining its generators, fundamental elements and most relevant materializations. This is achieved by means of a comparative analysis of buildings of isolation and how these building types have evolved. Through this typology its is possible to unpack how the elements and very concept of isolation have transformed over time as these programs adapted to political, social and economic change. Key words: 1. Architecture and Isolation; 2. Fundamental Elements of Architecture; 3. Isolation Programs;
Índice 0. introdução 0.1 Objetivos 0.2 Estrutura do texto 0.3 Metodologia
PARTE I
13 15 17 19
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1. ISOLAMENTO 23 2. elementos 25 2.1 BARREIRA [muro] 25 2.2 LIMITE [janela] 27 2.3 fronteira [porta] 29 2.4 implantaçÃo, cÉlula e controle 31
PARTE II
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3. fuga 3.1 isolamento voluntário 3.1.1- Mosteiros 3.1.2 Condomínios residenciais fechados (CRF)
35 37 38 46
3.2 ISOLAMENTO Compulsório 4.2.1 Hospitais 4.2.2 Prisões
55 56 64
PARTE III
75
4. ANáLISE 4.1 Muro 4.2 Janela 4.3 Porta 4.4 Controle 4.5 Implantação 4.6 Célula
77 77 81 83 84 86 87
5. CONCLUSÃo 88 6 Referências Bibliográficas 90 7. Lista de imagens 92
Fig.3 12
0 introdução A Arquitetura, em uma definição simplificada, é “construção concebida com o propósito primordial de ordenar e organizar o espaço para determinada finalidade e visando a determinada intenção” (COSTA, 1940). Pega-se um espaço aparentemente vazio e, com um simples elemento como, por exemplo, um plano, pode-se criar inúmeras situações espaciais. Todavia, essa organização criadora tem em si um gesto de impor limites. Desde os primórdios da primeira habitação/construção, a Arquitetura separava o exterior do interior, o perigo do protegido, fosse esse das intempéries ou do desconhecido. Segundo Jorge Marão Carnielo Miguel, “a casa surge, também, como a incorporação de elementos naturais, derivando deles um sistema estrutural (pilares, vigas e cobertura) que transforma o espaço fechado num invólucro protetor frente a uma natureza ampla e agressiva.”1 Seja pela criação de elementos construtivos ou pelo uso oportunista de elementos pré-existentes, como topografia e vegetação, o isolamento é um fenômeno ao mesmo tempo moldado por e moldador da Arquitetura. O estudo dos elementos fundamentais da arquitetura aplicados aos programas de isolamento pode ajudar a entender de maneira mais holística este caráter segregador do ambiente construído. A Bienal de arquitetura de Veneza de 2014, curada pelo arquiteto holandês Rem Koolhaas, teve a temática central de Fundamentals, ou os fundamentos da arquitetura. Em seu pavilhão principal (Pavilhão da Bienal), a exposição se organizou em torno dos Elementos da Arquitetura (Elements of Architecture). Nas salas de exibição foi apresentada uma compilação de exemplos e aplicações dos elementos principais da arquitetura (Piso, Parede, Teto, Telhado, Porta, Janela, Fachada, Varanda, Corredor, Lareira, Banheiro/Vaso Sanitário, Escada, Escada Rolante, Elevador e Rampa). Paralelamente ao catálogo da exposição, foi publicada uma coleção de livros cujos exemplares tratavam de uma colagem de fatos, histórias e exemplos dos elementos arquitetônicos fundamentais apresentados na Bienal.2
1 MIGUEL, JORGE M.C. “Casa e lar: a essência da arquitetura” outubro 2002. Vitruvius. Acessado em 15 Abr 2015 < http://www. vitruvius.com.br/revistas/read arquitextos/03.029/746> 2 Informações coletadas em visita pessoal à Bienal de Arquitetura de Veneza de 2014 em novembro de 2014. Mais sobre o evento pode ser encontrado na página oficial <http://www.labiennale.org/en/architecture/>.
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Sendo a Bienal Internacional de Arquitetura uma exposição para mostrar o que se está sendo discutido na comunidade arquitetônica internacional, percebe-se então a importância de voltar o olhar de pesquisador para os elementos básicos e seus significados poéticos e metafóricos na concepção dos projetos arquitetônicos atuais. Esse olhar já havia sido trabalhado na obra de filósofos como Bachellard, em seu livro A poética do espaço (1957), no qual se analisa a fenomenologia dos elementos arquitetônicos elementares de uma casa como uma metáfora para o processo de criação artística. Ainda que o objetivo do livro não fosse essencialmente de caráter arquitetônico, podem-se obter pertinentes reflexões sobre o significado imposto pelos elementos arquitetônicos.
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Na esfera programática, muito se discute sobre a necessidade real do isolamento em edifícios como penitenciárias, hospitais e os próprios shoppings e condomínios. Em seus livros Vigiar e Punir (1987) e História da loucura na idade clássica (1971), Michel Foucault mostra a evolução das tipologias de isolamento em prisões e manicômios, e questiona se esta é a melhor solução para o tratamento dos delitos sociais e doenças psicológicas. Embora até o presente momento não se tenha chegado a uma conclusão concreta do melhor sistema a ser adotado, esses estudos apontam para a necessidade de se repensar essa prática. Para isso, entretanto, é necessário investigar mais atentamente o próprio conceito de isolamento aplicado em cada programa e suas consequências para a forma com que a arquitetura é concebida.
0.1 Objetivos Este ensaio nasceu de uma curiosidade quanto ao conceito de isolamento e seus desdobramentos na Arquitetura. Por isso, podese dizer que seu objetivo geral é investigar o fenômeno segregador da Arquitetura. Mais especificamente, seu objetivo é analisar o comportamento dos elementos essenciais da arquitetura em programas de isolamento compulsório e voluntário, de modo a criar um paralelo comparativo entre os dois grupos. Primeiramente, é necessário conceituar isolamento e identificar suas materializações diretas na Arquitetura, definindo-se os elementos essenciais e programas a serem analisados. É preciso, também, indentificar os fatores geradores e as relações do objeto construído com o movimento de isolar-se, ou seja, o que motiva a construção dos programas de isolamento. Interessa perceber como os elementos fundamentais transformaram-se nos programas estudados, à medida em que os contextos histórico, político e social mudavam, e os movimentos estilísticos e as novas tecnologias apareciam. Busca-se entender qual a consequência que essas mudanças trouxeram tanto para o significado poético desses elementos, quanto para a sua forma e utilização na organização espacial adotada. Com isso, pretende-se estimular a busca de semelhanças entre programas aparentemente 15
distintos e explicitar as diferenças fundamentais que refletem o tempo e o local de sua elaboração. Mais que se atingir conclusões absolutas, desejase mapear o cenário da arquitetura de isolamento, de modo a possibilitar questionamentos sobre o tema proposto. Objetivos gerais • Investigar o conceito de isolamento e seus desdobramentos na arquitetura; • Analisar o comportamento dos elementos essenciais do isolamento em tipologias de edificações onde o isolamento é compulsório ou voluntário. Objetivos específicos • Conceituar o isolamento e identificar seus possíveis desdobramentos na Arquitetura; • Identificar os fatores geradores e relações com o objeto construído no movimento de isolar-se; • Definir os elementos arquitetônicos essenciais a serem analisados; • Definir os programas mais representativos que serão analisados; • Analisar como os elementos arquitetônicos fundamentais se comportam nos programas definidos;
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0.2 Estrutura do texto
Esse documento está dividido em três partes. A primeira, que engloba o primeiro e o segundo capítulo, trata da busca de uma definição conceitual e poética de isolamento e dos seus elementos arquitetônicos fundamentais. A segunda parte, constituída do terceiro capítulo, apresenta os programas a serem analisados e seu panorama histórico. Por fim, a terceira parte, que engloba o quarto capítulo e a conclusão, relaciona as duas primeiras entre si, fazendo uma análise do comportamento dos elementos arquitetônicos fundamentais no decorrer do histórico apresentado para os programas. Logo, no primeiro capítulo, 1- Isolamentoconceito, apresenta-se uma definição do conceito de isolamento, através da análise de seu significado na Língua Portuguesa. Assim, é possível derivar o conceito de isolamento em palavras chaves. Essas palavras são essenciais para a análise realizada no segundo capítulo, 2 - Elementos do isolamento, cujo objetivo é estabelecer os elementos fundamentais da Arquitetura de isolamento. Com base no significado dessas palavras chaves, fazse uma analogia com o significado poético de alguns elementos arquitetônicos. Para cada palavra, apresenta-se uma colagem de exemplos, com o intuito de ilustrar situações nas quais o elemento materializa o significado da palavra chave analisada.
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Já no terceiro capítulo, 3 - Programas de Isolamento, apresentam-se os critérios utilizados para a escolha dos programas a serem analisados. Estabeleceu-se dois grandes grupos de análise, os programas de isolamento voluntário e os programas de isolamento compulsório. Tendo por base os estudos feitos até o momento, determinou-se como os programas mais expressivos de cada grupo as as seguintes edificações: Mosteiros, Condomínios, Hospitais e Prisões. Dentro de cada grupo, o histórico de cada programa é apresentado, apontando suas origens, seu processo evolutivo e as principais tipologias desenvolvidas, com foco em como o espaço e os elementos arquitetônicos foram moldados à medida que cada programa se transformava. O objetivo desse capítulo é dar uma base referencial para a análise do comportamento dos elementos feita no quarto capítulo, 4- Análise. No quarto capítulo, portanto, os dados apresentados nos capítulos anteriores são relacionados de forma crítica, com o intuito de estabelecer um paralelo entre os elementos essenciais do isolamento e o panorama histórico dos programas de isolamento. A análise é feita por elemento, de modo a possibilitar uma comparação entre os programas. Desta maneira, é possível perceber como esses elementos mudam de comportamento e apresentação de acordo com as diretrizes, condicionantes e determinantes apresentadas para cada programa. Finalmente, a conclusão apresenta observações derivadas da análise apresentada e alguns questionamentos para instigar futuras pesquisas sobre a relação entre Arquitetura e isolamento.
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3-0.3 Método de Trabalho Metodologia Método
Levantamento e revisão bibliográficos
Resultado
Definição do conceito de isolamento
Decomposição do conceito de isolamento em palavras chaves
Definição das palavras análogas para isolamento
Levantamento e revisão bibliográficos
Análise do conceito das palavras chaves encontradas
Analogia das palavras chaves encontradas com elementos essenciais da arquitetura
Definição dos elementos arquitetônicos essenciais do isolamento e seu significado poético no ambiente construído
Definição de criterios de análise para a seleção dos programas a serem estudados
Definição dos principais programas de isolamento
Análise do panorama histórico de cada programa de isolamento
Definição das diretrizes, conceitos e condicionantes históricos, políticos e sociais de cada programa
Paralelo do comportamento dos elementos essenciais com as diretrizes, condicionantes e conceitos de cada programa
Possibilidade de análise e comparação do comportamento dos elementos nos programas em questão. 19
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PARTE I
conceito e elementos
O objetivo desta primeira parte é definir o conceito de isolamento na Arquitetura e os elementos essenciais que serão estudados. No primeiro capítulo apresenta-se uma definição do conceito de isolamento, através da análise de seu significado na Língua Portuguesa. Assim, é possível derivar o conceito de isolamento em palavras chaves. Essas palavras são essenciais para o segundo capítulo, cujo objetivo é estabelecer os elementos fundamentais da Arquitetura de isolamento. Com base no significado dessas palavras chaves, faz-se uma analogia com o significado poético de alguns elementos arquitetônicos. Para cada palavra, apresenta-se uma colagem de exemplos, com o intuito de ilustrar situações nas quais o elemento materializa o significado da palavra chave analisada.
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Fig.4 22
1 ISOLAMENTO O isolamento não é um conceito autônomo. A condição sine qua non é a existência de um fator externo ao eu, do qual se deseja distância. O isolamento se relaciona diretamente à existência do “outro”. Este “outro” pode ser um indivíduo, um grupo de pessoas, um ambiente ou uma condição. Segundo o dicionário Michaelis, isolamento é: sm (isolar+mento2) 1 Ato de isolar. 2 Lugar onde se está isolado. 3 Social Segregação espacial de indivíduos ou grupos em consequência de fatores geofísicos: distância, falta de meios de comunicação, barreiras naturais como mares, serras etc. 4 Sala ou hospital etc., onde se colocam doentes moribundos ou portadores de moléstias contagiosas. 5 Estado do que está isolado de qualquer contato. 6 O que serve para isolar. I. estrutural, Social: falta de comunicação devida a variações na estrutura biológica, que proporciona experiências diferentes, p ex, entre os não cegos e os cegos. I. habitudinal, Social: falta de comunicação devida à participação em hábitos e costumes diferentes. I. psíquico, Social: falta de comunicação devida à participação nas experiências de um grupo limitado, mesmo que os costumes deste grupo sejam os mesmos, ou quase os mesmos, dos outros grupos da mesma cultura; p ex, dos membros de uma classe. 3
De acordo com esta definição para a palavra isolamento, percebe-se que ela está diretamente relacionada com o espaço, um lugar, ao mesmo tempo em que se relaciona com a experiência cultural de cada indivíduo (ou de um grupo como um todo). Pode-se extrair desta definição algumas palavras chaves que ajudam na definição dos elementos geradores do isolamento: Distância, Falta, Barreiras. Todas essas palavras sugerem uma separação, que por sua vez é materializada como uma delimitação espacial, ou seja, um limite. A materialização geométrica mais simples de um limite é a linha, seja ela a linha de perímetro de uma forma geométrica, a linha extrudada de uma parede, ou a linha imaginária das fronteiras dos países. Essa linha pode ganhar vários nomes, dependendo de seu propósito. Ela pode ser definida como uma barreira, um limite e uma fronteira. E cada um desses nomes traz consigo uma gama de materializações arquitetônicas. No próximo capítulo, analisar-se-á essas três definições e os elementos arquitetônicos ligados a elas. 3 Isolamento. Dicionário Michaelis. 1998-2008 Editora Melhoramentos Ltda. <http://michaelis.uol.com.br/> Acesso em 16 de abril de 2015.
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Defensive walls physically manifest national mythmaking and existencial anxieties. -Rem Koolhaas Wall, p. 214
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Fig.5
2 elementos
2.1
barreira muro
A barreira é a impossibilidade, a separação total e intransponível do exterior e interior. Motivada pelo medo, a barreira é a forma mais violenta de isolamento, pois aniquila todo e qualquer contato entre os dois lados. Por isso, a barreira tem uma forte afirmação política de intolerância entre partes. O muro é uma construção feita para servir de proteção e divisa com relação ao exterior. Seja de pedra, alvenaria ou concreto, o muro é sempre opaco. Não existe comunicação entre interior e exterior. De todas as manifestações do muro, seja ele muro de contenção, parede, partição, etc., as muralhas defensivas são as barreiras mais óbvias como associação a este conceito. Desde a antiguidade, os muros são utilizados para defender e proteger as cidades, e ainda hoje, separam os espaços nos centros urbanos, dividindo o público do privado, sendo barreiras para a circulação das pessoas no espaço urbano. O muro é a melhor captura do caráter político da barreira. (KOOHLAAS, 2014) 25
Fig.6 26
A man is talking on the telephone behind a glass partition; you cannot hear him, but you see his incomprehensible dumb show: you wonder why he is alive - Albert Camus The absurd, p. 33
2.2
limite janela
Os limites são possíveis de serem passados, são conceitos mais flexíveis, apesar de sua superação não ser tão fácil, óbvia ou convencional. O limite não é o acesso, apesar de sua proximidade. É onde o fim e o início é mais evidenciado. Heidegger se refere ao limite como o espaço essencial que contém o horismos, ou horizonte, o perímetro em que o espaço é em sua essência aquilo para o qual o ambiente foi feito, aquilo que o ambiente permite que entre.4 A janela é um limite, no sentido em que separa o interior do exterior de forma quase virtual, pois tem-se o acesso visual ao elemento do qual se está separando. Há também a possibilidade de acesso físico, apesar desta não ser a forma convencional de adentrar um edifício. A janela contém o horizonte do espaço, funcionando como um filtro para o que se deseja ou permite ver. Emoldurando o exterior, possibilita uma troca visual entre as duas partes. Desta forma, pode-se afirmar que a janela é um lugar. Ao posicionar uma janela em uma parte específica da edificação, convida-se o exterior para fazer parte do interior e vice e versa. Entretanto, quando é da vontade do interior, essa conexão é terminada com um simples fechar de cortinas. 4 HEIDEGGER, M. apud MALPAS, Jeff In:Heidegger and the Thinking of Place: Explorations in the Topology of Being, MIT Press <http://ndpr.nd.edu/news/32025-heidegger-and-the-thinking-of-place-explorations-in-the-topology-of-being/> acessado em 27 de março de 2015.
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Fig.7 28
Quem virá bater à porta? Numa porta aberta se entra Numa porta fechada um antro O mundo bate do outro lado de minha porta. - Pierre Albert-Birot Les Amusements Naturels, pág. 217.
2.3
FRONTEIRA porta
A fronteira é um acordo de limite. É o conceito mais livre de isolamento, onde o acesso é garantido perante acordo do interior. É um isolamento conceitual, portanto político. As divisões territoriais dos países mostram com clareza esse conceito. Portas são fronteiras no sentido que oferecem ou barram esse acesso de acordo com a vontade do interior.
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2.4
implantaçÃo, cÉlula e controle
Desta maneira, ficam definidos os elementos essenciais do isolamento: Muro, Janela e Porta. Existem alguns outros fatores que se derivam desses três elementos e que foram considerados importantes para a análise do conceito de isolamento na Arquitetura. A implantação, derivada do muro, apresenta-se muitas vezes como uma forma de barreira, ao utilizar fatores naturais, como topografia, ou grandes distâncias para segregar a edificação do espaço exterior. A célula é a unidade mínima de isolamento de uma edificação e diz respeito à relação do indivíduo e o meio no qual ele se isola, ou é isolado. O controle, ligado principalmente aos elementos de acesso, porta e janela, é um fator essencial para garantir que o isolamento acontença sem distúrbios do exterior. Nos programas de isolamento, o controle é tanto interno, quanto externo. Controlam-se as atividades de seus usuários e os elementos de acesso. A forma de controle mais utilizada é a supervisão, que se materializa em elementos como torres de vigia, câmeras de segurança ou modelos tipológicos.
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PARTE II
programas de isolamento
Esta parte apresenta os programas a serem analisados e seu panorama histórico. O principal critério utilizado para o estabelecimento dos programas foi a presença de um desejo de isolamento como principal motivador para a construção da edificação. Ressalta-se que, muitas vezes, a Arquitetura de Isolamento se confunde com Arquitetura Autoritária, ou seja a arquitetura de controle, caso das fábricas e escolas. Entretanto, a diferença essencial é que, nesses casos, o controle é o fator motivador principal da construção e o isolamento é apenas uma consequência de um padrão de controle aplicado. Já nos programas de isolamento, o contrário acontece. Primeiro isola-se, depois controla-se. Com isso em mente, estabeleceuse dois grandes grupos de análise, os programas de isolamento voluntário e os programas de isolamento compulsório, cujos programas analisados são os Mosteiros, Condomínios, Hospitais e Prisões.
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Fig.8
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3 fuga Como visto, na arquitetura, o isolamento se apresenta de duas formas: ou isola-se o outro, ou isola-se a si mesmo. Percebe-se que nesse movimento a fuga participa ativamente como vetor. Paradoxalmente, a fuga é, ao mesmo tempo, um vetor gerador e oposto do isolamento. Quando a fuga é o vetor gerador, o isolamento é resultado da vontade de se escapar das condições nas quais um indivíduo ou grupo está inserido, ou seja, isola-se a si mesmo para criar a idéia de segurança. Neste caso, a Arquitetura é o abrigo que protege o interior dos perigos do exterior. Este é o caso das tipologias de isolamento voluntário, como condomínios, mosteiros, fortes e castelos. Curiosamente, a fuga também pode resultar no isolamento do outro, do fator exterior que apresenta perigo. No movimento de isolar o outro, percebe-se que a fuga se torna o vetor oposto em reação ao isolamento, ou seja, a arquitetura é o obstáculo ao desejo de liberdade do usuário. Pode-se dizer que nesse sentido, a fuga se relaciona com regimes compulsórios de isolamento, como penitenciárias, manicômios, orfanatos e hospitais. A relação entre usuário e edificío é de violência, e muitas vezes resulta numa ameaça às estruturas físicas da edificação. Existe uma alta gama de tecnologia e energia investida nesta fuga, tanto nos agentes da fuga, quanto nos que pretendem evitar que ela ocorra. Portanto, o isolamento na arquitetura é sempre um ato ativo, mas o objeto de isolamento pode ser agente ou passivo da ação. Com isso, ressalta-se a existência de dois grandes grupos de programas arquitetônicos dentro dos tipos de isolamento. Esses grupos ou se isolam voluntariamente para separar-se do desconhecido, ou decidem isolar o desconhecido, compulsoriamente. Ficam definidos, portanto, os grupos a serem analisados: Isolamento Voluntário e Isolamento Compulsório. Percebe-se, dentro desses dois grupos, a existência de programas principais. No grupo de Isolamento Voluntário, ressaltam-se os mosteiros e os condomínios e no grupo de Isolamento Compulsório, os hospitais e prisões.
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Fig.9
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3.1
isolamento voluntário
O isolamento voluntário é aquele no qual um indivíduo ou grupo escolhe se privar do convívio social por não se identificar com o meio no qual está inserido, acreditando que esse meio apresente algum tipo de ameaça à sua integridade física, psicológica ou espiritual. Conceitos como a sensação de superioridade e o medo são os principais motivadores para essa fuga. O muro representa a materialização desses conceitos, enquanto a janela é o lazer ou o divino, e a porta, sempre protegida, é a conexão com o mundo exterior. Os dois programas analisados serão mosteiros e condomínios.
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3.1.1- Mosteiros Etimologicamente, a palavra mosteiro deriva da palavra grega monasterion, que significa “lugar para fazer algo sozinho”5. Arquitetonicamente, mosteiro é a edificação de uma comunidade monástica, masculina ou feminina, de diferentes ordens. Assim como o significado da origem da palavra sugere, o mosteiro é o lugar que abriga religiosos devotos à uma vida de recolhimento social. O monaquismo cristão, de suas origens até os tempos atuais, é um modo de vida voltado para a ascese, ou o exercício físico e espiritual. O recolhimento físico e comportamental, inclusive no trabalho, é fruto de uma aderência à fé e à dedicação da existência individual ao serviço divino, pelo afastamento e renúncia da vida secular, em busca de unidade interior. Esse isolamento obedece a normas e diretrizes estabelecidas por uma Regra6 ou código de vida monástica. O mosteiro é o lugar no qual o monge, em meio a uma comunidade de iguais, passa toda a sua vida a cultivar a contemplação e a arte espiritual, após fazer o voto de estabilidade ligado às rigorosas normas da Clausura7. Os mosteiros cristãos ocidentais, foco desta análise, podem ser também chamados de celas, abadias ou priorados, de acordo com o seu tamanho e autonomia, e são compostos pela igreja abacial, clausura 8 e demais dependências. Esses edifícios são geralmente construídos fora do perímetro urbano. A razão dessa prática está diretamente relacionada com as origens do monaquismo cristão no Oriente, que remonta aos eremitas egípcios (anacoretas), também conhecidos como “Padres do Deserto”. (ARRUDA, 2007). Os anacoretas abandonaram regiões férteis e povoadas do Nilo para ocupar o deserto, por volta do século III, ocupando grutas ou pequenas cabanas construídas perto de fontes de água. Aos poucos, foram se aventurando cada vez mais distante, em busca de uma vida de solidão e silêncio, que implicava em ruptura, isolamento, celibato e muitas vezes morte. Para os pioneiros dessa “epopéia no deserto”9, os determinantes do isolamento social não foram questões econômicas ou políticas, mas uma fuga da civilização, das regiões habitadas, dos vilarejos e das cidades, para confrontar a necessidade da sobrevivência humana. 5 Segundo definição disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Mosteiro>, acesso em 8 jun 2015. 6 Cada ordem monacal apresenta uma Regra, que rege a conduta e objetivos da vida monacal. 7 A clausura tem a finalidade de manter entre os religiosos um clima de recolhimento, de silêncio e oração, para uma mais perfeita busca de união mística com Deus. 8 A clausura aqui se refere ao espaço arquitetônico restrito aos monges praticantes da Clausura, prática religiosa. 9 Lucien Regnault interpreta esta “epopéia no deserto” (devido a seu caráter heróico e sua grande abrangência), como o principal acontecimento ocorrido nos ambientes monásticos do Egito no início do século IV. (ARRUDA, 2007)
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Assim, começou a existir o deserto monástico, não apenas como espiritualidade, mas como local separado do mundo, onde os cristãos desejam viver de modo integral o Evangelho. (ARRUDA, 2007, p. 22).
Fig.10 - mosteiro anacoreta Dei Mar Musa
Apesar de simples e modestas, as cabanas dos Padres do Deserto não eram improvisadas, pois além da necessidade de proteção das intempéries e dos fatores climáticos, havia a necessidade de se garantir que a solidão não fosse disturbada. Quando não faziam proveito de estruturas préexistentes ou abrigos naturais, construíam as chamadas celas, que eram pequenas cabanas isoladas. As celas, cuja construção inicialmente era dever do próprio monge, eram construídas a uma distância ideal para o cumprimento do convívio em comunidade sem prejudicar os ideiais de isolamento e assumiram formas variadas, utilizando os materiais disponíveis. Arruda descreve as celas desse período como habitações compactas, com raras e pequenas aberturas que deixavam entrar o mínimo possível de sol e calor, o que propiciava algum conforto a seus ocupantes.
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Sua porta, constantemente aberta, fornecia a iluminação e aeração adequadas ao recinto. Seu interior consistia num aposento único, onde o anacoreta rezava, comia, trabalhava e dormia. A cela no deserto era, portanto, um lugar privilegiado. (ARRUDA, 2007).Ressaltase o sentido positivo que a cela tinha para os anacoretas, em contraste com o sentido contemporâneo da palavra, influenciado pela configuração das celas de edificações penais. A cela devia ser separada das coisas do mundo das quais o monge havia renunciado e que não deveriam mais estar a sua volta. (REGNAULT, 1998, pp.98-112). Com a chegada de visitantes aos assentamentos, muitos deles peregrinos procurando auxílio, houve a necessidade de se zonear a área, criando um local destinado ao acolhimento das visitas. A cela individual ganhou um novo aposento, destinado ao trabalho, refeições e recepção desses visitantes. Até o momento, o assentamento não possuia muros. Entretanto, com a crescente popularidade dos agrupamentos, começou-se a esconder as celas em um grande pátio circundado por um muro. Esse pátio passou a ser a principal área de vivência social entre os monges, sendo destinada a exercício físicos e horta. O mosteiro nos moldes que conhecemos no Ocidente tem sua origem após o estabelecimento da vida cenobítica, ou vida em comunidade, estabelecida por São Pacômio (292-347), que reconhecia a vida de isolamento como um “caminho precioso” (ARRUDA, 2007), mas questionava a necessidade desta vida acontecer no deserto, longe das cidades. São Pacômio decide construir o Mosteiro de Tabenesi, no sul do Egito, conhecido como o primeiro mosteiro da Igreja Católica. Esse mosteiro era circundado por grandes muros que separavam a vida religiosa da vida civil. Vemos aí a utilização do muro como principal elemento para garantir a integridade física e espiritual do conjunto. Arruda faz a seguinte observação sobre essa construção: Muros ao invés do deserto: este é o primeiro golpe de mestre de São Pacômio; o segundo é a Regra, revelada a ele por um Anjo. Muro mais regra. Tudo isto limita, mas cria também segurança. (ARRUDA, 2007, p.26). A ordenação desse conjunto monástico pioneiro ocorreu gradualmente. As celas individuais começam a ser organizadas de maneira linear, agrupadas em fileiras. Grandes blocos de edifícios foram contruídos para agrupá-las, integrando-se a outros edifícios de serviços. Todos os edifícios são organizados em torno a pátios abertos, com a igreja como elemento central. O conjunto é semelhante a uma pequena cidade, cercada por muros.
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Nessa época, os mosteiros também funcionavam como hospitais e cemitérios, acolhendo moribundos em seu leito de morte, que buscavam por conforto espiritual. Por esse motivo, passaram a receber muitas doações, o que fez com que a sua estrutura pudesse se desenvolver nos grandes mosteiros rurais da Idade Média, que congregavam cerca de mil pessoas ou mais. Essa configuração também apresentava problemas similares aos de uma cidade pequena, em questões organizacionais e infra-estruturais. As regras que regem as ordens, portanto, passaram a ser de extrema importância para organizar o conjunto, uma vez que também traziam algumas diretrizes a serem utilizadas na construção dos mosteiros. Por exemplo, na regra Beneditina, criada por São Bento e que rege as ordens dos monges beneditinos, pode-se encontrar algumas diretrizes para o projeto dos mosteiros, como programa mínimo ( oratório, refeitório, celas e locais para convidados), elementos essenciais à sobrevivência (presença de fonte de água, moinho, padaria e oficinas de atividades manuais) e a presença da portaria, do muro e da entrada principal. Não se faz referências a estilo, tamanho e forma dos edifícios. Entretanto, na Idade Média, sendo o estilo românico prevalescente, o traçado dessas pequenas cidades-mosteiros era baseado na arquitetura românica misteriosa, baixa e de poucas janelas e pouca luz. Pode-se dizer que os beneditinos criaram o partido arquitetônico que serviu de base para as demais ordens religiosas: a igreja basilical, o claustro e o desenho em quadras representando a implantação da cidade gálio-romana. (ARRUDA, 2007). O claustro se tornou sinônimo do complexo monástico, influenciando, inclusive vários programas derivados do mosteiro, como hospitais e prisões.
Fig.11 - Representação Típica de um mosteiro beneditino 41
No conjunto do mosteiro que passou a fazer parte da comunidade, se abrindo para o mundo exterior ao abrigar edifícios voltados à beneficência, o claustro passou a ser o símbolo da renúncia à vida secular, uma vez que a maioria dos monges não tinha acesso aos edifícios dedicado à comunidade. Os muros, que antes marcavam essa ruptura, são substituídos por um elemento menos dialético e óbvio, o claustro. Ao longo século XII, período caracterizado pelo declínio da prática religiosa, novas ordens religiosas surgem e se expandem, mas nenhuma mudança significativa é feita na arquitetura dos mosteiros. É apenas no século XX, quando a grande onda de reconstrução e restauração dos edifícios destruídos pelas guerras, que a arquitetura monástica começa a mudar. As inovações trazidas pelas construção civil começam a ser aplicadas nos edifícios religiosos, invertendo o processo padrão que ocorria desde a Antiguidade, no qual as construções religiosas serviam de influência para os edifícios profanos. Com o auge do modernismo, veio o questionamento de que essa corrente estilística era condizente com a arquitetura monástica. Para Pierre Pinsard10, “todas as novidades técnicas que fazem a arquitetura moderna são pouco adequadas ou de difícil utilização na construção dos mosteiros. O emprego do concreto armado, do ferro, do vidro, ainda que pequeno, assim como a janela moderna, o pano de vidro, é francamente contra-indicado para alojar homens que se retiraram do mundo e que por ele não se entusiasmam”. (PINSARD, 1983 apud ARRUDA, 2007, p. 78) Mesmo assim, arquitetos modernistas aceitam o desafio de traduzir a tradicional linguagem dos mosteiros para um repertório moderno. Destacam-se aqui dois projetos realizados por Le Corbusier, na França, a capela de Ronchamp e o Convento La Tourette. Arruda coloca que Corbusier, ao projetar nos anos 1950 a famosa capela de Ronchamp (1952-55), confronta sua linguagem racionalista ao mergulhar totalmente no espírito religioso para construir uma máquina de oração e persuasão. (ARRUDA, 2007, p.79). A experiência monástica já havia sido objeto de atenção do arquiteto, que encontrou nos mosteiros um princípio que considerou adequado para organização da vida em comunidade, muito aos moldes do que ele considerava aplicável à moderna sociedade de massas. Ao visitar o mosteiro cartuxo de Galluzzo, o arquiteto relata “uma edificação que o conscientizou da harmonia absoluta que resulta da inter-relação entre a vida individual e coletiva, onde uns reagem favoravelmente aos outros”. (CURTIS, 1986, p.181). 10 PINSARD, Pierre. L’Architecture monastique, Architecture d’Aujourd’hui (7):10, Paris, jul. 1938
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Para o projeto do Convento de la Tourette, Le Corbusier toma como base o diagrama do mosteiro cisterciense Le Thoronet. Os cistircenses, congregados por São Bernado, são precursores de uma tipologia neutra de arquitetura monástica, derivada de uma contra-corrente às ornamentações românicas. O mosteiro cistircense é, portanto, concebido com um vocabulário formal que conforma necessidade e propósito, soluções naturais complexas caracterizando a unidade arquitetônica. Fig.12 - La Tourette
As igrejas cistercienses são edificações práticas, com nave única e contínua unida ao transepto, o que promove um fluxo livre pelo espaço devido à ausência de arcos transversos. Os interiores amplos, com paredes retas e poucas aberturas, apresentam uma luminosidade difusa e dramática (em geral proveniente de vidros brancos do clerestório) que impede fantasias místicas irrestritas. Interna e externamente, os mosteiros dessa Ordem são caracterizados por uma drástica simplificação ornamental, onde o acaso e a fantasia ficam excluídos. Esse conceito de unificação espacial introduzido pelos cistercienses, que de certa forma elimina o vocabulário arquitetônico românico e acelera a aceitação do estilo gótico em
Fig.13 - Cela do Convento La Tourette
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toda a Europa, expressa a busca pela organização e pela racionalidade, fato marcante tant opara a arquitetura do século XII quanto o será para a arquitetura do século XX. (ARRUDA, 2007, p.83) Essa referência estilística estava completamente em conformidade com os ideais do modernismo brutalista da época. La Tourette é um esquema horizontal retangular em forma de U, contrastando com a igreja em forma de caixa vertical. O conjunto prefigura assim uma espécie de cidadela fechada, uma fortaleza medieval em concreto propícia para a vida contemplativa em meio a uma exuberante natureza circundante. (ARRUDA, 2007, p.83). O edifício-claustro, fechado em si mesmo, sem a necessidade de muros. Já no mosteiro de Ronchamp, a capela de peregrinações se apresenta com formas côncavas e convexas, misturadas e justapostas, criticada por muitos como um deslize irracionalista de Le Corbusier (ARRUDA, 2007). Apesar das críticas, a capela se estabeleceu como um dos paradigmas das arquitetura religiosa moderna. Por esse motivo, quase 60 anos depois, Renzo Piano, ao projetar o mosteiro de Ronchamp, escolheu por fazer um edifício semi-enterrado, aproveitando a topografia do terreno para não ofuscar a capela de Le Corbusier. No projeto de Piano, vemos um retorno às origens da organização dos assentamentos dos Padres do Deserto. As celas são dispostas lateralmente em uma fileira linear, com um corredor que as conecta. Há uma grande preocupação com a cor e a luz natural nos ambientes, sendo cada cela iluminada por um grande painel de vidro que se abre para uma varanda indidual frente a uma grande área arborizada. Não há presença de claustros, nem de um muro sólido que circunde o conjunto, uma vez que a própria implantação já garante o recolhimento necessário. Alguns planos intercalados fazem o papel de pequenos muros desconexos na entrada. Entretanto, mais que elementos de barreira de acesso, esses muros são guias que marcam o percurso para a entrada de visitantes do local. Outro projeto que resignificou o ambiente tradicional dos mosteiros foi a reconstrução da Arquiabadia de Saint Vincent, em 1967, pelo aquiteto Tasso Katselas, que redefiniu o projeto em um mosteiro vertical. Apesar da grande tradição intrínseca ao projeto de mosteiros, pode-se dizer que estes evoluíram, embora que às vezes quase a contra-gosto, no que diz respeito ao espaço físico. Percebe-se que as principais condicionantes dessa mudança foram questões artísticas ligadas a representação do sagrado na arquitetura, mais que questões tecnológicas ou econômicas.
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Fig.14- Ronchamp
Fig.15 - Cela do mosteiro de Ronchamp
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3.1.2 Condomínios residenciais fechados (CRF) A palavra condomínio deriva do latim condominium, que significa “copropriedade” e pode ser decomposta em com (junto) e dominium (poder, comando), ou dominus (senhor), que por sua vez deriva de domus (casa). 11 Na arquitetura, condomínios residenciais são uma forma socioespacial de habitação, que contempla diversos tipos arquitetônicos de habitação. Além disso, são também caracterizados por possuírem equipamentos privados de uso coletivo dos moradores e por apresentarem impermeabilidade do perímetro e controle do acesso, normalmente realizadas com a presença de muros. (RAPOSO, 2012). Essa forma de organização coletiva de um espaço privado não requer serviços urbanos da municipalidade em seu interior, sendo considerada pela legislação como uma unidade única de habitação, o que garante a possibilidade de controle do acesso ao interior. Os condomínios funcionam como uma cidade autônoma, um microcosmos de um mundo considerado ideal por seus habitantes e bem diferente do mundo que se encontra do outro lado do muro. Sua construção está relacionada a uma ação coletiva, legal ou ilegal, de residentes de mesmo contexto social, político e econômico. O medo do crime é o principal fator gerador desta ação, seguido pelo desejo por privacidade, ideais de status e segurança econômica (YÖNET & YIRMIBESOGLU, 2009; LUYMES, 1997; ATKINSON & FLINT, 2004 ; RAPOSO, 2012). A busca por uma vivência familiar em meio à natureza12, sem renunciar à comodidade da vida urbana a alguns minutos de distância, é também um motivador da escolha desse programa como forma residencial, principalmente para a classe média. Em menor frequência, os condomínios residenciais fechados também apresentaram-se como soluções do Governo para habitação social de baixa renda. Entretanto, por serem sempre locados fora dos centros urbanos, a escolha dessa configuração se revela-se sempre problemática para a mobilidade de seus residentes. Como mencionado, os condomínios fechados são normalmente implantados às margens da cidade e, uma vez que a maioria de seus usuários possuem veículos automotivos que necessitam de vias pavimentadas de acesso à centro das cidades, o condomínio residencial fechado é o programa de isolamento que mais impacta o traçado urbano das cidades, fragmentando-o e aumentando as distâncias entre centros urbanos, pois frequentemente crescem em direção oposta à cidade. (RAPOSO, 2012). 11 Segundo definição disponível em < http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/condominio/>, acesso em junho 2015 12 A natureza à qual se faz refêrencia aqui não é a natureza selvagem ou mesmo a natureza natural, mas um ideal domesticado de natureza bucólica controlada, traduzida na presença de jardins privados para cada casa, piscinas, fontes e implantação de modo a criar um agrupamento de baixa densidade com espaços de lazer individual.
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O elemento mais importante dos condomínios fechados é o muro, que representa o controle da decisão de quem pode sair e entrar. Curiosamente, as casas muitas vezes possuem muros mesmo dentro dos lotes dos próprios condomínios. Esses muros internos criam a idéia de um espaço íntimo totalmente privado e isolado, mesmo de seu próprio vizinho, evidenciando um estado de ansiedade e paranóia da sociedade contemporânea.
Fig.16 - Covent Garden
É comum encontrar referências que ligam as origens do condomínio fechado ao modelo da Cidade Jardim, de Ebenezer Howard (1850-1928) ou ao modelo das cidades fortificadas européias prémodernas. Entretanto, Raposo (2012) mostra que essa ligação se baseia em uma comparação estética geral e não é acurada. Ao analisar melhor a estrutura dos modelos citados, percebe-se que ambos são exemplos de cidades que incluem uma população diversificada, múltiplos usos do solo e uma elevada densidade residencial. Os condomínios fechados, a priori, correspondem a um forma de segregação social de um grupo homogêneo cultural e economicamente, que caracteriza de modo distintivo a cidade moderna. É claro que a ausência relativa de segregação na cidade
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pré-moderna não significa a inexistência de desigualdades profundas. Apenas a ordem social tradicional não precisava da distância física para garantir suas enormes distâncias sociais. (RAPOSO, 2012, p.179180). Ao procurar no tempo os antecedentes históricos dos condomínios fechados, entendemos não se poder recuar além de cerca de meados do século XVIII, momento a partir do qual há registro de uma importante transformação na paisagem urbana de Londres: a privatização de algumas praças residenciais, por coletivos de residentes. (RAPOSO, 2012, p. 180). Esse fenômeno representou uma das primeiras expressões do desejo de segregação social, isolamento e privatização do espaço público. O contexto histórico da época representa a transição entre uma Inglaterra rural e nepotista para o mundo da Modernidade, urbano e capitalista, com novos atores e novas relações sociais. Essa transformação pode ser relacionada com o surgimento de um novo estilo de paisagismo na Grã Bretanha e nos EUA, o paisagismo pitoresco, que se desenvolveu inicialmente nas propriedades rurais inglesas. A adoção desse ideal paisagístico estava associada à remoção das classes inferiores tanto da vista quanto do contato físico de nobres e burgueses. (RAPOSO, 2012). Especificamente, referese à expulsão das casas dos camponeses 48
Fig.17 - Saint James Square, 1812
e de todas as construções associadas à exploração agrícola para longe do perímetro da casa senhorial. No meio urbano, essa corrente paisagística se materializou nas praças residenciais fechadas, criando uma nova versão pouco parecida com a originais praças inglesas, que representavam lugares de encontro social. Nessa nova versão, a privacidade passa ser a maior preocupação. Os “empreendimentos”, dos quais a praça representava o centro, incluíam também serviços como mercado, lojas, igrejas, etc. Os edifícios de habitação circundavam o perímetro da praça, em uma formação parecida com um claustro. O térreo era inicialmente público e os apartamentos ocupavam os andares de cima. As janelas desses apartamentos abriam-se tanto para a rua quanto para a praça, mas os aposentos íntimos eram voltados para o interior. A primeira praça residencial privada a surgir em Londres, dentro desses moldes, foi Covent Garden. Inicialmente, a privatização do espaço das praças não era claramente legal. Com a inauguração de Hanover Square, em 1713, uma praça com térreo vedado por grades metálicas, vários grupos de residentes começaram a lutar pelo direito legal à clausura total, sob o argumento das praças serem alvo de vandalismo. A primeira autorização legal surgiu em 1726 para a praça St. James Square, em Londres. 49
Em pouco tempo, encontravam-se praças privatizadas e gradeadas em várias partes da cidade. Nas ruas de acesso para estas praças também eram implantadas fronteiras de acesso. Esses agrupamentos prosperaram até meados do século XIX, sendo inclusive importados para os EUA. Entretanto, as pressões públicas para ilegitimar esse tipo de ocupação começaram a crescer e as barreiras das ruas de acesso às praças foram removidas finalmente por um ato do parlamento inglês em 1893. Entretanto, as praças em si permaceram privadas. Com isso, a burguesia inglesa começou a construir villas nos arredores das cidades, um movimento que deu origem ao subúrbio anglo-americano, que pode ser considerado como o verdadeiro habitat burguês moderno, ou a segunda fase das praças privatizadas inglesas. À medida em que as cidades se industrializavam e se densificavam , o ambiente urbano passou a ser considerado um local tóxico, poluido, perigoso. De acordo com Robert Fishman (1987), a consolidação do subúrbio corresponde a uma mudança de valores relativos à concepção do espaço: do centro e da periferia, do espaço de trabalho e da família, do privado e do público. O modelo básico adotado foi preconizado em Park Village, em 1820 nos EUA, projeto de John Nash: um “parque”de villas de arquitetura historicista, isoladas e distribuídas de forma a obter-se baixa 50
Fig.18 - Condomínio em subúrbio americano
densidade, dispondo-se de amenidades coletivas e paisagismo pitoresco. Além das características de Park Village, o subúrbio anglo-americano apresentava um perímetro completamente murado, com portões que limitavam o acesso ao seu interior. O espaço refletia, pela primeira vez no ocidente, a desigualdade social e a separação de classes em suas formas. (RAPOSO, 2012) Ao longo do século XX, novamente a cidade passou por rápidas e profundas mudanças em sua estrutura sócio cultural. Mais especificamente, nas cidades americanas nos anos 1970, essas transformações refletiram no tecido urbano, com o surgimento do antecessor direto do condomínio residencial fechado que se conhece atualmente. As transformações políticas e econômicas que aumentaram a mobilidade de capital, marginalizando a classe operária, propiciou a criação de áreas residenciais de classe média distantes do centro da cidade (HARVEY, 1989). O medo do crime fez com que a comunidade residente nessas áreas começasse a se fechar fisicamente, o que resultou em diversos empreendimentos imobiliários que adotavam a fórmula fechada. Esses empreendimentos eram dotados também de um plano diretor e regulamentos internos13 e se espalharam pelo mundo inteiro durante os anos 1980, assumindo variadas formas.
13 CC&Rs, Covenants, Conditions and Restrictions que
levam a marca do Direito de tradição inglesa
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Os cenários atuais do fenômeno são amplos e diversificados, entretanto, apesar de terem sido absorvidos por culturas relativamente diferente, as caractéristicas de seu modelo originário se mantêm atuais. Segundo Raposo (2012), de modo geral, em todas as suas edições, os condomínios fechados se mostram como um lugar à parte em que “ o tempo, o espaço e a sociedade são completamente distintos de (e superiores a) o mundo “normal”, “lá fora” (o que, em conjunto, garante a “segurança” de seus residentes). “ Os traços essenciais são: o muro ( a barreira física), o caráter voluntário do isolamento, o controle, a celebração da arquitetura unifamiliar, o urbanismo interno de baixa densidade e traçado viário baseado em vias veiculares e o paisagismo de natureza domesticada. Chama-se atenção à representação publicitária deste programa, ligada à insdústria imobiliária, que sempre teve um papel decisivo na sua configuração e ampliação: Essa representação acomoda, muitas vezes, em simultâneo, a promessa de um renascer absoluto, de uma nova vida, de um futuro brilhante (onde podem pontuar referências várias ao novo ou moderno), e a evocação de um passado nostálgico. Esse, por sua vez, encontra-se essencialmente associado a um imaginário aristocrático pré-moderno que parece garantir, como há mais de dois séculos, aos clientes dos CFs uma venerável e distintiva (falsa) 52
Fig.19 - Publicidade de CRF, destaca-se a representação da natureza.
Fig.20 - Publicidade de CRF, destaca-se a representação da natureza.
identidade histórica: nobreza, antiguidade, distinção, prestígio, privilégio, refinamento, exclusividade… (RAPOSO, 2012, p.193) Uma sensação de pertencimento que só acontece ao excluir-se os ou t r o s .( KOWA LT OWSK I ,T U RGU T, MONTEIRO, YONET, TURCZYN, 2010). O grande aparato utilizado para garantir o isolamento e a consequente idéia de segurança, como muros, torres de vigia, cercas elétricas etc, nunca são apresentados ao se vender essa idéia do refúgio residencial. O caráter agressivo desses elementos de segurança geram um impacto extremamente negativo no ambiente das cidades.
Fig.21 - Muro externo de CRF
Fig.22 - Muro externo de CRF Alphaville, SP
Concluindo, apesar de apresentar-se em algumas variações ligadas à organização do tipo habitacional (ou da célula), o significado simbólico dos condomínios fechados não mudou com o passar do tempo, sendo a busca de uma imagem total, benigna, ordenada, esteticizada e moralizada que se distancia (simbólica e fisicamente) do mundo mais largo, normalmente descrito como oposto e decadente. (RAPOSO, 2007, p.194). De certa maneira, a tipologia do condomínio residencial fechado conseguiu se restringir tão profundamente em seu conceito de isolamento, que ficou à parte inclusive das mudanças estilísticas, sociais e políticas decorridas em mais de dois séculos de existência, chegando ao presente praticamente inalterada. 53
Fig.23
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3.2
Compulsório
O isolamento compulsório é aquele no qual um indivíduo ou grupo é privado do convívio social por apresentar sinais de não enquadramento nessa sociedade. Esse isolamento muitas vezes é justificado na promessa de recuperação dos desvios desse indivíduo para a devida reinserção do mesmo na sociedade. O crime e a doença são os desvios que dizem respeito, respectivamente, aos dois programas que serão analisados: penitenciária e hospital. Vale ressaltar que o crime é um desvio moral definido pela sociedade segundo um acordo de leis, enquanto a doença é um desvio físico que pode levar à morte. Portanto, o estudo da arquitetura de presídios e hospitais pode evidenciar questões morais e éticas de uma sociedade. No isolamento compulsório, percebe-se que o muro tem a função segregadora total, seja ele físico ou virtual, a janela representa a esperança, ou seja, possibilidade do regresso ao convívio normal e a porta é a materialização deste regresso, a liberdade para quem sai, ou o castigo para quem entra.
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4.2.1 Hospitais A palavra hospital deriva do latim Hospitale, que significa relativo a hóspede, e Hospitalis, ou o lugar que hospeda. Historicamente, os hospitais surgiram dos edificios religiosos da Idade Média, como os mosteiros, que eram procurados por doentes e peregrinos. No processo evolutivo do edifício hospitalar, destaca-se a importância das alterações no significado social do hospital e o papel do progresso científico nas áreas da biologia e da medicina. Na Idade Média, os hospitais eram exclusivamente associados à idéia de morte. Em vez de esperar uma cura para seus males, os doentes chegavam para se preparar espiritualmente para o fim. O hospital dava abrigo, sustento e consolo espiritual aos desamparados da sociedade (pobres, peregrinos, insanos). Ressalta-se que os indivíduos abastados tinham atendimento domiciliar até meados do século XIX (GOLDIN, 1984). Gradualmente, os hospitais foram se tornando lugares de recuperação de enfermos, até adquirir sua conotação contemporânea de atuação preventiva em prol da saúde pública (RISSE, 1999). Construídos por ordens religiosas, bispos, senhores feudais e reis, os hospitais medievais integravam-se às estruturas físicas dos mosteiros e catedrais, apresentando-se em tipologias derivadas desses programas, como claustros e basílicas. Destaca-se a tipologia de colônia, utilizada principalmente para leprosários, e que foi posteriormente adotada em outros programas, que não só hospitalares. Essa tipologia tem sua origem nas comunidades monásticas eremitas de cristãos ascetas e vincula-se à ameaça cotidiana que a lepra fez pairar sobre a sociedade medieval, a partir do século V. Não sendo conhecida a cura para a doença, e temendo-se o contágio por contato social, o isolamento dos doentes, sob tutela de instituições da Igreja Católica, foi a solução adotada pelo Estado para a situação. Diferentemente dos tipos claustral e basilical, a apropriação da organização dos mosteiros para a arquitetura hospitalar estava relacionada com o fato de que os enfermos deveriam ser totalmente isolados das pessoas sãs. Assim, os assentamentos possuiam as facilidades da vida das cidades, mas deixavam aos interno a responsabilidade de resolverem as suas necessidades. (LOPES, 2005) A edificação era isolada por um muro de contorno e um ou dois portões de acesso, controlados pela administração da instituição. Internamente, as celas individuais eram locadas no perímetro do muro, de modo que a área central ficasse livre. No centro ou em um dos lados do perímetro, ficavam a Igreja e os aposentos dos religiosos.
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A individualização dos aposentos, mesmo quando se tratasse de celas contíguas, permitia a manutenção eventual da vida em família ou em pequenos grupos. Uma capela privativa do leprosário, um cemitério, um espaço de administração e alguma outra construção para abrigar atividades comuns – cozinha e refeitório, p.ex. – são também componentes da definição tipológica, que se completa com a modesta tecnologia de edificação das casas (inicialmente de madeira) em face de uma presença magnificente da igreja (em pedra). (LOPES, 2005, p.49).
Fig.24 - Interior de um Hospital Medieval
De forma geral, a insalubridade e a superlotação do hospital medieval fez com que, no Renascimento, cidadãos burgueses construíssem os primeiros hospitais civis, com uma maior preocupação com ventilação e insolação naturais, decorrida do crescimento da importância do conhecimento médico. Esses hospitais eram construídos nos moldes da arquitetura civil ou palaciana da época.
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No Iluminismo, o avanço científico propiciou uma significativa mudança no ambiente arquitetônico hospitalar, na medida em que esse começou a se dessassociar de espaços religiosos e passou a refletir um espaço científico. Com isso, as camadas da sociedade que antes recebiam tratamento domiciliar, começaram a buscar tratamento nos hospitais. A arquitetura
Fig.25- Hospital Medieval: tipo Claustro
hospitalar, então, deixou de trabalhar com plantas derivadas de outro uso e passou a apresentar novas plantas, projetadas para suprir as necessidades hospitalares da época. Lopes ressalta que se as plantas derivadas dos hospitais medievais e renascentistas se apropriavam de tipos disponíveis, e assim faziam mais por motivos simbólicos que funcionais, as plantas projetadas dos hospitais iluministas adotavam uma tipologia nova. (LOPES, 2005, p.62). A principal tipologia adotada foi a pavilhonar, surgida no século XVII, fruto dos ideiais iluministas de salubridade ambiental, que na época eram sinônimos de iluminação e ventilação natural. O pavilhão, por ser um edifício independente e de laterais livres permitia a aplicação desses parâmetros. Os espaços eram organizados pela primeira vez a partir da necessidade funcional de suas atividades, estruturando os serviços e compartimentos através dos eixos de circulação. O tipo 58
Fig.26- Hospital Medieval: tipo Colônia
Fig.27- Hospital Iluminista: tipo Pavilhonar
pavilhonar surgiu em função das novas atividades que eram voltadas à supervisão e cuidado médico dos pacientes, em contraste com as atividades voltadas ao consolo espiritual que eram desenvolvidas na Idade Média. Instituiu-se, no Iluminismo, a disciplina e o espírito de supervisão que vai garantir a “medicalização” do hospital. (FOULCAULT, 2002). Desta forma, as atividades terapêuticas ganham um papel central, sendo a enfermaria o espaço mais valorizado, estruturada em torno a um grande hall aberto, nos moldes do modelo panóptico de Bertham. Os leitos são colocados lado a lado, perpediculares às janelas posicionadas de ambos os lados da enfermaria, sem divisórias, de modo a facilitar a supervisão dos enfermos, que é feita por um posto de enfermagem situado na extremidade do pavilhão. Com o tempo, a valorização da privacidade aumenta e o número de leitos começa a diminuir. A partir do século XVII, descobrimentos científicos, tais como o conhecimento do processo de contaminação, começaram a colocar em discussão a enfermaria coletiva, fazendo com que essa fosse diminuindo e ficando mais especializada com o tempo. Assim, o hospital que chega ao século XX, está fortemente marcado pela ênfase na boa ventilação e na boa insolação, no isolamento de doenças infecto-contagiosas, na higiene das enfermarias e dos procedimentos, nos sistemas de abastecimento de água potável, de coleta e tratamento de esgotos, nos laboratórios de análises clínicas, na medicina legal, nas enfermarias cada vez menores, tendentes à privacidade, e nos postos de enfermagem. Sua planta é estruturada em zonas funcionais, segundo seus diversos departamentos ou unidades, comunicadas por um sistema de circulação cuja definição se orienta pelos fluxos de pessoal, enfermos e materiais. (LOPES, 2005, p.63). No século XX, portanto, com o desenvolvimento de novas tecnologias, o hospital se torna efetivamente um edifício símbolo de recuperação, sendo gerido mais profissionalmente, e começa a atrair todas as esferas sociais das comunidade. Arquitetonicamente, as mudanças foram tardias, girando em torno de um maior nível de privacidade, com enfermarias menores e apartamentos individuais. A incorporacão do Movimento Modernista na Arquitetura Hospitalar ocorre apenas após a Segunda Guerra Mundial, quando não só a demanda por mais leitos hospitalares cresce, mas também a necessidade de restauro de alguns edifícios destruídos pelos conflitos. Abrançando os ideiais modernistas da máquina de morar, pode-se dizer que o hospital modernista, com seus princípios da sistemação projetual funcionalista, que envolviam a separação de funções, o projeto modular, formas simplificadas e adoção de dimensões 59
mínimas, era a perfeita “máquina de curar”. Em meados do século XX, buscando-se uma maior viabilidade financeira em um contexto de crescente custo com equipamentos, pessoal e fármacos (LOPES, 2005), novas maneiras de organização do espaço hospitalar foram buscadas. Funcionalmente, o hospital foi dividido em três setores: internação, clínica e suporte. A internação é reponsável por abrigar os pacientes. A zona clínica é associada com equipamentos de alta tecnologia e ventilada artificialmente. Já a zona de suporte compreende os serviços necessários ao funcionamento do hospital. A boa interligação dessas zonas era a nova chave do planejamento hospitalar integrado e funcional. Com ênfase nas questões de concentração e eficiência, a tipologia de torre sobre pódio, uma torre de pavimentos que se desenvolve em cima de uma base, marca bem a distinção de usos do zoneamento da época. A zona de internação encontra-se na torre, com enfermarias na periferia. A base abriga a zona clínica, com fácil acesso para a rua, o que sugere pela primeira vez uma preocupação com uma implantação acessível do edifício. A zona de suporte se encontra em um andar inferior. A ventilação natural já não é mais prioridade, sendo o edifício normalmente climatizado. A dimensão vertical, possibilitada por avanços na construção civil, permite um novo tipo de controle dos espaços. Os leitos de internação agora podem ser 60
Fig.28- Hospital Modernista: tipo rua hospitalar
Fig.29- Hospital Modernista: tipo sanduíche
Fig.30- Hospital Pós Modernista: tipo hotel
distribuídos nos pavimentos e separados segundo especialidade médica. A enfermaria pode ser supervisionada por um sistema de câmeras centralizado, que coordena as atividades que ali ocorrem. O fluxo de pacientes e funcionários externos e internos, assim como resíduos e materiais, são separados e hierarquizados. Em alguns exemplos práticos desta tipologia, ocomo no Hospital Geral Etobicoke, no Canadá, o próprio contato entre enfermagem e paciente era mínimo, através de um armário de porta dupla e compartimentos para entrada e saída de materiais. (LOPES, 2005). Apesar desses avanços positivos, o tipo torre com pódio não permitia a flexibilidade e adaptabilidade que as constantes mudanças nas tecnologias médicas necessitavam para ser implantadas. Diante desses desafios, surgiu o tipo Rua Hospitalar, com base em um projeto nunca executado de um hospital em Hertfordshire, no Reino Unido (LOPES, 2005). Esse projeto trazia espaços modulados, com a possibilidade de transformação e expansão de cada bloco do conjunto, sem prejudicar a utilização da unidade como um todo. Ressalta-se que a modulação estrutural traz a possibilidade da pré-fabricação da construção. O tipo rua hospitalar apresentava alguns problemas. Os mais evidentes deles prendem-se à limitação do tamanho dos terrenos e aos longos percursos a serem seguidos por pessoas e por materiais. Mas também se apresentavam questões ligadas ao alto custo relativo de criar condições para expansões e adaptações que talvez nem venham a ser necessárias ou realizadas. Diante desses problemas, esses empreendimentos passaram a ser considerados caros para construir e manter. (LOPES, 2005, p.71). Uma outra resposta aos desafios de incorporação das tecnologias emergente foi proposta na forma de um “espaço intersticial”, que caracterizou o tipo sanduíche. Esse tipo consiste na existência de um pavimento técnico, de até 2 metros de pé-direito, intercalado entre pavimentos de atividades hospitalares. Esse espaço intersticial possibilita abrigar todas as instalações necessárias, inclusive estruturais, para padronizar os demais pavimentos. Apesar do alto custo da construção, a vantagem estava na grande flexibilidade para os espaços internos, que eram verdadeiros “espaços universais”, impedindo que o hospital ficasse obsoleto frente aos avanços das Ciências Médicas. (LOPES, 2005). As soluções modernistas foram intensamente criticadas a partir dos anos 1980, principalmente por seus altos custos e por serem consideradas soluções pouco humanizadas, sem foco nas expectativas do paciente e de seus familiares. Neste período começam a surgir pesquisas sobre a influência do ambiente no bem-estar dos usuários, atentandose para as ciências do comportamento no desenho dos novos hospitais. Outra questão importante era o impacto urbano que hospitais de larga escala traziam para a cidade, com 61
aumento de tráfego, ruído e muitas vezes a descaracterização da vizinhança, o que influencia a descentralização do hospital em unidades menores e mais específicas. Paralela a essas preocupações ainda havia uma outra relacionada aos custos, e da convergência dessas demandas surgiu o que pode ser definido como o hospital pós-moderno. Baseado no conceito de familiaridade, ou seja, que a experiência do paciente poderia ser mais positiva se a edificação remetesse a espaços nãohospitalares, tomou-se como referência para os novos projetos três tipos básicos: shopping centers, o hotel e a casa. As aplicações dessas influências aparecem mais claramente na internação e na adição de espaços como jardins, áreas de espera, descanso e convivência, mas influenciam também na disposição de todas as outras atividades e no uso de texturas, cor, mobiliário e todos os elementos que dizem respeito ao ambiente de contato com o paciente.
Fig.31- Hospital Pós Modernista: East Georgia Medical Center
Fig.32- Pátio Interno humanizado: Hospital Helsingor
No caso dos apartamentos de internação, é possível observar que a arquitetura hospitalar tem primado pelo residencialismo, seja na projetação de quartos com caráter mais pessoal, flexíveis, de decoração mais próxima àquela que o tipo de cliente tem em seu próprio lar, seja na possibilidade de que os clientes possam internar-se com bens pessoais (LOPES, 2005, p. 78). Associando-se a arquitetura hospitalar a tipologias contemporâneas dos shopping 62
Fig.32- Pátio Interno humanizado: Hospital Sarah Kubitscheck Lago Norte
centers e hotéis, o hospital resgata o seu significado etmológico de “lugar que hospeda”, oferecendo ao paciente um tratamento de hóspede. A principal idéia é a de desvencilhar-se da imagem institucional do hospital impessoal, associado a doenças, stress, ansiedade, e criar um ambiente confortável e acolhedor. Os espaços são normalmente organizados em torno de um pátio interno central, com altura de mais de um pé direito, com iluminação zenital. A idéia de iluminação e ventilação natural voltam a ser preocupações no projeto, embora tenham um foco diferente das preocupações iluministas. Enquanto estas eram relacionadas ao sanitarismo do hospital, àquelas estão ligadas a idéia de um ambiente natural14. As áreas de ventilação natural são áreas de menor necessidade de tecnologia médica, como zonas de acesso principal, apartamentos etc. A planta se desenvolve a partir deste pátio, que liga os serviços através de circulações. De certa forma, o modelo do panóptico retorna, uma vez que a configuração da planta permite que o posto de enfermagem seja colocado no centro do bloco de internação, onde a supervisão e controle acontece mais facilmente. Embora modulada, a estrutura não é perceptível nas fachadas, que são cobertas por panos de vidro. O átrio assume funções dentro da organização dos espaços semelhantes ao pátio interno do tipo claustral. Os espaços são organizados a partir dele, são voltados para ele, dele recebem luz natural e é a ele que recorrem para comunicar-se. Entretanto, sua função é de facilitar o acesso desde o exterior, comunicar, fomentar convívio, ao contrário do claustro medieval, voltado para o interior, propiciador de isolamento. Assim, o átrio assume uma preponderância significativa para os hospitais pós-modernos. (LOPES, 2005, p.80) Conclui-se que o hospital, desde seu início nos mosteiros, passou por notáveis mudanças, essencialmente ligadas aos avanços médicos e científicos. Percebe-se que quanto mais esses avanços aconteciam, mais a função e o conceito do hospital para a sociedade mudava. Com isso, o conceito de isolamento relacionado aos hospitais também mudou, eliminando as suas barreiras físicas para a sociedade. Apesar de ainda isolar seus internos, com o intuito da recuperação, podese dizer que o hospital contemporâneo, como edificação, faz parte do cotidiano da sociedade.
14 Ressalta-se aqui que o conceito de “natural” utilizado encaixa-se nos moldes da Natureza domada apresentada no item 4.1.2 Condomínios.
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4.2.2 Prisões A palavra prisão tem sua origem no latim prensio, do verbo pehendere, que significa “agarrar, prender”.15 Já a palavra penitenciária é originária do latim penitentiarius, “relativo à pena, ao castigo”_, de pena, “castigo, penitência, condenação” 16. Historicamente, a pena de prisão teve origem nos mosteiros da Idade Média e era aplicada de modo a punir monges ou clérigos faltosos. A prisão consistia no recolhimento para a cela, onde estes se dedicariam à reflexão reliogiosa e oração. O vocábulo penitenciária remete, portanto, sua origem ao Direito Canônico. Na antiguidade, pessoas se afastavam do convívio social, na intenção de fazer penitências para corrigir as próprias falhas. A Igreja Católica, acreditando que a solidão e o silêncio promoviam a remissão dos pecados, criou os estabelecimentos penitenciais, os conventos e mosteiros, que também eram compreendidos como refúgios e centros de cultura. Por esta razão, acabava que esse ambiente fundamentado por preceitos de cunho eminentemente religioso já era uma espécie de prisão. (SUN, 2008, p.29) A configuração do espaço construído da prisão está diretamente relacionado com diretrizes e sistemas de aplicação penal adotadas pela sociedade, ou seja, a arquitetura prisional está diretamente relacionada com os conceitos morais, éticos e socioeconômicos de crime e pena. Desta maneira, um estudo das principais tipologias prisionais é também um estudo cronológico da ideologia da prisão. Ressalta-se que, na prática, as vertentes humanistas e recuperativas são relativamente novas nesta história e que sua resultante arquitetônica ainda não foi claramente evidenciada, sendo a edificação prisional recuperativa contemporânea constrituída por uma repetição de padrões arquitetônicos caracteríscos das edificações penais punitivas. A história da pena17 pode ser traçada desde a Antiguidade, onde a principal forma de punição eram os castigos corporais. Na Grécia Antiga e em Roma, a pena de morte era a principal forma de sanção, além de outras medidas consideradas desumanas como açoites, castigos corporais e mutilações. É interessante, também, notar como as sociedades indígenas lidam com a pena. Algumas tribos, como os Oiapoque18 tem como pena mais comum a “faxina”, ou seja, a limpeza de uma área de uso coletivo. Entretanto, nota-se que a pena de degredo e isolamento é adotada para os crimes mais graves.(WAGNER, s/d). Portugal também aplicava 15 Segundo definição disponível em < http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/prisao/>. Acesso em 22 Abr 2015. 16 Segundo definição disponível em < http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/prisao/>. Acesso em 22 Abr 2015. 17 Usa-se aqui o termo pena para designar qualquer tipo de resposta social a crimes cometidos dentro desta mesma sociedade, segundo as leis/ contratos sociais que a regem. 18 Tribo indígena brasileira do norte do Amapá.
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a pena de degredo para certos crimes, fazendo do Brasil, nos seus primeiros anos de Colônia, uma espécie de “presídio” do Reino (SILVA, 2008). Não à toa, os modelos penais adotados posteriormente foram baseados em referências européias, cuja origem filosófica do isolamento encontra-se nos mosteiros da Idade média. Nota-se que, por mais diferentes que sejam as culturas, o isolamento parece ser a primeira resposta ao crime do indivíduo desviante. O termo ostracismo, que atualmente se refere ao isolamento social informal de um grupo, teve sua origem em Atenas, onde o indivíduo condenado era forçado ao exílio, sendo que seus pertences permaneciam na cidade. Com esses métodos de degredo, exílio e castigos coorporais, não era necessário criar-se um edifício de apoio à aplicação das penas. Entretanto, já na Grécia Antiga começam os dicursos sobre a execução penal como instrumento do Estado, de prevenção, defesa e correção. (SUN, 2008)
Fig.33 - Punição Corporal
É apenas no século XVII, devido a pressões de filósofos iluministas, que a pena privativa de liberdade passa a ser instucionalizada e o edifício prisional passa a ser o local principal de execução penal. Neste novo modelo, a punição isolavase atrás dos muros, momento em que se dava fim aos suplícios públicos e, assim, 65
início às torturas veladas. Tratava-se da Prisão de Custódia, tendo como filosofia a segurança, prática bastante comum em nossos dias. (SUN, 2008, p.38) Para Foucault, o nascimento da prisão coincide com o momento em que se percebeu ser mais eficaz vigiar do que punir. Ao analisar as penas das “sociedades civilizadas”, o filósofo aponta que o isolamento da pena privativa de liberdade acontence também com complementos punitivos corporais, uma vez que há a restrição da mobilidade e da alimentação e o trabalho forçado. A prisão é o castigo em uma sociedade em que a liberdade é o bem mais valioso. (SUN, 2008).
Fig.34 - Tipo Radial: Planta baixa da Penitenciária Cherry Hill
Com a institucionalização da prisão, foi necessário estudar a configuração espacial do edifício. Até o início do século XVIII, apesar da reforma penal ocorrida, a qual teve o intuito de aplicar disciplina e sobriedade às edificações penais, poucas idéias novas foram desenvolvidas. A influência da reforma começou a aparecer quando, em 1703, o Papa Clemente XI decide reformar o Hospital San Michele, com o intuito de acolher delinquentes juvenis. Considerando que se fazia uso de duas formas de pena, o regime de silêncio e o regime de reclusão solitária, a prisão passou a se tornar uma instituição especializada. Em San Michele, o aprisionamento era exclusivo para jovens considerados incorrigíveis, com menos de 20 anos de idade, e o tratamento era 66
Fig.35 - Tipo Radial: Penitenciária Cherry Hill
selecionado de acordo com o tipo de caso. Assim, o próprio edifício começou a tomar caráter funcional. San Michele, então, passou a ser reconhecido como protótipo de projeto em bloco celular, dispondo de celas com janelas para o exterior.” (SUN, 2008, p. 42). Essa configuração espacial foi especialmente importante para o surgimento do tipo radial, surgido aproximadamente entre 1760 e 1770. Como mencionado anteriormente, a configuração espacial da edificação penal está intrinsicamente ligada a sistemas políticos e ideológicos vigentes. Desta forma, este tipo marca a aplicação do Sistema da Pensilvânia, celular ou separatista19, cujo conceito de isolamento total foi baseado monástico.
no
confinamento
Nesse sistema, isolamento celular é absoluto, com passeio isolado do interno em pátio circular, sem trabalho ou visitas, incentivando-se a leitura da Bíblia. A requalificação do criminoso era buscada por meio da relação do indivíduo com a sua própria consciência e com aquilo que poderia iluminá-lo por dentro. Não seria, portanto, um respeito exterior pela lei ou apenas o receio da punição que iria agir sobre o detento, mas o trabalho de sua consciência. O objetivo a ser alcançado 19 Separate System. In: Wikipédia. Disponível em:. <http:// en.wikipedia.org/wiki/Separate_system>. Acesso em: 17 Abr 2015.
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seria uma mudança de moralidade e não de atitude propriamente dita. As únicas operações de correção seriam a consciência e a arquitetura muda contra a qual ela esbarra, sendo que o trabalho seria antes um consolo que uma obrigação. (SUN, 2008, p.44). O tipo radial consiste na rotação dos blocos da prisão em torno a um centro. A planta final lembra um asterisco. Neste centro encontra-se um hall de vigilância, do qual os agentes penitenciários conseguem ter total acesso visual ao blocos, mas não às celas individuais, como é o caso do panóptico. Os espaços entre os blocos e o muro são utilizados para exercicíos. Nos primeiros modelos, até os exercícios eram feitos isoladamente, em celas de exercício. A mais notável aplicação deste Sistema foi a Penitenciária de Cherry Hill, projetada por John Haviland e inaugurada em 1829. Medidas extremas eram tomadas para reforçar o isolamento e evitar o contato mesmo entre prisioneiros. Nenhuma atividade conjunta era permitida. Os detentos usavam máscaras ao transitar fora das celas para não ver-se uns aos outros e eram proibidos de falar entre eles. Nas primeiras plantas, as celas não tinham portas para o corredor, apenas uma vigia e uma gaveta para alimentação. Tratava-se de uma prisão que tinha como princípio básico a completa separação e reclusão solitária de detentos. Na Cherry Hill, então, “os muros são a punição do crime, a cela põe o detento em presença de si mesmo”: Com isso, espera-se que ele seja forçado a ouvir a sua consciência. A incomunicabilidade entre presos, o confinamento dentro de espaço projetado para a vida totalmente individualizada, em que não se permite a visão externa, fazem com que se tenha a sensação de estar em jaulas, como animais no zoológico. Desta forma, a situação de total falta de respeito à dignidade humana demonstra uma certa incoerência nos propósitos idealizados de se ouvir aprópria consciência, uma vez que o sujeito perde a sua própria identidade, ficando impossibilitado de permanecer na presença de si mesmo, como seria o desejável. (SUN, 2008, p.46) As consequências psicológicas desse sistema logo apareceram, com muitos detentos sendo conduzidos à insanidade por conta do isolamento absoluto, contradizendo o seu príncipio de recuperação. Deu-se conta, também, que o sistema era bastante oneroso, uma vez que a produtividade era baixa devido às dificuldades de supervisão das prisões. Em resposta ao isolamento extremo do Sistema da Filadélfia, surgiu o sistema de Auburn ou Sistema de Nova Iorque, acompanhado da tipologia linear para a sua aplicação. Neste sistema, o isolamento individual acontece apenas no período noturno, sendo o trabalho e refeições 68
feitas em ambiente coletivo. Entretanto, a regra do silêncio absoluto continua, mesmo quando em grupos. A única comunicação aceita era entre detentos e guardas, em voz baixa, perante autorização prévia.
Fig.36 - Tipo Linear: Interior da Penitenciária de Auburn
As celas são espelhadas, fundo contra fundo, e dispostas verticalmente. O acesso se dá por corredores estreitos que se abrem para um largo fosso que separa o corredor da parede exterior, que aqui possue função de muro. Não há janelas nas celas. A única entrada de luz encontra-se nas paredes do fosso, em forma de pesadas janelas com grades. Por esse motivo, as paredes frontais das celas deveriam ser o mais abertas possíveis, o que implicou na utilização de barras de metal. O Sistema ficou conhecido com a prisão de Auburn, inaugurada em 1823, cujo projeto foi orientado por um forte espírito de economia e de senso prático. Neste caso, as celas individuais eram extremamente pequenas, com espaço insuficiente mesmo para a ocupação noturna e completamente inadequado para a utilização diurna.
Fig.37 - Tipo Linear: Planta baixa da Penitenciária de Auburn
Outro tipo importante do final do século XVII foi o panóptico, que consiste na aplicação do modelo idealizado pelo filósofo e teórico social Jeremy Bentham. Esse modelo, inicialmente idealizado como solução universal para qualquer programa 69
que necessitasse de vigilância constante de seus usuários (hospitais, escolas, prisões, fábricas), encontra na prisão um local privilegiado de realização, uma vez que manifestava os dois dispositivos essenciais, isto é, de se manter o prisioneiro sob um olhar permanente e de se possibilitar o registro e a contabilização de todas as anotações que sejam necessárias em relação a eles. Com isso, trata-se de uma forma de se promover, ao mesmo tempo, vigilância e observação, segurança e saber, individualização e totalização, isolamento e transparência. (SUN, 2008, p.52). Logo, partindo da premissa de que era mais eficiente e econômico vigiar todas as celas de um único ponto, este tipo consiste em uma edificação circular, com uma estrutura periférica em forma de anel, com uma torre central de vigilância. A torre é vazada por largas janelas que se abrem para a face interna do anel. As celas, que atravessam toda a espessura da construção, são locadas na estrutura periférica, de maneira a permitir o contato visual total com o centro, mas nunca entre elas. As celas possuem duas janelas, uma para o interior e uma para o exterior, o que permite que a luz a atravesse de lado a lado. O conjunto é coberto por um telhado de vidro.
Fig.37 - Panóptico: Interior
Fig.38 - Modelo Panóptico 70
Uma variação do panóptico são os tipos de pátio, cuja lógica da vigilância de 360 graus continua, mas há a circulação livre dos detentos pelo pátio. Apesar de amplamente adotado no projeto de prisões, a configuração espacial do panóptico gera um profundo desconforto no usuário, devido à grande falta de privacidade e contato humano que esse modelo promove. O indivíduo é constantemente lembrado que está sob ininterupta observação, mas não consegue distinguir onde se encontra, quem o vigia ou com quem divide o espaço. O paralelo com um zoológico é inevitável. Não coincidentemente, Foulcault menciona em seu livro Vigiar e Punir, que a provável referência, apesar de não admitida, na concepção desse modelo tenha sido o Zoológio Le Vaux, de Versailles. (FOUCAULT, 2000). A necessidade de reformular e criar regimes penais fez com que o primeiro evento internacional de ciência penitenciária acontecesse em Londres em 1872, do qual originouse a Comisssão Penitenciária Internacional, extinta em 1951 ao transferir suas ações para a ONU. Os principais frutos desse evento foram a criação de regimes mais focados no humanismo. A criação do sistema progressivo, também conhecido como Regime Irlandês, e utilizado por Walter Crofton em diversas penitenciárias da Irlanda, foi essencial para a base da concepção da atual progressão de pena adotada em diversos países, inclusive no Brasil. O regime Irlandês consistia em quatro fases: iniciava-se na prisão celular, passando para o sistema misto, sucedido por reclusão intermediária (regime aberto, onde o preso trabalha fora da penitenciária, mas volta para o reclusão noturna) e por fim liberdade condicional. (SEGAWA, 1987, p. 272-273). Apesar de vários avanços teóricos no Direito Penal, após a metade do século XIX e até recentemente, poucos avanços foram feitos nos projetos de prisão por consequência da grande decadência na categoria das penitenciárias, sendo as novas construções feitas nos padrões antigos. Apesar de vários programas institucionais, como os hospitais, terem se renovado com base na psicologia ambiental20 , o projeto da edificação penal continuou essencialmente medieval, em seu conceito de isolamento punitivo. Entretanto, percebe-se a consolidação de um novo panóptico gerado pela tecnologia de supervisão, como câmeras de vigilância e com isso o surgimento de algumas tipologias, como o tipo espinha de peixe, pavilhonar e urbana e outros tipos híbridos.
20 A psicologia ambiental é o estudo do comportamento humano em sua interrelação com o meio ambiente.
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No tipo espinha de peixe, a planta se desenvolve com base na circulação de segurança. Um bloco longo de corredor forma uma espinha central, da qual os pavilhões de estruturas de funções se desenvolvem perpendicularmente. Esses pavilhões contém os blocos de cela, refeitório, capela, salas de aula e administração. Os blocos de celas possuem normalmente entre três e quatro pavimentos de celas dispostas verticalmente e mas há a introdução de janelas de segurança que vão de piso a teto. Essas janelas das celas se voltam para os pátios externos, onde acontecem as atividades de grupo. Esta tipologia permite uma vigilância contínua e acesso independente para cada área funcional. Já na organização pavilhonar, as unidades funcionais são organizadas em forma de pavilhões independentes, implantados de acordo com a circulação desejada. O muro externo está fortemente presente como o perímetro onde os detentos podem circular livremente entre os pavilhões. Talvez o tipo que mais distoe dos demais aqui apresentados seja o urbano, na qual a edificação está implantada na malha urbana, sem muros defensivos. Entretanto, apresenta-se como um sólido intransponível e maciço, de modo a enfatizar o caráter de contenção e isolamento, gerando uma idéia de controle e segurança para o público geral. Percebe-se que, qualquer fosse o tipo adotado, a figura da fortaleza é utilizada para dar a sensação de garantia do aprisionamento e tranquilizar a sociedade. A fortaleza representa o controle da instituição sobre as pessoas que ali se encontra. Entretando, como colocado por Sun (2008, p.60), embora a arquitetura continue, atualmente, seguindo os mesmos princípios, ninguém mais acredita na possibilidade desse controle. Sendo assim, existe uma urgência para que se busque um meio mais eficiente na própria arquitetura prisional para que a pena seja executada, sem que se limite a enclausurar o indivíduo e vigiá-lo, mas fazer com que ele se recupere de sua conduta delituosa, podendo retornar à sociedade posteriormente.
72
Fig.39 - PresĂdio de Alcatraz, EUA.
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74
PARTE III
considerações finais
Esta parte relaciona os dados apresentados nos capítulos anteriores e tem o intuito de estabelecer um paralelo entre os elementos essenciais do isolamento e o panorama histórico dos programas de isolamento analisados. Percebe-se que todos os programas possuem uma aplicação distinta do conceito de isolamento, que mudou à medida que esses programas se transformaram. No próximo capítulo, analisa-se como essas transformações afetaram a utilização, a forma e o significado simbólico de cada um dos elementos essenciais destacados na parte I. Esta análise está divida por elementos, de modo a facilitar a comparação entre os programas. Finalmente, a conclusão traz os principais questionamentos que apareceram durante a pesquisa e apresenta futuros caminhos a serem trilhados para a compreensão da relação entre Arquitetura e isolamento.
75
Fig.40
76
4. ANáLISE 4.1 MURO A utilização do muro nos programas de isolamento analisados é constante, tendo a sua forma geral sofrido poucas alterações com o tempo. Mesmo com o advento do sistema fechado de televisão, que em tese possibilitaria a extinção do muro nos programas de isolamento, este continua presente como elemento sólido, maciço e contentor. Atualmente, o muro impõe-se mais como uma barreira visual que física, muito mais simbólica que verdadeiramente necessária. Nos mosteiros, o muro não foi adotado nas primeiras experiências. Ele surgiu apenas quando a Regra da vivência em comunidade foi adotada e os edifícios começaram a fazer parte da cidade, ainda que distantes do centro. O muro foi construído sob o pretexto de garantir que a clausura não seria perturbada por fatores externos. Entretanto, questiona-se se realmente os mosteiros eram sujeitos a tantas vontades de interferências físicas. Talvez isso fosse verdade no início de sua consolidação, quando as relações da Igreja na cidade ainda não eram claras. Depois disto, o muro passa a ser um elemento simbólico para garantir que o recolhimento espiritual não fosse perturbado, mas não por fatores externos, e sim pelos próprios religiosos, uma vez que esse elemento os lembrava constantemente de sua renúncia. Ou seja, uma vez que os mosteiros não sofriam verdadeiras ameaças de serem invadidos, o muro, este elemento tão agressivo de barreira, era necessário para manter viva a motivação das próprias pessoas que escolheram ali se isolar. Ao longo do século XVII, quando a prática religiosa entrou em declínio, esse valor simbólico foi ainda mais enfatizado. Entretanto, com a absorção do movimento moderno, por uma consequente modernização da Igreja, percebe-se que os muros começam a ser extintos nos mosteiros, que começam a adotar outras estratégias para garantir o isolamento imaculado. Viu-se que alguns voltam a usar a sua implantação de origem: em lugares “desérticos”, enquanto outros exemplares adotam tipologias fechadas em si mesmo, como La Tourette. Neste caso, o edifício é o seu próprio muro. O mesmo pode ser visto no caso dos hospitais, programas derivados dos mosteiros. Inicialmente, a arquitetura hospitalar se confundia com a arquitetura dos próprios mosteiros. 77
Os doentes era acolhidos por religiosos dedicados à regra de comunidade, que implicava a benevolência. Como visto, o programa estava associado à ideia de morte, de preparo espiritual para a vida após a morte, e não com a cura em si. A adoção do muro era então uma consequência dos hospitais estarem inseridos nos mosteiros. No caso de doenças infecto-contagiosas, cuja cura ainda não era possível por conta da medicina da época, o muro era um elemento necessário de contenção de epidemias. É o caso das colônias de leprosários, onde a edificação era isolada por um muro de contorno e um ou dois portões de acesso, controlados pela administração da instituição. Assim como a Igreja se modernizou, e os mosteiros foram perdendo seus muros, a medicina avançou notavelmente entre o Iluminismo e o século XX, mudando o conceito do hospital espiritual para o hospital terapêutico. Este precisava estar mais perto da comunidade que atendia para melhor servir o seu propósito. Com isso, o muro deixa de existir, uma vez que não são mais necessárias barreiras físicas. No hospital, percebe-se uma implantação mais bem sucedida do sistema de câmeras de segurança no lugar do muro. Outro fator importante que fez o hospital perder seus muros, foi a adoção do conceito de familiaridade implementado nos anos 1980. O hospital passa a fazer parte do dia-a-dia da sociedade, como um edifício conhecido 78
e não mais temido por se associar à doença e morte. O mesmo não aconteceu nas prisões, que são edifícios estigmatizados, ainda temidos e desconhecidos pela sociedade. O muro sempre foi um elemento presente neste programa a um ponto que os dois quase viram sinônimos. O muro e a prisão são elementos associados no imaginário coletivo. É possível uma prisão sem muro? Muitas pessoas responderiam negativamente, da mesma forma que ao ver um prédio murado, mesmo que este seja um mosteiro, hospital ou condomínio, a primeira comparação é sempre a de como aquele é um “muro de prisão”. A prisão, independente da tipologia adotada sempre é apresentada com um muro perimetral. Esse muro também é mais simbólico que necessário. Ele diz para as pessoas que estão dentro que não há modo de fugir, é uma presença visual constanste da pena de restrição de liberdade à qual a pessoa está submetida. E para as pessoas que transitam do outro lado, os cidadãos de bem, o muro exala segurança, controle, como se disssesse que toda a ameaça está contida do outro lado, que os passantes não precisam se preocupar.
Fig.41
Curiosamente, essa relação é invertida no caso dos condomínios. Os muros externos dos condomínios residenciais fechados representam para os internos a segurança, 79
o controle, mostrando que estão salvos da ameaça constante que se encontra do outro lado. Já para os passantes, o muro expressa insegurança e medo, como se eles devessem se apressar, porque ali é uma região perigosa, deserta, sem olhos para a rua, da cidade. Os condomínios, por sinal, apresentam muros com significados diversos. Além do muro externo que materializa o conceito de segurança, há os muros internos dos lotes, que representam a individualidade e a privacidade, os outros dois conceitos principais desse programa. Com isso, percebe-se que os muros são elementos políticos de afirmação das inseguranças e ansiedades da sociedade, e questiona-se a sua utilização, principalmente nas prisões e nos condomínios, levando em consideração o significado hostil que trazem para a cidade.
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4.2 JANELA As janelas, como fronteiras, funcionam como filtros para o que se deseja ou se permite ver. O princípio básico da janela é emoldurar o exterior, capturá-lo de um modo que ele faça parte do ambiente interno. Desta forma, a janelas dos edifícios dizem muito sobre a relação de seu interior com o ambiente externo e com a natureza. Dentro dessas relações, estão fatores como a iluminação e a ventilação. A iluminação pode ser trabalhada de maneira a apresentar um significado simbólico muito forte. Por exemplo, nos mosteiros românicos, a luz era controlada para criar uma sensação de espiritualidade. Por este motivo, a adoção da janela modernista não foi bem aceita nos programas de arquitetura religiosa. Fosse ela a janela em fita de Le Corbusier, a fachada de vidro de Gropius na Bauhaus ou as cortinas de vidro de Mies van der Rohe, a janela modernista evapora as fronteiras visuais óbvias do interior e exterior, possibilitando um maior contato entre os dois lados. Pode-se até dizer que as fachadas de vidro são uma supressão da própria janela (KOOLHAAS, 2014). Com isso em mente, compreende-se que, para os programas de isolamento como os mosteiros e prisões, cujo objetivo é distanciar o máximo o indivíduo do mundo exterior, a janela modernista se mostrou imprópria. Nesses programas, percebe-se que a janela, quando existente, voltava-se para o interior, seja para o claustro (nos mosteiros) ou para os pátios internos (nas prisões). Por outro lado, não é de se admirar que essa janela foi bem aceita nos condomínios. De fato, a janela modernista ficou muito popular nos EUA dos anos 1950, sendo comercializada em vários subúrbios como o ápice da modernidade e sofisticação, a materialização do sonho americano. Com o painel de vidro, cada casa agora era uma televisão, e cada morador, uma estrela de seu próprio show. A janela transparente permitia ao residente do subúrbio mostrar aos outros aquilo que lhe era de maior orgulho e fechar as cortinas nos momentos que lhe convinha. Tendo em vista que o lote era totalmente cercado por muros, as janelas podiam ser o mais transparentes possíveis. No entanto, percebe-se, analogamente à essa celebração da exposição da vida cotidiana, um paradoxo, uma vez que os moradores dos condomínios se isolam para buscar segurança e privacidade. Quanto aos hospitais, pode-se dizer que estes foram completamente remodelados por conta da janela. As questões sanitárias, de iluminação e ventilação naturais, que foram a chave para a transição do hospital medieval para o hospital iluminista, consolidando as primeiras tipologias verdadeiramente hospitalares, estão diretamente ligadas ao desenho das 81
aberturas. A janela não apenas representava simbolicamente, mas materializava a higiene e o sanitarismo buscados na época. Logo, os hospitais abraçaram a ideia da janela modernista e chegaram ao pano de vidro na contemporaneidade, o qual esconde a estrutura da fachada. Além das questões sanitárias, pode-se dizer que essa adoção também foi muito influencidada pela corrente da psicologia ambiental que influenciou as tipologias hospitalares contemporâneas, buscando referências em programas como residências, shoppings e hotéis.
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4.3 PORTA A porta é um elemento que está associado ao controle, pois media o acesso do interior ao exterior, e vice versa. De maneira geral, as portas não mudaram significativamente em sua forma ou significado. Mas, como elementos essenciais para a caraterização de um programa de isolamento, as portas representam o contato real entre o interior e exterior e a maneira como essas partes se relacionam entre si. Viu-se que no processo de privatização das praças inglesas, que deu origem aos condomínios, as portas foram a primeiras a serem implantadas para garantir o isolamento. Uma vez que essa segregação ainda não era autorizada legalmente, as portas eram elementos que se enquadravam nas entrelinhas da legislação, controlando o acesso, sem realmente configurar uma barreira. Como visto, o muro só passa a ser utilizado nos subúrbios, quando os condomínios se deslocam da malha urbana da cidade, para virarem pequenas cidades em si. As portas continuam a existir, mas agora em forma de portões vigiados com guaritas e câmeras de segurança, sempre separando residentes e visitantes. Assim também se apresenta a porta de acesso principal das prisões. Há uma porta para visitantes, e uma porta para os internos. A porta das visitas é a mais controlada: detectores de metais, revistas físicas e todo um protocolo burocrático de acesso. Já a porta interna se apresenta de duas formas, a porta de entrada para os presos que chegam/saem, e a porta das celas. Viu-se que nas primeiras plantas das prisões, como em Cherry Hill, as celas não tinham portas para o corredor, apenas uma gaveta para alimentação. No início da consolidação dos mosteiros, pode-se dizer que não havia portas, pois o assentamento era acessível a qualquer pessoa que chegasse. Com a crescente procura desses lugares por pessoas de fora da comunidade, começou-se a colocar os muros e portas, separando a clausura da parte do atendimento externo. O mesmo acontece nos hospitais e à medida que a medicina foi avançando, os níveis de acesso ficaram mais complexos. Como visto, hospital começou a ser divido em três setores distintos: internação, clínica e suporte. E a boa interligação dessas zonas era essencial para o funcionamento do hospital. Conclui-se, portanto, que a porta, na medida que é a fronteira de acesso para os visitantes desejados e a barreira para os indesejados, é essencial para o funcionamento dos complexos níveis de acesso que os programas de isolamento apresentam, e a sua configuração física expressa as diretrizes de controle aplicadas em cada partido. 83
4.4 CONTROLE O controle é um fator importante para a manutenção do isolamento nos programas analisados, até mesmo nos casos do isolamento voluntário. Como visto, a forma de controle mais usada é a de supervisão. Os elementos utilizados variam desde de torres de vigias, câmeras de segurança, etc. Pode-se afirmar que , à medida que a tecnologia se tornou mais complexa e digital, os elementos de supervisão ficaram menos perceptíveis visualmente, mas mais invasivos. Ressalta-se que o isolamento gera um fenômeno interno de microcosmos social. Os usuários começam a se organizar em sua própria maneira, seguindo um regulamento interno de convivência. Esses regulamentos dizem respeitos às normas que regem a instituição ou a acordos informais do contrato social. Nos mosteiros, esse regulamento está relacionado à Regra de cada ordem religiosa, e como visto, essas regras chegam até a ditar algumas diretrizes para a construção dos edifícios. Nos hospitais, essas regras são impostas pelo órgão competente de saúde pública, segundo a conduta sanitária de cada época. Nos condomínios, há o regulamento condominial, os famosos CC&Rs, Covenants, Conditions and Restrictions que levam a marca do Direito de tradição inglesa. Finalmente, as prisões são regidas pelo conjunto de leis do código penal de cada 84
país. Ressalta-se que, além disso, muitas prisões tem seu próprio regimento interno informal, ditado pelos próprios detentos. Se o regulamento interno serve para controlar as ações e relações dos usuários, a adoção de certas tipologias pelos programas de isolamento analisados serviu para controlar fisicamente os usuários. O panóptico é o exemplo mais óbvio, tendo sido elaborado para qualquer programa que necessitasse de um alto nível de controle sobre seus usuários, como prisões, hospitais, escolas, fábricas e mosteiros. Podemos dizer que o panóptico é mais que um modelo de organização arquitetônica, é um modelo de controle físico e comportamental. Nos mosteiros, o claustro serviu de elemento panóptico, ao mesmo tempo que limitava o acesso dos monges às outras àreas do mosteiro. Nos hospitais, viuse como o controle foi evoluindo, e como a dimensão vertical da construção em
Fig.42
altura ajudou na organização e controle dos espaços. Nas prisões, o modelo do panóptico foi amplamente utilizado nos moldes de sua concepção inicial. Já os condomínios residenciais fechados inicialmente eram organizados em torno à praça, uma configuração que também remete ao panóptico. Em sua tipologia de subúrbio contemporânea, a adoção do sistema fechado de televisão substituiu o modelo físico de Bertham, implantando com sucesso o panóptico digital. 85
4.5 IMPLANTAÇÃO A solução mais comum para a implantação de todos os progamas analisados foi a de locar os edifícios fora do perímetro urbano. Os padres pioneiros dos mosteiros chegaram ao extremo de desbravar um local desconhecido e inóspito para assentar seus primeiros agrupamentos. Essa implantação foi tão significativa na consolidação do conceito da reclusão espiritual e do isolamento necessário que continua a ser aplicada ainda nas tipologias de mosteiros contemporâneos, sendo uma escolha poética e ligada à manutenção da tradição histórica. Da mesma forma, o hospital e a prisão, por terem nascido dos mosteiros, tem suas primeiras versões implantadas distantes da malha urbana. Entretanto, esses dois programas se transformaram de formas totalmente diferentes. Os hospitais, no século XX passam a se preocupar com uma implantação mais acessível, enquanto as prisões continuam a ser locadas longe do olhar cotidiano. Ressalta-se que esse tipo de implantação traz várias consequências para a relação do detento com a sua família e a sociedade da qual fazia parte. Sendo o crime um indicativo de desequilíbrio social e a prisão um edifício feito para re-equilibrar a “balança”, questiona-se como é possível recuperar um indivíduo, cujos laços sociais já estão fracos, afastando-o ainda mais do meio no qual deseja-se que ele faça parte após o fim do cumprimento de sua pena. Assim como a prisão, o condomínio manteve sua característica de isolamento consistente, mantendo sua implantação às margens da cidade. Entretanto, como visto, o condomínio residencial fechado é o programa de isolamento que mais impacta o traçado urbano das cidades, fragmentando-o e aumentando as distâncias entre centros urbanos, pois frequentemente crescem em direção oposta à cidade.
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4.6 CÉLULA A célula é a unidade mínima dos programas de isolamento e diz respeito à relação do indivíduo com o meio no qual ele se isola, ou é isolado. Nos mosteiros, a célula corresponde às celas dos monges, lugar onde passam toda sua vida. Nos condomínios, é a casa ou apartamento. Nos hospitais, o leito e consequente enfermaria ou apartamento. Nas prisão, a cela coletiva ou individual. Percebe-se que nos programas de isolamento voluntário, a célula é interpretada como lar, enquanto nos programas de isolamento compulsório, a célula é vista como um castigo a ser aguentado. A cela da prisão teve sua origem na cela (cabanas) dos Padres do Deserto, precursores dos mosteiros. Entretanto, ressalta-se um grande paradoxo conceitual na apropriação desse elemento para a arquitetura penal. As celas dos mosteiros são espaços dedicados à reflexão espiritual, sem interferências com o meio externo. É também o lugar onde o monge passa toda a sua vida, ou seja, a sua casa. Ele se exclui da sociedade naquele pequeno ambiente por vontade própria. A adoção desse modelo para as celas das prisões tinha como objetivo colocar o detento em contato com a sua própria consciência, para reflexão interior que o levaria a se arrepender dos pecados e se tornar uma pessoa “melhor”, para então retornar à sociedade. Entretanto, a diferença do preparo psicológico de uma pessoa que se isola voluntariamente, dedicando o resto de sua vida para algo que acredita, é muito diferente de uma pessoa que é trancada em uma cela por um tempo determinado, como penitência por algo que fez. Esse lugar não é uma casa para o preso, como é para o monge. Não é à toa que os primeiros experimentos de reclusão e silêncio total nas prisões tenham falhado por causar danos severos à saúde mental das pessoas presas. Nos hospitais, a enfermaria passou por uma significante transformação. Com a valorização da privacidade, o número de leitos começa a diminuir e os apartamentos individuais são adotados, com referências em residências e hotéis, como visto. Já a célula dos condomínios, assim como a sua apresentação geral, sofreu poucas transformações, por estar sempre ligada às mudanças da arquitetura residencial e do setor imobiliário.
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5. CONCLUSÃo Por meio da análise apresentada, pode-se perceber como os elementos fundamentais do isolamento transformaram-se nos programas estudados, à medida em que os contextos histórico, político e social mudavam, e os movimentos estilísticos e as novas tecnologias apareciam. A consequência que essas mudanças trouxeram tanto para o significado poético desses elementos, quanto para a sua forma e utilização na organização espacial adotada, foi significativa. Percebe-se que a análise evidenciou muito mais do que uma linha evolutiva desses elementos do isolamento. Nota-se que as diretrizes e conceitos de projeto aplicados em cada tipologia moldaram a forma com que esses elementos foram utilizados. Nos programas analisados, em geral, o muro deixou de se apresentar como uma barreira física protetora, e passou a ser um elemento simbólico político de segregação. A janela evidenciou as relações de cada programa e época com o ambiente externo e a Natureza. Seu desenho foi essencialmente impactante para o todos os programas a partir do Modernismo. Já a porta revelou as relações de controle aplicadas sobre os usuários e seus visitantes. Encontrou-se semelhanças entre programas aparentemente distintos, como a prisão e o condomínio, uma vez que os dois apresentam os elementos do isolamento da mesma maneira e sofreram menos alterações durante sua história. Percebeu-se, também, como o próprio conceito de isolamento mudou em certos programas. Os hospitais foram os mais bem sucessididos em apresentar essa transformação, apropriando-se dos elementos de isolamento segundo a sua necessidade, e não só utilizando-os de forma opressora. As prisões são edifícios que podem ter seu conceito de isolamento trabalhado e transformado, como os hospitais, para fazer parte mais ativa do dia-a-dia da sociedade. Dessa forma, questiona-se elementos agressivos como os muros e incentiva-se o estudo da aplicação de elementos mais múltiplos, como as portas e janelas. Este ensaio possibilitou entender um pouco mais o isolamento como fenômeno ao mesmo tempo moldado por e moldador da Arquitetura. Entretanto, as relações entre isolamento e a 88
Arquitetura são complexas e se estendem a mais programas e situações do que foi possível contemplar com esse estudo. Uma sugestão para prosseguimento é analisar as tipologias citadas de forma mais extensiva, incluindo outros programas de isolamento. Sugere-se também uma análise do impacto dos mesmo no meio urbano e no processo de construção das cidades.
Fig.43
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