1 TENENTES QUEBRAM A HIERARQUIA 1. O EXÉRCITO E O ESTADO: 1.1. O envolvimento do Exército com o poder político, no Brasil, manifestou-se claramente, quando da Proclamação da República, em 1889. Como se viu, naquela ocasião, o Marechal Deodoro da Fonseca marchou à frente dos revoltosos que derrubaram a Monarquia, proclamando a República. 1.2. Logo em seguida, formou-se o governo provisório, chefiado pelo próprio Deodoro. Após a promulgação da Constituição, em 1891, foram realizadas as eleições, e Deodoro foi eleito presidente, tendo como vice o também militar Floriano Peixoto. Somente em 1894. Os civis voltaram ao poder (com Prudente de Morais). 1.3. Outra presença militar marcante na política brasileira, na República Velha, foi Hermes da Fonseca, eleito presidente para o período 1910-1914. Porém, os militares não tinham grande autonomia, uma vez que estavam subordinados ao poder das oligarquias mineira e gaúcha. A figura que dominava o governo era o senador gaúcho Pinheiro Machado. 1.4. Afora estes dois períodos de governo militar, a presença do Exército não se mostrara muito acentuada. Os militares tinham seus próprios problemas internos a resolver e não deram muita atenção às crises políticas que o País viveu. Em resumo: as Forças Armadas mantinham-se dentro de seu papel constitucional de defensoras da ordem. 1.5. Um aspecto importante da vida militar era a diferença de formação entre os oficiais. Aqueles que eram formados pela Escola da Praia Vermelha recebiam uma formação mais literária e pareciam mais advogados fardados do que propriamente militares. Por outro lado, desenvolveu-se um outro grupo de oficiais, mais ligados aos problemas dos quartéis. 1.6. A partir de 1906, vários oficias foram enviados para a Alemanha, a fim de melhor conhecerem a organização militar daquele país. Ficaram profundamente impressionados e, ao voltar, criaram uma revista chamada A Defesa Nacional para defenderem suas idéias. Eles foram apelidados de “0s jovens turcos” e eram olhados com desconfiança pelos outros oficiais. 1.7. Por outro lado, eles passaram a lecionar na Escola Militar de Realengo, formando e doutrinando os candidatos ao oficialato. Seu trabalho foi facilitado pela vinda ao Brasil, em 1920, de uma Missão Francesa que, entre outras influências, mostrou a importância da existência de um Estado-Maior, com oficiais devidamente habilitados. 1.8. Os militares responsáveis pelos movimentos tenentistas, que iremos examinar em seguida, pertenciam ao grupo de jovens oficiais, formados ou ainda estudantes, da Escola Militar do Realengo. Eram, portanto, influenciados pelas idéias de modernização que chegavam da Europa, por meio da Missão Francesa. Não estavam preocupados apenas com o Exercito em si: entendiam que o país deveria modernizar-se, o que implicava no desenvolvimento de industrias estratégicas. Responsabilizavam os políticos pelo atraso do país e, portanto, opunham-se aos oficiais mais antigos, a quem acusavam de aliar-se aos políticos corruptos.
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2. OS TENENTES: UM PROJETO DE BRASIL: 2.1. Um dos aspectos mais interessantes da atuação dos tenentes, na história brasileira, é que o movimento foi muito rico de ações do que de idéias. Explica-se: na década de 1920, houve muitas manifestações de rebeldia e tentativas de revolução feitas por eles. Mas, em termos de idéias, eles deixavam a desejar. Nunca foram muito claros sobre o que realmente queriam. As idéias iam surgindo, esparsas, sem muita consistência. 2.2. O movimento tenentista, uma série de revoltas que marcaram a crise da República Oligárquica, foi a manifestação política da baixa oficialidade de um grupo funcional, o exército. 2.3. Desde o governo Prudente de Morais (1894-1898) os militares estavam fora do poder. Quando falamos de militares nos referimos ao exército; durante a República Velha, a marinha, suspeita de não ser fiel à nova ordem, perdeu importância e teve seus efetivos e vencimentos rebaixados em relação aos do exército. 2.4. Desde o fim do governo de Floriano Peixoto, a cúpula do exército estava interessada em acabar com a influência do positivismo nas escolas militares, que só formava, no dizer de um general, “oficiais burocratas, pacifistas se agitadores políticos”. A alta oficialidade queria um exército mais técnico, mais disciplinado e respeitador da hierarquia. Como já dissemos anteriormente, oficiais brasileiros foram incorporados ao exército alemão como observadores, e uma missão militar francesa veio ensinar os oficiais brasileiros. 2.5. Os soldados passaram a ser recrutados através do serviço militar obrigatório, e procurouse profissionalizar o exército, afastando-se da política e dos cargos públicos os militares. O envolvimento dos oficiais na política quebrava a hierarquia e a disciplina necessárias a uma organização militar. O exército deveria ser um órgão nacional destinado à defesa do país, longe das lutas políticas, e comandado por um estado-maior submetido à Presidência da República. Em 1920, proibiu-se a participação dos militares em manifestações políticas coletivas. 2.6. O exército aos poucos foi se tornando cada vez mais complexo e sofisticado. Na década de 1920 havia um acúmulo de oficiais nos escalões subalternos, nos postos de tenente e capitão. Isso se devia à legislação de aposentadoria e promoção, que permitia limites de idade muito altos nos postos militares e nas fileiras do exército. A lentidão nas promoções gerava descontentamento profissional entre os tenentes, o maior contingente da oficialidade. 2.7. O descontentamento, o baixo grau de controle hierárquico dentro do exército, os baixos salários e a situação política do país criavam condições para as revoltas da baixa oficialidade. Os tenentes retomaram a idéia do soldado-cidadão do início da república. Achavam que a Constituição permitia aos militares decidir sobre a conveniência de obedecer às autoridade governamentais. Além disso, o ensino técnico militar favoreceu a formação de uma consciência militarista num momento em que já se questionava o poder das oligarquias civis. Os tenentes passavam a se identificar como servidores profissionais da comunidade, e não de governos transitórios.
3 2.8. Enquanto a alta cúpula militar se acomodava aos governos oligárquicos, os tenentes queriam “purificar” a sociedade e o próprio exército. Tinham uma vaga ideologia nacionalista, puritana e autoritária, de moralização das eleições, buscando a centralização do poder e o monopólio da força pelo exército. Eram elitistas e sustentavam que apenas o exército tinha condições de purificar o país, não acreditando que o povo pudesse fazê-lo. A busca de reformas políticas estava misturada com um certo reformismo social ingênuo, que seduziu setores populares e faixas das camadas médias urbanas. 2.9. Na defesa da centralização do poder os tenentes tinham como principal inimigo a oligarquia paulista. Aos olhos dos tenentes, essa oligarquia encarnava os piores vícios do regime republicano: fraudes, regionalismo extremado, domínio sobre uma expressiva força pública militar e controle do poder por uma elite de homens endinheirados ligados diretamente aos grandes centros financeiros internacionais. Esses fatores impediam a consolidação do Estado Nacional. 2.10.Os ataques dos tenentes à oligarquia paulista abriam aos militares a possibilidade de se aliar a oligarquias estaduais que se opunham aos paulistas, nos momentos em que havia ruptura entre elas. 3. PRINCIPAIS MOVIENTOS TENENTISTAS: 3.1. Os 18 do Forte de Copacabana (1922) : Esse movimento, que começou com trezentos revoltosos, deu início ao ciclo das revoltas tenentistas. Apenas dezoito tenentes ficaram para combater as tropas fiéis ao governo do presidente Epitácio Pessoa, e desses restaram apenas dois sobreviventes, os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes. 3.2. O episódio teve início quando da disputa pela sucessão de Epitácio Pessoa. O eixo São Paulo-Minas lançou como candidato, nos primeiros meses de 1921, o governador mineiro Artur Bernardes. Contra essa candidatura levantou-se o Rio Grande do Sul, liderado por Borges de Medeiros que denunciou o arranjo político São Paulo-Minas como uma forma de garantir recursos para os esquemas de valorização do café, quando o país necessitava de finanças equilibradas. Os gaúchos temiam também que se concretizasse uma revisão constitucional limitando a autonomia dos Estados. 3.3. Uniram-se ao Rio Grande do Sul a Bahia, Pernambuco, Estado do Rio – terceiro, quarto, quinto e sexto Estados em importância eleitoral –, formando a Reação Republicana que apresentou o nome de Nilo Peçanha. Anteriormente, Nilo Peçanha fora eleito vicepresidente da República (1906) e ocupara por alguns meses a Presidência, após a morte de Afonso Pena; na chefia do governo, contribuíra decisivamente para o triunfo de Hermes da Fonseca. Sua carreira era um contraponto, na esfera civil, da ascensão de muitos militares “plebeus”. De origem modesta, florianista, tinha sua base política na oligarquia do Estado do Rio de janeiro, onde nasceu. 3.4. A oposição tentou realizar uma campanha “á americana”, como dizia na época, percorrendo boa parte do país e procurando atrair o voto urbano. A plataforma da Reação Republicana, inspirada diretamente pelos gaúchos, se pronunciava no plano financeiro contra a inflação, a favor da conversibilidade da moeda, dos orçamentos equilibrados, da política, em suma, inaugurada pelo paulista Campos Sales em um momento muito difícil e mais tarde abandonada.
4 3.5. Na campanha surgiram ataques ao imperialismo dos grandes Estados e pediu-se proteção para os produtos brasileiros de exportação em geral e não apenas para o café. Nilo não se opôs à valorização cafeeira em curso, de que o Estado do Rio também se beneficiava, mas atacou o tratamento especial dado ao produto. Esse era um tema de especial predileção dos gaúchos. 3.6. Foi no curso da disputa eleitoral que veio à tona a insatisfação militar. A impressão corrente nos meios do Exército de que a candidatura Bernardes era antimilitar ganhou dramaticidade com uma carta publicada no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, em outubro de 1921. Aparentemente, tratava-se de cartas – pois havia duas – enviadas por Bernardes ao líder político mineiro Raul Soares onde se dizia entre outras coisa o seguinte ; “ Estou informando do ridículo e acintoso banquete dado pelo Hermes, esse sargento sem compostura, aos seus apaniguados e de tudo o que nessa orgia se passou. Espero que use de toda a energia, de acordo com as minhas últimas instruções, pois esse canalha precisa de uma reprimenda para entrar na disciplina. [ ... ] A situação não admite contemporizações: os que forem venais, que é quase a totalidade, compre-os com seus bordados e galões”. 3.7. A alusão ao “banquete dado pelo Hermes” referia-se ao banquete promovido por ocasião da posse do ex-presidente da República na presidência do Clube Militar. 3.8. O resultado foi um abalo que comoveu todo o país. Apesar do desmentido de Artur Bernardes e das diferenças de grafia e estilo, e de ser voz corrente a identidade dos falsificadores, os acontecimentos eram História. 3.9. O exército dividi-se numa minoria, que considerava a carta apócrifa, e a maioria, acreditando-a autêntica. Uma semana depois, à chegada de Bernardes ao Rio para leitura de sua plataforma, o povo o recebeu com vaias e ovos podres. Diante de uma reação cada vez mais violenta, ele recua e aceita a idéia da formação de uma comissão de honra para verifica a autenticidade das cartas por uma análise grafológica. Dela fazem parte militares e civis, partidários de um e outro lado. Em 28 de dezembro de 1921 o veredicto é lido no Clube Militar, sob grande expectativa, e conclui pela autoria de Bernardes, entregando o caso ao “julgamento da Nação”. Com isto, nilistas e militares desejavam a renúncia do candidato; mas a persistência era uma das características do mineiro e sua candidatura se manteve. 3.10.As cartas falsas puseram lenha na fogueira. O objetivo de seus autores de indispor ainda mais as Forças Armadas contra a candidatura Bernardes já tinha sido alcançado quando, pouco antes das eleições de 1º de março de 1922, dois falsários assumiram a autoria dos escritos. 3.11.A situação continuou a se complicar em junho de 1922, época em que Bernardes já era vitorioso mas ainda não tomara posse na Presidência, o que só ocorreria a 15 de novembro. O Clube Militar lançou um protesto contra a utilização, pelo governo, de tropas do Exército para intervir na política local de Pernambuco. Como resposta, o governo determinou a repreensão e a seguir a prisão de Hermes da Fonseca e o fechamento do Clube Militar (por 6 meses). A afronta era agravada ainda mais pelo fato de ser invocada, como fundamento legal para o fechamento do clube, a lei de 1921 contra as associações nocivas ou contrárias à sociedade.
5 3.12.O clima de ofensas, falsas ou verdadeiras, ao Exército e a repressão contra o Clube Militar levaram os jovens “tenentes” a se rebelar, como um protesto destinado a “salvar a honra do Exército”. 3.13.Na madrugada de 5 de julho de 1922, o Forte de Copacabana emitiu disparos anunciando a rebelião. O movimento atingiu a Vila Militar, a Escola Militar do Realengo, o Forte da Vigia, o 1º Batalhão de Engenharia, algumas guarnições de Niterói e a Primeira Circunscrição Militar, sediada em Campo Grande. Na tarde do mesmo dia, só o Forte de Copacabana continuava em poder dos rebeldes, que disparavam contra o quartel-general do exército. Diante da impossibilidade de vitória, os líderes dos revoltosos deixaram sair os soldados e oficias que não queriam resistir até o fim. 3.14.Ficaram apenas dezessete, que deixaram o forte sob o ataque da aviação militar. Um civil aderiu à coluna. Teve início um combate suicida com as tropas leais ao governo, tendo restado apenas dois sobreviventes os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes. 3.15.Essa epopéia heróica contagiou setores da juventude militar e das classes médias e populares urbanas. Os políticos das oligarquias dissidentes condenaram a atitude dos tenentes e rapidamente se afastaram deles. Nesse mesmo ano, houve uma outra tentativa de revolta, em Mato Grosso, também sem maiores efeitos, devido à reação governamental. 3.16.A Revolta Paulista de 1924 e A Coluna Prestes : dois anos depois da Revolta dos 18 do Forte, explodiu o chamado Segundo 5 de julho, em São Paulo. A data foi escolhida para homenagear o primeiro movimento, e o local, pela importância do Estado. A Revolução de 1924 foi mais bem preparada, tendo como objetivo expresso derrubar o governo de Artur Bernardes. Nos anos 20, Bernardes personificou o ódio que os “tenentes” tinham da oligarquia dominante. No curso de 1923, houve uma articulação de militares em torno de Nilo Peçanha, visto como possível líder de um novo movimento rebelde. 3.17.Em 1924 Nilo Peçanha morreu e os conspiradores voltaram-se para o nome do general reformado Isidoro Dias Lopes – um oficial gaúcho que se colocara ao lado dos federalistas, na época de Floriano. Isidoro foi líder ostensivo da revolta. Entre os oficiais mais atuantes, encontram-se os irmão Távora (Juarez e Joaquim), Eduardo Gomes, Estilac Leal, João Cabanas, Miguel Costa. A presença de Miguel Costa – oficial de prestígio da Força Pública paulista – trazia para os rebeldes o apoio de uma parte da milícia estadual. 3.18.Iniciado o movimento com a tomada de alguns quartéis, desenvolveu-se uma batalha pelo controle de São Paulo. Os choques foram marcados por uma grande desinformação de ambos os lados. A 9 de julho, quando os revolucionários se preparavam para abandonar a cidade, chegou a eles a notícia de que a sede do governo – os Campos Elísios – estava vazia. De fato, o governador Carlos de Campos, a conselho militar, saíra da cidade, instalando-se em seus arredores. 3.19.A presença dos “tenentes” na capital paulista durou até o dia 27. No começo, a falta de gêneros alimentícios provocou vários saques de armazéns e do mercado municipal. Os “tenentes” entenderam-se com o prefeito e o presidente da Associação Comercial, tentando assegurar o abastecimento e a normalidade da vida na cidade. Era difícil, entretanto, alcançar este último objetivo, pois o governo empregou artilharia contra os
6 rebeldes sem maior discriminação. Militares e civis foram atingidos e ocorreram sérios estragos materiais. 3.20.Afinal, os revoltosos abandonaram a cidade a 27 de julho, deslocando-se pelo interior de São Paulo, em direção a Bauru. A manobra foi facilitada pela eclosão de revoltas tenentistas em cidade do interior. Essa foi a chamada “coluna paulista”, que se fixou no oeste do Paraná, em um lugarejo próximo à foz do Iguaçu. Aí as tropas vindas de São Paulo enfrentaram os legalistas, à espera de uma outra coluna proveniente do Rio Grande do Sul. Neste Estado, estourara uma revolta tenentista em outubro de 1924, na qual se destacaram o tenente João Alberto e o capitão Luís Carlos Prestes. 3.21.Ela contara com o apoio da oposição gaúcha ao PRR, mesclando assim o tenentismo com as divergências da política estadual. Depois de vários combates, os gaúchos se deslocaram em direção ao Paraná, indo ao encontro das forças paulistas. Eles se juntaram em abril de 1925, decidindo percorrer o Brasil para propagar a idéia de revolução e levantar a população contra as oligarquias. Tinha também a esperança de chamar para si a atenção do governo, facilitando o surgimento de novas revoltas nos centros urbanos. 3.22.Assim nasceu a coluna Miguel Costa – Luís Carlos Prestes, que acabou ficando conhecida como Coluna Prestes. A Coluna realizou uma incrível marcha pelo interior do país, percorrendo cerca de 24 mil quilômetros até fevereiro/março de 1927, quando seus remanescentes deram o movimento por terminado e se internaram na Bolívia e no Paraguai. Seus componentes nunca passaram de 1500 pessoas, oscilando muito com a entrada e saída de participantes transitórios. A coluna evitou entrar em choque com forças militares ponderáveis, deslocando-se rapidamente de um ponto para outro. O apoio da população rural não passou de uma ilusão, e as possibilidades de êxito militar eram praticamente nulas. Entretanto, ela teve um efeito simbólico entre os setores da população urbana insatisfeitos com a elite dirigente. Para esses setores, havia esperanças de mudar os destinos da República, como mostravam aqueles heróis que corriam todos os riscos para salvar a nação.