BIOTECNOLOGIA 2011 MARIA ANTONIA MALAJOVICH
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BIOTECNOLOGIA 2011 MARIA ANTONIA MALAJOVICH
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Copyright © 2004 by Maria Antonia Malajovich ISBN: 85-7323-223-4 Copyright © 2011 by Maria Antonia Malajovich Os conceitos emitidos nesta obra são de inteira responsabilidade da autora
MALAJOVICH M. A. Biotecnologia 2011. Rio de Janeiro, Edições da Biblioteca Max Feffer do Instituto de Tecnologia ORT, 2012.
Edições BIBLIOTECA MAX FEFFER do INSTITUTO DE TECNOLOGIA ORT do Rio de Janeiro Rua Dona Mariana 213 – Rio de Janeiro, 22280-020 – RJ - Brasil Tel.: (5521)2539-1842; FAX: (5521)2286-9174 http://www.ort.org.br
BIOTECNOLOGIA: ENSINO E DIVULGAÇÃO http://www.bteduc.bio.br
AO LEITOR Biotecnologia 2011 é a última atualização do livro publicado em 2004 por Axcell Books do Brasil, em 2006 pela Universidad de Quilmes Editorial (em espanhol) e divulgado na Internet, a partir de 2009, no site Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br). Agradeço a Elizabeth Lissovsky pela revisão do português. Inicia-se o texto com uma apresentação sobre o que é Biotecnologia (Capítulo 1). A seguir, apresentam-se os fundamentos da Biotecnologia, isto é os agentes biológicos (Capítulos 2 a 5) e as ferramentas básicas (Capítulos 6 a 9). A última parte, O impacto na sociedade analisa o impacto das novas tecnologias biológicas em setores tão diversos como indústria, energia, meio ambiente, biodiversidade, agricultura, pecuária, alimentos e saúde. Além de um sumário detalhado, uma lista das 92 figuras e das 30 tabelas, o livro conta com uma lista da bibliografia consultada e um índice remissivo. Nascida em universidades e centros de pesquisa, onde perdura até hoje, a biotecnologia objetiva principalmente o desenvolvimento local ou regional, o progresso da agricultura e a melhora dos tratamentos de saúde. Empresas públicas e privadas de diferentes portes utilizam as tecnologias com base biológica para obter produtos diversos e, também, para assegurar serviços. O perfil da biotecnologia varia de um país para outro, em função dos recursos naturais, econômicos e políticos, das características das empresas envolvidas e do papel assumido pelos setores público e privado. A inclusão de exemplos do Brasil e de outros países latino-americanos tenta mostrar um pouco dessa diversidade. A expansão da biotecnologia introduz mudanças na sociedade. Por ser uma área ainda pouco conhecida, a percepção pública costuma oscilar entre a aceitação e a hostilidade, em função das pressões de lobbies e grupos de opinião. Alguns temas são polêmicos, seja porque despertam apreensões em relação à segurança dos procedimentos, seja porque nos exigem uma reflexão ética cuidadosa. Não espere o leitor encontrar respostas dogmáticas: as tecnologias não são nem boas nem ruins, são o que fazemos com elas.
Maria Antonia Malajovich Janeiro de 2012
BIOTECNOLOGIA 2011 SUMÁRIO INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1. O QUE É BIOTECNOLOGIA?
PÁGINA 1
A BIOTECNOLOGIA TRADICIONAL A BIOTECNOLOGIA MODERNA AS DEFINIÇÕES DE BIOTECNOLOGIA O IMPACTO DA BIOTECNOLOGIA BIOTECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO A HISTÓRIA DA BIOTECNOLOGIA
OS AGENTES BIOLÓGICOS CAPÍTULO 2. AS CÉLULAS E OS CROMOSSOMOS
PÁGINA 9
A CÉLULA COMO UNIDADE DOS SERES VIVOS Unidade estrutural Unidade funcional
TÉCNICAS LABORATORIAIS TODA CÉLULA DERIVA DE OUTRA PREEXISTENTE OS CROMOSSOMOS A TEORIA CROMOSSÔMICA DA HEREDITARIEDADE CÉLULAS E CROMOSSOMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS
3. OS MICRORGANISMOS
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A DIVERSIDADE MICROBIANA As eubactérias As arqueas Os protistas Os fungos Os vírus, na fronteira do vivo e do não vivo
AS TÉCNICAS MICROBIOLÓGICAS BIOSSEGURANÇA E BIOSSEGURIDADE OS MICRORGANISMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS
4. AS ENZIMAS E OS ANTICORPOS
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AS PROTEÍNAS Estrutura As bases de algumas técnicas laboratoriais
AS ENZIMAS A catálise enzimática Os diversos tipos de enzimas Importância econômica
OS ANTICORPOS A molécula de anticorpo A união antígeno-anticorpo A produção de anticorpos no organismo A produção de anticorpos no laboratório A utilização dos anticorpos
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CAPÍTULO 5. OS ÁCIDOS NUCLEICOS E OS GENES
PÁGINA 47
OS ÁCIDOS NUCLEICOS A dupla hélice O código genético
A EXPRESSÃO GÊNICA O fluxo da informação genética Células procarióticas Células eucarióticas
O COMPLEXO MUNDO DOS RNAs A GENÔMICA O GENOMA HUMANO A GENÔMICA EM AMÉRICA LATINA
6. OS BIOPROCESSOS
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BIOPROCESSOS, PROCESSOS FERMENTATIVOS E INDÚSTRIA OS MICRORGANISMOS INDUSTRIAIS Noções sobre o metabolismo primário e secundário Meios de cultura e matéria-prima A escolha das linhagens
OS DIFERENTES TIPOS DE BIOPROCESSOS Os processos tradicionais Os processos submersos Outros sistemas submersos
DO LABORATÓRIO À INDÚSTRIA A mudança de escala A condução do processo A recuperação do produto
OS BIOPROCESSOS NA INDÚSTRIA DE FERTILIZANTES
AS FERRAMENTAS BÁSICAS CAPÍTULO 7. A CULTURA DE CÉLULAS E TECIDOS
PÁGINA 69
O CULTIVO DE CÉLULAS E TECIDOS VEGETAIS As primeiras tentativas Os meios de cultura As etapas do processo As diferentes modalidades Melhoramento e conservação da biodiversidade vegetal A difusão da tecnologia
A CULTURA DE CÉLULAS ANIMAIS A manipulação in vitro das células animais As aplicações da cultura in vitro de células de mamíferos
8. A TECNOLOGIA DO DNA AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS As nucleases ou enzimas de restrição A eletroforese do DNA Hibridização e sondas gênicas A técnica de Southern O fingerprint A síntese e amplificação de DNA O sequenciamento do DNA Os arrays
A BIOLOGIA SINTÉTICA
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Sumário
CAPÍTULO 9. A ENGENHARIA GENÉTICA
PÁGINA 93
O NASCIMENTO DA BIOTECNOLOGIA MODERNA As primeiras experiências Mitos e realidade
AS BIBLIOTECAS DE GENES A CONSTRUÇÃO DE UM MICRORGANISMO RECOMBINANTE Encontrar o gene Inserir o gene Identificar os microrganismos recombinantes
A CONSTRUÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS O transgene A transferência dos genes a células vegetais O problema dos marcadores seletivos Do laboratório ao campo
CÉLULAS E ANIMAIS TRANSGÊNICOS A transferência gênica a células animais Os rebanhos farmacêuticos
O IMPACTO NA SOCIEDADE CAPÍTULO 10. BIOTECNOLOGIA E INDÚSTRIA
PÁGINA 109
O PROCESSO WEIZMANN A INDÚSTRIA QUÍMICA A via química A via biotecnológica
OS PRODUTOS BIOTECNOLÓGICOS Metabólitos de interesse comercial Enzimas Biopolímeros e bioplásticos
OS BIOCOMBUSTÍVEIS Etanol Biogás Biodiesel Perspectivas
11. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE
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O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AS TECNOLOGIAS LIMPAS A substituição de processos industriais A substituição de insumos agrícolas
A REDUÇÃO DOS RESÍDUOS A degradação do lixo O tratamento das águas residuais O tratamento dos efluentes industriais As emissões de gases e o efeito estufa
A BIORREMEDIAÇÃO Os contaminantes Os tratamentos Um exemplo: os vazamentos de petróleo
A RECUPERAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS O petróleo Os metais A biomineração
O DIAGNÓSTICO DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL Indicadores biológicos Técnicas genéticas Técnicas imunológicas Biossensores
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CAPÍTULO 12. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADE
PÁGINA 139
A DESAPARIÇÃO DOS ECOSSISTEMAS NATURAIS O HOMEM E AS PLANTAS As plantas alimentícias As plantas comerciais As plantas medicinais
A BIODIVERSIDADE AMEAÇADA A erosão genética A expansão do agronegócio A transgênese
A PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE Os centros de diversificação A conservação da biodiversidade O CGIAR e o centro internacional da batata O protocolo de Cartagena de biossegurança
13. BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA
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A EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS A OBTENÇÃO DE NOVAS VARIEDADES Mutação gênica e seleção Alteração do número de cromossomos Engenharia genética
O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO AS PLANTAS BIOTECNOLÓGICAS ATUAIS Modificação das propriedades agronômicas Plantas com qualidades nutricionais melhoradas Plantas com propriedades novas
O AGRONEGÓCIO A adoção dos cultivos biotecnológicos no mundo O mercado de sementes A União Europeia e a moratória Os países de América Latina
A COEXISTÊNCIA É POSSÍVEL?
14. BIOTECNOLOGIA E PECUÁRIA A CRIAÇÃO DE ANIMAIS A NUTRIÇÃO DOS ANIMAIS A necessidade de rações De liebig à vaca louca Variações sobre a composição das rações As rações transgênicas
O MELHORAMENTO GENÉTICO DO GADO O controle da reprodução As novas tecnologias O MELHORAMENTO DA PRODUÇÃO Carne, leite, ovos e lã A aquicultura
A SAÚDE DOS ANIMAIS Resistência a doenças Prevenção e tratamento
NOVAS UTILIZAÇÕES DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS Modelos de estudo para doenças humanas Xenotransplantes Os animais como biorreatores O marco conceitual dos três rs
OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Sumário
CAPÍTULO 15. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS
PÁGINA 179
OS ALIMENTOS FERMENTADOS O pão O vinho A cerveja Queijos e iogurtes
A PROTEÍNA DE CÉLULA ÚNICA OS ADITIVOS Os diversos tipos Os adoçantes
OS ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS
16. BIOTECNOLOGIA E NOVOS ALIMENTOS
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A ENTRADA DOS TRANSGÊNICOS NA CADEIA ALIMENTAR Melhorando a conservação Melhorando as propriedades industriais Melhorando as características nutricionais
À FAVOR OU CONTRA? O QUE O CONSUMIDOR PRECISA SABER A noção de segurança A ingestão de DNA Os marcadores de resistência a antibióticos A composição química A produção de toxinas A produção de alérgenos A utilização de um promotor viral (CamMV) Outros efeitos COMO GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR? O princípio de equivalência substancial A avaliação de riscos A rotulagem dos alimentos Rotulo e informação O rastreamento de um transgene
199 17. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – AS VACINAS AS DOENÇAS INFECCIOSAS A AQUISIÇÃO DE IMUNIDADE OS DIFERENTES TIPOS DE VACINAS A primeira geração A segunda geração A terceira geração
A PRODUÇÃO DE VACINAS Pesquisa e desenvolvimento Aspectos tecnológicos Aspectos econômicos Um setor estratégico para a sociedade
O ROL DAS VACINAS NA ERRADICAÇÃO DA DOENÇA O caso da varíola O caso da poliomielite O caso da influenza
A AMEAÇA DAS DOENÇAS EMERGENTES O BIOTERRORISMO
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CAPÍTULO 18. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE - TESTES DIAGNÓSTICOS
PÁGINA 215
OS TESTES DIAGNÓSTICOS AS TENDÊNCIAS ATUAIS O que é um bom teste As técnicas com base bioquímica As técnicas com base imunológica As técnicas com base genética
O DIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS A TIPIFICAÇÃO DE TECIDOS Sangue Outros tecidos e órgãos
A PRÁTICA FORENSE O DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS DE ORIGEM GENÉTICA As limitações dos testes As estratégias seguidas Diagnóstico preventivo e preditivo
19. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE - MEDICAMENTOS
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A INDÚSTRIA DE MEDICAMENTOS OS PRINCÍPIOS ATIVOS DAS PLANTAS O caso da aspirina Os fitoterápicos As novas tecnologias A importância de um marco legal
AS SUBSTÂNCIAS ANTIBIÓTICAS Os limites ao uso de antibióticos A necessidade de inovação
AS PRIMEIRAS MOLÉCULAS TERAPÊUTICAS O caso da insulina A substituição do produto natural Os produtos e suas utilizações A indústria biotecnológica
OS MEDICAMENTOS PERSONALIZADOS A farmacogenômica O custo dos novos medicamentos
PATENTES E GENÉRICOS
20. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE - NOVOS TRATAMENTOS
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A APROVAÇÃO DE UM TRATAMENTO EXPERIMENTAL AS TERAPIAS BIOLÓGICAS Os anticorpos monoclonais O câncer como doença genética As vacinas terapêuticas
AS TERAPIAS GÊNICAS Terapias somáticas e germinais Os altos e baixos de uma tecnologia O estado da arte As promessas do silenciamento gênico
A MEDICINA REGENERATIVA Os transplantes de órgãos A engenharia de tecidos As terapias celulares
CONSIDERAÇÕES FINAIS
261
BIBLIOGRAFIA
263
ÍNDICE REMISSIVO
293
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LISTA DE FIGURAS E TABELAS INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1. O QUE É BIOTECNOLOGIA? FIGURA 1.1. O campo da Biotecnologia. TABELA 1.1. Produtos e serviços de origem biotecnológica, em diferentes setores.
OS AGENTES BIOLÓGICOS CAPÍTULO 2. AS CÉLULAS E OS CROMOSSOMOS FIGURA 2.1. Representações esquemáticas da estrutura celular (bacteriana, eucariótica animal e vegetal). FIGURA 2.2. As células-tronco embrionárias. FIGURA 2.3. Mitose e meiose. FIGURA 2.4. Monoibridismo. FIGURA 2.5. Diibridismo. FIGURA 2.6. Representação dos cromossomos humanos. TABELA 2.1. A função e a distribuição das estruturas celulares. TABELA 2.2. As células como agentes biológicos.
CAPÍTULO 3. OS MICRORGANISMOS FIGURA 3.1. Bactérias e clones. FIGURA 3.2. Alguns tipos de vírus. FIGURA 3.3. A multiplicação de um bacteriófago. FIGURA 3.4. Alguns logotipos utilizados como indicação de risco biológico. TABELA 3.1. Os microrganismos dentro do marco da uma classificação biológica atual. TABELA 3.2. As bactérias (Eubactérias e Arqueas) como agentes biológicos. TABELA 3.3. As algas como agentes biológicos. TABELA 3.4. Os fungos como agentes biológicos. TABELA 3.5. Principais destaques entre os agentes biológicos microbianos.
CAPÍTULO 4. AS ENZIMAS E OS ANTICORPOS FIGURA 4.1. A composição química de uma bactéria. FIGURA 4.2. Aminoácidos e proteínas. FIGURA 4.3. Cromatografia em coluna. FIGURA 4.4. Eletroforese. FIGURA 4.5. O mecanismo da atividade enzimática (Modelo chave-fechadura). FIGURA 4.6. A estrutura da molécula de anticorpo (IgG) FIGURA 4.7. Os anticorpos e o reconhecimento do antígeno. FIGURA 4.8. O encontro do linfócito B e do antígeno, e a seleção clonal. FIGURA 4.9. A produção de anticorpos no laboratório. FIGURA 4.10. Os ensaios imunológicos (associação com moléculas fluorescentes ou com enzimas). TABELA 4.1. As funções das proteínas no organismo. TABELA 4.2. A classificação internacional das enzimas. TABELA 4.3. As enzimas como agente biológico. TABELA 4.4. Os anticorpos como agentes biológicos.
CAPÍTULO 5. OS ÁCIDOS NUCLEICOS E OS GENES FIGURA 5.1. Os ácidos nucleicos (composição química, estrutura da molécula de DNA). FIGURA 5.2. O fluxo da informação genética. FIGURA 5.3. A síntese de proteínas em células procarióticas e eucarióticas. FIGURA 5.4. A organização e regulação dos genes nas células procarióticas. FIGURA 5.5. A organização e regulação dos genes nas células eucarióticas. FIGURA 5.6. As etapas da síntese de proteínas (Recapitulação). FIGURA 5.7. O silenciamento gênico. TABELA 5.1. O código genético. TABELA 5.2. O DNA como agente biológico. vii
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AS FERRAMENTAS BÁSICAS CAPÍTULO 6. OS PROCESSOS FERMENTATIVOS FIGURA 6.1. O processo fermentativo genérico FIGURA 6.2. Respiração e fermentação. FIGURA 6.3. As diversas fases do crescimento de uma população microbiana e a produção de metabólitos (As fases de crescimento de uma população; a produção de metabólitos primários e secundários). FIGURA 6.4. Biorreator para fermentações em fase sólida FIGURA 6.5. Um processo tradicional, a produção de vinagre (Método de Orléans) FIGURA 6.6. Modelo de biorreator utilizado em fermentações submersas. FIGURA 6.7. Fermentações, agentes biológicos e biorreatores. FIGURA 6.8. A mudança de escala, do laboratório à indústria.
CAPÍTULO 7. A CULTURA DE CÉLULAS E TECIDOS FIGURA 7.1. As diversas partes de uma planta angiosperma. FIGURA 7.2. O procedimento a seguir para se obter uma cultura asséptica no laboratório. FIGURA 7.3. Obtenção de subculturas a partir de explantes nodais. FIGURA 7.4. A cultura de meristemas. FIGURA 7.5. As diferentes possibilidades dos cultivos de calos. FIGURA 7.6. As possibilidades do cultivo de células vegetais e animais. FIGURA 7.7. As culturas de células de origem animal (Cultura de leucócitos para a análise do cariótipo; etapas da cultura de células a partir de um fragmento de tecido). TABELA 7.1. Os componentes do meio de cultura para células vegetais. TABELA 7.2. Os componentes de um meio de cultura básico para células animais. TABELA 7.3. Origem e utilização de algumas linhagens celulares.
CAPÍTULO 8. A TECNOLOGIA DO DNA FIGURA 8.1. A eletroforese do DNA. FIGURA 8.2. Os polimorfismos de restrição. FIGURA 8.3. Hibridização de uma sonda com a sequência complementar. FIGURA 8.4. O método de Southern. FIGURA 8.5. O polimorfismo de uma sequência de vinters (VNTRs). FIGURA 8.6. A síntese de oligonucleotídeos. FIGURA 8.7. A síntese de cDNA por transcriptase reversa. FIGURA 8.8. A reação em cadeia da polimerase (Os elementos necessários; a amplificação do DNA). FIGURA 8.9. O sequenciamento de um fragmento de DNA. FIGURA 8.10. Fundamentos da tecnologia de arrays.
CAPÍTULO 9. A ENGENHARIA GENÉTICA FIGURA 9.1. A experiência que deu origem à engenharia genética: cortar, colar, copiar. FIGURA 9.2. Sapobacter ou Bactosapo? FIGURA 9.3. A construção de bibliotecas de genes. FIGURA 9.4. A produção de somatotropina por engenharia genética. FIGURA 9.5. Algumas estratégias possíveis de clonagem. FIGURA 9.6. A estrutura de um vetor de expressão. FIGURA 9.7. A construção de uma planta transgênica no laboratório. FIGURA 9.8. As etapas da construção de uma planta transgênica. FIGURA 9.9. Dolly, um clone obtido por transferência nuclear. FIGURA 9.10. Construção de animais transgênicos (microinjeção; transfecção de células-tronco embrionárias).
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Lista de figuras e tabelas
O IMPACTO NA SOCIEDADE CAPÍTULO 10. BIOTECNOLOGIA E INDÚSTRIA FIGURA 10.1. As etapas necessárias para a produção de etanol a partir de diferentes matérias-primas. FIGURA 10.2. A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. FIGURA 10.3. A biodigestão em condições aeróbias e anaeróbias. FIGURA 10.4. As complexas etapas da produção de biogás dentro do biodigestor. FIGURA 10.5. As utilizações do biogás. FIGURA 10.6. A reação de transesterificação. TABELA 10.1. Diversidade de produtos derivados de algumas matérias-primas renováveis. TABELA 10.2. Metabólitos primários e secundários obtidos por fermentação e/ou bioconversão enzimática. TABELA 10.3. O poder calorífico de vários combustíveis.
CAPÍTULO 11. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE FIGURA 11.1. A indústria de papel e de celulose. FIGURA 11.2. A compostagem. FIGURA 11.3. O tratamento das águas residuais. FIGURA 11.4. As estratégias de biorremediação. FIGURA 11.5. O funcionamento de um biossensor. TABELA 11.1. Alguns exemplos de utilização de agentes biológicos como pesticidas. TABELA 11.2. Os principais contaminantes do meio ambiente.
CAPÍTULO 12. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADE FIGURA 12.1. O transporte de plantas de um continente a outro. FIGURA 12.2. Distribuição da produção agrícola (grãos e cereais, pradarias e pastagens, cultivos diversos) na área habitável do planeta. TABELA 12.1. Os principais tipos de vegetais que entram em nossa alimentação. TABELA 12.2. O tamanho da população humana. TABELA 12.3. As plantas e a indústria. TABELA 12.4. Os centros de diversificação e os cultivos originários.
CAPÍTULO 13. BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA FIGURA 13.1. O milho. FIGURA 13.2. A produção de milho híbrido. FIGURA 13.3. As etapas da construção de uma planta transgênica. FIGURA 13.4. Os elos que integram a cadeia produtiva da semente.
CAPÍTULO 14. BIOTECNOLOGIA E PECUÁRIA FIGURA 14.1. O Controle da reprodução em bovinos. TABELA 14.1. O risco de escapamento de um animal transgênico. TABELA 14.2. Significado e alcance dos três Rs.
CAPÍTULO 15. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS FIGURA 15.1. A panificação. FIGURA 15.2. A vinificação. FIGURA 15.3. As etapas da produção de cerveja. FIGURA 15.4. A produção de laticínios (iogurte, queijo). FIGURA 15.5. A produção de xarope de frutose.
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CAPÍTULO 16. BIOTECNOLOGIA E NOVOS ALIMENTOS FIGURA 16.1. A estrutura de um transgene. FIGURA 16.2. O símbolo de transgênico, adotado no Brasil.
CAPÍTULO 17. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – AS VACINAS FIGURA 17.1. A resposta primária e secundária do organismo. FIGURA 17.2. A memória imunológica. FIGURA 17.3. A utilização da tecnologia do DNA-recombinante na vacina contra a hepatite B. FIGURA 17.4. Os diferentes tipos de vacinas virais. TABELA 17.1. As principais instituições produtoras de vacinas no Brasil.
CAPÍTULO 18. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – OS TESTES DIAGNÓSTICOS FIGURA 18.1. Imagens comerciais de alguns dispositivos miniaturizados utilizados em testes diagnósticos. FIGURA 18.2. Imagem comercial dos sistemas API de Biomérieux. FIGURA 18.3. Uma microplaca de poliestireno. FIGURA 18.4. Os métodos direto e indireto de um teste positivo de ELISA. FIGURA 18.5. Imagem mostrando a identificação dos 46 pares de cromossomos humanos mediante a técnica de SKY. FIGURA 18.6. Imagem comercial de um termociclador para a reação em cadeia da polimerase. FIGURA 18.7. O uso de arrays no diagnóstico de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2. FIGURA 18.8. O sistema HLA. TABELA 18.1. As qualidades de um bom teste de diagnóstico. TABELA 18.2. Algumas das mais de 8.000 doenças genéticas descritas.
CAPÍTULO 19 BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – OS MEDICAMENTOS FIGURA 19.1. As etapas do desenvolvimento de um medicamento. FIGURA 19.2. A fórmula da aspirina. FIGURA 19.3. A fórmula da penicilina. FIGURA 19.4. A estrutura da molécula de insulina humana. FIGURA 19.5. A síntese da insulina.( síntese in vivo; síntese em Escherichia coli (1982). FIGURA 19.6. Os fundamentos do projeto internacional HapMap. TABELA 19.1. A linha do tempo de entrada dos antibióticos e antibacterianos no mercado. TABELA 19.2. Alguns biofármacos de interesse médico. TABELA 19.3. As principais proteínas terapêuticas comercializadas atualmente.
CAPÍTULO 20 BIOTECNOLOGIA E SAÚDE – OS NOVOS TRATAMENTOS FIGURA 20.1. A transformação de uma célula normal em cancerosa por mutação (câncer de cólon). FIGURA 20.2. O tratamento com sipuleucel-T (Provenge®). FIGURA 20.3. O princípio da terapia gênica. FIGURA 20.4. As tecnologias de silenciamento gênico. FIGURA 20.5. A clonagem terapêutica, uma forma de gerar células-tronco embrionárias com a informação genética do doador do núcleo. TABELA 20.1. Os 10 anticorpos monoclonais de uso terapêutico, líderes de venda em 2010. TABELA 20.2. As características comparadas das células-tronco adultas e embrionárias.
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1. O QUE É BIOTECNOLOGIA?
A BIOTECNOLOGIA TRADICIONAL Cultivar vegetais, domesticar animais, transformar os alimentos ou aproveitar as propriedades curativas de algumas plantas são atividades que remontam à alvorada da humanidade e se desenvolveram com base no conhecimento empírico, ignorando a existência dos microrganismos ou das leis da hereditariedade. No início do século XIX, a demanda de mão de obra por uma indústria incipiente estimula a migração da população do campo para a cidade. Em condições sanitárias cada vez mais degradadas, as doenças e a fome acompanham o homem. Ao mesmo tempo, o progresso exige processos industriais mais eficientes. A compreensão dos fenômenos naturais torna-se indispensável para responder às necessidades da sociedade. A partir de 1850 surgem novas áreas do conhecimento. Nasce a Microbiologia, a Imunologia, a Bioquímica e a Genética. A Química Industrial se desenvolve aceleradamente e, também, aumenta a intervenção da Engenharia Agrícola e da Pecuária no gerenciamento do campo. Em 1914, Karl Ereky, um engenheiro agrícola húngaro, desenvolve um gigantesco plano de criação de suínos visando substituir as práticas tradicionais por uma indústria agrícola capitalista baseada no conhecimento científico. Deve-se a Ereky (1919) a primeira definição de biotecnologia, como “a ciência e os métodos que permitem a obtenção de produtos a partir de matéria-prima, mediante a intervenção de organismos vivos”. Para ele, a era bioquímica substituiria a era da pedra e do ferro. O século XX assiste a um desenvolvimento extraordinário da ciência e da tecnologia (eletrônica, informática). Da convergência entre ambas resultam logros extraordinários em vários setores produtivos, onde os seres vivos constituem a base de itens tão diversos como a produção de variedades vegetais mais produtivas, a fabricação de novos alimentos, o tratamento do lixo, a produção de enzimas e os antibióticos. A BIOTECNOLOGIA MODERNA A proposta de J. D. Watson e F. Crick (1953) de um modelo helicoidal para a molécula de DNA representa, sem dúvida, um marco fundamental na história da Biologia Molecular. Mas a divisória entre a Biotecnologia clássica e a Biotecnologia moderna é uma série de experiências realizadas por H. Boyer e S. Cohen que culmina em 1973 com a transferência de um gene de sapo a uma bactéria. A partir desse momento é possível mudar o programa genético de um organismo transferindo-lhe genes de outra espécie. A importância e os riscos inerentes à nova tecnologia não passaram despercebidos para as pessoas envolvidas. Fato inédito na história, em 1975 os cientistas reunidos em Asilomar (USA) estabeleceram uma moratória em seus trabalhos até serem definidas as condições de segurança adequadas, o que aconteceu pouco tempo mais tarde. Na passagem de uma biotecnologia de laboratório a uma biotecnologia industrial, a Engenharia Genética ocupa um lugar de destaque como tecnologia inovadora. Em alguns casos, como os da insulina e do hormônio do crescimento, a inovação consiste em substituir os métodos de obtenção tradicionais. Em outros casos, como o dos anticorpos monoclonais ou do Golden Rice, um arroz com vitamina A, trata-se de produtos inteiramente novos. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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Entretanto, a manipulação gênica não é a única ferramenta disponível. A Biotecnologia abrange hoje uma área ampla do conhecimento que decorre da ciência básica (biologia molecular, microbiologia, biologia celular, genética etc.), da ciência aplicada (técnicas imunológicas e bioquímicas, assim como técnicas decorrentes da física e da eletrônica), e de outras tecnologias (fermentações, separações, purificações, informática, robótica e controle de processos). Trata-se de uma rede complexa de conhecimentos onde ciência e tecnologia se entrelaçam e complementam. AS DEFINIÇÕES DE BIOTECNOLOGIA O impacto causado pelas primeiras experiências de Engenharia Genética estimulou numerosas tentativas de redefinição do campo da Biotecnologia. Mediante a substituição da expressão “intervenção de organismos vivos” por “utilização de processos celulares e moleculares” tratou-se de diferenciar a Biotecnologia clássica da moderna. Porém, devido à enorme difusão das técnicas de manipulação gênica, elas acabam se superpondo, e, fora do contexto histórico, é difícil distinguir o limite entre ambas. Por outro lado, como a definição de um setor de atividades depende dos interesses dos grupos envolvidos, muitas vezes reflete a visão dos setores profissionais predominantes. Por isso, se revisitarmos os textos da década de 1980, anos em que a expressão “biotecnologia” se expande, encontraremos mais de uma dúzia de definições diferentes do termo. Levantamos, entre as definições encontradas com maior frequência, as seguintes: o OECD - Organisation for Economic Co-Operation and Development: A aplicação dos princípios da ciência e da engenharia no tratamento de matérias por agentes biológicos na produção de bens e serviços (1982). o OTA – Office of Technology Assessment: Biotecnologia, de uma forma abrangente, inclui qualquer técnica que utiliza organismos vivos (ou partes deles) para obter ou modificar produtos, melhorar plantas e animais, ou desenvolver microrganismos para usos específicos (1984). o EFB - European Federation of Biotechnology: Uso integrado da bioquímica, da microbiologia e da engenharia para conseguir aplicar as capacidades de microrganismos, células cultivadas animais ou vegetais ou parte dos mesmos na indústria, na saúde e nos processos relativos ao meio ambiente (1988). o E.H. Houwink: o uso controlado da informação biológica (1989). o BIO - Biotechnology Industry Organization: em sentido amplo, Biotecnologia é "bio" + "tecnologia", isto é o uso de processos biológicos para resolver problemas ou fazer produtos úteis (2003). Observa-se que, com o tempo, o conceito ganha uma expressão mais simples. As definições mais recentes não fazem mais referência aos processos tecnológicos envolvidos; talvez porque, além de complexos e diversos, estes evoluam muito rapidamente. Neste texto consideraremos a biotecnologia de uma maneira ampla, definida como uma atividade baseada em conhecimentos multidisciplinares, que utiliza agentes biológicos para fazer produtos úteis ou resolver problemas. Esta definição é suficientemente abrangente para englobar atividades tão variadas como as de engenheiros, químicos, agrônomos, veterinários, microbiologistas, biólogos, médicos, advogados, empresários, economistas etc.(Figura 1.1). 2
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 1: O que é Biotecnologia?
O IMPACTO DA BIOTECNOLOGIA Já não se trata de promessas ou de perspectivas futuras; os produtos e processos biotecnológicos fazem parte de nosso dia a dia, trazendo oportunidades de emprego e investimentos. Trata-se de plantas resistentes a doenças, plásticos biodegradáveis, detergentes mais eficientes, biocombustíveis, e também processos industriais menos poluentes, menor necessidade de pesticidas, biorremediação de poluentes, centenas de testes de diagnóstico e de medicamentos novos (Tabela 1.1).
FIGURA 1.1. O campo da Biotecnologia. Conhecimentos
Agentes biológicos
Ciência e tecnologia
Organismos, células, organelas, moléculas BIOTECNOLOGIA
Fazer produtos úteis
Resolver problemas
TABELA 1.1. Produtos e serviços de origem biotecnológica, em diferentes setores. SETORES
TIPOS DE PRODUTOS OU SERVIÇOS
Energia
Etanol, biogás e outros combustíveis (a partir de biomassa).
Indústria
Butanol, acetona, glicerol, ácidos, vitaminas etc. Numerosas enzimas para outras indústrias (têxtil, de detergentes etc.).
Meio ambiente
Recuperação de petróleo, biorremediação (tratamento de águas servidas e de lixo, eliminação de poluentes).
Agricultura
Adubo, silagem, biopesticidas, biofertilizantes, mudas de plantas livres de doenças, mudas de árvores para reflorestamento. Plantas com características novas incorporadas (transgênicas): maior valor nutritivo, resistência a pragas e condições de cultivo adversas (seca, salinidade, etc.).
Pecuária
Embriões, animais com características novas (transgênicos), vacinas e medicamentos para uso veterinário.
Alimentação
Panificação (pães e biscoitos), laticínios (queijos, iogurtes e outras bebidas lácteas), bebidas (cervejas, vinhos e bebidas destiladas) e aditivos diversos (shoyu, monoglutamato de sódio, adoçantes etc.); proteína de célula única (PUC) para rações, alimentos de origem transgênica com propriedades novas.
Saúde
Antibióticos e medicamentos para diversas doenças, hormônios, vacinas, reagentes e testes para diagnóstico, tratamentos novos etc.
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Maria Antonia Malajovich
BIOTECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO Por se tratar de uma coleção de tecnologias diversas, o uso das biotecnologias não se restringe necessariamente aos países desenvolvidos. Existe um espaço que os países emergentes podem ocupar, em função de suas riquezas naturais, desde que existam prioridades econômicas e políticas definidas claramente. A condição fundamental é contar com instituições competentes que formem uma massa crítica de pesquisadores e pessoal técnico treinado. A China e a Índia contam hoje com uma indústria biotecnológica avançada e diversificada. Assim como a América Latina, onde esta se concentra principalmente na Argentina, no Brasil, no Chile, na Colômbia, em Cuba e no México. Países como Uruguai e Venezuela também têm atividade em algumas áreas, assim como, em menor escala, Equador, Costa Rica, Paraguai, Peru e Bolívia. Na região, umas 500 empresas incidem em vários setores: meio ambiente e indústria, agroalimentos e pecuária, saúde animal e humana. No entanto, a Biotecnologia suscita ainda opiniões e sentimentos controversos. Enquanto alguns setores a percebem como uma tecnologia baseada em um sólido conhecimento científico, para outros se trata de uma atividade antinatural e perigosa. O enfrentamento de partidários e opositores ocorre com menos frequência no terreno das razões que no das paixões, sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas. Ao discutir se a biotecnologia é progressista ou reacionária, boa ou ruim, se esquece que o que caracteriza uma tecnologia é o uso que fazemos dela. Produtos e processos inimagináveis trinta anos atrás entram em nosso cotidiano antes que os alicerces científicos e tecnológicos correspondentes se insiram em nossa cultura, através de uma divulgação ampla que atinja também o sistema educativo em todos os seus níveis. Não existe possibilidade alguma de construir uma sociedade moderna se os seus integrantes ignorarem os aspectos mais gerais de ciência e tecnologia. O desconhecimento aumenta o risco de rejeitar tecnologias promissoras, capazes de abrir perspectivas novas, com vistas a um desenvolvimento sustentável em áreas tão críticas como a saúde, a produção de alimentos, a energia e o meio ambiente. A proposta deste livro é revisar os fundamentos das biotecnologias e mostrar como esses se aplicam em diversos setores produtivos da sociedade, destacando como exemplos alguns empreendimentos latino-americanos bem sucedidos. Esperamos que ele seja de ajuda para todos os que nos preocupamos com os alcances desta fascinante (r)evolução tecnológica. A HISTÓRIA DA BIOTECNOLOGIA DATA
ACONTECIMENTOS FUNDAMENTAIS
ANTIGUIDADE
Preparação e conservação de alimentos e bebidas por fermentação (pão, queijo, cerveja, vinho e vinagre); cultivo de plantas (batata, milho, cevada, trigo etc.); domesticação de animais; tratamento de infecções (com produtos de origem vegetal tais como pó de crisântemo e derivados de soja com fungos).
IDADE MÉDIA Século XII
Destilação do álcool.
IDADE MODERNA Século XVI Século XVII
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Cronistas registram a colheita de algas para alimentação, nos lagos de México, pelos astecas. Início da produção comercial de cerveja; extração de metais por ação microbiana na Espanha; cultivo de fungos na França; Hooke descobre a existência de células (1665).
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 1: O que é Biotecnologia? Século XVIII
Invento da máquina a vapor (1752). A partir de 1750, crece o cultivo de leguminosas na Europa e se difunde a prática de rotação de cultivos, aumentando a produtividade e melhorando o uso da terra.
IDADE CONTEMPORÂNEA 1797 1809 1835 a 1855 1863 a 1886
1887 1892 1897 1899 1900 1905 1906 1910 1912 a 1914 1915 1916 1918
1919 1927 1928 1933 1936 1938 1940 a 1950 1944 1951 1953 1959
Jenner inocula uma criança com um vírus que o protege contra a varíola. Appert utiliza o calor para esterilizar e conservar comida, processo que será utilizado nas campanhas napoleônicas. Schleiden, Schwann e Virchow enunciam a teoria celular. Pasteur inventa um processo para conservar alimentos sem alterar suas propriedades organolépticas (Pasteurização, 1863), derruba a teoria da abiogênese (1864), investiga as doenças do bicho-da-seda (1865), identifica a levedura como o agente responsável pela fermentação alcoólica (1876), usa microrganismos atenuados para obter vacinas contra o antraz e a cólera (1881), faz os primeiros testes de uma vacina contra a raiva (1881). Paralelamente, Koch inicia o desenvolvimento de técnicas fundamentais para o estudo dos microrganismos (1876), e enuncia quatro postulados sobre os agentes infecciosos como causa de doenças. Em 1865 Mendel apresenta o seu trabalho “Experiências de hibridização em plantas”. Inauguração em Paris do Instituto Pasteur. Descoberta do vírus do mosaico do tabaco; introdução do trator na agricultura. Büchner mostra que enzimas extraídas da levedura podem transformar açúcar em álcool. Primeiro transplante de um órgão: o rim de um cachorro a outro cachorro. Redescobrimento das leis da hereditariedade, já enunciadas por Mendel em 1865, porém esquecidas. O primeiro transplante de córnea se realiza com sucesso; isto porque a córnea não tem antígenos. Ehrlich descobre o primeiro agente quimioterápico, chamado Salvarsan, que será utilizado contra sífilis. Em Manchester, na Inglaterra, começam a ser introduzidos os sistemas de purificação de esgoto baseados na atividade microbiana. Rhöm obtém a patente de uma preparação enzimática para a lavagem de roupas; Weizmann consegue a produção de acetona e butanol por microrganismos. Morgan publica “Mechanism of Mendelian Heredity”. Imobilizam-se as enzimas, uma técnica que facilita sua utilização em processos industriais. Morrem de gripe espanhola mais de vinte milhões de pessoas, um número de vítimas superior ao da Primeira Guerra Mundial. Constroem-se biodigestores para a produção de metano (China e Índia). O engenheiro agrícola húngaro Ereky utiliza pela primeira vez a palavra biotecnologia. Muller descobre que os raios X causam mutações. F. Griffith descobre a transformação, isto é a transferência de informação genética de uma linhagem bacteriana a outra. Comercialização do milho híbrido, isto é de sementes de um milho mais produtivo. Obtenção de ácido cítrico por fermentação. Na França, produção comercial de um biopesticida (Bacillus thuringiensis). Avanços na mecanização do trabalho agrícola. Produção em grande escala da penicilina (descoberta por Fleming em 1928, desenvolvida por Florey e Chain). Inseminação artificial de gado utilizando sêmen congelado. Descoberta da presença de genes saltatórios no milho por Bárbara Mc Clintock. J. D. Watson e F. Crick propõem um modelo da estrutura do DNA. Reinart regenera plantas de cenoura a partir de uma cultura de células (calo).
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Maria Antonia Malajovich 1960 1961 1962 1967 1968 1973
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Aumento da produção de ácido láctico, ácido cítrico, acetona e butanol por via fermentativa. Descoberta do código genético. Desenvolvimento de uma protease alcalina para uso em sabões para a lavagem de roupas pela empresa dinamarquesa Novo. Plantio de novas variedades de trigo mais produtivas, no México, dando início ao que será chamado de Revolução Verde. Primeiro transplante de coração, na África do Sul. O paciente sobrevive 18 dias. Produção industrial de aminoácidos utilizando enzimas imobilizadas. Havendo desenvolvido técnicas de corte e reunião do DNA, Cohen e Boyer transferem um gene a um organismo de outra espécie. Lançado no Brasil o programa de produção de álcool a partir de biomassa (Pró-Álcool) G. J. F. Köhler e C. Milstein desenvolvem a tecnologia de hibridomas e obtêm anticorpos monoclonais. A empresa Novo produz xarope com alto conteúdo de frutose por via enzimática como adoçante alternativo à sacarose. A Conferência de Asilomar pede ao National Institute of Health (NIH) que sejam estabelecidas normas para a regulação dos experimentos com DNA-recombinante, o que acontecerá meses mais tarde. Utilização da técnica de hibridização molecular no diagnóstico pré-natal da alfa talassemia. Genentech, Inc., a primeira empresa biotecnológica, fundada um ano antes por Boyer e Swanson, obtém a proteína somatotropina (hormônio de crescimento) mediante a tecnologia do DNA-recombinante. Nasce na Inglaterra Louise Brown, o primeiro bebê de proveta. Produção do hormônio de crescimento humano, utilizando a tecnologia do DNArecombinante. A Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos aprova o princípio de patentes para as formas de vida de origem recombinante. As primeiras patentes são de A. N. Chakrabarty, para um microrganismo para biorremediação de petróleo, e de H. Cohen e S.Boyer, pelo processo de 1973. K. Mullis inventa a técnica da Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) cuja patente será obtida por Cetus, Inc. em 1985 e vendida em 1991 a Hoffman-La Roche, Inc. por 300 milhões de dólares. Obtenção da primeira planta geneticamente modificada. Obtenção da primeira linhagem de células-tronco de camundongo. A insulina humana de origem recombinante da Genentech, Inc. é comercializada. Uma licença será obtida mais tarde pela empresa Eli Lilly, que a venderá com o nome de Humulina®. A primeira vacina de DNA-recombinante para o gado é comercializada na Europa. Realizam-se as primeiras experiências de Engenharia Genética em plantas (petúnia). Syntex Corporation recebe a aprovação da Food and Drug Administration (FDA) de um teste para Chlamydia trachomatis baseado na utilização de anticorpos monoclonais. Isolado o vírus HIV no Instituto Pasteur (França) e no NIH (National Institute of Health, Estados Unidos). A. Jeffreys introduz a técnica do Fingerprint (impressões digitais), que, um ano depois, será utilizada pelos tribunais para a identificação de suspeitos. Clonagem e sequenciamento do genoma do HIV pela empresa Chiron Corp. A Environmental Protection Agency (EPA) dos Estados Unidos aprova a liberação de plantas de tabaco transgênicas. Um grupo de especialistas em segurança em Biotecnologia da Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD) declara que a previsibilidade das mudanças genéticas obtidas por Engenharia Genética é frequentemente maior que a correspondente às técnicas tradicionais, e que os riscos associados com organismos transgênicos podem ser avaliados do mesmo modo que os riscos associados aos outros organismos. Aprovada a primeira vacina biotecnológica para uso humano, trata-se de Recombivax-HB, contra a hepatite B.
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 1: O que é Biotecnologia? 1987
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1989 1990
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1993 1994 1995 1996 1997
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Advanced Genetic Sciences libera em campo bactérias DNA-recombinante (Frostban) que inibem a formação de gelo nos cultivos de morango, na Califórnia; a FDA aprova o fator ativador de plasminogênio, obtido por engenharia genética, para o tratamento de ataques cardíacos. A Universidade de Harvard obtém a patente de um rato transgênico desenvolvido especialmente para o estudo do câncer; na mesma década, os europeus obterão a patente de outro rato transgênico, sensível a substâncias carcinogênicas. Genencor International Inc. obtém a patente de um processo que permite obter enzimas (proteases) resistentes a alvejantes (processo bleach) para a fabricação de sabões para a lavagem de roupa. Com a criação do National Center for Human Genome Research se inicia o mapeamento do genoma humano. Primeira experiência de terapia gênica para uma doença rara (ADA) em uma menina de quatro anos. Pfizer comercializa Chy-Max TM, uma enzima de origem recombinante para a preparação de queijos. GenPharm International, Inc. consegue uma vaca transgênica que produz no leite proteínas humanas para alimentação infantil. A Universidade da Califórnia (UCSF) e a Universidade de Stanford contabilizam 100 patentes relativas ao DNArecombinante. Uma técnica, elaborada por cientistas americanos e britânicos, permite testar anormalidades como a fibrose cística e a hemofilia em embriões in vitro. A FDA declara que os alimentos de origem transgênica não demandam uma regulação especial. Aprovada a utilização do hormônio de crescimento bovino rBGH/rBST, produzido por Monsanto Co., para aumentar a produção de leite. Lançamento no mercado do tomate FlavSavr®, que, devido à inativação de um gene, amadurece na planta. Decifrado o primeiro genoma de uma bactéria, Haemophilus influenzae. Sequenciado o primeiro genoma de um organismo eucarionte, a levedura Saccharomyces cerevisiae. Desenvolve-se o primeiro GeneChip (Stanford, Affymetrix). No Reino Unido, nascem Dolly, uma ovelha clonada, e, meses mais tarde, uma segunda ovelha, Polly, clonada e geneticamente modificada. Os cultivos transgênicos são introduzidos em vários países. Contabilizam-se mais de 1.500 empresas de Biotecnologia nos Estados Unidos e mais de 3.000 no mundo. Células-tronco embrionárias são utilizadas para regenerar tecidos. Sequenciamento do primeiro genoma animal, o verme Caenorrabditis elegans. Isolada a primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas. Sequenciamento do primeiro cromossomo humano. Pesquisadores descobrem que as células-tronco podem ser induzidas a se diferenciar em diversos tipos celulares. O rascunho do sequenciamento do genoma humano é anunciado simultaneamente por Collins, do Consórcio do Genoma Humano, e Venter, da Celera Inc. Sequenciados também o genoma da mosca Drosophila melanogaster, o primeiro genoma de uma planta (Arabidopsis thaliana) e, no Brasil, o de uma bactéria que ataca os cítricos (Xylella fastidiosa). O rascunho do sequenciamento do Genoma Humano é publicado simultaneamente nas revistas Science e Nature. Sequenciamento do genoma de plantas de interesse agronômico para os países em desenvolvimento (arroz, banana). Sequenciamento do genoma de bactérias de importância agronômica. Obtenção de células sanguíneas a partir de células-tronco embrionárias. Completados o rascunho do proteoma funcional da levedura e o sequenciamento do genoma do agente e do vetor transmissor da malária. Identificam-se mais de 200 genes envolvidos na diferenciação das células-tronco. Descoberta da participação de moléculas de RNA na regulação de vários processos celulares. Em diversos países inicia-se a utilização de células-tronco adultas para o tratamento experimental de diversas doenças (leucemia, mal de Chagas, diabetes e anemia falciforme). 7
Maria Antonia Malajovich 2003
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2008 2010
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Comercialização como mascote, do GloFish, um peixe transgênico que brilha na escuridão, originalmente criado para detectar poluentes. Clonagem de vários tipos de animais e de espécies ameaçadas de extinção. Comercialização de novos medicamentos (Avastin® ou bevacizumab) e testes de diagnósticos. O grupo de pesquisadores liderado por S. Yamanaka consegue induzir a pluripotencialidade celular em células somáticas. As autoridades europeias de segurança alimentar concluem que os genes marcadores de resistência aos antibióticos não apresentam riscos relevantes para a saúde humana ou animal nem para o meio ambiente. Pesquisadores japoneses desenvolvem a primeira rosa azul, geneticamente modificada. Autorizada na União Europeia a comercialização da batata transgênica Amflora (BASF) para uso industrial. Pesquisadores do Instituto Craig Venter constroem a primeira célula sintética.
2. AS CÉLULAS E OS CROMOSSOMOS
A CÉLULA COMO UNIDADE DOS SERES VIVOS
UNIDADE ESTRUTURAL A célula é a unidade estrutural dos seres vivos. Trate-se de bactérias, amebas, espermatozoides ou neurônios, todas as células são formadas por água, íons inorgânicos e moléculas orgânicas (proteínas, carboidratos, lipídios e ácidos nucleicos). E todas elas apresentam uma membrana plasmática que separa o citoplasma do meio externo e permite o intercâmbio de moléculas entre ambos. As células procarióticas se encontram exclusivamente no Reino Monera. Pequenas (0,001 a 0,005 mm) e com requerimentos nutricionais simples, estas células se multiplicam rapidamente. A informação genética se encontra em um cromossomo circular formado por uma molécula de DNA e associado a uma invaginação da membrana plasmática (mesossomo). Pequenas moléculas circulares adicionais (plasmídeos) podem também estar presentes. Numerosos ribossomos asseguram a síntese proteica (Figura 2.1). Bem mais complexa é a estrutura das células eucarióticas, presentes nos quatro Reinos restantes (Protista, Fungo, Planta e Animal). Com um tamanho variando entre 0,01 e 0,10 mm, estas células são dez vezes maiores que as procarióticas. A presença de compartimentos diferenciados, ou organelas, que cumprem atividades específicas, resulta em uma subdivisão do trabalho que garante a eficiência do funcionamento celular (Figura 2.2). O citoplasma é percorrido por um sistema de membranas, o retículo endoplasmático, que está associado aos ribossomos e, por conseguinte, à síntese de proteínas. Processados no aparelho de Golgi, os produtos celulares são secretados ou distribuídos em outras estruturas (lisossomos, membrana celular). O metabolismo energético está associado a organelas citoplasmáticas, complexas e rodeadas de membranas (mitocôndrias, cloroplastos e peroxissomos). Um citoesqueleto, formado por túbulos e filamentos proteicos, mantém a forma da célula, além de assegurar o transporte interno das organelas e os movimentos celulares. A informação genética está distribuída em cromossomos, cada um deles formado por uma molécula linear de DNA associada a proteínas. Os cromossomos e o nucléolo se encontram no núcleo, que funciona como um centro de controle celular. A membrana nuclear, um envoltório com poros que separa o núcleo do citoplasma, permite o intercâmbio de substâncias entre ambos. Apesar de ter uma organização muito parecida, as células animais diferem das células vegetais em alguns aspectos. Nas células vegetais encontramos uma parede celular ao redor da membrana plasmática; o citoplasma contém cloroplastos, onde ocorre a fotossíntese, e grandes vacúolos, onde se armazenam substâncias e degradam macromoléculas. Nenhuma dessas estruturas se observa nas células animais; estas têm um centríolo que falta nas células vegetais (Tabela 2.1).
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FIGURA 2.1. Representações esquemáticas da estrutura celular.
Célula procariótica (bacteriana)
Célula eucariótica (vegetal)
Célula eucariótica (animal)
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos
TABELA 2.1. A função e a distribuição das estruturas celulares. Estrutura
FUNÇÃO
CÉLULA BACTERIANA
CÉLULA ANIMAL
CÉLULA VEGETAL
Parede celular
Manutenção da forma e proteção da célula.
Presente ou ausente
Ausente
Presente
Membrana plasmática
Manutenção da estabilidade do meio intracelular; controle das trocas entre a célula e o meio extracelular.
Carioteca ou membrana nuclear
Controle do fluxo de substâncias entre o núcleo e o citoplasma.
Cromossomo(s)
Presente
Ausente
Presente
Controle da estrutura e do funcionamento celular.
Único e circular; apenas DNA.
Múltiplos e lineares; DNA e proteínas.
Nucléolo(s)
Formação de ribossomos.
Ausente
Presente
Centríolos
Formação de cílios e flagelos; participação na divisão celular.
Ribossomos
Síntese de proteínas.
Retículo endoplasmático rugoso
Síntese de proteínas.
Retículo endoplasmático liso
Síntese de lipídios; armazenamento e inativação de substâncias.
Complexo de golgi
Secreção celular.
Mitocôndrias
Respiração celular aeróbia.
Vacúolo central
Equilíbrio osmótico e armazenamento.
Lisossomos
Digestão intracelular.
Cloroplastos
Fotossíntese.
Citoesqueleto
Manutenção da forma celular; contração; ancoragem de organelas.
Ausente
Presente
Ausente
Presente
Ausente
Presente
Presente Ausente
Ausente
Ausente
Presente
Ausente
Ausente
Presente
Presente
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Maria Antonia Malajovich
UNIDADE FUNCIONAL A célula também é a unidade funcional de um organismo O citoplasma é uma solução viscosa onde continuamente ocorrem reações de síntese e degradação de substâncias, consumindo ou liberando energia. Estas reações constituem o que denominamos metabolismo. As reações metabólicas são facilitadas por proteínas com atividade catalítica, denominadas enzimas. Assim como as proteínas estruturais, as enzimas se sintetizam nos ribossomos, que são pequenos componentes citoplasmáticos, não membranosos. A estrutura das proteínas depende da informação genética codificada no ácido desoxirribonucleico (DNA) e transcrita no ácido ribonucleico (RNA), que a leva do núcleo até o citoplasma. As semelhanças de estrutura e funcionamento celulares decorrem de uma origem evolutiva comum, aproximadamente 3,8 milhões de anos atrás. Os dois tipos celulares que reconhecemos hoje, as células procarióticas e as eucarióticas, apareceram entre um e um milhão e meio de anos mais tarde. TÉCNICAS LABORATORIAIS O estudo das células se vê facilitado por um conjunto de técnicas laboratoriais, tais como: o Técnicas microscópicas que permitem uma visualização detalhada da célula: -
Microscopia óptica, que se utiliza para observar os cortes de tecidos. Geralmente, estes são fixados (álcool, ácido acético, formaldeído) e tingidos com corantes que reagem com as proteínas ou com os ácidos nucleicos, aumentando o contraste da imagem.
-
Microscopia de contraste de fase, que transforma as diferenças de espessura ou de densidade do fragmento observado em diferenças de contraste.
-
Microscopia fluorescente, que associa anticorpos específicos a um reagente como o PVF (proteína verde fluorescente de medusa), de forma a marcar as moléculas e visualizar sua distribuição nas células.
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Microscopia confocal, que combina a microscopia fluorescente com a análise eletrônica da imagem, fornecendo uma imagem tridimensional.
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Microscopia eletrônica, que permite a observação em um plano de cortes tingidos com sais de metais pesados (microscopia de transmissão) e a observação tridimensional de células (microscopia de varredura).
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Microscopia de tunelamento, com os diversos tipos de microscópios de varredura por sonda (SPM, do inglês scanning probe microscope) que, além de fornecer uma imagem de moléculas e átomos, permitem medições e a manipulação de moléculas e átomos.
o Técnicas físicas como a centrifugação diferencial (ultracentrifugação, centrifugação em gradiente) para separar os componentes celulares para estudos bioquímicos posteriores. o Técnicas instrumentais que possibilitam a contagem de células e a separação de populações celulares (cell sorter) ou de cromossomos (flow sorter). o Técnicas de cultura de células com objetivos diversos.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos
TODA CÉLULA DERIVA DE OUTRA PREEXISTENTE Assim como uma planta se forma a partir de outra planta e um animal de outro animal, toda célula deriva de outra preexistente. Este conceito, enunciado por R. Virchow em 1855, não foi plenamente aceito até dez anos mais tarde, quando L. Pasteur mostrou experimentalmente que a proliferação de microrganismos em um meio orgânico estéril se deve à contaminação deste com os microrganismos presentes no ar, que, ao encontrar um meio propício, se multiplicam rapidamente. Todo organismo multicelular se forma a partir da multiplicação de uma única célula-ovo ou zigoto. As contribuições dos genes maternos e paternos para o desenvolvimento do embrião não são idênticas (imprinting). As células embrionárias se diferenciam, formando mais de 200 tipos de células em animais, e um pouco menos nos vegetais. Os diferentes tipos celulares cumprem funções específicas que, integradas, asseguram a unidade do organismo. Nos vegetais, a persistência de tecidos embrionários totipotentes (meristemas) na planta adulta permite o crescimento e a regeneração durante a vida toda do organismo. Em condições apropriadas, células especializadas podem reverter a um estado não diferenciado e regenerar um organismo completo e diferenciado. Nessas propriedades se fundamenta a propagação de plantas in vitro. Nos animais superiores, a totipotência se restringe às células do embrião com menos de quatro dias, que são as únicas capazes de regenerar um organismo inteiro. No entanto, no embrião de mais de quatro dias, algumas células internas do blastócito (células-tronco embrionárias) podem originar todos os tecidos do organismo, sendo consideradas pluripotentes (Figura 2.3). Também tecidos adultos (medula óssea, sangue, córnea e retina, polpa dentária, fígado, pele, trato digestivo e pâncreas) apresentam células-tronco. Elas podem permanecer nos tecidos, multiplicando-se durante longos períodos de tempo sem que ocorra a diferenciação. Em determinadas condições fisiológicas, essas células-tronco adultas originam células especializadas de vários tipos, assegurando a manutenção e o reparo do tecido onde se encontram. Um único tipo de célula-tronco multipotente da medula óssea, por exemplo, gera todas as células sanguíneas (hemácias, leucócitos e plaquetas). Células-tronco unipotentes se diferenciam em uma única linhagem celular como, por exemplo, os queratinócitos da pele.
FIGURA 2.2. As células-tronco embrionárias. As células-tronco podem ser extraídas do blastócito com 5 a 7 dias e cultivadas in vitro; colocadas em condições experimentais adequadas, diferenciam-se nos distintos tipos celulares.
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Por serem mais fáceis de conseguir, as células-tronco adultas encontraram rapidamente aplicações terapêuticas promissoras. Não aconteceu o mesmo com as células-tronco embrionárias. Estas podem ser obtidas seja a partir de um embrião, obtido por transferência de um núcleo a um ovócito anucleado, seja a partir dos embriões supernumerários congelados nas clínicas de fertilização assistida. Os dois métodos suscitaram grandes debates éticos em torno de quem forneceria os ovócitos e do status do embrião. A polêmica começa a esmorecer com o desenvolvimento de uma tecnologia que permite obter, a partir de células somáticas, células iPS (do inglês, induced pluripotent stem cells) com propriedades equivalentes às das células-tronco embrionárias. A indução de pluripotencialidade mediante a inserção de alguns genes em células adultas é um passo importante para acabar com a necessidade de utilizar embriões congelados. A tecnologia de reprogramação celular se desenvolve rapidamente, aumentando nosso conhecimento sobre o controle genético da diferenciação e abrindo uma nova senda para a implementação de testes, medicamentos e tratamentos novos. Entender os mecanismos que controlam o crescimento e a diferenciação celular é um dos maiores desafios atuais, porque as células-tronco possibilitarão novos tratamentos de regeneração celular para doenças cardíacas, diabetes e doença de Parkinson. OS CROMOSSOMOS Cada cromossomo está formado por um filamento de DNA enrolado, a espaços regulares, sobre proteínas (histonas). Durante a maior parte do ciclo celular, os cromossomos se encontram distendidos, formando uma rede de filamentos finos (cromatina). Na divisão celular, a cromatina se condensa, possibilitando a observação microscópica dos cromossomos. Do ponto de vista morfológico, estes se caracterizam pelo tamanho e a posição do centrômero, uma constrição que divide o cromossomo em dois braços. O número de cromossomos n é constante em todos os indivíduos de uma mesma espécie; n = 4 em Drosophila melanogaster e n = 23 no homem, por exemplo. Como nas células somáticas os cromossomos se encontram sempre em pares, na espécie humana o número de cromossomos (2n) é de 46, sendo que um par determina o sexo. Os cromossomos sexuais são idênticos na mulher (46, XX) e diferentes no homem (46, XY). Em outras espécies, a determinação do sexo segue mecanismos diversos. Um pouco antes da divisão de uma célula, os cromossomos se duplicam, de maneira que cada uma das células filhas recebe 2n cromossomos. A mitose mantém constante o número de cromossomos nas células somáticas dos indivíduos de uma mesma espécie. Já nas células reprodutivas, a meiose reduz a n o número de cromossomos; na fecundação, a fusão dos gametas irá restaurar o número n característico da espécie. Durante a meiose, o entrecruzamento dos cromossomos permite a permuta e recombinação dos genes (Figura 2.4). Durante a formação dos gametas, erros na disjunção dos cromossomos podem dar origem a indivíduos com fórmulas cromossômicas alteradas. Na síndrome de Down, por exemplo, a pessoa apresenta geralmente um cromossomo 21 adicional. (mulheres 47, XX + 21; homens 47, XY + 21). Estima-se que a percentagem de recém-nascidos com alguma anomalia cromossômica estaria em torno de 0,85%, dos quais só alguns apresentariam algum sintoma. Alterações cromossômicas também podem ser relacionadas com alguns tipos de câncer. Na leucemia mieloide crônica, por exemplo, se observa a translocação recíproca de dois pedaços dos cromossomos 9 e 22. De um modo geral, é frequente encontrar alterações no número de cromossomos das células cancerosas.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 2: As células e os cromossomos
A TEORIA CROMOSSÔMICA DA HEREDITARIEDADE Em 1865, Gregor Mendel apresentou seu trabalho “Experiências de hibridização em plantas”; este reunia os resultados experimentais realizados com ervilhas (Pisum sativum), durante sete anos, no jardim do monastério Agostino de Brno (Morávia). Apesar de passar quase despercebido, o trabalho acabou sendo distribuído por várias bibliotecas da Europa e América, graças a sua publicação um ano mais tarde nos Anais da Sociedade de História Natural. No texto figuram algumas generalizações. Conhecida como Primeira Lei de Mendel, Lei de Segregação ou Monoibridismo, a primeira delas se refere à segregação dos fatores (alelos) de um par (um gene) na formação de gametas. A segunda, que é conhecida como Segunda Lei de Mendel, Lei de Segregação Independente ou Diibridismo, se refere à segregação dos fatores (alelos) de dois ou mais pares (dois ou mais genes) independentes na formação de gametas.
FIGURA 2.3. Mitose e meiose. Durante a meiose, a permuta de fragmentos cromossômicos homólogos possibilita a recombinação dos genes.
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FIGURA 2.4. Monoibridismo. A cor do corpo da Drosophila depende de um gene, localizado no cromossomo III, com dois alelos (e = corpo preto ou ebony, e+= corpo amarelo). O cruzamento entre duas linhagens puras de moscas que diferem pela cor do corpo (amarelo ou preto) gera, na primeira geração (F1), moscas de corpo amarelo, mostrando a recessividade do alelo e. Do cruzamento entre indivíduos da F1 nasce uma segunda geração (F2) com uma proporção fenotípica de 3 moscas amarelas: 1 mosca preta. Esta proporção decorre da segregação dos alelos de um gene, na formação de gametas.
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FIGURA 2.5. Diibridismo. A cor do corpo da Drosophila depende de um gene, localizado no cromossomo III, com dois alelos (e = corpo preto ou ebony; e+= corpo amarelo). A presença ou ausência de olhos depende de um gene, localizado no + cromossomo IV, com dois alelos (ey = sem olhos, ey = com olhos). O cruzamento entre duas linhagens puras de moscas que diferem pela cor do corpo (amarelo ou preto) e a presença ou ausência de olhos gera, na primeira geração (F1), moscas com olhos e de corpo amarelo, mostrando a recessividade dos alelos ey e e. Do cruzamento entre moscas da F1 nasce uma segunda geração (F2) com uma proporção fenotípica de 9 moscas amarelas com olhos: 3 moscas amarelas sem olhos, 3 moscas pretas com olhos: 1 mosca preta sem olhos. Esta proporção decorre da segregação independente dos alelos dos genes localizados em diferentes cromossomos homólogos na formação de gametas.
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Em 1900, depois de chegar de maneira independente a conclusões semelhantes, os pesquisadores K. Correns, E. Von Tschermak e H.de Vries redescobriram nas bibliotecas o trabalho de Mendel. Nesse intervalo de 35 anos tinha sido descrita a divisão celular (mitose, 1875; meiose, 1890); o próximo passo correspondeu a Sutton e Boveri (1902), sugerindo que os fatores hereditários de Mendel estariam nos cromossomos. A confirmação desta hipótese decorreu dos trabalhos de T.H.Morgan e sua brilhante equipe na Universidade de Columbia (Nova York), com a mosca da fruta, Drosophila melanogaster. Em 1910, depois de uma série de cruzamentos e de análises estatísticas, Morgan mostrou que a herança da cor branca do olho do mutante white está associada à transmissão do cromossomo X, que determina o sexo. Morgan e seus colaboradores identificaram numerosos outros mutantes de Drosophila melanogaster com um padrão mendeliano de hereditariedade. Além de moscas com olhos brancos em vez de vermelhos, encontraram outras com asas curtas em vez de longas, com corpo de cor marrom ou preta em vez de amarela etc. Os genes correspondentes se classificam em quatro grupos de ligação, sendo que cada um deles está associado a um dos quatro pares de cromossomos da Drosophila. Como durante a meiose se produzem permutas entre segmentos cromossômicos, nos cruzamentos aparecem indivíduos recombinantes, isto é, com outras combinações gênicas diferentes das previstas pelas leis mendelianas. A partir dos dados obtidos em milhares de cruzamentos sobre a recombinação dos genes de um mesmo grupo de ligação chega-se a estabelecer a distância genética entre estes. Com a descoberta de células com cromossomos gigantes (politênicos) nas glândulas salivares das larvas de drosófila, começaram os primeiros trabalhos de mapeamento, associando os dados genéticos aos dados físicos. A observação microscópica das bandas nos cromossomos mostrou com enorme riqueza de detalhes uma sucessão consistente de bandas largas e estreitas. Da associação entre os métodos genéticos e os métodos citológicos surgiram os primeiros mapas físicos, associando uma região cromossômica a cada gene. Das descobertas de Morgan e sua equipe, nasce a Teoria do Gene, segundo a qual:
1. Os caracteres de um indivíduo correspondem a elementos pares, os genes. 2. Os genes estão ligados uns aos outros nos cromossomos, formando um determinado número de grupos de ligação. 3. Os genes de cada par se separam durante a gametogênese, de acordo com a Primeira Lei de Mendel e, em consequência, cada gameta fica contendo apenas um conjunto de genes (Figura 2.4). 4. Os genes pertencentes a grupos de ligação diferentes segregam independentemente, de acordo com a Segunda Lei de Mendel (Figura 2.5). 5. Entre os elementos pertencentes a cada grupo de ligação, ocorre uma troca ordenada chamada permuta ou crossing-over, que leva à recombinação dos genes (Figura 2.3). A frequência da permuta fornece a prova da linearidade dos genes em cada grupo de ligação e permite determinar sua posição relativa.
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Os estudos posteriores mostraram a complexidade dos padrões de hereditariedade, que incluem casos de: o Alelismo múltiplo, quando um gene admite múltiplos alelos; dominantes, recessivos ou codominantes (Sistema ABO, por exemplo). o Pleiotropia, quando um gene determina diversos caracteres (pelagem e sobrevivência em ratos, por exemplo). o Herança poligênica, quando um caráter está determinado por vários genes de efeito cumulativo (altura, cor dos olhos). o Interação gênica, quando uma característica depende da ação de muitos genes. Finalmente, deve-se destacar que o fenótipo de um indivíduo é o resultado da interação entre o genótipo e o ambiente em que este se expressa. CÉLULAS E CROMOSSOMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS Um dos testes pioneiros de diagnóstico genético está baseado na observação microscópica dos cromossomos de células somáticas durante a divisão celular (mitose). A identificação se vê facilitada pela presença de regiões ou bandas reveladas mediante algumas técnicas de coloração. O número e a estrutura dos cromossomos são analisados e apresentados em um arranjo (cariótipo) que segue uma classificação convencional (Figura 2.6). Os testes de diagnóstico genético envolvendo a análise de cariótipos estão amplamente difundidos na prática médica, sendo facilitados atualmente pela utilização de corantes específicos para cada par cromossômico. FIGURA 2.6. Representação dos cromossomos humanos. O arranjo segue uma classificação convencional que leva em conta o tamanho, a posição do centrômero (tracejado no esquema) e o padrão das bandas de cada cromossomo. Fonte: http://www.molecularstation.com/molecular-biology-images/data/502/karyotype.png
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Como agentes biológicos, as células encontram outras aplicações (Tabela 2.2). Células vegetais cultivadas in vitro produzem substâncias de alto valor agregado, importantes para as indústrias alimentar, cosmética e farmacêutica. Também se utilizam para regenerar plantas. A multiplicação de vírus em cultivos de células de insetos permite a comercialização de práticas de controle biológico. A síntese de algumas substâncias importantes para a indústria farmacêutica, como o fator ativador de plasminogênio, depende do cultivo in vitro de células animais. Estas também substituem os animais nos testes toxicológicos e são utilizadas na multiplicação de vírus para a preparação de vacinas. Também possibilitam a produção de anticorpos. Combinando as técnicas de cultivo celular com o desenvolvimento de materiais biológicos semelhantes ao colágeno, uma área nova de engenharia de tecidos visa a reparação ou substituição de tecidos lesionados. Os enxertos de pele artificial, cultivada in vitro, saram ferimentos e/ou queimaduras em seres humanos. TABELA 2.2. As células como agentes biológicos.
Vegetais
Indústria alimentar e cosmética (adoçantes, corantes, flavorizantes e aromatizantes). Indústria farmacêutica (alcaloides e esteroides).
CÉLULAS
Estudos toxicológicos. Animais e/ou humanas
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Diagnóstico clínico (cariótipos). Indústria farmacêutica (produção de anticorpos e vacinas). Medicina regenerativa (produção de tecidos de substituição).
3. OS MICRORGANISMOS
A DIVERSIDADE MICROBIANA O termo “microrganismos” se aplica a um grupo heterogêneo de seres que vivem como células independentes ou como agregados celulares: bactérias, arqueas, protozoários, algas e fungos e, também, vírus (Tabela 3.1). Salvo estes últimos, que estão na fronteira entre o vivo e o não vivo, os encontramos dentro dos três domínios em que se classificam os seres vivos: Bacteria, Archaea e Eukarya. TABELA 3.1: Os microrganismos dentro do marco da uma classificação biológica atual. DOMÍNIO
BACTERIA
ARCHAEA
EUKARYA
REINO
EUBACTERIA
ARCHAEBACTERIA
PROTISTA
FUNGI
PLANTAE
ANIMALIA
TIPO DE CÉLULA
Procariótica
Procariótica
Eucariótica
Eucariótica
Eucariótica
Eucariótica
ESTRUTURA CELULAR
Parede celular com peptidoglicano
Parede celular sem peptidoglicano
Parede celular de celulose, em alguns. Presença de cloroplastos, em alguns.
Parede celular Parede celular de Sem parede de quitina. celulose. celular nem cloroplastos. Ausência de cloroplastos.
Uni ou pluricelular
Uni ou pluricelular
Pluricelular
Pluricelular
ORGANIZAÇÃO Unicelular
Unicelular
Presencia de cloroplastos.
NUTRIÇÃO (*)
Autotrófica ou Autotrófica Heterotrófica ou Heterotrófica
Autotrófica ou Heterotrófica
Heterotrófica (absorção)
Autotrófica
Heterotrófica (ingestão)
EXEMPLOS
Eubactérias
Protozoários e Algas
Leveduras, Mofos, Bolores e Cogumelos.
Briófitas (musgos), Pteridófitas (samambaias), Gimnospermas e Angiospermas.
Invertebrados e Cordados
Arqueas
* Nutrição Nutrição autotrófica: o organismo produz seu próprio alimento a partir de substâncias inorgânicas e de uma fonte de energia. Os seres autotróficos podem realizar fotossíntese (para a qual a fonte de energia é a luz solar) ou quimiossíntese (para a qual a fonte de energia é uma reação química exotérmica). Nutrição heterotrófica: o organismo se alimenta de moléculas orgânicas elaboradas por outros seres vivos por absorção (captação de nutrientes dissolvidos na água), ou ingestão (entrada de partículas de alimentos não dissolvidas).
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Os microrganismos mostram uma diversidade surpreendente de estrutura e modos de vida. Alguns são procariontes, como as bactérias; outros eucariontes, como os protozoários, as algas e os fungos. Os aeróbios crescem se houver oxigênio, os anaeróbios se não o houver. Formas livres colonizam todos os ambientes terrestres, desde o cume das montanhas até as profundidades dos oceanos. Mas há também parasitas que crescem à custa de outros seres vivos, onde encontram abrigo e alimento, e os que mostram diversos graus de dependência de outros seres vivos. Os autótrofos sintetizam seus alimentos a partir de dióxido de carbono; os fotossintéticos utilizam a luz como fonte de energia e os quimiossintéticos, algumas reações químicas inorgânicas. Os heterótrofos dependem das moléculas orgânicas elaboradas pelos autótrofos, que absorvem ou ingerem. O fato de mantê-los agrupados sob a denominação de “microrganismos” talvez obedeça menos a uma questão de semelhança que a razões práticas; já que os mesmos métodos básicos de estudo (isolamento, cultura in vitro, identificação) podem ser aplicados, com pequenas variações, a esses grupos. AS EUBACTÉRIAS As eubactérias ou bactérias são organismos unicelulares procarióticos em que uma parede celular pode cumprir uma função protetora. Além do DNA cromossômico, podem apresentar moléculas circulares extras de DNA denominadas plasmídeos. Em condições favoráveis de umidade, acidez e temperatura, as bactérias se multiplicam rapidamente por fissão celular produzindo milhões de células em poucas horas (Figura 3.1). Em uma de suas acepções, a palavra clone se aplica às células que derivam de uma única célula. Algumas espécies bacterianas também mantêm formas de reprodução sexuada, possibilitando a recombinação do material genético. As eubactérias formam um grupo com mais de 5.000 espécies conhecidas. Pequenas (0,00050,005 mm) e de formas diversas (esféricas, bastonetes, helicoidais), elas podem ser encontradas isoladas ou em pares, cadeias ou agregados. Algumas se locomovem livremente, mediante um ou mais flagelos distribuídos na superfície celular, outras se aderem mediante pelos ou fímbrias a um organismo hospedeiro. O grupo inclui também as cianobactérias, que serão comentadas mais adiante junto com as algas. Em condições desfavoráveis, algumas bactérias formam esporos que resistem em forma latente até que a situação mude, germinando e retomando sua atividade fisiológica. Um exemplo interessante, na Europa do século XIX, é o da existência de “campos malditos”, campos em que as ovelhas não deviam transitar, devido ao alto risco de contrair o carbúnculo ou antraz. De fato, os bacilos presentes nos animais vitimados pela doença e enterrados nesses campos formavam esporos que, trazidos à superfície pelas minhocas, contaminavam as pastagens. Uma técnica laboratorial (coloração de Gram) permite diferenciar as bactérias pela estrutura da parede celular. Entre as Gram-positivas, cuja parede celular é mais simples, encontramos gêneros como Clostridium, Bacillus, Mycobacterium (com algumas espécies que causam a tuberculose e a lepra) e os Actinomicetes, como Streptomyces, produtora de antibióticos como a estreptomicina. Entre as Gram-negativas, encontramos os micoplasmas, Escherichia coli, uma colonizadora do trato digestivo de muitos organismos, Salmonella, um agente de muitas intoxicações alimentares, as cianobactérias fotossintéticas, os espiroquetas (Treponema pallidum e Borrelia burgdorferi, causantes da sífilis e da doença de Lyme, respectivamente) e as clamídias (responsáveis por tracoma e uretrites).
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Estima-se que as bactérias sejam responsáveis por aproximadamente metade das doenças humanas. As Gram-negativas resultam mais difíceis de tratar que as Gram-positivas, devido a uma camada adicional na parede celular que as protege e dificulta a entrada de antibióticos. Assim como o homem, os animais e as plantas também são afetados por patógenos bacterianos. O dano decorre da invasão dos tecidos do hospedeiro ou da liberação de substâncias tóxicas (exo e endotoxinas). Mas nem todas são patogênicas. A participação das bactérias na reciclagem dos elementos é fundamental do ponto de vista ecológico, possibilitando o tratamento de resíduos e de águas servidas e, também, a eliminação de compostos recalcitrantes (biorremediação) e a extração de minérios (biolixívia). Por outro lado, a fixação de nitrogênio e a produção de toxinas pesticidas contribuem para melhorar as práticas agrícolas. Devido a suas propriedades metabólicas, muitas eubactérias são utilizadas na produção de alimentos (laticínios, vinagre, picles e azeitonas) e de aditivos (vitaminas, aminoácidos, gomas emulsificantes e estabilizantes), na indústria química (acetona, butanol e plásticos biodegradáveis) e na indústria farmacêutica (vacinas, toxinas e antibióticos). Também se utilizam na produção de enzimas para uso industrial e médico (Tabela 3.2). AS ARQUEAS As arqueobactérias, ou arqueas, diferem das eubactérias pela estrutura da parede celular e, também, por alguns aspectos metabólicos relacionados com a síntese de proteínas que as aproximam dos eucariontes. Algumas vivem em habitats inóspitos, como as solfataras dos vulcões ou gêiseres, a temperaturas superiores a 60-800C (Islândia, Costa Rica). Outras prosperam em lagos onde a concentração salina é altíssima, como o Grande Lago Salgado (Estados Unidos) ou o Mar Morto (Israel). Entre as arqueas existem também gêneros com vias metabólicas peculiares que as tornam dependentes de enxofre ou produtoras de metano. Devido a estas propriedades, nos últimos anos tem-se acelerado a prospecção de arqueas com propriedades potencialmente interessantes, para serem utilizadas em processos industriais que exijam condições ambientais extremas. No entanto, estudos recentes de ecologia molecular mostram que as arqueas não se limitam a ambientes extremos, sendo sua diversidade bem maior do imaginado previamente. FIGURA 3.1. Bactérias e clones. Por divisão binária de uma bactéria gera-se um clone de bactérias semelhantes
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TABELA 3.2. As bactérias (Eubactérias e Arqueas) como agentes biológicos. AGENTES BIOLÓGICOS
APLICAÇÕES Tratamento de resíduos e de águas servidas. Produção de energia (metano). Biorremediação, extração de minério. Indústria química (acetona, butanol, ácido láctico, ácido acético).
Bactérias
Enzimas industriais. Agricultura (rizóbios, biopesticidas). Alimentos (laticínios, vinagres, picles, azeitonas, silagem). Indústria de alimentos (vitaminas B12 e β-caroteno, aminoácidos lisina e ácido glutâmico; polissacarídeos xantana e dextrana*). Indústria farmacêutica (enzimas de uso médico, antibióticos, vacinas e toxinas). (*) A dextrana também tem usos médicos
TABELA 3.3. As algas como agentes biológicos. AGENTES BIOLÓGICOS
APLICAÇÕES Tratamento de efluentes, biomonitoramento de poluição, obtenção de energia.
Biomassa
Agricultura (adubo). Produção de alimentos (alimentação humana, ração para avicultura e aquicultura).
Algas
Indústria de alimentos (aditivos, complementos nutricionais, substitutos proteicos, espessantes e emulsionantes). Moléculas
Indústria de cosméticos (ácidos graxos e outras substâncias tais como ficocoloides, pigmentos, glicerol, abrasivos finos etc.). Indústria farmacêutica (compostos biologicamente ativos, tais como toxinas, antibióticos, antivirais e antitumorais).
TABELA 3.4. Os fungos como agentes biológicos. AGENTES BIOLÓGICOS
APLICAÇÕES Agricultura (controle biológico de insetos e nematoides, micorrizos). Produtos de fermentação (etanol, glicerol, ácido cítrico).
Fungos
Enzimas industriais. Biomassa (fermento de padaria, micoproteína). Indústria de alimentos (panificação, queijaria). Indústria de bebidas (cervejas e vinhos, destilados). Produtos metabólicos (extrato de levedura, hormônios de crescimento vegetal). Indústria farmacêutica (antibióticos, vitaminas, vacinas, esteroides).
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OS PROTISTAS Os Protozoários se classificam no reino Protista, um grupo mal definido de seres eucarióticos unicelulares ou pluricelulares, autótrofos ou heterótrofos, de reprodução sexuada ou assexuada. Trata-se de organismos unicelulares heterotróficos, cujo tamanho varia entre 0,002 e 1mm. Alguns vivem livres em ambientes marinhos, de água doce, ou simplesmente muito úmidos. Outros parasitam outras espécies, nas quais causam doenças: Giárdia, Amoeba, Trichomonas, Plasmodium, Toxoplasma, Leischmania etc. De importância fundamental para o ser humano do ponto de vista médico, sua caracterização molecular pode dar origem a testes diagnósticos e vacinas. Classificadas junto com os protozoários no reino Protista, as algas são organismos uni ou pluricelulares, autotróficos e aquáticos. Situadas na base das cadeias alimentícias aquáticas, as algas cumprem um papel fundamental na biosfera por serem capazes de fixar gás carbônico e produzir oxigênio. Algumas participam na formação de solos e na fixação de nitrogênio. Apesar de não ter órgãos diferenciados, as macroalgas marinhas (algas pardas, algas vermelhas e parte das algas verdes) formam filamentos e talos que podem chegar a medir mais de trinta metros. São utilizadas como adubo e, também, na alimentação humana (Porphyra ou nori e Laminaria, como o kombu, no Oriente; cochayuyo no Chile). Devido a sua capacidade de formar géis e emulsões, os ficocoloides extraídos dessas algas (agar, carragenina, alginato) são empregados em análises clínicas (preparação de meios de cultivo para cultivo de bactérias e fungos) e em várias indústrias, tais como a alimentícia (sorvetes, cremes, geleias etc.), a farmacêutica (laxantes, cápsulas de remédios) e a cosmética (cremes, sabonetes, xampus, dentifrícios etc). As microalgas representam um grupo extremamente diversificado de umas 25.000 espécies das quais só um pequeno grupo está bem estudado. Este compreende aproximadamente cinquenta espécies de microrganismos fotossintéticos, tanto eucariontes (diatomáceas, dinoflagelados, euglenoides e outras algas verdes) como procariontes (cianobactérias, antigamente algas azulesverdeadas). A proliferação de microalgas como florações na natureza (marés vermelhas) ou em reservatórios, geralmente devido à eutrofização das águas, causa a morte de outros organismos, sendo muito perigosa se estiver acompanhada pela liberação de toxinas. Porém, em alguns sistemas de tratamento de efluentes as microalgas são incorporadas nos tanques para remover nutrientes inorgânicos e adicionar oxigênio. Também são usadas como indicadores de poluição. O metano é um gás combustível que resulta da degradação de biomassa de algas por microrganismos anaeróbios. Por outro lado, a produção de hidrogênio por algas representa uma alternativa energética promissora. As microalgas são aproveitadas na alimentação animal como ração para a avicultura e a aquicultura. Algumas das substâncias que elas sintetizam são incluídas na alimentação humana como complementos nutricionais e substitutos proteicos; trata-se de aminoácidos, ácidos graxos e vitaminas (B12, -caroteno ou provitamina A). Também são utilizadas na formulação de cosméticos e na indústria farmacêutica (Tabela 3.3).
OS FUNGOS O Reino Fungi comporta mais de 100.000 espécies. Os fungos são organismos eucarióticos, uni ou pluricelulares, com uma parede celular formada por quitina. Todos eles são heterótrofos e podem se reproduzir sexuada ou assexuadamente. As leveduras são fungos unicelulares que se desenvolvem em lugares úmidos e se reproduzem por brotamento. 25
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Pertence a esse grupo um dos microrganismos de maior importância econômica: Saccharomyces cerevisiae, o popular levedo de cerveja (ou, simplesmente, levedura) utilizado tradicionalmente na preparação de alimentos e de bebidas, assim como na produção de etanol, vitaminas e outros metabólitos. Transformada mediante técnicas de engenharia genética, esta levedura produz uma vacina contra a hepatite B (Tabela 3.4). Entretanto, nem todas as leveduras são benéficas; Candida albicans, um microrganismo oportunista da flora normal humana pode, em certas condições, proliferar de maneira anormal, tornando-se patogênica. Nos bolores e mofos, as células formam um emaranhado de filamentos ou hifas, denominado micélio. Os mofos crescem rapidamente por fragmentação do micélio e se disseminam mediante esporos; como Aspergillus niger, um produtor de ácido cítrico; ou como Rhizopus, o fungo preto do pão, que se expande sobre a superfície deste apesar dos conservantes acrescentados; ou ainda como Aspergillus flavus, um bolor que ataca as sementes de leguminosas (amendoim, feijão, soja) e produz uma toxina poderosa, a aflatoxina, causando graves intoxicações. Neste grupo também se encontra o Penicillium, um gênero que conta com diversas espécies, uma das quais é utilizada na indústria farmacêutica, para a produção de penicilina, e outras na indústria de alimentos, para a maturação de queijos como o Roquefort, o Gorgonzola e o Camembert. Os cogumelos são os corpos reprodutivos de muitos fungos. Alguns são venenosos (Ammanita), outros produzem substância alucinógena, tais como a psilobicina, utilizada por grupos nativos mexicanos em rituais religiosos, ou a ergotamina, sintetizada quimicamente no século XX com o nome de LSD (ácido lisérgico). Mas também os há comestíveis como o Agaricus ou champignon, o Shiitake e o Pleurotus, que são cultivados e comercializados pelo homem. Em termos ambientais, um quarto da colheita de frutas e vegetais é destruído pelos fungos; pragas como a ferrugem do café, o esporão do centeio e a vassoura-de-bruxa afetam gravemente a agricultura. Na Irlanda no século XIX, o Phytophtora infestans atacou a batata, destruindo a fonte básica de alimentação; a praga causou um milhão de mortes e a emigração forçada de boa parte da população. Os liquens resultam da simbiose entre um fungo e uma alga. Alguns são comestíveis, supondose que a Lecanora esculenta seja o maná referido na Bíblia. O grupo não tem sido muito explorado economicamente, apesar de ter encontrado aplicações como corantes (tintura de tornassol, um indicador de pH), no tingimento de tecidos e como fixadores na indústria de perfumes. Também são indicadores de poluição (biomonitoramento). Em contrapartida, outra associação, desta vez entre um fungo filamentoso e as raízes das plantas vasculares, os micorrizos, ocupam um lugar de destaque na agricultura em solos tropicais por facilitarem a solubilização dos fosfatos. OS VÍRUS, NA FRONTEIRA DO VIVO E DO NÃO VIVO Os vírus são partículas inertes sem nenhuma atividade metabólica, no limite entre o “vivo” e o “não vivo”. Os menores medem 20 nanômetros (1nm = 10-4 mm). Podem atravessar filtros extremamente finos e cristalizar. Sua estrutura é muito simples: um ácido nucleico (DNA ou RNA, como filamento simples ou duplo) dentro de uma capa proteica ou capsídeo. Muitos possuem enzimas que serão liberadas dentro da célula hospedeira (Figura 3.2) Como parasitas obrigatórios de bactérias, plantas ou animais, ao infetar uma célula viva passam a utilizá-la para sua própria reprodução. Alguns se integram no genoma da célula infetada (bacteriófagos, retrovírus). Devido a esta propriedade, os vírus têm sido utilizados como vetores para introduzir genes em uma célula hospedeira (Figura 3.3). 26
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Várias doenças humanas são causadas por vírus, tais como o poliovírus, o HIV, o coronavírus responsável pela SAR (síndrome aguda respiratória) etc. Ao infectar as células animais normais, alguns vírus as transformam em células cancerosas. Os vírus que infectam insetos podem ser utilizados no controle de pragas. Na luta contra a lagarta da soja, o Baculovírus evita a aplicação de 1,2 milhão de litros de inseticidas por ano nas lavouras brasileiras. FIGURA 3.2. Alguns tipos de vírus. Os adenovírus e o HIV parasitam células humanas; o bacteriófago, bactérias.
HIV
Adenovírus
Bacteriófago
FIGURA 3.3. A multiplicação de um bacteriófago. A infecção da bactéria pelo bacteriófago destrói a célula (ciclo lítico). Em alguns casos, o DNA viral se integra no cromossomo sendo transmitido às células filhas; em determinadas condições o vírus retoma sua atividade, reiniciando o ciclo lítico.
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AS TÉCNICAS MICROBIOLÓGICAS Diversos tipos de técnicas, muitas das quais datam do século XIX, facilitam o trabalho laboratorial. A identificação de um microrganismo demanda a observação microscópica e a utilização de alguns métodos específicos de coloração, complementados por testes bioquímicos e eventualmente genéticos e imunológicos. Encontrar e manter um microrganismo no laboratório demanda a aplicação de técnicas bacteriológicas aplicáveis também, com algumas variações, a fungos e algas. Cultivar microrganismos exige, além do desenho de um meio nutriente que satisfaça suas necessidades metabólicas, um cuidado especial com as condições de temperatura e iluminação em que este será incubado. Os meios nutrientes se empregam líquidos ou solidificados com ágar, uma substância que lhes confere uma consistência gelatinosa. Os recipientes mais comuns são tubos de ensaio e placas circulares de vidro com tampa (Placas de Petri); e, para inocular os meios, se utilizam alças de platina e pipetas de diferentes tipos. A grande dificuldade do laboratório microbiológico está em conseguir a multiplicação do microrganismo desejado evitando as contaminações, isto é a multiplicação de outros microrganismos. Trabalha-se em condições assépticas, o que demanda a esterilização prévia do material de vidro, dos meios nutrientes e dos instrumentos (alças, pipetas) que serão utilizados. E na transferência do material biológico, evita-se cuidadosamente toda contaminação com os microrganismos do ar. Equipamentos especialmente desenhados para trabalhar sob um fluxo de ar esterilizado ajudam o profissional. Também se evitam as contaminações na hora de eliminar o material utilizado, a fim de não liberar microrganismos prejudiciais no ambiente. Os microrganismos são isolados a partir de amostras de solo, água, ar ou fluidos corporais. As linhagens obtidas se conservam como culturas puras. Microrganismos com características diferentes são obtidos induzindo mutações e selecionando as linhagens mutantes. Cada laboratório mantém os estoques microbianos necessários, que também podem ser solicitados a centros especializados (Coleções de cultura). O número de microrganismos em uma amostra pode ser estimado por diversos métodos: contagem microscópica, contagem eletrônica, contagem em placa, turvação do meio, massa seca, conteúdo de nitrogênio ou medidas indiretas da atividade microbiológica. Em geral, as técnicas clássicas são trabalhosas e muito demoradas para o diagnóstico clínico, por isso estão sendo substituídas por técnicas miniaturizadas mais rápidas que identificam os microrganismos com base em algumas reações bioquímicas em kits padronizados. A tendência geral é de automatização do laboratório microbiológico. Em outra linha de ação, a partir do início do século XX surge a Microbiologia Ambiental, trazendo uma nova visão em relação às populações microbianas presentes na natureza. No entanto, nossa ignorância em relação aos microrganismos ainda é enorme. O número de espécies que conseguimos cultivar no laboratório não representa ainda mais do que 1 a 5 % da totalidade existente; dependemos dos avanços na área da genômica para ampliar nosso conhecimento das comunidades microbianas do ambiente.
BIOSSEGURANÇA E BIOSSEGURIDADE De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o termo biossegurança abrange os princípios, técnicas e práticas necessárias para evitar a exposição acidental a patógenos e toxinas assim como sua liberação acidental (Figura 3.4).
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 3: Os microrganismos
Os microrganismos são classificados segundo o risco de causarem danos aos profissionais que trabalham com eles e à coletividade. Os critérios são: a patogenicidade para o homem, a virulência, o modo de transmissão, a endemicidade e a existência ou não de uma terapêutica eficaz. Definem-se assim quatro grupos de risco: Grupo 1: Baixo risco individual e coletivo. Microrganismos que nunca foram descritos como agentes causadores de doenças para o homem e que não constituem risco para o meio ambiente. Exemplos: Bacillus cereus, Bacillus subtilis, Escherichia coli (algumas linhagens), Lactobacillus sp. Grupo 2: Risco individual moderado, risco coletivo limitado. Microrganismos que podem causar doenças no homem, com pouca probabilidade de alto risco para os profissionais do laboratório. Exemplos: Salmonella, Toxoplasma, Schistosoma mansoni, Streptococcus sp, vírus da rubéola, vírus do sarampo e vírus da hepatite B. Grupo 3: Risco individual elevado, risco coletivo baixo. Microrganismos que podem causar doenças graves aos profissionais do laboratório. Exemplos: Mycobacterium tuberculosis, Bacillus anthracis e vírus da imunodeficiência humana (HIV). Grupo 4: Sério risco para os profissionais do laboratório e para a coletividade. Microrganismos que causam doenças graves para o homem. Exemplos: vírus Ebola, vírus Lassa e vírus Marburg. A cada grupo de microrganismos correspondem normas estritas de trabalho, que abrangem desde a arquitetura do laboratório e as características dos equipamentos até as precauções que devem ser tomadas pelos profissionais e a forma em que o lixo será descartado. O conceito de biossegurança se complementa com o de biosseguridade, isto é, o conjunto de medidas de proteção de uma instituição e dos trabalhadores necessárias para evitar a perda, o roubo, o uso incorreto ou a liberação intencional de patógenos e toxinas (bioterrorismo). FIGURA 3.4. Alguns logotipos utilizados como indicação de risco biológico.
Biossegurança
Biosseguridade
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OS MICRORGANISMOS COMO AGENTES BIOLÓGICOS Encontra-se na Tabela 3.5 uma lista dos principais os agentes biológicos microbianos e suas utilizações.
TABELA 3.5. Principais destaques entre os agentes biológicos microbianos. ALGAS
UTILIZAÇÃO
Spirulina
O seu alto teor proteico, que corresponde a 60% do peso seco, lhe confere um elevado valor nutritivo; as proteínas representam aproximadamente 2% do peso seco da batata e 6-10% do trigo. Quando da chegada dos espanhóis, os astecas já preparavam umas bolachas (tecuitlatl) com a Spirulina coletada no lago Texcoco. Na África, no lago Tchad, ainda hoje ela é coletada e consumida como alimento. Spirulina, assim como Chlorella, são vendidas em tabletes como complemento nutritivo. Acumula glicerol em condições de alta salinidade, com o qual consegue evitar a desidratação. Pode crescer no Mar Morto, sendo também cultivada em tanques ou lagoas, perto do Mar Vermelho, para a extração de outros produtos metabólicos (glicerol e -caroteno).
Dunaliella
FUNGOS
UTILIZAÇÃO
Saccharomyces cerevisiae
Conhecido como levedo de cerveja ou levedura, é utilizado na preparação de alimentos (pão, biscoitos, fermento de padaria) e de bebidas (cerveja, vinho e destilados), assim como na produção de outras substâncias de importância industrial (etanol, vitaminas e outros metabólitos). A levedura cresce facilmente em laboratório. Também pode ser manipulada geneticamente. Nos fermentadores ou biorreatores industriais onde se multiplica rapidamente apartir de matérias-primas de baixo custo, ela permanece ativa durante períodos longos e, ao concluir o processo, pode ser separada por filtração ou centrifugação. Com 12.000.000 de pares de bases e 6.000 genes em 16 cromossomos, Saccharomyces cerevisiae foi, em 1997, o primeiro organismo eucariótico a ter o seu genoma sequenciado. Algumas espécies alcançam grande importância industrial, como A.niger, utilizada para a produção de ácido cítrico ou de enzimas (em linhagens modificadas geneticamente). Algumas espécies são utilizadas na indústria farmacêutica (penicilina) ou indústria de alimentos (queijos azuis, como o Roquefort e o Gorgonzola; queijo Camembert).
Aspergillus
Penicillium
ARQUEOBACTÉRIAS
UTILIZAÇÃO
Thermus aquaticus
Isolada em uma poça do parque nacional de Yellowstone (Estados Unidos), esta bactéria produz uma enzima que copia o DNA a uma temperatura alta. Esta enzima permite obter milhões de cópias de um fragmento de DNA em um processo automatizado que revolucionou a Biotecnologia, chamado PCR (Polymerase Chain Reaction ou Reação em cadeia da polimerase). Vivem em lugares onde há ausência de oxigênio, seja no tubo digestivo de alguns animais (gado, cupins) ou nos pântanos. Estas bactérias transformam o acetato resultante da degradação de celulose por outras bactérias em metano, um gás combustível.
Bactérias metanogênicas
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 3: Os microrganismos
EUBACTÉRIAS
UTILIZAÇÃO
Bactérias lácticas
Os gêneros Lactobacillus e Streptococcus são responsáveis por vários processos, tais como a elaboração de queijos e de iogurtes, o envelhecimento dos vinhos, a conservação de alimentos (sauerkraut ou repolho fermentado, silagem para o gado); a produção de ácido láctico, um aditivo utilizado na indústria de alimentos como acidulante e estabilizante. Este microrganismo prolifera no solo e na superfície das plantas, sintetizando uma toxina fatal para as larvas de insetos. Esta é produzida comercialmente há mais de 40 anos, representando 90% das vendas de inseticidas biológicos e reduzindo a necessidade de aplicação de pesticidas químicos nas lavouras. Nos últimos anos, o gene codificador da toxina tem sido transferido a plantas (algodão, milho) para que estas sintetizem diretamente o inseticida. Além do cheiro característico da terra removida, este gênero de bactérias do solo produz substâncias antibióticas (estreptomicina, tetraciclina, eritromicina), antifúngicas (nistatina), herbicidas, antitumorais e supressoras de rejeição a transplantes. Várias linhagens se utilizam na eliminação de poluentes. Algumas quebram moléculas de hidrocarbonetos, como os existentes nos acidentes de derramamento de petróleo; outras podem remover o mercúrio aquático. Agente patogênico para as plantas dicotiledôneas que desenvolvem um tumor ou galha quando infetadas. Com a remoção de um gene, perde a capacidade de provocar tumores, conservando a capacidade infecciosa, utilizada na engenharia genética de vegetais. Na indústria têxtil, Clostridium butiricum libera as fibras vegetais durante a maceração do cânhamo e do linho. Clostridium acetobutyricum é utilizado na produção industrial de acetona e butanol. Clostridium botulinum produz uma toxina poderosíssima; calcula-se que um grama desta bastaria para matar um milhão de pessoas. A ingestão de conservas contaminadas e mal esterilizadas resulta quase sempre em um desfecho fatal. Devido a sua ação inibitória da contração muscular, a toxina botulínica é utilizada em concentrações muito pequenas, para reduzir as rugas e marcas de expressão durante certo tempo (efeito cosmético). Descoberta em 1855, esta bactéria Gram-negativa vive no trato digestivo do homem e de outros animais. Tem forma de bastonete (0,002 mm de comprimento, 0,0008 mm de diâmetro), 1 a 4 moléculas de DNA e 15.000 a 30.000 ribossomos. Flagelos e pelos permitem que se movimente rapidamente. Algumas linhagens são patogênicas, podendo contaminar os alimentos (carne, leite, vegetais) que devem ser cozidos adequadamente. Os seus requerimentos nutricionais básicos são simples. água, sais minerais, uma fonte de nitrogênio e uma fonte de energia. Em condições adequadas, se divide a cada 20-40 minutos; também pode se reproduzir de maneira sexuada (conjugação). Devido à facilidade com que ela pode ser cultivada no laboratório, Escherichia coli tem se tornado uma ferramenta indispensável para estudos bioquímicos e genéticos, incluindo a Engenharia Genética. O seu genoma compreende 4,6 milhões de pares de bases que codificam em torno de 4.000 proteínas diferentes. A introdução de transgenes em Escherichia coli K12, uma linhagem inofensiva de laboratório, possibilitou os primeiros processos de produção de insulina, de interferon e de hormônio de crescimento. Entretanto, por se tratar de uma célula procariótica, nem sempre é a melhor opção de "fábrica" para a síntese de produtos de origem animal ou vegetal, tendo sido aos poucos substituída por outras células eucarióticas, como a levedura.
Bacillus thuringiensis
Streptomyces
Pseudomonas
Agrobacterium tumefaciens
Bactérias butíricas
Escherichia coli
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4. AS ENZIMAS E OS ANTICORPOS
AS PROTEÍNAS Todos os organismos estão formados por água e moléculas de diversos tipos, inorgânicas e orgânicas (Figura 4.1). Entre estas últimas, se encontra um grupo de macromoléculas, as proteínas, que participam em numerosas atividades, cumprindo um papel fundamental para os seres vivos (Tabela 4.1). Pertencem a este grupo as enzimas, moléculas de ação catalítica, e os anticorpos, moléculas que participam na defesa do organismo. ESTRUTURA As proteínas são macromoléculas formadas por 20 aminoácidos diferentes. Estes se caracterizam por ter, unidos ao átomo de carbono, um grupo amino (básico), um grupo carboxila (ácido) e um radical variável (Figura 4.2 A). A presença de um carbono assimétrico resulta em duas formas moleculares (L) e (D) que diferem por suas propriedades ópticas. Os aminoácidos que compõem as proteínas correspondem à forma (L). A reação de condensação entre o grupo carboxila de um aminoácido e o grupo amina de outro cria uma ligação peptídica (Figura 4.2 B). A união de vários aminoácidos forma uma cadeia peptídica que se caracteriza não só pelo número e tipo de aminoácidos que a compõem, como pela sequência em que estes se encontram, denominada estrutura primária. Ao se estabelecerem ligações entre os grupos que formam os enlaces peptídicos, a cadeia adota uma estrutura regular ou estrutura secundária, geralmente em forma de hélice ou de folha. As interações entre as cadeias laterais dos aminoácidos causam o dobramento da proteína, resultando uma configuração espacial que é chamada de estrutura terciária. A forma final de uma proteína dependerá ainda da associação entre vários polipeptídios, no que se denomina de estrutura quaternária (Figura 4.2 C). Quando sintetizada dentro da célula, uma proteína adotará espontaneamente a configuração espacial que decorre de sua estrutura primária. Entretanto, fatores ambientais como o pH, a concentração salina ou a temperatura podem causar alterações momentâneas ou definitivas na forma da molécula. TABELA 4.1. As funções das proteínas no organismo. FUNÇÃO
EXEMPLOS
Componentes estruturais
Queratina do cabelo, colágeno da derme, actina e miosina das fibras musculares.
Substâncias de reserva
Albumina do ovo, caseína do leite.
Ação catalítica
Enzimas que controlam as reações químicas celulares.
Outras
Transmissão de informação (hormônios proteicos), participação nos mecanismos de defesa (anticorpos, citocinas), transporte e armazenamento de pequenas moléculas (hemoglobina).
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FIGURA 4.1. A composição química de uma bactéria.
FIGURA 4.2. Aminoácidos e proteínas.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 4: As enzimas e os anticorpos
AS BASES DE ALGUMAS TÉCNICAS LABORATORIAIS Cromatografia Esta técnica permite separar as substâncias de uma mistura com fins analíticos e preparativos. Está baseada na migração diferencial das moléculas de uma mistura, colocada em uma fase móvel, sobre um suporte estacionário ou matriz (Figura 4.3). Em função das características da fase estacionária, distinguem-se diferentes modalidades: cromatografia em papel, em camada delgada, cromatografia em gás, cromatografia líquida etc. Na cromatografia em coluna, por exemplo, a separação das proteínas de uma mistura depende da estrutura da matriz, sólida e permeável, que se encontra imersa em um solvente. A separação obedece a três tipos de mecanismos: o Troca iônica. A matriz está formada por pequenas partículas carregadas que retêm as moléculas de carga contrária. Como a associação depende de fatores como o pH e a força iônica da solução, a modificação destes fatores permite controlar a separação. o Filtração em gel. A matriz consiste em partículas porosas que separam as proteínas em função de seu tamanho, como uma peneira molecular. o Afinidade. As partículas da matriz estão unidas por ligações covalentes a moléculas (enzimas, anticorpos) que interagem com a proteína de interesse. Para liberar a proteína retida na coluna, muda-se o pH ou a concentração salina. Desse modo se consegue a proteína purificada. Eletroforese Moléculas ionizadas colocadas em um campo elétrico migram de acordo com suas cargas e pesos moleculares. Se a carga for positiva, elas migrarão para o pólo negativo ou cátodo e, inversamente, se ela for negativa, a migração ocorrerá na direção do pólo positivo ou ânodo. Este é o fundamento de outra técnica analítica, a eletroforese (Figura 4.4). Se uma mistura de peptídeos for colocada em um campo elétrico, eles migrarão de acordo com sua carga, forma e tamanho, formando cada um deles uma banda característica que será visualizada mediante um corante ou uma reação química específica. Observe-se que a carga de um peptídeo resulta da soma das cargas correspondentes aos grupos amina e carboxila terminais e dos radicais dos aminoácidos que o compõem, e que essa carga varia com o pH do meio. A eletroforese permite separar os componentes de uma mistura. Existem numerosas variações da técnica em função do suporte (papel de filtro, sílica-gel, membranas de acetato de celulose, gel de agarose, amido ou poliacrilamida), da disposição da cuba (horizontal ou vertical), da direção da migração (unidirecional ou bidirecional) etc.
Espectrometria de massa Esta técnica analítica mede a massa molecular a partir da razão entre a massa e a carga de moléculas ionizadas, medida que permite a identificação de uma substância. Com a descoberta de métodos de ionização adaptados às moléculas biológicas como o MALDI (do inglês, Matrix Assisted Laser Desorption/Ionization), a espectrometria de massa se tornou nos últimos anos uma ferramenta indispensável na identificação de proteínas, açúcares, ácidos nucleicos, lipídios e outros compostos orgânicos.
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Aplicada às proteínas, a espectrometria de massa identifica a molécula por comparação com outras de um banco de dados. Também fornece uma análise estrutural da molécula indicando a sequência de aminoácidos. Com esta técnica é possível estudar o conjunto de proteínas de um organismo (proteoma) e dissecar as interações das proteínas com outras moléculas. Por ser um método automatizado e rápido, tem alcançado múltiplas aplicações em farmacologia e diagnóstico.
FIGURA 4.3. Cromatografia em coluna. O processo está baseado na velocidade de migração diferencial das moléculas proteicas em uma matriz imersa em um solvente.
FIGURA 4.4. Eletroforese. Separação dos peptídeos de uma mistura, por migração diferencial em um campo elétrico.
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AS ENZIMAS A CATÁLISE ENZIMÁTICA As reações químicas que ocorrem nos seres vivos dependem da atividade catalítica das enzimas. Estas moléculas agem diminuindo a energia de ativação necessária de uma reação química, sendo capazes de promovê-las e acelerá-las, sem ser alteradas ou destruídas. A molécula de enzima reconhece um substrato específico (S), formando com ele um complexo molecular ou estado de transição (SE). O encaixe no sítio ativo da molécula facilita a transformação do substrato no(s) produto(s) da reação (P). A enzima é recuperada no fim da reação, podendo atuar inúmeras vezes (Figura 4.5). A reação pode ser representada como a seguir:
S+E
SE
P+E
A primeira característica das enzimas é a especificidade; uma enzima como a lactase, que opera sobre a lactose, não agirá sobre a sacarose; duas enzimas que hidrolisem o amido poderão fazê-lo cortando a molécula de maneira diferente, como a -amilase e a -amilase. A segunda é que, em função de sua origem biológica, as enzimas são biodegradáveis e agem em condições brandas de temperatura e pH. A ação enzimática depende do pH, da temperatura, da presença de cofatores inorgânicos (zinco, ferro, cobre) e/ou orgânicos (coenzimas, muitas das quais são vitaminas). Os metais pesados alteram a estrutura molecular da enzima de maneira irreversível impedindo sua ação catalítica (desnaturação). Uma inibição da atividade enzimática ocorre quando moléculas muito parecidas com o substrato competem com este para ocupar o sítio ativo da enzima (inibição competitiva). Ou quando outras moléculas se ligam a determinadas partes da enzima, alterando a estrutura espacial e dificultando o encaixe com o substrato (inibição não competitiva).
FIGURA 4.5. O mecanismo da atividade enzimática (Modelo chave-fechadura). A atividade enzimática não modifica o equilíbrio da reação.
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OS DIVERSOS TIPOS DE ENZIMAS Uma forma de classificar as enzimas é pelo tipo de reação que catalisam, acrescentando o sufixo “ase” ao nome do substrato que é transformado: protease, lactase, amilase, lipase, celulase. Também se pode adicionar “ase” ao nome da reação catalisada: hidrolase, oxirredutase. Quando combinadas as duas regras anteriores, se mencionam o nome do substrato e da reação catalisada adicionando ”ase” como, por exemplo, em DNA-polimerase. Porém, algumas enzimas, como a renina ou a trombina, conservam seus nomes tradicionais (Tabela 4.2). TABELA 4.2. A classificação internacional das enzimas. CLASSE
TIPO DE REAÇÃO CATALISADA
EXEMPLOS
Oxirredutases
Reações onde se transferem elétrons.
Desidrogenases, oxidases.
Transferases
Reações onde se transferem grupos químicos.
Transaminases, fosforilases.
Hidrolases
Reações de hidrólise, isto é, de transferência de grupos funcionais para a água.
Proteases, carboidrases, peptidases, lipases.
Liases
Adição de grupos a duplas ligações ou formação de duplas ligações por eliminação de grupos.
Decarboxilases (renina, trombina).
Isomerases
Produção de isômeros por transferência de grupos dentro de moléculas.
Isomerases, mutases.
Ligases
Formação de ligações C-C, C-S, C-O e C-N por reações de condensação.
Sintetases.
TABELA 4.3. As enzimas como agente biológico. AGENTES BIOLÓGICOS
APLICAÇÕES Indústria de alimentos e bebidas (clarificação de vinhos e sucos de frutas, substituição da maltagem pelo tratamento do amido na elaboração de cervejas, fabricação de pão, biscoitos e bolachas, produção de adoçantes, fabricação de laticínios, suplementação de rações animais). Produtos de limpeza (detergentes e lava-roupas para a remoção de manchas difíceis, produtos para limpar dentaduras e lentes de contato).
ENZIMAS
Indústria têxtil (desengomador de tecidos, acabamento de jeans). Curtumes (amaciamento de couros). Indústrias de papel e celulose (branqueamento de polpa de celulose). Cosmética (produtos de higiene bucal, depilatórios, tratamento da acne e da caspa, cosmocêuticos em geral). Indústria farmacêutica (reagentes para uso em análises clínicas, nucleases para a manipulação gênica). Tratamentos médicos (combate de inflamações, edemas e lesões; dissolventes de coágulos sanguíneos, agentes terapêuticos em transtornos digestivos).
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IMPORTÂNCIA ECONÔMICA As enzimas apresentam numerosas vantagens quando utilizadas como agentes biológicos em processos tecnológicos: especificidade, operação em condições facilmente controláveis e biodegradabilidade. De um modo geral, os tratamentos enzimáticos diminuem a carga poluidora dos efluentes industriais. Das 25.000 enzimas que, segundo as estimativas, existiriam na natureza, até o momento só foram classificadas umas 2.800, sendo comercializadas 400. O mercado se distribui fundamentalmente entre as proteases (59%), as carboidrases (28%) e as lipases (3%), três grandes conjuntos de enzimas que são utilizadas por diversas indústrias; os 10% restantes do mercado correspondem às enzimas analíticas e farmacêuticas (Tabela 4.3). Nos sabões lava-roupas, as enzimas prometem ao consumidor roupas limpas e com aparência de novas. Um exército constituído por proteases, amilases e lipases digere as manchas difíceis (sangue, leite, molho de tomate, capim, chocolate, batom etc.), enquanto que as celulases removem as microfibrilas de celulose das roupas. Não sendo mais necessário esfregar as manchas, a limpeza se realiza com pouco esforço e sem desgaste do tecido; como estas moléculas trabalham a temperaturas baixas, o consumo de energia é menor. Com mais uma vantagem para o fabricante: as enzimas não representam mais que uma fração muito pequena do sabão (0,4-0,8%), correspondente a 1% do seu custo. As enzimas são empregadas também no acabamento de roupas. Para conseguir o aspecto usado, os jeans eram lavados com pedras (stone washed), um processo que tinha o inconveniente de causar a abrasão da maquinaria e o desgaste do tecido. Nos últimos anos, as pedras foram substituídas por celulases, com resultados satisfatórios. Os curtumes, em vez de excrementos de cachorro ou de pombo, se valem hoje de enzimas pancreáticas para amaciar e desengordurar as peles. Na indústria de alimentos e bebidas, as enzimas participam na produção de adoçantes, de pão, biscoitos e bolachas, de queijos. Na extração de sucos de frutas, as pectinases aumentam substancialmente o rendimento do processo, ao liberar o suco retido na pectina das paredes celulares vegetais. Também facilitam a clarificação de vinhos e cervejas. As enzimas entram na composição de vários produtos cosméticos, tais como depilatórios, desodorantes e artigos para a higiene bucal. Em dermatologia, algumas das aplicações mais frequentes estão no combate ao envelhecimento e no tratamento de acne e de caspa. Como medicamentos, as enzimas se utilizam em vários contextos, especialmente em quimioterapia e nas terapias trombolíticas. E muitos entre os mais corriqueiros testes de diagnóstico dependem de reagentes enzimáticos. As enzimas permitem a resolução de misturas de moléculas racêmicas, nas que há duas formas isoméricas, tipo “mão direita” e “mão esquerda”, com diferente atividade biológica. Desse modo, poderão ser evitados problemas como o da talidomida, um medicamento que causou o nascimento de numerosos bebês com deformações congênitas, na década de 1960. A tragédia teria sido consequência da presença no produto comercial da forma molecular tipo “mão direita”, de ação teratogênica, junto ao tipo “mão esquerda”, de ação calmante. Atualmente, estão sendo estudados métodos enzimáticos para eliminar os príons responsáveis pela denominada “doença da vaca louca”. Também se cogita a utilização de enzimas para limpar áreas contaminadas com agentes químicos como o gás sarin.
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FIGURA 4.6. A estrutura da molécula de anticorpo (IgG).
FIGURA 4.7. Os anticorpos e o reconhecimento do antígeno. Observe-se que, ao compartilhar estruturas (determinantes antigênicos ou epítopos), alguns antígenos podem ser reconhecidos por um mesmo anticorpo, dando origem a uma reação cruzada.
FIGURA 4.8. O encontro do linfócito B e do antígeno, e a seleção clonal.
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OS ANTICORPOS Dentro da estratégia de defesa de um organismo, os anticorpos são elementos importantes no reconhecimento do “eu” e na eliminação do “não eu” (antígeno). Uma parte importante da resposta imune envolve a produção de anticorpos que reconhecem o antígeno, desencadeano os mecanismos de destruição adequados. Em condições experimentais de laboratório, a reação antígeno-anticorpo ocorre quando os reagentes se encontram em meio líquido e nas concentrações adequadas, sendo visualizada como: o Uma precipitação, se os antígenos estiverem dissolvidos em um meio líquido ou em um gel (poliacrilamida). o Uma aglutinação, se os antígenos estiverem localizados sobre partículas (hemácias ou bactérias).
A MOLÉCULA DE ANTICORPO A molécula de anticorpo denominada IgG (Imunoglobulina G) é formada por duas cadeias polipeptídicas leves e duas pesadas em forma de Y, ao qual se associa um pequeno número de grupos carboidrato. Uma parte da molécula é constante; as regiões variáveis localizadas nas extremidades dos braços do Y respondem pelo reconhecimento do antígeno (Figura 4.6). Este tipo de anticorpo se encontra no soro sanguíneo, na fração proteica caracterizada por eletroforese como globulina.
A UNIÃO ANTÍGENO-ANTICORPO A união antígeno-anticorpo ocorre quando um anticorpo encontra no antígeno uma forma complementar, geralmente parte de uma molécula livre ou ancorada na membrana celular. Um antígeno pode ter várias destas formas (epítopos ou determinantes antigênicos) e ser reconhecido por anticorpos diferentes (Figura 4.7).
A PRODUÇÃO DE ANTICORPOS NO ORGANISMO As células responsáveis pela produção de anticorpos são os linfócitos B, que se formam na medula óssea. Depois de um processo de diferenciação que envolve uma série de rearranjos genéticos, cada linfócito pode reconhecer um único epítopo (Figura 4.8). Ao encontrar o epítopo específico, o linfócito B prolifera, originando um clone de células secretoras de anticorpos. Uma vez eliminado o antígeno, algumas células desse clone permanecerão no organismo como células-memória. Em um contato posterior com o mesmo epítopo, as célulasmemória darão início à resposta imune, que será mais rápida e mais intensa que a primeira. Apesar de cada linfócito ser capaz de reconhecer um único epítopo, todos os linfócitos podem reconhecer aproximadamente 108 epítopos diferentes, o que explica a eficiência da resposta imune.
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FIGURA 4.9. A produção de anticorpos no laboratório.
A: A produção de anticorpos policlonais. Recolhe-se o soro de um animal imunizado contra uma mistura de moléculas entre as quais está a molécula X. No soro se encontrarão misturados anticorpos de diferente especificidade, um dos quais reconhece X. B: A produção de anticorpos monoclonais. Injeta-se em um rato a mesma mistura de moléculas; dias mais tarde, extrai-se o baço do animal e fusionam-se os linfócitos B (alguns dos quais reconhecem a molécula X) com células de mieloma. Os hibridomas são separados, cultivados e testados para identificar os que produzem anticorpos contra X.
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FIGURA 4.10. Os ensaios imunológicos. 1. Associação dos anticorpos com moléculas fluorescentes O anticorpo marcado pode reconhecer diretamente o antígeno (reação direta) ou reconhecer o anticorpo unido ao antígeno (reação indireta).
2. Associação dos anticorpos com enzimas. O antígeno pode ser reconhecido por um anticorpo associado a uma enzima que reage com o seu substrato, formando um produto colorido (reação direta). Também pode ser reconhecido por um anticorpo específico, e este por um anticorpo que reconhece a fração constante do anticorpo. O segundo anticorpo está associado a uma enzima que, ao reagir com o seu substrato específico, forma um produto colorido (reação indireta).
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A PRODUÇÃO DE ANTICORPOS NO LABORATÓRIO Os anticorpos ocupam um lugar de destaque nos testes de diagnóstico clínico, por reunir duas propriedades que os transformam em uma ferramenta ideal: especificidade e diversidade. A injeção de animais (ratos, ovelhas, coelhos) com um antígeno induz em pouco tempo a produção de anticorpos específicos que podem ser separados do soro sanguíneo do animal. Se o antígeno utilizado possuir vários epítopos, no soro extraído se encontrará uma mistura de anticorpos, chamados “policlonais”, resultantes da ativação de vários clones de linfócitos B, cada um dos quais reconhece um dos epítopos do antígeno. Observe-se que, além dos anticorpos específicos, o soro também terá anticorpos contra eventuais impurezas do antígeno e anticorpos contra outros antígenos aos que o animal esteve exposto anteriormente. Em consequência, a purificação de um soro será um processo longo e complexo a ser repetido a cada extração de sangue do animal. Contudo, reagentes de laboratório deste tipo foram utilizados normalmente até a década de 1980. Não é possível cultivar separadamente os linfócitos porque estes sobrevivem pouco tempo in vitro. A obtenção de clones que sintetizem anticorpos específicos contra um único epítopo, isto é “monoclonais”, só se tornou possível com o desenvolvimento da tecnologia de hibridomas (Kohler, Milstein, 1975). Um hibridoma resulta da fusão entre um linfócito B e uma célula cancerosa de mieloma. Reunindo as propriedades de ambas as células, cada hibridoma é capaz de sintetizar um único tipo de anticorpo (monoclonal) e de se multiplicar indefinidamente no laboratório, seja em cultivo de tecidos, seja na cavidade do peritoneu de um animal hospedeiro (Figura 4.9). A UTILIZAÇÃO DOS ANTICORPOS Os anticorpos monoclonais encontraram imediatamente aplicações, substituindo praticamente os anticorpos policlonais, tanto na purificação de biomoléculas e células como nos testes de diagnóstico clínico ou ambiental ou no controle de qualidade dos alimentos. Anticorpos específicos fixados nas partículas de uma coluna de afinidade permitem separar moléculas de uma mistura que circule por ela. Outra utilização extremamente engenhosa está na separação de populações celulares em um aparelho denominado cell sorter. As células são marcadas com anticorpos ligados a uma molécula fluorescente; ao passar através de raios laser, adquirem cargas elétricas, sendo separadas mediante uma placa defletora do equipamento. A visualização da reação entre o antígeno e o anticorpo se vê facilitada quando estes últimos recebem alguma marcação. Em cortes histológicos, o antígeno é localizado pelos anticorpos acoplados a uma molécula fluorescente que possa ser identificada microscopicamente (Figura 4.10). Associados a uma molécula radiativa, os anticorpos são utilizados na dosagem de substâncias presentes nos fluidos corporais, sendo quantificada a radioatividade por exposição de uma placa sensível. A obtenção de anticorpos contra a fração constante da molécula de anticorpos humanos representa um avanço considerável na produção de reagentes para o diagnóstico clínico. Nos ensaios imunoenzimáticos, utilizam-se estes anticorpos acoplados a uma enzima que reage com o seu substrato, formando um produto colorido (Figura 4.10). A utilização de anticorpos monoclonais com fins terapêuticos demorou muito mais que o esperado. Sendo produzidos por células de camundongo ou de rato, eles são reconhecidos como estranhos quando injetados no homem, formando-se complexos imunes que lesionam gravemente os rins.
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A fim de evitar essas reações, começaram a serem elaborados anticorpos monoclonais quiméricos (33% de proteína animal) e humanizados (10% de proteína animal). Estes conservam parte das sequências animais, especialmente nas partes que reconhecem o antígeno, sendo o restante da molécula substituído por sequências humanas. Ultimamente, com a obtenção de anticorpos monoclonais humanos mediante técnicas de engenharia genética, se abriram novos caminhos para o diagnóstico e o tratamento de doenças (Tabela 4.4). TABELA 4.4. Os anticorpos como agentes biológicos. AGENTES BIOLÓGICOS
APLICAÇÕES Purificação de moléculas. Reagentes de laboratório.
Anticorpos
Reagentes para diagnóstico. Imunoterapias.
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5. OS ÁCIDOS NUCLEICOS E OS GENES
OS ÁCIDOS NUCLEICOS Embora descobertos em 1869, por Miescher, no pus das bandagens de ferimentos, o papel dos ácidos nucleicos na hereditariedade e no controle da atividade celular começou a ser esclarecido apenas em meados do século XX. O ácido desoxirribonucleico (DNA) carrega em sua estrutura as instruções necessárias para a construção de um organismo. Estas direcionam o desenvolvimento de suas características bioquímicas, fisiológicas, anatômicas e inclusive de algumas das comportamentais. Nas células procarióticas, uma molécula grande e circular de DNA forma o cromossomo, havendo também uma ou duas moléculas de DNA extracromossômico, formando estruturas circulares, denominadas plasmídeos. Nas células eucarióticas, várias moléculas lineares de DNA associadas a proteínas formam os cromossomos, localizados dentro do núcleo celular. Também há DNA em algumas organelas, como os cloroplastos e as mitocôndrias. O ácido ribonucleico (RNA) se encontra no núcleo e no citoplasma celular. Do ponto de vista químico, os ácidos nucleicos (ácido ribonucleico e desoxirribonucleico) são macromoléculas formadas a partir de unidades chamadas nucleotídeos (Figura 5.1). Um nucleotídeo resulta da associação mediante ligações químicas covalentes de três tipos de elementos: uma molécula de ácido fosfórico, um açúcar de cinco carbonos (pentose: ribose ou desoxirribose) e uma base cíclica nitrogenada: adenina, citosina, guanina, timina ou uracila. Da união dos nucleotídeos mediante uniões covalentes entre as extremidades 5' e 3', formam-se cadeias. A DUPLA HÉLICE Já na década de 1940, vários trabalhos indicavam claramente que o material responsável pela hereditariedade era o DNA. Porém, o modo “como” esta molécula poderia assegurar essa função só começou a se vislumbrar em 1953, quando J. D. Watson e F. Crick formularam um modelo da estrutura tridimensional do DNA que, segundo suas próprias palavras, poderia ter um “considerável interesse biológico”. No modelo de Watson e Crick, duas cadeias de nucleotídeos formam uma figura parecida com uma escada de corda torcida, a dupla hélice. Nessa escada, o ácido fosfórico e o açúcar são as partes verticais (corrimãos) e as bases nitrogenadas são os degraus (Figura 5.1). As cadeias são antiparalelas, isto é, se uma corre na direção 5' 3' a outra corre na direção 3' 5. Ambas as cadeias estão unidas entre si por pontes de hidrogênio entre as bases, sendo que as ligações ocorrem sempre entre adenina e timina (2 pontes) e entre citosina e guanina (3 pontes). De acordo com o modelo, quando em um filamento a sequência de bases é AGTACG, no outro filamento ela será TCATGC. Como as sequências são complementares, cada filamento pode servir como molde para a síntese de uma nova molécula. E, no momento da divisão celular, cada célulafilha poderá receber uma molécula semelhante à da célula-mãe.
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FIGURA 5.1. Os ácidos nucleicos. 1. Composição química: observe-se a posição dos grupos 3´ e 5´ no açúcar.
2. A molécula de DNA. A. O pareamento das bases ocorre sempre entre uma purina e uma pirimidina: adenina e timina ou uracila; guanina e citosina. B. A duplicação do DNA dá origem a duas moléculas semelhantes (à direita). Observe-se que o processo de duplicação envolve numerosas enzimas, sendo bem mais complexo do que está representado.
A. A dupla hélice
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B. A duplicação do DNA
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes
O CÓDIGO GENÉTICO A autoduplicação do DNA permite que cada célula receba uma cópia do material genético, com as instruções necessárias para a construção e funcionamento do indivíduo. O funcionamento de uma célula depende, fundamentalmente, de dois tipos de moléculas: os ácidos nucleicos e as proteínas. Ambos estão relacionados, sendo que a estrutura primária de um polipeptídeo é codificada por um gene, isto é, um segmento de DNA. O código é simples, correspondendo um aminoácido a cada trinca de bases. A tabela 5.1 nos mostra quais os aminoácidos correspondentes aos diferentes códons ou trincas de bases do mRNA. Alguns são codificados por uma única trinca, como o triptófano (UGG) ou a metionina (AUG); outros admitem vários códons que geram sinonímia como, por exemplo, a prolina (CCU, CCC, CCA, CCG). O início da sequência é sinalizado por AUG, o códon correspondente a metionina, sendo este aminoácido removido posteriormente; o fim da sequência é sinalizado por UAA, UAG ou UGA, três códons que significam stop. Mudanças na sequência de bases do DNA podem ter como consequência a substituição de um aminoácido por outro. No exemplo da figura 5.3, se GUG for substituído por CGU, no peptídeo correspondente a valina será substituído por leucina. Mas, em função da sinonímia do código, se a trinca GUG for substituída por GUA ou GUC, o aminoácido codificado continuará sendo a valina. Perdas ou adições de uma base modificam o resto da sequência do peptídeo. As pequenas mudanças ou mutações de ponto se devem a erros na duplicação do DNA; sua frequência aumenta em presença de alguns agentes químicos e físicos como a luz ultravioleta e os raios X. TABELA 5.1: O código genético
PRIMEIRA BASE URACILA (U)
CITOSINA (C)
ADENINA (A)
GUANINA (G)
URACILA (U) Phe Phe Leu Leu Leu Leu Leu Leu Ile Ile Ile Met Val Val Val Val
SEGUNDA BASE CITOSINA (C) ADENINA (A) Ser Ser Ser Ser Pro Pro Pro Pro Thr Thr Thr Thr Ala Ala Ala Ala
Tyr Tyr Stop Stop His His Gln Gln Asn Asn Lys Lys Asp Asp Glu Glu
GUANINA (G)
TERCEIRA BASE
Cys Cys Stop Trp Arg Arg Arg Arg Ser Ser Arg Arg Gly Gly Gly Gly
(U) (C) (A) (G) (U) (C) (A) (G) (U) (C) (A) (G) (U) (C) (A) (G)
Abreviaturas: Asp = Ácido Aspártico; Glu = Ácido Glutâmico; Ala = Alanina; Arg = Arginina; Asn = Asparagina; Cys = Cisteína; Phe = Fenilalanina; Gly = Glicina; Gln = Glutamina; His = Histidina; Ile = Isoleucina; Leu = Leucina; Lys = Lisina; Met = Metionina; Pro = Prolina; Ser = Serina; Tyr = Tirosina; Thr = Treonina; Trp = Triptófano; Val = Valina.
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FIGURA 5.2. O fluxo da informação genética. DNA
Filamento codificador Filamento molde
TRANSCRIÇÃO
mRNA r RNA
tRNA
+ aminoácidos
TRADUÇÃO Transporta os aminoácidos e os coloca no lugar adequado
Onde ocorre a síntese
Peptídeo
FIGURA 5.3. A síntese de proteínas em células procarióticas e eucarióticas. A. Células procarióticas Transcrição
DNA
Tradução
mRNA
Modificações posteriores
Proteína
Alteração da atividade da proteína
B. Células eucarióticas Transcrição
DNA
Processamento do RNA
RNA transcrito
Núcleo
Tradução
mRNA
Poro Membrana nuclear
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mRNA
Modificações posteriores
Proteína
Alteração da atividade da proteína
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes
A EXPRESSÃO GÊNICA O FLUXO DA INFORMAÇÃO GENÉTICA A informação codificada no DNA é transcrita em uma molécula mensageira que a leva até os ribossomos, onde as indicações serão traduzidas da linguagem dos ácidos nucleicos à linguagem das proteínas, sendo montado o peptídeo correspondente. Deste modo, se estabelece na célula um fluxo da informação genética que segue em uma direção única: do DNA ao RNA, do RNA ao peptídeo (Figura 5.2). Uma exceção a esta regra é a dos retrovírus, cujo material hereditário é RNA e que contam com uma enzima (transcriptase reversa) que lhes permite transcrever a informação no sentido RNADNA. Na síntese de proteínas intervêm, basicamente, três tipos de RNA: mRNA, rRNA e tRNA. O ácido ribonucleico mensageiro, ou mRNA, é de tamanho variável e filamento único. A molécula de mRNA leva até os ribossomos a informação genética transcrita em trincas de bases (códons) complementares a algum segmento de uma das cadeias do DNA. Associado a proteínas, o ácido ribonucleico ribossômico ou rRNA forma as duas subunidades dos ribossomos, que são as estruturas celulares onde ocorre a síntese proteica. O ácido ribonucleico de transferência tRNA é capaz de reconhecer simultaneamente um aminoácido e um códon de mRNA. Existem 61 tipos moleculares diferentes de tRNA. Segundo o denominado Dogma Central da Biologia Molecular, a informação genética codificada no DNA é transcrita no mRNA e traduzida no ribossomo com a participação dos tRNAs. O produto final é um peptídeo. As células procarióticas e eucarióticas apresentam algumas diferenças em relação às etapas da síntese de proteínas e aos mecanismos de regulação correspondentes (Figura 5.3). CÉLULAS PROCARIÓTICAS Uma bactéria pode contar com aproximadamente 2.500 genes; nem todos funcionando simultaneamente. Se houver lactose no meio (e faltar glicose), as bactérias sintetizarão aquelas enzimas que possibilitem sua utilização. E se faltar o aminoácido triptófano no meio, produzirão os vários tipos de enzimas necessárias para sintetizá-lo. Isto se vê facilitado pela agrupação dos genes correspondentes em baterias (óperons), que são ligadas ou desligadas em conjunto. Neste processo de “ligar e desligar” estão envolvidas três regiões anteriores à sequência codificadora: o promotor, o operador e o regulador. A enzima RNA-polimerase encaixa no promotor, desde onde começará a se deslocar ao longo do gene. Proteínas sintetizadas pelo gene regulador agem no operador, abrindo ou bloqueando a passagem da RNA-polimerase. Este mecanismo possibilita a indução ou repressão da transcrição da sequência codificadora (Figura 5.4). A organização dos genes de uma mesma via metabólica em óperons permite que a célula se adapte rapidamente às condições ambientais, com certa economia de recursos. O funcionamento do óperon depende da função exercida pelos genes (degradação ou síntese). Por isso, a presença de lactose induz a transcrição do óperon lac, sendo sintetizadas várias enzimas necessárias para degradá-la; em ausência de lactose, o óperon deixa de funcionar. Já no óperon Trp, a presença de triptófano reprime a transcrição das enzimas necessárias para sintetizar esse aminoácido. Na célula procariótica, além dos genes funcionarem em bloco, a síntese proteica começa quando o mRNA está ainda sendo transcrito, de maneira que a transcrição e a tradução são simultâneas. Uma sequência específica que não é traduzida indica o sítio de união ao ribossomo.
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CÉLULAS EUCARIÓTICAS A transcrição As bactérias não são as únicas que ligam e desligam os seus genes. Uma célula humana com 30.000 a 35.000 genes não expressa mais que 3 a 5% destes, que não serão necessariamente os mesmos ao longo da vida embrionária ou em diferentes tipos celulares. Entretanto, salvo em nematódeos, não foram achados óperons nas células eucarióticas; os genes responsáveis por uma sequência de reações metabólicas se encontram dispersos em um ou em vários cromossomos. O controle da transcrição começa na compactação do cromossomo e na metilação de algumas bases, podendo dificultar o acesso da maquinaria de transcrição ao DNA. Esta inclui fatores de ativação, fatores de transcrição e proteínas reguladoras, algumas das quais dependem de outras sequências, estimuladoras e inibidoras, distantes do gene em até vários milhares de bases (Figura 5.5). Ao reconhecer a presença dos fatores e proteínas reguladoras na região anterior ao gene, a RNA-polimerase encaixa nas sequencias promotoras da transcrição. Associada a outros fatores adicionais, a enzima se desloca abrindo a dupla hélice e transcrevendo a sequencia codificadora de um ou outro filamento no RNA. A enzima avança na direção 5´- 3´, sendo que várias moléculas de RNA-polimerase podem estar transcrevendo o mesmo gene simultaneamente em algo parecido com uma fila indiana. A síntese acaba quando a RNA-polimerase encontra uma sequencia finalizadora. Uma vez cumprida sua tarefa, a molécula de RNA-polimerase será liberada. Regiões denominadas UTR (do inglês untranslated regions), portadoras de sequências sinalizadoras que não serão traduzidas, se localizam a montante e a jusante da unidade de transcrição. As sequências reguladoras levam, além do sítio de união ao ribossomo, outras que podem determinar quando, por quanto tempo e em que células o gene será transcrito.
O processamento do RNA transcrito Nos organismos eucarióticos, a estrutura do gene é fragmentada (Figura 5.5). A sequência gênica é transcrita por inteiro no RNA e, posteriormente, um mecanismo de “corte e reunião” irá eliminar algumas das sequências intercalares. Estas permanecerão no núcleo (íntrons) em quanto que as restantes (éxons) formarão o RNA mensageiro que sairá do núcleo na direção do citoplasma. Tanto o número como a extensão das sequências intercalares varia em diferentes genes. As consequências biológicas deste mecanismo são importantes. Proteínas sintetizadas utilizando as vias alternativas de “corte e reunião” permitem que um único gene se expresse de maneira diferente em diversos tecidos. O corte e reunião dos fragmentos não é a única modificação do RNA transcrito; este recebe um revestimento inicial ou cap (7-metilguanosina) que o dirigirá ao ribossomo, e uma cauda de poli(A) que lhe dará estabilidade na sua viagem até a maquinaria de tradução.
A tradução e o destino das proteínas A síntese proteica se inicia depois do mRNA atravessar a membrana nuclear e migrar para o citoplasma. Assim como a transcrição, a tradução envolve a participação de numerosas enzimas e proteínas reguladoras.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 5: Os ácidos nucleicos e os genes
Algumas moléculas de mRNA levam sequências sinalizadoras que as dirigem até os ribossomos associados ao retículo endoplasmático, sendo as proteínas sintetizadas secretadas fora da célula. Outras moléculas de mRNA serão traduzidas nos ribossomos livres no citosol, sendo as proteínas resultantes utilizadas no mesmo lugar ou nas organelas celulares. O mRNA reconhece o ribossomo mediante uma sequência específica; a associação entre ambos dá início à síntese peptídica. Cada tRNA carrega o aminoácido que lhe corresponde até a cadeia peptídica. A complementaridade entre um dos códons do mRNA e o anticódon do tRNA garante que este coloque o aminoácido no lugar adequado na sequência. Existem vários mecanismos de regulação envolvendo a ação de proteínas associadas ao complexo ribossômico, variações na vida média do mRNA e inclusive a tradução do mRNA por vários ribossomos ao mesmo tempo. O peptídeo sintetizado passará por diversas modificações e associações, até se constituir no produto final ativo, uma proteína com uma estrutura quaternária determinada. Uma visão geral comparativa da síntese proteica em células eucarióticas e procarióticas (Figura 5.6). FIGURA 5.4. A organização e regulação dos genes nas células procarióticas. Óperon Gene regulador
Gene Gene promotor operador
Genes estruturais
Gene 1
Gene 2
Gene 3
DNA
Sequência transcrita Fim da transcrição Em alguns óperons, o produto de gene regulador bloqueia a entrada da RNA-polimerase no operador; em outros a desbloqueia
FIGURA 5.5. A organização e regulação dos genes nas células eucarióticas. As UTR são sequências sinalizadoras que não serão traduzidas.
Gene Sequências reguladoras promotoras da transcrição UTR
Sequências reguladoras finalizadoras da transcrição UTR
DNA Unidade de transcrição. Inclui as sequências iniciais e finais, os éxons e os íntrons Início da transcrição
Início da transcrição
Fim da transcrição
Fim da transcrição 53
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FIGURA 5.6. As etapas da síntese de proteínas (Recapitulação). A) Célula eucariótica
B) Célula procariótica Citoplasma DNA
DNA
Íntrons
Éxons
mRNA
Gene
Proteínas TRANSCRIÇÃO
mRNA
A
Núcleo
A: Adição de um revestimento inicial
RNA cap
e de uma cauda de poli-A
B B: Mecanismos de corte e reunião mRNA TRADUÇÃO Proteína
FIGURA 5.7. O silenciamento gênico.
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O COMPLEXO MUNDO DOS RNAs Nem todos os genes codificam proteínas, alguns codificam ácidos ribonucleicos que não são traduzidos como proteínas (rRNA, tRNA). Nos últimos anos começou a ser desvendada a existência de pequenas moléculas de RNA (sRNA, do inglês small RNA) e sua importância nas atividades celulares. O sRNA participa no processamento de íntrons e de éxons, na regulação da expressão génica e na conservação dos telómeros. Essas atividades são possíveis devido à estrutura molecular do RNA, que permite o pareamento com uma molécula de sequencia complementar e, também, às propriedades de se associar com proteínas e de desenvolver uma atividade catalítica. Dentre os diversos tipos de RNA descritos nos últimos anos, destacam-se os que impedem a expressão gênica, no nível da tradução. Trata-se de moléculas de RNA de filamento duplo que são clivados por enzimas em pequenos fragmentos de aproximadamente 20 nucleotídeos. A associação entre um pequeno fragmento e o complexo proteico RISC (do inglês RNA-induced silencing complex), desencadeia a degradação de um dos filamentos. O filamento restante permanece associado a RISC, podendo parear com qualquer RNAm parcial o totalmente complementar, bloqueando a tradução ou provocando sua destruição (Figura 5.7). Aplicado tanto a moléculas de RNA endógenas como exógenas, o mecanismo permite silenciar a expressão de um gene e eliminar as moléculas de RNA viral que tenham-se introduzido na célula. As primeiras aplicações contemplam a agricultura e a medicina.
A GENÔMICA O GENOMA HUMANO O termo genoma designa o conjunto completo de cromossomos haploides que contém toda a informação genética de um indivíduo. O genoma nuclear da espécie humana está representado em 24 cromossomos diferentes (22 autossômicos, X e Y) em cada um dos quais há uma molécula de DNA. Devido à presença de DNA nas mitocôndrias, de herança exclusivamente materna, existe também de um genoma mitocondrial. Em 1990, teve início o Projeto Genoma Humano (HGP, do inglês Human Genome Project), um dos projetos científicos mais ambiciosos já realizados, envolvendo pesquisadores de mais de 18 países na tarefa de mapear e sequenciar o DNA humano e também o de outros organismos. Em Junho do ano 2000, o International Human Genome Sequencing Consortium e a Celera Genomics, uma empresa privada norte-americana, anunciaram simultaneamente ter completado o rascunho do genoma humano. Os resultados foram publicados em fevereiro de 2001, nas revistas Nature e Science. Em abril de 2003, cinquenta anos depois da descoberta da dupla hélice, o Consórcio anunciou ter completado 99% do mapeamento. Os seus resultados estão armazenados em bancos de dados públicos que podem ser acessados via Internet. Entre as principais conclusões: o o
O número de bases no genoma humano chega a 3,2 bilhões, e o número de genes a um valor compreendido entre 30.000 e 40.000; só 2% do genoma codificaria proteínas. O número de genes em organismos como a mosca Drosophila melanogaster ou o verme Caenorrabditis elegans é três vezes menor. Compartilhamos com estes organismos alguns genes e contamos com outros que são característicos dos vertebrados como, por exemplo, vários dos genes referentes ao sistema imune. 55
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o
o
o o
o
A densidade dos genes em diversos cromossomos e em diferentes partes deles varia. Existem grandes espaços entre os genes, às vezes chamados de DNA-lixo. Sequências repetidas, não codificadoras, cuja função direta ainda não é bem conhecida, ocupam pelo menos 50% do genoma. O tamanho dos genes é variável, sendo na média de 3.000 bases. Na realidade, o tamanho não parece ter muita importância. Como boa parte dos genes poderia ser lida de diversos modos, o número de proteínas poderia ser bem maior. Independentemente de nossa origem étnica, compartimos com os outros seres humanos 99,9% da sequência gênica. As diferenças entre os seres humanos se devem a variações de uma base em 3.000.000 de pontos dentro e fora dos genes. Estas variações se denominam polimorfismos de um nucleotídeo único ou SNPs (do inglês, single nucleotide polymorphisms). Os SNPs podem dar informações sobre a base genética da susceptibilidade a uma série de doenças ou servir como marcadores das mesmas (doença cardiovascular, diabetes, artrite e cânceres). Em vários genes foram encontradas sequências associadas a doenças (câncer de mama, cegueira, surdez, doenças musculares).
Os laboratórios de sequenciamento modernos estão altamente automatizados, sendo que muito do trabalho é feito por robôs e computadores. Uma quantidade enorme da informação obtida se encontra na Internet, armazenada em grandes bancos de dados. O desenvolvimento da Bioinformática, um conjunto de novas tecnologias que utiliza métodos computacionais e matemáticos para analisar as informações, tem sido fundamental para o progresso dos estudos sobre os genomas. Muitos dos estudos atuais não são mais feitos in vivo nem in vitro, mas in silico. A Genômica surge como uma nova disciplina que tenta responder a algumas questões fundamentais: Onde estão os genes? O que faz cada gene? Como diferem os organismos em relação a seus genes? Cada uma dessas perguntas a subdivide em especialidades como a Genômica estrutural, a Genômica funcional ou a Genômica comparativa. Paralelamente, se definem outras áreas de estudo, tais como: o o o
A transcriptômica, concernente ao RNA transcrito ou transcriptoma, isto é, aos padrões de expressão gênica. A proteômica, referente ao conjunto de proteínas da célula ou proteoma, que varia ao se diferenciarem as células e em resposta a estímulos ambientais. A metabolômica, relativa ao conjunto de substratos e subprodutos de reações enzimáticas que incidem no fenótipo celular.
TABELA 5.2. O DNA como agente biológico. AGENTES BIOLÓGICOS
APLICAÇÕES Identificação de microrganismos patogênicos Controle da qualidade dos alimentos Medicina molecular (diagnósticos, tratamentos personalizados, terapias gênicas)
DNA e genômica
Testes genéticos (diagnósticos, avaliação dos riscos de saúde) Agronomia e pecuária (métodos seletivos mais eficientes). Indústria farmacológica (proteínas terapêuticas, vacinas recombinantes e de DNA) Prática forense (identificação das pessoas) Estudos antropológicos e evolutivos
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A genômica tem aplicações imediatas no campo médico e farmacológico, através dos testes genéticos e dos novos medicamentos (Tabela 5.2). Estima-se que, entre os 30.000 a 40.000 genes humanos recentemente descobertos, 5.000 a 10.000 poderiam ser o alvo de novos produtos farmacológicos. Se forem consideradas as proteínas, o número de alvos pode ser multiplicado por dez. Paralelamente ao mapeamento do genoma humano, mais de 900 outros organismos foram sequenciados (microrganismos, plantas, animais). Em 2009, os mais de 4.500 projetos em andamento abrangem organismos eucariontes (22%), bactérias (53%), arqueas (22%) e metagenomas (3%). Em curto ou médio prazo, esta informação reverterá também no desenvolvimento da agricultura, da pecuária e da indústria química. A GENÔMICA EM AMÉRICA LATINA Vários países de América Latina contam com projetos em andamento (Argentina, Brasil, Chile e México). De um modo geral, estes envolvem parcerias entre instituições públicas e privadas, sendo beneficiados por acordos internacionais com países desenvolvidos (Estados Unidos, França, Alemanha) ou por redes de cooperação inter-regionais (Brasil, Argentina, Chile, Uruguai e Paraguai). Pioneiro na ciência genômica, o Brasil alcança resultados significativos em diversas áreas, tais como: o
o o o
o
Saúde humana: Sequenciamento de Schistosoma mansoni (um protozoário causador da esquistossomose), de Leischmania chagasi (um protozoário causador do calazar), de Paracoccidioides brasiliensis (um fungo causador de micose), de Trypanosoma cruzi (um protozoário causador da doença de Chagas), de Anopheles darlingi (um mosquito transmissor da malária) de Leptospira interrogans (uma bactéria transmitida pela urina do rato e que afeta o homem). Também se desenvolvem importantes estudos sobre o Genoma Humano do Câncer e o Genoma Clínico. Saúde animal: Sequenciamento de Mycoplasma synoviae (um vírus que afeta os bovinos) e Mycoplasma hyopneumoniae (um vírus que afeta os suínos). Pecuária: Mapeamento de Bos indicus (gado Nelore adaptado ao Brasil), estudos sobre o genoma funcional do boi, do frango, da abelha. Agricultura: Sequenciamento de Xylella fastidiosa (causadora da praga do amarelinho das videiras), de Xanthomonas (uma bactéria causadora do cancro cítrico ou tristeza), de Leifsonia xyli (bactéria que ataca a cana-de-açúcar), de Crinipellis perniciosa (um fungo causador da vassoura de bruxa, que ataca o cacau), de Baculovírus anticarsia (um vírus que ataca a lagarta da soja), de Mycosphaerella fijiensis (que causa a sigatoka negra da banana) de Gluconacetobacter diazotrophicus e de Herbaspirillum seropedicae (bactérias fixadoras de nitrogênio). Indústria: Sequenciamento de Chromobacterium violaceum (uma bactéria que pode originar compostos de interesse farmacológico) e de várias plantas industriais (guaraná, café, cana-deaçúcar, eucalipto, além de leguminosas como soja, feijão, feijão-caupi e amendoim).
Essas realizações foram possíveis graças ao envolvimento pioneiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e à criação de Rede Nacional de Sequenciamento do Programa Genoma Brasileiro (CNPq, Ministério de Ciência e Tecnologia), com 25 laboratórios regionais e um laboratório de bioinformática (Laboratório Nacional de Computação Científica), a participação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e várias universidades que deram a infraestrutura necessária e possibilitaram a capacitação profissional. A criação de empresas novas com fundo de capital de risco visa desenvolver produtos biotecnológicos que gerem e comercializem patentes na área da genômica aplicada, com o qual, em um futuro próximo, a participação do Brasil nesta área se verá afiançada. 57
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6. OS BIOPROCESSOS
BIOPROCESSOS, PROCESSOS FERMENTATIVOS E INDÚSTRIA A produção de vinhos e cervejas é o primeiro processo fermentativo desenvolvido em escala industrial. Ao longo do século XX, a expansão da Microbiologia Industrial possibilitou, mediante o desenvolvimento de processos baseados no metabolismo microbiano, a produção de diversas substâncias (acetona, butanol, etanol, ácido cítrico, antibióticos etc.). Atualmente, as fermentações encontram aplicações novas, tanto no tratamento ambiental como na produção de alimentos e aditivos, de produtos químicos e de medicamentos. Por motivos históricos, ainda hoje o termo processos fermentativos se aplica em biotecnologia a qualquer processo microbiano operado em grande escala, independentemente de ser ou não uma fermentação. E o termo fermentador se usa como sinônimo de biorreator, designando o recipiente onde ocorre o processo (Figura 6.1).
FIGURA 6.1. O processo fermentativo genérico.
FASE DE LABORATÓRIO
Preparação do inóculo
FASE INDUSTRIAL Preparação do meio Esterilização
Controles (temperatura, pH)
Ar
Esterilização
Tratamento final
Subprodutos
Produtos
Resíduos
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OS MICRORGANISMOS INDUSTRIAIS NOÇÕES SOBRE O METABOLISMO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO Denominamos metabolismo o conjunto de reações químicas de degradação (catabolismo) e de síntese (anabolismo) de substâncias em um organismo. As primeiras liberam energia, as outras a consomem. As células e a maioria dos microrganismos retiram dos compostos orgânicos a energia que precisam, para a manutenção de sua estrutura e para suas atividades. Nas vias catabólicas, a degradação de compostos orgânicos em moléculas menores libera energia; uma parte desta será acumulada sob a forma de ATP (trifosfato de adenosina), e a restante dissipada como calor. Respiração e fermentação são as principais vias catabólicas (Figura 6.2). A quantidade de energia liberada e os produtos finais diferem se a oxidação do composto orgânico for total ou parcial. Na glicólise, a glicose é degradada até uma molécula de três carbonos, o piruvato. Em presença de oxigênio, a entrada do piruvato no ciclo de Krebs e a fosforilação oxidativa permitem a quebra total da glicose em CO2 e H2O, liberando uma grande quantidade de energia sob a forma de ATP (respiração aeróbia). Mediante a redução do piruvato ou de algum de seus derivados (fermentação), vários microrganismos geram outras substâncias orgânicas: acetona, butanol, etanol, ácido láctico, ácido acético, glicerol etc. Estas reações ocorrem geralmente em ambientes onde o substrato é abundante, sendo pequena a quantidade de energia obtida. Dependendo das condições ambientais, isto é, da presença ou ausência de oxigênio, algumas leveduras e bactérias (assim como as células musculares) podem respirar ou fermentar. FIGURA 6.2. Respiração e fermentação. Na respiração, onde o último aceptor de elétrons é o oxigênio, a oxidação de glicose se completa até chegar a CO2 e H2O, produzindo 36-38 moléculas de ATP. Na fermentação, o último aceptor de elétrons é o piruvato ou algum outro derivado, produzindo 2 ATP.
Glicose GLICÓLISE (2 ATP) Citoplasma FERMENTAÇÃO Ácido pirúvico
Composto orgânico (etanol, ácido láctico)
Sem O2 Com O2
RESPIRAÇÃO Ciclo de Krebs e cadeia respiratória
CO2 , H2O e 36-38 ATP
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Citoplasma (procariontes) Mitocôndria (eucariontes)
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos
A respiração e algumas fermentações são representadas mediante equações, como a seguir: o Respiração aeróbia: C6H12O6 + 6 O2 +38 ADP + 38Pi Glicose
6 CO2 + 6 H2O + 38 ATP
o Fermentação alcoólica (leveduras como S. cerevisiae e algumas bactérias): C6H12O6 + 2 ADP + 2Pi Glicose
CH 3 CH2OH Etanol
+ CO2
+ 2 ATP
o Fermentação láctica (bactérias como Streptococcus e Lactobacillus): C6H12O6 + 2 ADP + 2Pi Glicose
CH 3 CHOH COOH + 2 ATP Ácido láctico
No metabolismo, os caminhos de degradação se cruzam com os de síntese. Outras moléculas (aminoácidos, ácidos graxos) podem entrar em determinados pontos da via catabólica da glicose, convergindo para a produção de energia e de pequenas moléculas simples (CO2, H2O e NH3). Inversamente, alguns dos compostos intermediários do catabolismo são os pontos de partida para vias anabólicas. Entretanto, as vias metabólicas não são reversíveis: o caminho seguido na degradação de uma substância é parcial ou totalmente diferente do caminho de síntese correspondente, podendo inclusive ocorrer em compartimentos celulares diferentes. Esta separação facilita a regulação enzimática do metabolismo que ocorre com o menor desperdício de matéria e energia. Além das vias metabólicas primárias, que são comuns a todos os microrganismos, existem outras vias metabólicas secundárias específicas. A ativação de umas e/ou de outras depende do microrganismo e das condições em que ele se desenvolve em seu ambiente natural ou em que irá ser cultivado. Os metabólitos primários estão relacionados com o crescimento dos microrganismos e a transformação de nutrientes em biomassa; sendo os principais exemplos o etanol, o ácido láctico ou os aminoácidos. Já os metabólitos secundários, mesmo sendo desnecessários no metabolismo microbiano, permitem a sobrevivência em ambientes extremamente competitivos que contam com escassos nutrientes. São metabólitos secundários os antibióticos, os alcaloides, os pigmentos, algumas enzimas e toxinas. De um modo geral, quando os microrganismos se desenvolvem em um meio com uma quantidade limitada de nutrientes, a população passa por diversas fases (Figura 6.3A). o o o
o
Fase lag: período de adaptação em que, apesar de não se multiplicar, os microrganismos sintetizam enzimas e constituintes celulares. Fase log: a população cresce de maneira exponencial, sendo sintetizados numerosos metabólitos primários. Fase estacionária: devido ao esgotamento dos nutrientes e à acumulação de excretas, algumas células morrem, enquanto outras se dividem. No fim da fase log e início da fase estacionária começam a serem sintetizados os metabólitos secundários. Fase de declínio: sem a renovação dos nutrientes, as células morrem em um tempo variável.
Com vistas ao desenvolvimento de um bioprocesso, a escolha do microrganismo terá que ser feita em função de suas vias metabólicas; e as condições de cultivo dependerão do objetivo da fermentação, um metabólito primário ou um metabólito secundário (Figura 6.3B). 61
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FIGURA 6.3: As diversas fases do crescimento de uma população microbiana e a produção de metabólitos. A. As fases de crescimento de uma população. log do número de células
Tempo Fase lag
Fase log
Fase estacionária
Fase de declínio
B: A produção de metabólitos primários e secundários. Os nutrientes do meio permitem a multiplicação celular e a formação do metabólito primário, que pode ser utilizado pelas células para sintetizar o metabólito secundário (a); este pode também ser sintetizado diretamente a partir de alguma substância do meio (b).
Meio nutriente
Células
Metabólito primário
a
Metabólito secundário
b
MEIOS DE CULTURA E MATÉRIA-PRIMA A composição do meio de cultura depende das necessidades metabólicas do microrganismo escolhido. Este deve conter todos os nutrientes necessários nas concentrações adequadas, que variam em função do microrganismo e do objetivo do processo. Em geral, os meios de cultura utilizados no laboratório incluem: o o o o o
Água. Uma fonte de energia e de carbono: glicose, amido etc. Uma fonte de nitrogênio: inorgânica (sulfato de amônia, nitrato de potássio etc.), orgânica (asparragina, succinato de amônia, glutamato, ureia etc.) ou complexa (farinha de soja, peptona etc.). Sais minerais, tais como fosfato de potássio (K2HPO4 ou KH2PO4), sulfato de magnésio (MgSO4 7H2O), cloreto de cálcio (CaCl2) etc. Elementos-traço: ferro, zinco, manganês, cobre, cobalto, molibdênio.
Com vistas a uma exploração comercial, os meios definidos são substituídos na indústria por matérias-primas de baixo custo como, por exemplo, soro de leite, melaço de cana ou de beterraba, amido de milho etc. Em alguns casos, a matéria-prima passa por um tratamento prévio com métodos físicos e/ou químicos. No caso de se tratar de um processo enzimático, o meio deverá levar, além do substrato adequado, os elementos necessários para que a enzima possa desenvolver sua atividade catalítica (precursores, cofatores etc.). 62
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos
A ESCOLHA DAS LINHAGENS De um modo geral, para que o cultivo em um fermentador resulte economicamente viável, o microrganismo deve ser capaz de se multiplicar rapidamente, sintetizando grande quantidade do produto a partir de uma matéria-prima barata. Existem Bancos e Coleções de Cultura que vendem esse tipo de linhagens de microrganismos como culturas puras, geneticamente estáveis e aptas para o cultivo em grande escala. Apesar de terem sido isoladas do meio ambiente, as linhagens industriais diferem substancialmente das linhagens originais, em virtude de uma série de alterações genéticas (mutações, recombinações) obtidas no laboratório. Algumas vias metabólicas, especialmente as do metabolismo secundário, podem ter sido alteradas, de maneira a aumentar ao máximo a síntese do produto desejado e evitar a produção de algumas substâncias desnecessárias. Em geral, por estar tão selecionadas geneticamente, tendo inclusive algumas vias metabólicas anuladas ou desbalanceadas, estas linhagens sobrevivem pouco tempo no meio ambiente. Porém, como norma geral, as linhagens industriais não devem ser patogênicas nem produzir toxinas. A produção de medicamentos ou de vacinas é um caso especial que exige medidas de segurança estritas. Os microrganismos constituem um grupo biológico muito diversificado e, ainda, pouco conhecido, por isso existem muitas expectativas em relação à prospecção de linhagens em ambientes extremos ou pouco usuais. Não se precisa desenvolver um processo novo para cada microrganismo que apresente alguma característica comercial interessante. A tendência atual é de transferir os genes correspondentes a algum dos microrganismos conhecidos, adaptados às condições industriais. OS DIFERENTES TIPOS DE BIOPROCESSOS OS PROCESSOS TRADICIONAIS Algumas fermentações se desenvolvem sobre resíduos agroindustriais ou florestais, como grãos, palha, bagaço, serragem etc. Este tipo de fermentação em meio sólido umedecido é utilizada na produção de alimentos como, por exemplo, o levedo da massa na panificação, a maturação de queijos por ação de fungos (Roquefort, Gorgonzola), o cultivo de fungos, a fermentação do cacau, do café e do chá etc. Na Ásia, a preparação do koji, soja fermentada, é a base de alimentos tradicionais como o tofu, o missô, o shoyu e o sakê. Em alguns lugares, estas fermentações ainda ocorrem artesanalmente, dentro de folhas de bananeira e cestas de bambu ou mesmo em montões; também existem hoje equipamentos sofisticado com bandejas, colunas, frascos e tambores rotativos, alguns totalmente automatizados (Figura 6.4). Outra variante interessante do processo fermentativo é a produção tradicional de vinagre (Processo Francês ou de Orléans) em barris de carvalho. O vinho é inoculado com bactérias do gênero Acetobacter que formam na superfície a "mãe do vinagre", uma película que flutua, presa a um quadriculado de madeira que a impede de afundar. Deste modo, o microrganismo cresce na superfície de um meio líquido, em contato simultâneo com o ar e com o meio. O processo fornece excelentes vinagres, mas é lento e exige muito espaço, sendo a capacidade de cada barril de 200 litros (Figura 6.5). Existem outros processos semelhantes, conduzidos por fungos, que formam uma película de micélio na superfície do líquido.
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FIGURA 6.4. Biorreator para fermentações em fase sólida. Injeção de ar Umidade
Controles
Saída de ar
Bandejas com a matéria-prima para o cultivo de microrganismos
FIGURA 6.5. Um processo tradicional, a produção de vinagre (Método de Orléans). Tubo para adicionar o vinho
Entrada de ar Mãe do vinagre Mosto Retirada do vinagre
OS PROCESSOS SUBMERSOS Atualmente, a maioria dos processos industriais se desenvolve em cubas de vidro ou de aço de até 20 litros. Os agentes biológicos se encontram submersos no meio de cultivo que ocupa, aproximadamente, 75% da cuba. Às vezes é necessário injetar ar, e em muitas fermentações se forma espuma. O desenho do biorreator deve se adequar ao objetivo do processo, respondendo eventualmente a diversos imperativos, tais como a esterilização do sistema, a aeração e homogeneização do meio, o acréscimo de nutrientes e de aditivos antiespuma, a manutenção do pH etc. Os modelos de fermentadores mais utilizados com microrganismos contam com aeração e agitação mecânica. Esta facilita a distribuição dos nutrientes na cuba, mas gera calor que deve ser eliminado mediante a circulação de água fria (Figura 6.6). Se o processo exigir assepsia, esta será conseguida mediante: o o
o
A esterilização do meio, dentro ou fora do fermentador. A desinfecção ou esterilização do equipamento, por injeção de vapor ou mediante o calor gerado por serpentinas, sendo esta medida extensiva a todos os ductos de entrada e saída e às válvulas correspondentes. A esterilização do ar, mediante filtros adequados.
Em outros tipos de biorreatores, em coluna ou torre, a homogeneização depende da injeção de ar (Figura 6.7). Os tanques podem chegar a 3.000 m3 de capacidade como, por exemplo, os fermentadores para a produção de proteínas de célula única, da Imperial Chemical Industries (ICI), no Reino Unido. 64
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos
FIGURA 6.6. Modelo de biorreator utilizado em fermentações submersas.
OUTROS SISTEMAS SUBMERSOS Os sistemas submersos são apropriados para o cultivo de microrganismos livres, mas resultam pouco econômicos quando se trabalha com células ou enzimas caras. A imobilização em fermentadores menores, seja por adesão a um suporte inerte, seja por inclusão dentro de um polímero que permita o contato com o meio de cultura, além de simplificar a purificação do produto permite a reutilização das células ou das enzimas, que permanecem dentro do biorreator (Figura 6.7). O crescimento da população microbiana, ou a quantidade do produto formado são monitorados a partir de amostras extraídas ao longo do processo. Existem fermentadores adaptados às necessidade de cada agente biológico e de cada tipo de processos DO LABORATÓRIO À INDÚSTRIA A MUDANÇA DE ESCALA A capacidade de uma cuba varia entre 1 e 10 l para um fermentador de laboratório, chegando a 5.000 l em uma planta piloto e 100.000 l em uma planta industrial. Uma operação simples de laboratório pode ser impraticável, ou pouco econômica, quando realizada em grande escala. No laboratório, após as primeiras experiências realizadas na bancada, o processo passa a ser estudado em um biorreator de até 10 litros de capacidade, onde se analisam as variáveis físico-químicas em outra escala. 65
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Ao aumentar o tamanho do equipamento, altera-se a relação superfície/volume, de modo que as condições de operação do fermentador na planta piloto deverão ser ajustadas até se aproximar das correspondentes a um processo comercial. Se a experiência na planta piloto for bem-sucedida, o processo poderá ser desenvolvido em um fermentador industrial (Figura 6.8). A automatização do monitoramento e do controle da fermentação permite que a informação relativa aos parâmetros físicos e químicos (pH, temperatura, oxigênio, velocidade de agitação, o nível do meio etc.) seja recolhida on-line por sondas e sensores. Para que o processo se aproxime das condições ideais, a informação é analisada em relação a um modelo previamente estabelecido. Como este se elabora a partir da experiência obtida com cubas menores (laboratório, piloto), os ajustes à mudança de escala são de grande complexidade. FIGURA 6.7. Fermentações, agentes biológicos e biorreatores. FERMENTAÇÕES SUBMERSAS
Podem ser conduzidas por CÉLULAS E ENZIMAS Livres
Imobilizadas
Em suportes inertes Reatores com agitação mecânica
Reatores com agitação pneumática Reatores de leito fixo
Reatores em torre Reatores STR
Reatores de fibra oca
Ou de leito fluidizado Ou com membranas planas
Coluna de bolhas
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Entre membranas
Reatores air-lift
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 6: Os bioprocessos
FIGURA 6.8. A mudança de escala, do laboratório à indústria. A mudança de escala entre o processo laboratorial e o processo industrial cria vários problemas de índole tecnológica.
Bancada
Fermentador de laboratório 1 - 10 litros
LABORATÓRIO
Fermentador piloto 50 – 200 – 500 litros
PILOTO
Fermentador industrial 5.000 – 50.000 – 200.000 litros 5 – 50 – 200 m3
INDÚSTRIA
A CONDUÇÃO DO PROCESSO O processo fermentativo pode ser conduzido de maneira contínua ou descontínua (batelada), sendo que ambas as formas apresentam vantagens e inconvenientes. Em um sistema descontínuo de produção, uma vez que o fermentador é carregado com a matéria-prima e o inóculo correspondentes, a fermentação prossegue até o esgotamento dos nutrientes. Concluído o processo e extraído o produto, o fermentador é esvaziado, limpo e esterilizado antes de receber outra carga. Apesar do tempo improdutivo entre uma batelada e a seguinte, o sistema é relativamente flexível, já que o mesmo equipamento pode ser utilizado na fabricação de produtos diferentes. A produção em bateladas é bastante utilizada na indústria farmacêutica porque o risco de contaminação permanece relativamente baixo. Já no sistema contínuo de produção, o acréscimo de nutrientes e a retirada do produto ocorrem simultaneamente ao longo do processo, eliminando-se quase totalmente o tempo improdutivo. Como o risco de contaminação aumenta, o sistema se adapta a processos que não exijam assepsia, como a produção de proteína microbiana e de álcool e, obviamente, o tratamento de água. Entre o sistema em batelada e o sistema contínuo existe um sistema intermediário de batelada alimentada em que, periodicamente, parte do conteúdo (meio de cultivo + produto) é retirada e substituída por meio fresco.
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A RECUPERAÇÃO DO PRODUTO A recuperação do produto representa uma fração considerável do custo de um processo fermentativo. Se o produto for secretado fora da célula, estará disperso em um volume grande de água e será necessário separá-lo por decantação ou filtração. Mas se o produto permanecer dentro das células, estas terão que ser desintegradas para proceder a sua extração. O produto se concentra por sedimentação, precipitação, filtração, centrifugação, extração por solventes, destilação, evaporação do solvente e secagem. Se a purificação for necessária, esta envolverá outros procedimentos, como a cristalização e os métodos cromatográficos. Um problema a considerar é o despejo dos resíduos de uma fermentação, alguns dos quais podem representar um perigo para o meio ambiente como, por exemplo, o vinhoto resultante da produção de etanol ou o soro das indústrias de laticínios. Existem formas de tratamento, como o crescimento de biomassa sobre resíduos industriais, que eliminam o problema e ainda permitem a obtenção de mais um produto.
OS BIOPROCESSOS NA INDÚSTRIA DE FERTILIZANTES Os bioprocessos são utilizados por numerosas indústrias na produção de bens e serviços, em vários setores produtivos (indústria, meio ambiente, saúde). Vários exemplos serão tratados nos capítulos correspondentes (indústria, meio ambiente, alimentos, saúde). A utilização de bioprocessos na indústria de fertilizantes é uma aplicação interessante porque permite a substituição de produtos químicos derivados do petróleo por agentes biológicos, menos prejudiciais para o meio ambiente. Na América Latina, a produção de biofertilizantes envolve numerosas empresas, pequenas e médias, que contam com um sólido suporte tecnológico originado em universidades e instituições públicas de pesquisa agronômica. O termo biofertilizante se aplica aos produtos que contém agentes biológicos capazes de favorecer o desenvolvimento vegetal. Um destes agentes é o Rhizobium, uma bactéria simbionte das raízes de leguminosas que fixa o nitrogênio atmosférico, reduzindo a necessidade de aplicar fertilizantes nitrogenados nas lavouras. Vários países produzem inoculantes agrícolas; entre eles: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, México, Peru e Uruguai. As linhagens bacterianas são estirpes selecionadas por sua eficiência em uma ampla gama de cultivares e amplamente adaptadas às condições locais. A multiplicação dos microrganismos se realiza em etapas sucessivas, utilizando recipientes cada vez maiores até chegar a biorreatores de 1.500 litros. Uma vez recuperados, os microrganismos são veiculados em meio líquido ou em turfa estéril, sendo empacotados e posteriormente vendidos e distribuídos aos agricultores. Segundo a legislação do Mercosul, durante o prazo de validade do produto, a concentração deverá ser de 108 microrganismos viáveis por grama de produto. Com o mapeamento do genoma de microrganismos como o Rhizobium etli (México) e o Gluconacetobacter diazotrophicus (Brasil), a biotecnologia moderna começa a se inserir neste campo. No entanto, até o presente, a indústria baseia a produção dos microrganismos nas tecnologias fermentativas clássicas.
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7. A CULTURA DE CÉLULAS E TECIDOS
O CULTIVO DE CÉLULAS E TECIDOS VEGETAIS AS PRIMEIRAS TENTATIVAS A reprodução assexual é utilizada para obter um grande número de mudas a partir de uma única planta. Dependendo do caso, aproveitam-se bulbos (cebola), cormos (gladíolo), rizomas (samambaias), tubérculos (batata-inglesa), caules (banana), raízes (batata-doce, maça, amora), folhas (begônia, espada-de-são-jorge), estacas (videiras) etc. As plantas obtidas por propagação assexuada ou vegetativa são idênticas à planta-mãe e idênticas entre si. Em outras palavras, são clones. A capacidade de uma célula regenerar réplicas do organismo do qual ela deriva é denominada totipotência. Restringida em animais, esta propriedade é característica das plantas. Em função das condições fisiológicas e ambientais, as células vegetais seguem vias metabólicas diferentes. A totipotência permite a sobrevivência das plantas superiores após o ataque de herbívoros, pragas e patógenos ou em condições ambientais desfavoráveis. As primeiras tentativas de cultura de tecidos vegetais em laboratório datam de 1902, no entanto, a primeira experiência bem-sucedida é a germinação in vitro de sementes de orquídea (Knudson, 1922). Transferidas assepticamente ao meio de cultura, e incubadas em condições favoráveis, as sementes e mais tarde as plântulas se mantiveram protegidas do ataque de fungos e bactérias. Com algumas variações, o método é usado ainda hoje por numerosos floricultores, porque, devido ao tamanho minúsculo das sementes e à ausência de reservas nutritivas, as possibilidades de sobrevivência das plântulas após a germinação in vivo são muito baixas. Distintamente das experiências anteriores, a micropropagação se inicia a partir de explantes, isto é, de pequenos fragmentos de tecido extraídos de diversas partes da planta, tais como folhas, raízes, segmentos nodais e gemas axilares, gemas florais e apicais (Figura 7.1 ).
FIGURA 7.1. As diversas partes de uma planta angiosperma.
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OS MEIOS DE CULTURA O meio de cultura inclui água, uma fonte de carbono, substâncias inorgânicas (sais minerais), vitaminas, hormônios e fatores reguladores do crescimento (Tabela 1). Alguns destes componentes podem ser substituídos por misturas pouco definidas, mais econômicas ou simples de manipular (água de coco, suco de tomate, suco de laranja). Geralmente, o pH do meio varia entre 5,0 e 6,5. A composição do meio de cultura varia com as necessidades de cada espécie. O crescimento e a diferenciação celular são controlados modificando a proporção entre os hormônios e reguladores de crescimento. De um modo geral, se a proporção entre citocininas e auxinas for maior que 1, desenvolvem-se brotos, se for menor, raízes e, se for igual, calos. A incubação ocorre a uma temperatura entre 23 e 28C, com 12 a 14 horas diárias de iluminação. TABELA 7.1. Os componentes do meio de cultura para células vegetais. COMPONENTES
CARACTERÍSTICAS E EXEMPLOS
Água destilada
Representa 95% do meio nutriente.
Fonte de carbono
Geralmente se utiliza sacarose. A fonte de carbono é necessária porque os explantes não são totalmente autotróficos e a fotossíntese in vitro não supre as necessidades das células.
Substâncias inorgânicas
Macroelementos (N, P, K, Ca, Mg, S) e microelementos (Fe, Co, Zn, Ni, B, Al, Mn, Mo, Cu, I), em uma proporção que depende da planta escolhida.
Vitaminas
Mioinositol, vitamina B1 (tiamina), ácido nicotínico (niacina), vitamina B6 (piridoxina), pantotenato de cálcio, ácido fólico, vitamina B 2 (riboflavina), vitamina C (ácido ascórbico), vitamina H (biotina), ácido para-aminobenzoico e vitamina E (tocoferol).
Hormônios e reguladores de crescimento
Auxinas Estas promovem o alongamento celular, a formação de calos e de raízes adventícias; inibem a formação de brotos axilares adventícios e, às vezes, a embriogênese em suspensões celulares. Exemplos: IAA (ácido indolacético), NAA (ácido naftalenoacético), IBA (ácido indolbutírico), 2,4 D (2,4diclorofenoxiacético). Citocininas Estas promovem a divisão celular, regulam o crescimento e o desenvolvimento dos tecidos vegetais. Exemplos: cinetina, 2iP (2isopentiladenina), BAP (benzilaminopurina), zeatina. Outras substâncias Exemplos: giberelinas, ácido abcíssico, etileno.
Misturas de substâncias pouco definidas
Exemplos: extrato de levedura, extratos vegetais, hidrolisados de caseína, peptona e triptona. A tendência atual em pesquisa é de substituí-los por meios de composição definida.
Materiais inertes
Utilizados como suporte. Exemplos: agar, agarose, outros polissacarídeos (Gelrite, Phytagel), lã de vidro, papel de filtro, areia, esponjas de poliestireno.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 7: A cultura de células e tecidos
AS ETAPAS DO PROCESSO A capacidade de regeneração é maior nas plantas herbáceas que nas lenhosas, distribuindo-se em forma desigual entre algumas famílias de Solanáceas, Crucíferas, Gesneriáceas, Compostas e Liliáceas; depende também do genótipo e das condições ambientais, diminuindo com a idade da planta. A cultura in vitro tem a vantagem de ser mais rápida e de ocupar muito menos espaço que a multiplicação in vivo. As principais aplicações estão no cultivo de plantas ornamentais, de hortaliças e na silvicultura. Os explantes se cultivam assepticamente em meios de composição adequada, possibilitando a regeneração direta da planta. O processo envolve quatro etapas: A. Estabelecimento de uma cultura asséptica. Uma vez retirados da planta-mãe, os explantes são desinfetados com um agente químico, geralmente hipoclorito de sódio, que é mais tarde lavado. Os explantes são transferidos para o meio de cultura, em condições assépticas semelhantes às utilizadas para a cultura de microrganismos (Figura 7.2). A incubação ocorrerá a uma temperatura entre 23 e 28C, com iluminação durante 12 a 14 horas diárias. B. Multiplicação. Os propágulos desenvolvidos são divididos e transferidos para um meio de multiplicação, de maneira a se obter numerosas subculturas (Figura 7.3).
C. Preparação das plântulas para a transferência ao solo. As plântulas das subculturas são transferidas para um meio de enraizamento onde, além de desenvolver raízes, enrijecem e começam a fotossintetizar.
D. Aclimatação. Transferência das plântulas, primeiro para o solo ou para algum outro substrato, mais tarde para uma casa de vegetação. Protegidas da iluminação solar direta, elas aumentarão sua capacidade fotossintética adaptando-se lentamente as condições ambientais. FIGURA 7.2. O procedimento a seguir para se obter uma cultura asséptica no laboratório. Separação dos explantes
Esterilização
Lavados
Dissecação e semeadura
Incubação
Água + detergente + hipoclorito de sódio
Água estéril
Condições assépticas, 20-250C, na luz
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FIGURA 7.3. Obtenção de subculturas a partir de explantes nodais.
FIGURA 7.4. A cultura de meristemas.
FIGURA 7.5. As diferentes possibilidades dos cultivos de calos.
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AS DIFERENTES MODALIDADES A cultura de meristemas A regeneração de uma planta pode ocorrer a partir de um órgão tão pequeno quanto a gema apical (tamanho 0,5 a 2 mm). Nesta, associado aos primórdios foliares e ao tecido subapical, se encontra um pequeno fragmento (0,01 a 0,3 mm) de meristema, um tecido embrionário a partir do qual se formam todos os outros tecidos das plantas. Por isso, a cultura da gema apical pode ser substituída pela cultura de meristemas (Figura 7.4). Estoques de plantas livres de vírus e de outros patógenos são obtidos associando a cultura de meristemas com a termoterapia, uma incubação a 32-340C, por um tempo determinado (gerânio, dália, crisântemo, cana-de-açúcar, batata, morangueiro, alcachofra etc.). Recuperam-se com este método algumas plantas que só se reproduzem naturalmente pela via assexuada e se encontram ameaçadas de extinção devido à contaminação por vírus Os exemplos citados na bibliografia sobre o cultivo de meristemas são, no mínimo, impressionantes. Se um tubérculo de inhame de 100 g produz 25 kg de tubérculos em dois anos, por micropropagação produzirá 300.000 kg; a partir de uma única gema apical podem-se obter 4.000.000 de cravos em um ano. A técnica também permite a multiplicação de espécies que se reproduzem lenta e/ou dificilmente, como as orquídeas, e acelerar a produção de mudas em plantas com ciclo anual ou bianual. Outra variação desta modalidade é a microenxertia, que se aplica às essências florestais (eucalipto) e às árvores frutíferas (citros). A técnica gera uma alta produtividade de mudas sadias, que são cultivadas em pouco espaço (mais de 1.000 plantas / m 2) sem depender dos fatores climáticos e da época do ano. Do ponto de vista econômico, o custo destas mudas é alto porque a cultura em meio sólido necessita um trabalho minucioso e uma mão de obra especializada. A multiplicação dos propágulos em biorreatores, análogos aos fermentadores microbianos, visa reduzir os custos. Ao modelo tradicional de pás giratórias que danifica os tecidos e as células, preferem-se pequenas cubas de 1 a 5 l onde os propágulos permanecem em sistemas de imersão permanente ou temporária. Apesar dos custos, a tecnologia é interessante quando se planeja introduzir uma espécie em uma região determinada porque elimina qualquer contaminação prévia. Também é interessante para iniciar a propagação vegetativa com mudas certificadas, visando a amplificação posterior dos cultivos. A cultura de calos A cultura de calo é a modalidade alternativa para aquelas plantas que não podem ser propagadas diretamente a partir de meristemas. Um calo é uma massa de células desdiferenciadas que prolifera de maneira irregular a partir de um explante; trata-se de um tecido de tipo tumoral que, in vivo, é produzido como resposta aos ferimentos em órgãos e tecidos. Uma vez estabelecido em um meio de cultura, o calo pode ser subdividido a cada três ou quatro semanas, mantendo indefinidamente as células em meio nutriente com a mesma composição. Se o calo for transferido a outro meio com uma concentração diferente de hormônios, formar-se-ão órgãos ou embriões, a partir dos quais poderão ser regeneradas numerosas plantas (Figura 7.5). Diferentemente das outras modalidades de cultura de tecidos, na cultura de calos a proliferação celular está acompanhada por um aumento das variações genéticas e da instabilidade cromossômica (variação somaclonal).
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Devido a essa característica, a cultura de calos resulta menos conveniente que a cultura de meristemas para micropropagação. Contudo, sua utilização é inevitável no caso de algumas espécies economicamente importantes (cereais, leguminosas, forrageiras, espécies florestais e palmeiras tropicais). Por outro lado, a variação somaclonal permite a seleção de variedades de plantas com propriedades novas, tais como a resistência ao estresse, ao ataque de insetos, a patógenos, a herbicidas, a concentrações salinas elevadas, a moléculas químicas (Al, Mn). A variabilidade pode ser aumentada pela utilização de agentes mutagênicos. A cultura de células e órgãos vegetais em biorreatores Desagregando um calo em meio líquido se obtém uma suspensão de células que podem ser cultivadas em biorreatores industriais visando a produção de metabólitos secundários ou de embrioides, isto é de embriões formados a partir de células somáticas. Podem ser encapsulados em uma substância gelatinosa contendo nutrientes, envolta por um plástico biodegradável, formando “sementes artificiais”. Estas se desenvolvem normalmente quando semeadas na terra, por isso uma das aplicações desta tecnologia é sua dispersão por aviões para o reflorestamento de regiões de difícil acesso. Os metabólitos secundários, ou compostos naturais, são considerados produtos de Química Fina, tendo um alto valor agregado no mercado. Trata-se de alcaloides, de glicosídeos cardíacos, de substâncias antitumorais e antimicrobianas, de hormônios esteroides etc. para a indústria farmacêutica e, também, de corantes, adoçantes e aromas para as indústrias alimentícia e cosmética. A possibilidade de substituir os métodos tradicionais de extração ou de síntese, pela produção mediante o cultivo de suspensões celulares em biorreatores, gerou grandes expectativas comerciais. No início da década de 1990, vários estudos estimaram as condições necessárias para que a síntese ou a bioconversão de compostos naturais em produtos de alto valor agregado resultasse vantajosa. Os cálculos mostraram que se o mercado fosse suficientemente amplo e o valor do produto superasse os US$ 500 ou 1.000 por kg, a produtividade do sistema deveria ser de pelo menos um grama de composto por litro de cultura celular. Estas condições não são tão frequentes. Do ponto de vista tecnológico, as células vegetais são grandes (100 m) e sedimentam com facilidade. A tendência a formar agregados as torna muito sensíveis ao cisalhamento. Como o crescimento é lento, os riscos de contaminação aumentam. Também existem problemas relacionados com a transferência de oxigênio. Existem diversos modelos de biorreatores para o cultivo de células vegetais, entre os quais o tradicional de pás giratórias e outros de tipo air-lift ou de leito fluidizado. A condução do processo pode ser descontínua, semicontínua ou contínua; neste último caso se utilizam células imobilizadas. A escolha de uma modalidade ou outra de cultivo depende da substância estar, ou não, associada ao crescimento celular e, também, de se tratar de um produto intra ou extracelular. O cultivo de órgãos e especialmente de raízes transformadas (hair roots) tem dado bons resultados, apesar de poucos terem alcançado um nível comercial. Entre eles, a produção de shikonina a partir de raízes (Lithospermum erythrorhizon) pela empresa Mitsui Petrochemical Ind. Ltd.; de gingenosídeo (Panax ginseng) e de purpurina (Rubia akane) por Nitto Denko Corp.; e de paclitaxel (Taxos cuspidata), comercializado como Taxol por Phyton Inc., uma empresa associada a Bristol-Myers Squibb. Espera-se que as estratégias para aumentar a produção, combinando o desenvolvimento de novos processos industriais com a engenharia metabólica das células, possam vir a estabelecer as bases de uma agricultura molecular. Por enquanto, as aplicações se restringem à produção de alguns fármacos e de aditivos para a indústria de alimentos (flavorizantes, corantes e aromas).
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FIGURA 7.6. As possibilidades do cultivo de células vegetais e animais.
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MELHORAMENTO E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE VEGETAL Existem várias modalidades de cultura de tecidos que contribuem para facilitar a tarefa de melhoramento (Figura 7.6) O método genético tradicional, isto é, a autofecundação das plantas por várias gerações, demora oito ou 10 anos para obter linhagens puras (homozigotas), em que se manifestem os caracteres recessivos. Esse tempo pode se reduzir a meses mediante a cultura de anteras, gerando-se plantas haploides (n cromossomos), que tratadas com colchicina originam diretamente plantas diploides (2n) homozigotas. Os protoplastos se formam por digestão enzimática da parede celular, que poderá ser regenerada novamente no meio de cultura. Durante o período em que a célula está sem a parede celular, pode-se introduzir material genético estranho (transformação) ou conseguir a fusão de protoplastos de diferentes cultivares ou espécies (hibridização somática). Como as plantas resultantes destes cruzamentos geram sementes que dificilmente se desenvolvem, frequentemente é necessário retirar os embriões do resto da semente e proceder a sua recuperação mediante a cultura in vitro. Protoplastos, células, calos, gemas apicais e laterais, meristemas, sementes, embriões somáticos e zigóticos, todos podem ser congelados em nitrogênio líquido a –1960C. A criopreservação facilita a preservação de numerosas plantas ornamentais, frutíferas, oleaginosas, leguminosas, medicinais e aromáticas. Finalmente, deve-se destacar a importância destas técnicas de cultura de células e tecidos vegetais para a conservação do germoplasma, tanto das espécies cultivadas como das espécies selvagens. A conservação da biodiversidade é importante não só do ponto de vista do melhoramento agronômico como do farmacológico, já que a maioria dos medicamentos de que dispomos contém princípios ativos extraídos de plantas.
A DIFUSÃO DA TECNOLOGIA As técnicas de cultura in vitro de vegetais foram rapidamente assimiladas por empresas e instituições de pesquisa e desenvolvimento, porque facilitam o melhoramento genético das variedades comerciais e, também, porque representam uma etapa indispensável na obtenção de uma planta transgênica. Sendo técnicas de domínio público, relativamente simples e de baixo custo, numerosas empresas as utilizam no mundo todo para garantir a qualidade genética e fitossanitária das mudas e sementes comercializadas. Em Cuba, por exemplo, o IBP (do espanhol, Instituto de Biotecnologia de las Plantas) tem desenvolvido, junto com outros centros científicos, protocolos para batata, cana-deaçúcar, plátano, banana, goiaba, abacaxi, maracujá etc. O IBP está associado a uma rede de 15 biofábricas com capacidade de produzir 60 milhões de plântulas in vitro e sementes artificiais. Esta tecnologia está amplamente difundida na América Latina, onde representa o segundo produto mais comercializado da biotecnologia agrícola, com ampla difusão na olericultura, na hortifruticultura, na floricultura e na propagação de plantas ornamentais, assim como na produção de plantas de interesse industrial (cana, café) e de mudas de essências florestais para as indústrias de papel.
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A CULTURA DE CÉLULAS ANIMAIS A MANIPULAÇÃO IN VITRO DAS CÉLULAS ANIMAIS Apesar dos primeiros estudos datarem de 1912, o cultivo de células animais só começou a se desenvolver com sucesso na década de 1950, quando H. Eagle conseguiu definir os nutrientes necessários para o crescimento celular (Tabela 7.2). Basicamente, um meio para o cultivo de células animais inclui água, sais minerais, aminoácidos, vitaminas, glicose, soro humano ou de cavalo (fatores de crescimento), antibióticos (para prevenir as contaminações microbianas). As células devem ser isoladas, inoculadas e mantidas assepticamente em condições bastante estritas de temperatura (350 a 370 C), pH e umidade. TABELA 7.2. Os componentes de um meio de cultura básico para células animais. COMPONENTES
CARACTERÍSTICAS E EXEMPLOS
Água
Desmineralizada, destilada.
Fonte de carbono
Glicose.
Substâncias inorgânicas
NaCl, KCl, CaCl2, MgCl2. 6H2O, NaH2PO4.H2O, NaHCO3.
L –aminoácidos
Arginina, cistina, fenilalanina, glutamina, histidina, isoleucina, leucina, lisina, metionina, treonina, triptófano, tirosina, valina.
Vitaminas
Biotina, ácido fólico, colina, nicotinamida, ácido pantotênico, piridoxal, riboflavina, tiamina.
Misturas de substâncias pouco definidas
Soro animal de diversa origem, inclusive humano.
Outros
Antibióticos (penicilina, estreptomicina) e vermelho de fenol (pH 7,2-7,4).
AS APLICAÇÕES DA CULTURA IN VITRO DE CÉLULAS DE MAMÍFEROS Uma das primeiras aplicações é a cultura de linfócitos, que fornece em poucos dias um número adequado de células para a análise do cariótipo. Este visa detectar as alterações cromossômicas estruturais e numéricas que possam ser a causa de distúrbios no funcionamento do organismo. Os linfócitos extraídos do paciente são colocados em um meio líquido que induz a divisão celular. A adição de colchicina inibe a formação das fibras do fuso mitótico, bloqueando as células na metáfase. Um choque hipotônico provoca a lise das células e libera os cromossomos (Figura 7.7 A). Mas há outros tipos de células de mamíferos que também se cultivam in vitro. Células isoladas a partir de fibroblastos ou de tecido epitelial se multiplicam na superfície de um suporte inerte (vidro, plástico etc.), formando uma monocamada. Mediante a transferência de algumas células a um meio novo (repiques), uma cultura primária gera sucessivas culturas secundárias (Figura 7.7 B). Entretanto, à diferença dos microrganismos que podem ser repicados indefinidamente, as células animais sofrem um tipo de morte programada (apoptose) depois de aproximadamente umas cinquenta a cem divisões. Deve-se então reiniciar o cultivo com uma nova amostra. Existem algumas exceções que escapam dessa limitação, como as células extraídas de tumores ou as células-tronco; e também os linfócitos B imortalizados por infecção com o vírus de Epstein-Barr ou por fusão com células de mieloma (hibridomas).
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FIGURA 7.7. As culturas de células de origem animal.
A. Etapas da cultura de leucócitos para a análise do cariótipo.
Amostra de sangue com anticoagulante
Separação dos leucócitos por centrifugação
Cultivo dos leucócitos
Adição de colchicina e lise celular
Fixação e coloração (bandeamento)
OBSERVAÇÃO E COMPARAÇÃO
B. Etapas da cultura de células a partir de um fragmento de tecido. Meio de cultivo
Repique
Desagregação mecânica ou enzimática (tripsina, colagenase)
Suspensão celular
Cultura primária
Cultura secundária
TABELA 7.3. Origem e utilização de algumas linhagens celulares. CÉLULAS
ORIGEM
APLICAÇÕES
HeLa(*)
Carcinoma cervical humano
Pesquisa
MDCK
Rim de cachorro
Produção de vacinas veterinárias
3T3
Tecido conjuntivo de camundongo
Técnicas laboratoriais
Nawalwa
Linfoma humano
-interferon
WI-38
Pulmão embrionário humano
Produção de vacinas humanas
VERO
Rim de macaco verde africano
Produção de vacinas humanas
MRC-5
Pulmão embrionário humano
Produção de vacinas humanas
(*) Henrietta Lacks, morreu aos 31 anos de um carcinoma uterino. A linhagem de células HeLa isolada na época continua sendo cultivada há mais de 50 anos.
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Nas Coleções de Culturas se encontram linhagens celulares de diversos tipos, conservadas por criopreservação (Tabela 7.3). A cultura in vitro de células animais é a rota seguida para a manufatura em grande escala de vários produtos, tais como as vacinas e os anticorpos monoclonais. Também é adequada para a produção de citocinas (linfocinas, interferons, eritropoietina) e de outras proteínas de origem recombinante (fator ativador de plasminogênio, p.ex.) que, por exigir modificações póstraducionais complexas, não podem ser produzidas em bactérias ou leveduras transformadas. Na hora de passar da escala do laboratório à escala industrial, algumas considerações devem ser levadas em conta. A cultura de células animais exige, além de um cuidado extremado, meios de cultivo complexos e caros, desenvolvendo-se em condições muito rigorosas. Como as células se dividem lentamente (a cada 20 horas aproximadamente), a assepsia deve ser mantida durante períodos prolongados. As concentrações celulares são baixas, o que diminui a produtividade e a rentabilidade do processo. A demanda de oxigênio é alta e as células são muito frágeis e sensíveis ao cisalhamento. Enquanto algumas células podem crescer livremente em suspensão, como os linfócitos, outras só crescem se houver um suporte. No biorreator, este problema pode ser resolvido de diversos modos: mediante o confinamento das células dentro de membranas semipermeáveis, imobilização em géis ou cápsulas ou fixação sobre suportes, tal como pequenas partículas de 100 a 400 m em vidro, plástico ou dextrina, em modelos de fermentadores análogos aos representados no capítulo anterior. Biorreatores de tamanho pequeno (até 15 l) e processos descontínuos apresentam menos problemas de contaminação, já os de maior tamanho (até 1.000 l) exigem a substituição da agitação mecânica por sistemas de tipo air lift ou leito fluidificado. Evita-se a apoptose ou morte celular renovando periodicamente parte do meio para retirar os produtos excretados. Nos últimos anos, as técnicas de cultura in vitro de células animais deram um amplo impulso às pesquisas básicas e aplicadas, aos testes de diagnóstico, às técnicas de fertilização in vitro, à produção de compostos biológicos (proteínas recombinantes), de tecidos para transplante e de vacinas para uso humano e veterinário. Nos estudos toxicológicos, esta tecnologia substitui, ao menos parcialmente, a experimentação com animais, uma atividade que suscita forte resistência na sociedade devido aos questionamentos éticos levantados. Estima-se que o mercado gerado pela venda de meios de cultivo, soros e reagentes chegará a US$ 3,4 bilhões em 2013.
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8. A TECNOLOGIA DO DNA
AS FERRAMENTAS DISPONÍVEIS A tecnologia do DNA engloba uma série de procedimentos para extrair, fragmentar, sintetizar, marcar, identificar, amplificar e sequenciar o DNA. Estas técnicas foram desenvolvidas ao longo de uma década (1985-1995), constituindo hoje um conjunto de ferramentas que é utilizado rotineiramente nos laboratórios, geralmente em sistemas automatizados especialmente desenhados para efetuar rapidamente um número altíssimo de operações. A extração de DNA é um procedimento relativamente simples. De um modo geral, a quebra de paredes e membranas libera o conteúdo celular, do qual se eliminam o RNA e as proteínas antes de separar o DNA, que se precipita com etanol. Uma vez extraído e purificado o DNA, diversos tipos de tratamento são possíveis. Pelo menos uma trintena de empresas já comercializa diferentes tipos de kits para a extração de ácidos nucleicos, substituindo os protocolos tradicionais por sistemas mais fáceis de automatizar. Estima-se que este mercado alcance um valor de US$ 158 bilhões, em 2014. AS NUCLEASES OU ENZIMAS DE RESTRIÇÃO Entre as numerosas enzimas utilizadas diariamente nos laboratórios, as nucleases merecem atenção especial. Estas enzimas quebram as ligações entre os nucleotídeos de uma cadeia de DNA; algumas começam pelas extremidades eliminando-os um a um; outras cortam a molécula por dentro. Pertencem a este último grupo as “enzimas de restrição”, que são capazes de cortar o DNA em sítios específicos. Normalmente, as enzimas de restrição são produzidas por bactérias, como uma arma de defesa contra o ataque de vírus (bacteriófagos), já que ao cortar o DNA viral impedem sua multiplicação. O DNA bacteriano não é atacado por suas próprias enzimas, seja porque não possui as sequências correspondentes, seja porque estas estão camufladas pela adição de um grupo metila. Desde sua descoberta por Werner Arber, na década de 1960, já foram isoladas centenas de enzimas de restrição. Todas elas agem como tesouras químicas que cortam o DNA ao reconhecer, como os seus pontos-alvo, determinadas sequências de 4 a 8 bases. Por exemplo, a enzima EcoRI, cujo nome deriva de "Escherichia coli linhagem RY13 (R), primeira endonuclease a ser descoberta I" corta o DNA em dois pedaços com pontas lascadas: as setas indicam o ponto de corte. Observe-se a existência de um palíndromo, isto é de uma sequência que pode ser lida do mesmo modo (GAATTC) nos dois sentidos (5’- 3’ ou 3’- 5’), de forma análoga a frases como “Amor a Roma”. Assim como há enzimas que cortam o DNA, outras colam os fragmentos (ligases).
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FIGURA 8.1. A eletroforese do DNA.
FIGURA 8.2. Os polimorfismos de restrição.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA
A ELETROFORESE DO DNA A eletroforese separa os fragmentos de DNA obtidos com uma enzima de restrição. As amostras são colocadas em um gel no qual se aplica um campo elétrico. Os fragmentos de DNA carregados negativamente se movimentam na direção do pólo positivo. Ao encontrar uma resistência menor, os fragmentos menores migram mais rapidamente (Figura 8.1). O poder de separação varia com o suporte (gel de agarose ou de poliacrilamida) e com o tamanho do poro, que depende da concentração do meio. Também varia com as características do campo elétrico aplicado. Os fragmentos de restrição formam bandas que podem ser observadas na luz ultravioleta, após coloração com uma substância fluorescente. Fragmentos de tamanho conhecido inseridos no gel, à maneira de uma régua molecular, servem como padrão de comparação para estimar o tamanho das bandas do DNA analisado. Uma das primeiras aplicações da eletroforese dos fragmentos de restrição foi o estudo dos polimorfismos. A modificação do sítio de restrição de uma molécula de DNA (como, por exemplo, de GAATTC para GAACTC) origina fragmentos de tamanhos diferentes, denominados RFLPs ou rifleps (do inglês, restriction fragment length polymorphism). Os RFLPs são marcadores que podem ser estudados do mesmo modo que um gene que determine um caráter visível ou uma modificação bioquímica (Figura 8.2). Uma mutação pode gerar dois alelos diferentes, A 1 (nenhum sítio de restrição) e A2 (um sítio de restrição). Na eletroforese, o DNA dos indivíduos A1A1 será visualizado como uma banda, o de A1A2 como três bandas e o de A2A2 como duas bandas. HIBRIDIZAÇÃO E SONDAS GÊNICAS Quando o DNA é colocado em determinadas condições de temperatura, pH ou concentração salina, os dois filamentos da hélice se separam. A dissociação se deve à quebra das pontes de hidrogênio entre as bases complementares. Voltando às condições iniciais, essas ligações se restabelecem e os filamentos se associam novamente. A reação de hibridização também ocorre entre filamentos de DNA ou de RNA de diferentes origens e tamanhos, sempre que houver algumas sequências complementares. Em função desta propriedade se constroem filamentos simples, geralmente marcados radiativamente, de DNA ou RNA de sequência conhecida. Estes se usam como sondas para reconhecer a presença de uma sequência complementar em um cromossomo ou em um fragmento de DNA (Figura 8.3).
FIGURA 8.3. Hibridização de uma sonda com a sequência complementar.
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FIGURA 8.4. O método de Southern. A sonda identifica a homozigose de I (sem sítio de restrição) e de III (com sítio de restrição) e a heterozigose de II (um filamento sem sítio de restrição e o outro com sítio de restrição).
1. Preparação dos fragmentos de restrição Três amostras de DNA de diferente origem + enzima de restrição.
2. Eletroforese Os fragmentos de restrição são separados por eletroforese.
3. Transferência O DNA é desnaturado e os fragmentos unifilamentares transferidos a uma membranade nitrocelulose.
4. Sonda radiativa Acrescenta-se uma sonda unifilamentar complementar ao gene procurado. Esta hibridiza com o fragmento portador da sequência complementar.
5. Autorradiografia Depois de lavar, para eliminar o excesso de reagente, coloca-se sobre o filtro um filme sensível à radiatividade.
FIGURA 8.5. O polimorfismo de uma sequência de vinters (VNTRs). A. Número de VNTRs presentes no mesmo fragmento de restrição, em 3 indivíduos
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B. Separação dos fragmentos de restrição (eletroforese)
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O MÉTODO DE SOUTHERN Em 1975, E.M. Southern descreveu um método para analisar fragmentos de restrição, utilizando sondas de DNA. Uma vez separados os fragmentos por eletroforese, transferem-se os fragmentos a uma membrana de náilon ou de nitrocelulose. A hibridização de uma sonda radiativa com o seu alvo é registrada em um filme apropriado (Figura 8.4). O método, denominado Southern blotting, tem sido utilizado para diagnóstico de doenças genéticas, algumas das quais são causadas por mutações que, ao eliminar ou criar um sítio de restrição, modificam o padrão de bandas. Métodos análogos foram desenhados para estudos de RNA (Northern blotting) e de proteínas (Western blotting). Observe-se que, no primeiro caso, a sonda pode ser um fragmento de ácido nucleico, mas no segundo a sonda é um anticorpo específico. O FINGERPRINT Descrita por A. Jeffreys em 1985, uma variante do método de Southern focaliza as regiões do genoma que não se expressam, acumulando mutações que conferem a cada indivíduo uma sequência única (excetuando-se os gêmeos). Muitas delas representam sequências repetidas que estão dispersas ao longo do genoma. Denominadas VNTR ou vinters (do inglês variable-number tandem repeats) estas sequências se repetem um número de vezes que pode variar de um cromossomo ao seu homólogo. Sendo assim, os fragmentos de restrição correspondentes terão um tamanho diferente, o que pode ser visualizado por eletroforese (Figura 8.5). Ao aumentar o número de sondas para o reconhecimento de outros tipos de VNTRs, obtém-se um padrão de bandas individual, parecido com o código de barras do comércio. Assim como as impressões digitais identificam as pessoas, as sondas revelam a identidade genética de cada um de nós. O procedimento, não por acaso chamado de Fingerprint, encontrou rápida aplicação tanto na investigação de paternidade (ou maternidade), como na identificação policial ou forense. A SÍNTESE E AMPLIFICAÇÃO DE DNA Síntese de oligonucleotídeos A síntese de oligonucleotídeos de DNA e RNA se desenvolve hoje em máquinas automatizadas (sintetizadores) capazes de construir, em poucos minutos, moléculas com dezenas de pares de bases (Figura 8.6). Estes oligonucleotídeos podem ser utilizados como sondas ou como primers para a PCR (ver um pouco mais adiante). Síntese de cDNA Uma enzima de origem viral transcreve a informação genética no sentido RNA DNA. Esta enzima, denominada transcriptase reversa, normalmente garante aos vírus com genoma de RNA sua multiplicação no hospedeiro (como o HIV, por exemplo). O rRNA e os tRNAs podem ser isolados facilmente devido a seu tamanho; o mRNA, por sua vez, deve ser isolado dos tecidos onde se expressa. O mRNA da proteína da seda ou fibroína, por exemplo, se extrai das glândulas salivares do bicho-da-seda.Como ferramenta de laboratório, a transcriptase reversa possibilita a construção de filamentos de DNA complementares (cDNA) a qualquer molécula de RNA (Figura 8.7). Note-se que, diferente do gene original, não haverá íntrons no cDNA reconstruído a partir de RNA. 85
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FIGURA 8.6. A síntese de oligonucleotídeos.
FIGURA 8.7. A síntese de cDNA por transcriptase reversa.
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FIGURA 8.8. A reação em cadeia da polimerase. A. Os elementos necessários para a reação em cadeia da polimerase.
B. A amplificação do DNA.
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A reação em cadeia da polimerase A reação em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction ou PCR) é um procedimento que permite obter milhões de cópias de DNA em poucas horas (Figura 8.8 A). Para isso, se precisa do DNA que contenha a sequência que se deseja amplificar, de desoxinucleotídeos dos quatro tipos (dATP, dTTP, dCTP e dGTP), de uma polimerase de DNA e dos primers correspondentes. Estes são pequenos fragmentos sintéticos de DNA, complementares às extremidades da sequência-alvo, sendo indispensáveis para que a polimerase comece a sintetizar o filamento de DNA. A chave do processo é a DNA-polimerase, uma enzima estável a altas temperaturas que permite à bactéria Thermus aquaticus sobreviver em águas termais. Atualmente, esta enzima se produz por engenharia genética. Em um ciclo pontuado por mudanças de temperatura, os filamentos de DNA são dissociados e anelados com os primers, possibilitando que a polimerase sintetize o resto da sequência. Repetindo muitas vezes o ciclo, gera-se em pouco tempo um número altíssimo de cópias que podem ser utilizadas em qualquer tipo de análise (Figura 8.8 B). Uma máquina de PCR pode desenvolver 25 ciclos em menos de uma hora, amplificando 10 5 vezes o fragmento de DNA. Uma das grandes vantagens da PCR é que não há necessidade de isolar previamente o fragmento a ser amplificado, bastando conhecer as extremidades da sequência e escolher os primers adequados. Desenvolvendo-se de forma totalmente automatizada, o procedimento admite múltiplas variantes. A empresa Cetus comprou de seu inventor, K. Mullis, a patente da PCR por U$S 10.000, vendendo-a pouco tempo depois a Hoffmann-La Roche por U$S 300 milhões; hoje se trata de uma técnica corriqueira em qualquer laboratório de Biologia Molecular e provavelmente nenhum dos dois fez um bom negócio. Mais tarde, em 1993, Mullis recebeu o Prêmio Nobel pela invenção da PCR. Como assinalado anteriormente em relação aos sintetizadores de oligonucleotídeos, uma das chaves do êxito da PCR é o fato de ser um procedimento automatizado que se desenvolve em máquinas rápidas e eficientes, resultado da integração da Biologia Molecular com a Informática e a Eletrônica. O sucesso da PCR se deve a sua extraordinária versatilidade, permitindo que seja utilizada, com objetivos diversos, em campos tão diferentes como a agricultura, a medicina veterinária, os estudos ambientais, os testes de diagnóstico e a medicina forense. Entre suas muitas aplicações, cabe citar também os estudos antropológicos e evolutivos, tais como a extração de DNA de múmias egípcias, de animais extintos como o quagga (um tipo de zebra) ou de insetos presos em âmbar 40 milhões de anos atrás. O SEQUENCIAMENTO DO DNA Desenvolvido por F. Sanger em 1977, o sequenciamento de um fragmento de DNA é, também, um procedimento de tipo iterativo, possibilitando a construção de máquinas capazes de realizar rapidamente a tarefa (Figura 8.9). Um sistema automatizado permite identificar, na corrida eletroforética, cada um dos quatro didesoxinucleotídeos, fornecendo diretamente a sequência do fragmento sequenciado. Uma vez determinada a sequência de várias amostras, inicia-se a montagem da informação armazenada nos bancos de dados. Esta etapa se realiza em supercomputadores, exigindo um tratamento matemático para ordenar as sequências, preencher as lacunas e verificar os dados. Existem sequenciadores automatizados em que o gel é colocado nos capilares por um braçorobô que acrescenta o DNA e efetua a limpeza depois da eletroforese. No ano 2000, tais braços permitiam o tratamento de uma centena de amostras em 4 horas, sem exigir mais do que 15 minutos diários de atenção humana. 88
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA
FIGURA 8.9. O sequenciamento de um fragmento de DNA.
1.
Preparar numerosas cópias do fragmento a sequenciar (tamanho aproximado: 500 pares de bases)
2.
Incubar a preparação com as substâncias necessárias para a síntese de filamentos complementares e acrescentar alguns nucleotídeos, na forma didesoxi, marcados com substâncias fluorescentes de diferente cor.
3.
Iniciar a síntese dos filamentos complementares que será bloqueada quando, em vez de um desoxinucleotídeo, se incorpore um didesoxinucleotídeo, porque estes não formam ligações fosfodiéster.
4.
Depois de vários ciclos teremos fragmentos de todos os tamanhos:
5.
Os fragmentos são separados por electroforese. O sequenciador identifica cada um deles pela fluorescência do nucleotídeo didesoxi incorporado e fornece a sequência.
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Calculava-se que, no auge do estudo do genoma humano, uma empresa ligada a Celera (Biosystems Applied) mantinha os computadores funcionando dia e noite, chegando a gastar U$S 1.000.000 mensais com eletricidade. Apesar de ter possibilitado o estudo de numerosos genomas, a partir de 2006 o método automatizado de Sanger começou a ser considerado pouco eficiente, surgindo a necessidade de desenvolver uma nova geração de tecnologias, mais rápidas e mais baratas. Várias plataformas comerciais (Roche/454, Illumina/Solexa, Life/APG, Helicos Biosciences) coexistem atualmente no mercado e numerosas empresas contam com tecnologias em diferentes etapas de desenvolvimento e comercialização (IBM, Oxford Nanopore Technologies, Intelligent Biosystems, LaserGen Inc. e NABsys). Em 2006, os métodos utilizados eram 500 vezes mais rápidos que os da década anterior. Hoje, além de serem ainda mais velozes, as tecnologias de segunda geração tem derrubado os custos do sequenciamento. Se em outubro de 2004, o custo do sequenciamento de 1 Megabase (1.000.000 de pares de bases) era de US$ 1598,91, em julho de 2011 o preço era de US $ 0,12. Em consequência temos uma enorme avalancha de dados, que possibilita estudos comparativos e evolutivos de uma dimensão inimaginável alguns anos atrás. Também abre o caminho para estudos sobre as diferenças genéticas que afetam a saúde e a doença. OS ARRAYS Em consequência do conhecimento acumulado sobre o genoma do homem e de outros organismos, já podem ser estudados alguns aspectos relacionados com a expressão e a interação dos genes. Lidar com um número enorme de informações demanda novos avanços tecnológicos, entre os quais a construção de chips de DNA e microarrays. Os microchips são pequenas placas de vidro, náilon ou sílica com centenas de sondas por cm 2, fixadas mediante diferentes tecnologias (robótica, fotolitografia). Coloca-se a amostra, marcada com um corante fluorescente, sobre a placa; as moléculas complementares a alguma das sondas ficarão grudadas, as restantes serão eliminadas na lavagem posterior. Os pontos onde ocorreu a hibridização são identificados por varredura com um raio laser e um software apropriado para o tratamento da informação (Figura 8.10). Escolhem-se as sondas entre os genes codificadores de proteínas que se expressam na célula. Desse modo, se excluem os genes que correspondem ao rRNA, aos tRNAs, às sequências de controle e ao DNA extragênico. A escolha de sequências transcritas, denominadas ESTs (do inglês, expressed sequence tags), aumenta as chances de detectar os genes que participam de alguma resposta patológica. Atualmente, a tecnologia é utilizada para diversos tipos de análise de DNA e RNA, como, por exemplo: o o o o
Determinar quais os genes ativados em um tecido, em um momento do desenvolvimento ou em um estado fisiológico, como o sono. Comparar as sequências de dois alelos, um deles normal e o outro associado a alguma patologia. Determinar qual o medicamento adequado para um paciente. Prever o risco de uma pessoa adoecer se ela for exposta a determinada substância etc.
Numerosas empresas fabricam arrays comercialmente; algumas estimam que em pouco tempo serão construídos arrays do tamanho de uma moeda, contendo todo o genoma humano. É difícil prever os alcances desta tecnologia tão promissora, mas os analistas estimam que, até 2012, o mercado chegará a 1,47 bilhão de dólares por ano. . 90
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 8: A tecnologia do DNA
FIGURA 8.10. Fundamentos da tecnologia de arrays. Se as sondas representarem ESTs, saberíamos que os genes representados por B7, C2, D4, E10, G8 e H5 estão ativados. O tamanho das sondas depende da tecnologia utilizada na construção do array. Observe-se que cada uma das sondas representadas no desenho corresponde a um conjunto de moléculas semelhantes.
A partir do mRNA extraído, se prepara o DNA, que é marcado com uma substância fluorescente
Microarray com as sondas (oligonucleotídeos de DNA) fixadas a um suporte Hibridização
Eliminação do cDNA marcado que não emparelhar com nenhuma sonda
Varredura (scanner) para detectar as sondas que hibridizaram com o cDNA
Resultado: Houve complementação com As sondas B7, C2, D4, E10, G8 e H5
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A BIOLOGIA SINTÉTICA Com o desenvolvimento da genômica e a aparição de novas plataformas tecnológicas surge, na interface entre a biologia e a engenharia, a biologia sintética. Trata-se de uma nova área de conhecimento com finalidades práticas, que visa o desenho e a construção de sistemas biológicos simplificados. A síntese cada vez mais rápida de alguns genomas virais (hepatite C, 2000; poliomielite, 2002; phi X 174, 2003) permitiu a construção e o patenteamento de uma bactéria parcialmente sintética (Mycoplasma laboratorium) por pesquisadores do Instituto J. Craig Venter. Em 2010, pesquisadores do mesmo Instituto obtiveram uma bactéria sintética, mediante a introdução de unidades básicas de DNA de Mycoplasma mycoides em uma bactéria receptora de outra espécie, Mycoplasma capricolum, e a eliminação posterior do genoma desta. A bactéria sintética, denominada Synthia, se reproduz normalmente e leva sequências específicas que confirmam sua origem artificial. Moléculas de DNA sintetizadas automaticamente e associadas entre si como blocos de Lego são os elementos fundamentais para construir genomas mínimos, capazes de cumprir funções determinadas. Com o objetivo de desenvolver a biologia sintética em benefício da humanidade e do planeta, várias organizações (Biobricks Foundation, DIYBIO, SYNBIO etc.) e universidades (Harvard, MIT etc.) promovem a criação de uma comunidade que compartilhe valores e normas de trabalho, mediante a livre difusão de protocolos e sequencias biológicas standard que possam ser usadas, com segurança, como blocos fundamentais. Esperam-se da biologia sintética avanços substanciais em medicina, indústria, energia e meio ambiente.
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9. A ENGENHARIA GENÉTICA
O NASCIMENTO DA BIOTECNOLOGIA MODERNA A Genética e a Biologia Molecular se desenvolveram rapidamente ao término da Segunda Guerra Mundial. Em um período de 25 anos, foram esclarecidos temas de enorme importância: a estrutura dos ácidos nucleicos, o código genético, a ação dos agentes mutagênicos, a genética dos microrganismos, a estrutura e a síntese das proteínas, a regulação gênica etc. É nesse contexto de rápidos avanços que devemos situar as primeiras experiências que deram origem à tecnologia do DNA-recombinante, também chamada de engenharia genética. A utilização da palavra “recombinante” nos remete à recombinação gênica, um fenômeno que ocorre normalmente durante a meiose, devido à permuta de fragmentos cromossômicos homólogos. Mediante o corte e a união de pequenos pedaços de DNA, a engenharia genética cria novas combinações de genes, pertencentes ou não a indivíduos de uma mesma espécie. A engenharia genética é um instrumento valioso para o estudo dos genomas, a produção de proteínas em organismos modificados geneticamente e a geração de organismos transgênicos com propriedades novas. AS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS Em 1972, na Universidade de Stanford (Califórnia), P. Berg conseguira associar o DNA de dois microrganismos diferentes, formando uma molécula mista de DNA. Na mesma Universidade, Stanley Cohen especializava-se na biologia dos plasmídeos microbianos, pequenas moléculas de DNA circular, portadoras de alguns genes capazes de se replicar de maneira autônoma. E, na Universidade de Califórnia (San Francisco), Herbert Boyer isolava a primeira das enzimas de restrição que corta o DNA em fragmentos com pontas lascadas, uma característica que simplifica a tarefa de associar (“colar”) os pedaços. S. Cohen e H. Boyer se encontraram em uma conferência científica no Havaí. A ideia de uma colaboração entre ambos teria surgido uma noite, diante da praia de Waikiki, em redor de sanduíches e cervejas. As experiências conjuntas começaram assim que eles regressaram a seus laboratórios em San Francisco. Boyer dispunha da enzima de restrição EcoRI, Cohen de dois plasmídeos, um deles com um gene de resistência a kanamicina (pSC102) e o outro com um gene de resistência à tetraciclina e um sítio de restrição para EcoRI (pSC101). Na primeira experiência, os pesquisadores abriram o pSC101 e inseriram fragmentos do pSC102, utilizando a enzima de restrição e uma ligase como “tesoura” e “cola”. A seguir, eles introduziram este plasmídeo quimérico na bactéria Escherichia coli. A seleção de clones resistentes a ambos antibióticos (tetraciclina e kanamicina) mostrou o sucesso do experimento (Figura 9.1). Boyer e Cohen repetiram a experiência, mas em vez de inserir no plasmídeo um pedaço de DNA bacteriano, eles planejaram colocar um fragmento de DNA do sapo Xenopus laevis. Com esse objetivo, selecionaram um gene codificador de rRNA no DNA do sapo e o inseriram no plasmídeo pSC101. Introduzido o plasmídeo recombinante na bactéria Escherichia coli, esta começou a sintetizar rRNA de Xenopus (Figura 9.2). A extraordinária novidade do experimento está na transferência de genes de uma espécie para outra bem distante na escala evolutiva; um fenômeno limitado na natureza a uma mesma espécie ou a espécies muito próximas. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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FIGURA 9.1. A experiência que deu origem à engenharia genética: cortar, colar, copiar. 1. Preparação dos plasmídeos recombinantes Bactérias T R CORTAR
COLAR
Enzimas de restrição Bactérias T S
pSC 101 pSC 102
2. Transferência dos plasmídeos e seleção das bactérias recombinantes R
Plasmídeos
R
Bactérias T K recombinantes COPIAR OU CLONAR Multiplicar
Bactérias T S K S
Meio de cultivo com tetraciclina e kanamicina
Legenda T: tetraciclina, Ts: sensível à tetraciclina, Tr: resistente à tetraciclina, K= kanamicina, Ks: sensível à kanamicina, Kr: resistente à kanamicina, pSC101: plasmídeo de Stanley Cohen n0 101; pSC102: plasmídeo de Stanley Cohen n0 102.
FIGURA 9.2. Sapobacter ou Bactosapo? Com a entrada de um plasmídeo recombinante, com DNA de Xenopus, em uma bactéria, esta passa a sintetizar algumas moléculas características de Xenopus.
Xenopus
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DNA de Xenopus
Bactéria recombinante
Moléculas de Xenopus
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 9: A engenharia genética Fragments of amplified Xenopus laevis DNA, coding for 18S and 28S ribosomal RNA and generated by EcoRI restriction endonuclease, have been linked in vitro to the bacterial plasmid pSCl01; and the recombinant molecular species have been introduced into E. coli by transformation. These recombinant plasmids, containing both eukaryotic and prokaryotic DNA, replicate stably in E. coli. RNA isolated from E. coli minicells harboring the plasmids hybridizes to amplified X. laevis rDNA. Extraído de: Replication and Transcription of Eukaryotic DNA in Escherichia coli (MORROW J.F., COHEN S.N., CHANG A.C. Y., BOYER H.W., GOODMAN H.M.E R.B. HELLING. Proc. Nat. Acad. Sci. USA 71:5, 1974
MITOS E REALIDADE As infinitas possibilidades da tecnologia do DNA-recombinante despertaram alguns dos antigos mitos. Por desobedecer a Zeus, entregando o fogo ao homem, Prometeu sofreu o terrível castigo de ser acorrentado a uma montanha e ter o fígado devorado por uma águia. Instrumento da vingança divina, Pandora abrira a caixa da qual saíram todos os males da humanidade. A ambiguidade da nova biotecnologia, com os seus desafios e promessas, costuma ser representada nas duas faces de Janus, um rei com o dom de ver simultaneamente o passado e o presente. Em 1974, P. Berg e mais nove pesquisadores publicaram uma carta nas revistas científicas Science, Nature e Proceedings of the National Academy of Science, alertando os colegas sobre os possíveis riscos da nova tecnologia e pedindo uma moratória sobre os experimentos com DNA, até serem estabelecidos os cuidados e salvaguardas necessárias. Considerando que “o uso desta tecnologia apresenta vários riscos possíveis porque novos tipos de organismos, alguns deles potencialmente perigosos, podem ser introduzidos no ambiente, se não existirem os devidos controles”, o National Institute of Health (NIH) formou o Recombinant DNA Advisory Committee (RAC). Em 1975, a conferência de Asilomar (Monterrey, Califórnia), reunindo 139 pesquisadores de 17 países, classificou os experimentos em função do risco (baixo, médio ou alto), pedindo a suspensão dos experimentos de alto risco enquanto não se determinassem quais as formas de contenção adequadas, tanto físicas como biológicas. Enfatizava-se também a necessidade de trabalhar com microrganismos enfraquecidos, incapazes de sobreviver fora do laboratório. Em 1976, o RAC publicou um conjunto de normas de trabalho que, além de revisadas periodicamente, devem ser seguidas por todos os pesquisadores e instituições que recebam dinheiro do NIH para pesquisas com DNA-recombinante. Com base nos trabalhos publicados em 1973, a Universidade de Stanford obteve uma patente que lhe rendeu U$S 300 milhões, divididos com a Universidade da Califórnia em San Francisco. A Universidade de Stanford licenciou o uso da tecnologia a mais de 400 empresas, entre as quais Amgen, Eli Lilly, Genentech, Johnson & Johnson e Schering Plough. Qual o invento patenteado? O processo ou ferramenta biotecnológica que consiste em inserir um DNA exógeno em um plasmídeo bacteriano e este em uma bactéria, que se transforma assim em uma fábrica capaz de reproduzir esse gene em quantidades ilimitadas. Nesta breve recapitulação do nascimento da Biotecnologia moderna, vale destacar a preocupação com a segurança, mostrada oportunamente pelos pesquisadores e as instituições científicas envolvidas. Não há na história da ciência ou da tecnologia um episódio de responsabilidade coletiva comparável ao da Conferência de Asilomar. Paralelamente a sua exploração comercial, a engenharia genética é utilizada atualmente em centenas de laboratórios de universidades e institutos de pesquisa. E mais de trinta anos depois não há registro ou relato de nenhum acidente relacionado com essa tecnologia. Talvez valha a pena lembrar que Prometeu foi liberado depois de 30 anos, e que bem no fundo da caixa de Pandora estava a esperança. 95
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FIGURA 9.3. A construção de bibliotecas de genes. A triagem dos clones pode ser feita reconhecendo a "etiqueta" representada por uma sequência conhecida no DNA (STS, ou sequence tagged site; ESTs, ou expressed sequence tagged); no caso do gene se expressar, a triagem também pode ser feita com anticorpos específicos para a proteína sintetizada.
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AS BIBLIOTECAS DE GENES O enorme tamanho de um genoma dificulta tanto o mapeamento como a localização de um gene. Uma forma de facilitar a manipulação é extrair o DNA de um organismo determinado, cortá-lo com enzimas de restrição, inserir os fragmentos em plasmídeos e introduzir os plasmídeos recombinantes em bactérias. Cada bactéria formará um clone e cada clone levará um fragmento do genoma do organismo estudado. O conjunto de clones representa o genoma inteiro de um organismo, constituindo uma biblioteca genômica (Figura 9.3). Boa parte do DNA é “lixo” e não leva genes. Por isso, um procedimento alternativo é a montagem de uma biblioteca gênica, incluindo exclusivamente os genes que se expressam, ou seja, os genes responsáveis pela síntese de proteínas. Separa-se o mRNA codificador, e, com a enzima transcriptase reversa, se constroem as moléculas correspondentes de cDNA. Inserem-se estas em plasmídeos, e os plasmídeos em bactérias. Com este procedimento, obviamente, o número de clones na biblioteca será menor (Figura 9.3). De fato, o número de clones depende não só do número de genes como do tamanho do fragmento que o vetor pode carregar. Como os plasmídeos bacterianos e o bacteriófago só transportam fragmentos pequenos de DNA de 10 kb a 20 kb, outros vetores genéticos foram especialmente desenhados para carregar fragmentos maiores (cosmídeos, YACs ou yeast artificial cromossomes, BACs ou bacterial artificial chromossomes, transposons etc.). A construção de bibliotecas de genes representa o primeiro passo para o mapeamento de um genoma. Ao sequenciamento dos fragmentos segue a montagem da informação. Trata-se de uma etapa complexa em que se alinham as sequências, se preenchem lacunas e se verificam os dados. O tratamento matemático das informações demanda algoritmos sofisticados e computadores poderosos. Uma vez organizada a sequência, esta é armazenada em bancos de dados. O usuário tem acesso através da Internet, mediante programas especializados que acumulam uma enorme quantidade de informações.
A CONSTRUÇÃO DE UM MICRORGANISMO RECOMBINANTE Uma das primeiras proteínas de origem recombinante foi a somatotropina ou hormônio de crescimento. Como a enzima de restrição eliminava do cDNA, além da sequência codificadora do peptídeo-guia, os nucleotídeos correspondentes aos primeiros aminoácidos da molécula, estes tiveram que ser acrescentados quimicamente, em um processo extremamente engenhoso (Figura 9.4). A transferência de um gene de uma espécie permite obter microrganismos que sintetizem alguma substância diferente, geralmente visando o cultivo em grande escala. O gene de interesse costuma ser selecionado e estudado na bactéria de laboratório Escherichia coli e, posteriormente, transferido à espécie na qual se pretende produzir a proteína correspondente. Além de Escherichia coli e de Saccharomyces cerevisiae, existem vários outros microrganismos que são habitualmente utilizados como hospedeiros: Bacillus subtilis, Picchia pastoris, Pseudomonas, Streptomyces, Aspergillus nidulans, Neurospora crassa etc. Estes microrganismos são utilizados na produção de fármacos (insulina, hormônio de crescimento, vacinas) ou de enzimas (quimosina) e, também, na degradação de poluentes.
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FIGURA 9.4. A produção de somatotropina por engenharia genética.
O sinal correspondente ao peptídeo-guia é removido do cDNA com a enzima de restrição Hae III, que remove também 72 bases, codificadoras dos primeiros 24 aminoácidos da molécula.
cDNA de somatotropina Fragmento de DNA sintético com as 72 bases correspondentes aos 24 primeiros aminoácidos
União dos dois fragmentos de DNA
Inserção em um plasmídeo Plasmídeo recombinante Transformação
Transcrição e tradução do gene SOMATOTROPINA
FIGURA 9.5. Algumas estratégias possíveis de clonagem. Biblioteca genômica
Biblioteca gênica
Identificação do clone com o gene que se procura Síntese in vitro
Clonagem e subclonagem em Escherichia coli
Transferência a outro organismo, visando a expressão do gene 98
Reação em cadeia da polimerase (PCR)
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ENCONTRAR O GENE De um modo geral, encontrar um gene equivale a procurar agulha em palheiro. O gene pode ser localizado por triagem dos clones de uma livraria gênica ou genômica (Figura 9.3). Se esta não existir, pode ser necessário construí-la, em uma primeira rodada de clonagem, para encontrar o gene de interesse. A segunda dificuldade está na obtenção de numerosas cópias desse gene. Uma solução é a multiplicação do clone correspondente e posterior isolamento do gene procurado. Outra é a amplificação do gene mediante a PCR, sempre que se conheçam as sequências iniciais e finais ou, eventualmente, as sequências adjacentes à região onde está inserido. Se a sequência do gene for conhecida e relativamente curta, podem-se construir cadeias curtas de oligonucleotídeos e associálas, formando um gene sintético que será amplificado por PCR. Existem numerosas estratégias, que dependem do caso e, também, das características e possibilidades do laboratório (Figura 9.5). Seja qual for o caminho seguido, uma vez que as cópias do gene de interesse forem obtidas, estas terão que ser transferidas ao hospedeiro definitivo.
INSERIR O GENE Vetores de expressão gênica A transferência de um fragmento estranho de DNA se vê facilitada pela utilização de vetores. Um vetor é uma molécula de DNA que se duplica de maneira autônoma dentro de uma célula, carregando vários genes, entre os quais alguns marcadores que permitam reconhecer sua presença dentro da célula. É no vetor que será inserido o fragmento de DNA estranho, para multiplicação ou integração no genoma. Além dos plasmídeos (bacterianos e de leveduras) e os bacteriófagos (, m13), também se utilizam como vetores os transposons, que são elementos genéticos móveis capazes de pular de um lugar a outro do genoma, espalhando ou não cópias. Construídos em função das necessidades, existem hoje vetores bacterianos, vetores de leveduras e vetores bifuncionais que podem ser utilizados tanto em bactérias como leveduras. As primeiras experiências de Engenharia Genética foram feitas na bactéria Escherichia coli, um microrganismo muito conhecido e fácil de se cultivar no laboratório. Porém, Escherichia coli não é o organismo ideal para a expressão de genes eucarióticos. Células procarióticas e eucarióticas diferem em relação ao processamento do mRNA e às modificações das proteínas depois da tradução. Por este motivo, quando se procura expressar genes de mamíferos, Escherichia coli é substituída por outras células eucarióticas, como a levedura Saccharomyces cerevisiae, um fungo utilizado há séculos na produção de alimentos e bebidas. Para que um gene se expresse em uma célula hospedeira, é necessário que esta reconheça seus próprios sinais de expressão. Para poder sintetizar uma proteína exógena, a célula deverá ler a sequência codificadora com seus próprios sinais de transcrição (promotor) e de tradução (sítio de ligação com o ribossomo, término de leitura). O ideal é construir um vetor que já contenha os genes marcadores para seleção ou reconhecimento, os sítios de restrição, uma sequência promotora e os sinais adequados de início e fim da transcrição. Ao colocar a sequência codificadora da proteína, o vetor funciona como um “cassete” de expressão (Figura 9.6).
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Outros fatores adicionais intervêm na construção de um vetor de expressão. Um promotor forte, por exemplo, permitirá sintetizar uma quantidade grande de proteína, o que será interessante comercialmente se esta for uma enzima. Entretanto, se a proteína em questão for uma toxina que possa afetar o hospedeiro, será preferível escolher um promotor fraco. Uma possibilidade interessante é a utilização de um promotor que responda a um fator externo controlável (substrato, temperatura), de maneira tal que o gene possa ser ligado ou desligado no momento que se considere conveniente. Finalmente, também deve ser considerado o destino da proteína dentro da célula; se esta for secretada haverá que acoplar na construção gênica um gene de sinalização, que a leve até a membrana celular. FIGURA 9.6. A estrutura de um vetor de expressão. Este deve incluir os elementos genéticos da célula hospedeira para a transcrição e tradução .
Transformação e transfecção Existem diversos métodos para inserir o DNA recombinante dentro da célula. Facilita-se a entrada do DNA com algumas manipulações, tais como a adição de CaCl 2 no meio e/ou a modificação da temperatura. A aplicação de forças elétricas também aumenta as chances do DNA penetrar na célula, ao abrir os poros da membrana (eletroporação). Os plasmídeos atravessam a membrana celular em um processo denominado transformação, que ocorre em determinadas condições fisiológicas da célula hospedeira. Em se tratando de vetores virais, a infecção da célula promove a entrada do DNA exógeno dentro da célula. Fala-se neste caso de transfecção (transformação + infecção). A tecnologia do DNA-recombinante está baseada em fenômenos que ocorrem em frequências muito baixas. A existência de métodos de seleção eficientes possibilita detectar e recuperar aquelas células que incorporaram um gene estranho. Associa-se o gene estranho a um marcador seletivo como, por exemplo, um gene de resistência a algum antibiótico. Em presença deste, só poderão se multiplicar e formar clones ou colônias as células que incorporaram ambos os genes. Entretanto, o uso de genes de resistência a antibióticos é considerado polêmico, porque existe uma possibilidade remota dos genes serem transferidos das bactérias transformadas para as bactérias do ambiente.
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IDENTIFICAR OS MICRORGANISMOS RECOMBINANTES Também podem ser utilizados como marcadores seletivos os genes que codificam a síntese de um aminoácido. Neste caso, a seleção do microrganismo recombinante ocorre em um meio sem esse aminoácido. Além dos marcadores seletivos, os pesquisadores contam com outro tipo de marcadores que permite identificar as bactérias transformadas e, também, acompanhar a expressão de um gene no organismo modificado. Destacam-se entre estes marcadores, ou genes repórteres: GAL e GUS, respectivamente o gene da -galactosidase e o gene da glucuronidase que transformam o substrato correspondente em um composto colorido; GFP, um gene da medusa Aequorea Victoria, que sintetiza uma proteína fluorescente, verde brilhante na luz ultravioleta; LUC, o gene da luciferase, uma enzima dos vaga-lumes, que emite luz em presença do substrato. Métodos alternativos envolvem a identificação de uma proteína com anticorpos marcados ou o reconhecimento de um gene por hibridização com uma sonda marcada.
A CONSTRUÇÃO DE PLANTAS TRANSGÊNICAS As plantas transgênicas se originam via cultura in vitro a partir de células vegetais modificadas geneticamente. Portadoras de um gene exógeno ou transgene, sua obtenção visa o melhoramento das propriedades agronômicas e nutritivas dos vegetais e, também, sua utilização para produzir substâncias novas (biofábricas). O TRANSGENE Para garantir a transferência de uma sequência gênica determinada, deve-se construir em redor uma estrutura complexa que inclua também um gene marcador, um promotor e as sequências de leitura adequadas (sequência terminal). Denomina-se transgene o conjunto formado pela sequência gênica e a estrutura que o acompanha. O promotor desencadeia a transcrição da sequência codificadora de interesse. Um promotor constitutivo permitirá a expressão gênica na maioria dos tecidos e ao longo da vida da planta. Também existem promotores que respondem a estímulos ambientais internos ou externos, como a luz. O gene marcador confere resistência a substâncias normalmente tóxicas para as células vegetais, tais como os antibióticos ou os herbicidas, de modo que em um meio seletivo só sobrevivam células que integraram o transgene. A TRANSFERÊNCIA DOS GENES A CÉLULAS VEGETAIS Agrobacterium tumefaciens é uma bactéria do solo, que leva um plasmídeo denominado Ti (do inglês, Tumour induced plasmid). Quando infectadas com a bactéria portadora desse plasmídeo, as plantas dicotiledôneas desenvolvem galhas, isto é, tumores característicos (crown gall). A eliminação de alguns genes na região T do plasmídeo Ti conserva sua capacidade de inserção no cromossomo da célula hospedeira, eliminando a propriedade de induzir tumores. Esta característica transforma o plasmídeo em um vetor adequado para a transferência de genes de outras espécies às células vegetais. Basta colocar o transgene na região T do plasmídeo previamente desarmado para se obter um plasmídeo recombinante que poderá ser transferido novamente a Agrobacterium ou a células hospedeiras, onde o transgene irá se inserir em algum lugar do genoma (Figura 9.7). 101
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FIGURA 9.7. A construção de uma planta transgênica no laboratório. O plasmídeo Ti "desarmado" portando um gene exógeno é transferido a células de discos foliares. Formam-se calos que poderão regenerar a planta inteira.
FIGURA 9.8. As etapas da construção de uma planta transgênica. Transformação por engenharia genética Regeneração mediante técnicas de cultura de tecidos Caracterização molecular e bioquímica Avaliação do valor agronômico Melhoramento mediante cruzamentos com linhagens de elite Obtenção de uma variedade transformada geneticamente Experimentos e testes de campo, em pequena e grande escala Autorização da legislação local Liberação do cultivo para sua exploração comercial 102
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As plantas monocotiledôneas (arroz, milho, trigo) não são infetadas por Agrobacterium, sendo necessário recorrer a métodos físicos para a transferência de genes. Recorre-se à eletroporação, assim como ao tratamento com uma substância que desestabilize a membrana plasmática (polietilenglicol ou PEG). O método mais difundido provavelmente seja a biolística. Com um revólver especial (gene gun) dispara-se microprojéteis de ouro ou tungstênio, recobertos de DNA, em direção às células. O dispositivo possibilita a entrada do DNA exógeno no núcleo, nas mitocôndrias ou nos cloroplastos. De um modo geral, a transformação se realiza em protoplastos, células em que a parede celular foi eliminada com enzimas. O PROBLEMA DOS MARCADORES SELETIVOS O uso de marcadores de resistência a antibióticos na construção de plantas desperta vários questionamentos, apesar de se tratar de antibióticos sem uso clínico e que já se encontram nas bactérias do intestino. Estes marcadores podem ser substituídos, mas como sua utilidade se limita ao processo de transformação, o melhor seria eliminá-los uma vez cumprida sua função. Já foram desenvolvidas várias técnicas genéticas de remoção dos marcadores, esperando-se que nos próximos anos sua retirada se transforme em uma prática corriqueira de laboratório. DO LABORATÓRIO AO CAMPO No laboratório, transfere-se a construção genética às células receptoras por algum dos métodos possíveis (geralmente eletroporação, biolística ou uso de vetores, como o plasmídeo Ti de Agrobacterium tumefaciens); a seguir se selecionam e recuperam as células transformadas e, mediante as técnicas de cultura in vitro, se regeneram as plantas correspondentes (Figura 9.8). Notese que este trabalho costuma ser realizado em plantas cujo genótipo favorece a transformação e a regeneração da planta transformada, mas que geralmente resultam pouco vantajosas do ponto de vista agronômico. A presença do transgene, assim como o número de cópias e o lugar em que estas se integraram no genoma, é conferida mediante técnicas bioquímicas e/ou marcadores moleculares (polimorfismos na molécula de DNA, repetição de sequências), porque são aspectos que podem influir na expressão gênica. Considera-se alcançado o êxito quando o transgene se expressa no lugar correspondente e com um adequado nível de atividade, restando por verificar a estabilidade da expressão gênica e o seu valor agronômico. Acabada a etapa de laboratório, iniciam-se os testes controlados em casa de vegetação, para selecionar as plantas-mãe com as quais se originará várias gerações de retrocruzamentos seletivos com alguma das linhagens “elite”. Os testes visam a obtenção de uma linhagem transgênica de alto rendimento, adaptada a um contexto específico, isto é, um cultivar com uma produtividade potencial parecida à da linhagem “elite” que expresse o traço codificado pelo novo transgene. Conceitualmente, estes testes são semelhantes aos efetuados no processo de melhoramento tradicional; no entanto, a utilização de marcadores moleculares e de técnicas de cultura in vitro permite caracterizar a progênie bem mais rapidamente. Só então dá-se início à liberação planejada no meio ambiente, que envolve o cultivo de plantas em experimentos protegidos e testes de campo em diferente escala, até que o novo híbrido transgênico esteja pronto para o seu cultivo comercial. A liberação do cultivo dependerá da autorização da legislação local, geralmente bastante restrita a esse respeito. No Brasil, a liberação depende da Comissão Nacional Técnica de Biotecnologia (CTNBio), uma instância colegiada multidisciplinar que regula mas atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivados. 103
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CÉLULAS E ANIMAIS TRANSGÊNICOS A TRANSFERÊNCIA GÊNICA A CÉLULAS ANIMAIS Um dos objetivos da engenharia genética é a produção de proteínas recombinantes em culturas celulares. Em relação aos microrganismos, a grande vantagem das células animais é possuir os sistemas de transcrição e de processamento das proteínas indispensáveis para a expressão dos genes de organismos superiores. Observe-se que em relação às células animais a palavra transformação designa a conversão de uma célula normal em maligna, sendo substituída por transfecção. O transporte de DNA exógeno dentro da célula é assegurado por métodos físicos (eletroporação, microinjeção, ingestão de micropartículas, fusão de lipossomos com a membrana plasmática) e por vetores (vírus, plasmídeos e transposons). A transfecção mediante vetores virais dos quais se eliminaram as sequências patogênicas, interessa ao laboratorista porque os vírus animais infectam tecidos específicos e se integram no genoma da célula hospedeira de maneira estável. Em mamíferos, os vírus utilizados mais frequentemente como vetores são o SV40, a vacina, os retrovírus e os adenovírus. Células de inseto também podem ser manipuladas geneticamente com vetores como os elementos P de transposição de Drosophila, ou como o baculovírus, uma vez eliminado o gene que permite sua proliferação na natureza. Assim como visto anteriormente em relação aos microrganismos e às plantas, a sequência codificadora é colocada em uma construção gênica bem definida que inclui um gene marcador para selecionar as células que receberam o transgene. Utilizam-se como marcadores genes de resistência a antibióticos, genes para características metabólicas (Tk ou timidina quinase) etc. Para integrar a construção gênica no lugar desejado, se colocam nas extremidades sequências de DNA homólogas às extremidades do segmento que se quer substituir. Como distinguir a integração no lugar desejado (recombinação homóloga) da integração ocorrida em qualquer outro lugar (recombinação não homóloga)? Acrescentando na construção gênica, um pouco mais longe das sequências homólogas, um gene de “seleção negativa”. Se a célula o integrar em qualquer outro lugar do genoma, ela se tornará sensível a um segundo antibiótico. Inversamente, se a célula for resistente a este antibiótico, tendo recebido o marcador colocado dentro da construção gênica, isto significa que houve integração no lugar desejado. Os animais como modelos para a experimentação A transfecção de células cultivadas in vitro permite que sejam verificados o sítio de integração do transgene e o número de cópias inseridas. Uma aplicação interessante desta tecnologia na pesquisa clínica é a construção de modelos animais para o estudo de doenças humanas. Desse modo se obtiveram camundongos transgênicos para genes determinantes de algumas doenças humanas, tais como câncer de mama (BRCA 1), doença de Huntington, anemia falciforme etc. Estes animais são de grande utilidade para as pesquisas farmacológicas. Os animais como biofábricas A ovelha Dolly nasceu em 1996, depois de numerosas tentativas de transferir o núcleo de uma célula mamária a um ovócito anucleado (Figura 9.9). Adorada pela mídia, o clone Dolly teve que ser sacrificada em 2003 com um tumor no pulmão, artrite e sinais de envelhecimento precoce.
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Poucos meses depois do nascimento de Dolly, o mesmo grupo do Instituto Roslin e de PPL Therapeutics anunciou o nascimento de Polly, uma ovelha transgênica para o gene codificador do fator IX, uma proteína que falta nos hemofílicos. O fato de ter-se utilizado para gerar Dolly uma célula diferenciada mantida em cultivo teve uma importância enorme, porque células embrionárias em cultura podem ser transfectadas e os seus núcleos transferidos para a obtenção de animais transgênicos, como Polly. Após a transfecção de células-tronco embrionárias com um gene desativado, realiza-se sua transferência a blastócitos, que, reimplantados, originarão animais quiméricos, isto é animais com células de dois tipos: umas em que o gene está ativado e outras em que não está ativado porque incorporaram o transgene. Dos cruzamentos entre quimeras com células germinais portadoras do gene desativado nascerão animais homozigóticos com duas cópias do gene inativo (Figura 9.10). Esta estratégia é utilizada não só para construir modelos animais com um gene inativo (knock out), como para colocar um gene ativo (knock in). Mesmo sendo difícil de obter, um animal transgênico pode ser bem mais interessante do ponto de vista econômico que o cultivo de células em biorreatores, um processo complexo e de alto custo. Na construção de animais transgênicos para a produção em grande escala de uma proteína recombinante, escolhe-se habitualmente um promotor que se expresse na glândula mamária, de modo que o produto gênico apareça no leite do animal. Cabras transgênicas produtoras de fator ativador de plasminogênio (tPA), vacas produtoras de lactoferrina, somatotropina ou insulina já são uma realidade. Chama-se Atryn o primeiro anticoagulante liberado comercialmente em 2009, produzido a partir do leite de uma cabra transgênica pela empresa GTC Biotherapeutics.
FIGURA 9.9. Dolly, um clone obtido por transferência nuclear.
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FIGURA 9.10. Construção de animais transgênicos.
A. Microinjeção. Após a transfecção, se implantan os ovos em fêmeas receptivas (pseudográvidas). Aqueles que incorporaram o transgene originarão, neste caso, animais de tamanho maior (supermouse).
B. Transfecção de células-tronco embrionárias. Mediante a implantação do blastócito com células modificadas em uma fêmea aguti, são obtidos animais quiméricos, com células que levam o caráter para pelagem marrom e células com o caráter para pelagem preta. Do cruzamento entre quimeras, nascem alguns animais com pelagem preta, tendo incorporado o DNA exógeno no genoma.
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OS REBANHOS FARMACÊUTICOS Algumas proteínas terapêuticas (somatotropina, insulina) são obtidas atualmente mediante o cultivo de células animais ou de bactérias e leveduras recombinantes; no entanto, é provável que em um futuro próximo estes agentes biológicos sejam substituídos por mamíferos transgênicos. A modificação das técnicas de produção interessa à indústria farmacêutica porque elimina as dificuldades inerentes à condução dos bioprocessos e à purificação dos produtos. Apesar do elevado valor da inversão inicial, bastam poucos animais para se extrair uma quantidade grande de proteína recombinante, com o qual seria possível baratear o seu preço. Já existem cabras produtoras do fator ativador de plasminogênio (tPA) e vacas produtoras de lactoferrina, já próximos de ser comercializados. Biosidus, uma empresa argentina do Grupo de Empresas Farmacêuticas Sidus, iniciou as experiências de clonagem de bovinos em 1997. Como as dificuldades técnicas são numerosas, muitas tentativas tiveram que ser feitas até alcançar o êxito. Este chegou em 2002, com o nascimento de Pampa, uma vaca da raça Jersey que é o primeiro clone bovino da América Latina. Uma vez dominada a tecnologia, o passo seguinte era conseguir um animal que secretasse o hormônio de crescimento humano (somatotropina) no leite. Com esse objetivo, se elaborou uma construção gênica que incluía o gene codificador da somatotropina e um promotor para sua expressão no leite. Esta construção foi inserida em fibroblastos fetais. Da fusão destes fibroblastos com ovócitos anucleados resultaram embriões que se implantaram em vacas portadoras. Em 2002, nascia Pampa Mansa, uma vaca clonada e transgênica que um ano mais tarde começou a produzir leite com somatotropina. Estima-se que bastariam três animais semelhantes para abastecer o mercado latino-americano. A partir de fibroblastos da orelha de Pampa Mansa obteve-se uma dinastia de vacas, clones de um clone. Em 2004, com o nascimento de Pampero, um touro transgênico resultante do cruzamento entre Pampa Mansa e um animal reprodutor, a multiplicação dos animais passou a ser independente da clonagem. O tambo farmacéutico está completo. Em 2005, a empresa Biosidus obteve das autoridades a autorização para liberar um número limitado de animais no meio ambiente agropecuário, em condições estritamente controladas. O próximo passo será a aprovação do produto para o uso farmacêutico. O projeto colocou a Argentina entre os países que dominam esta tecnologia, juntamente com Estados Unidos, Alemanha, França, Japão, Reino Unido e Austrália. Além da participação pioneira de Biosidus, o tambo farmacéutico demandou um investimento de US$ 7.000.000, a participação de uma equipe multidisciplinar de 40 pesquisadores e a assessoria do CONICET (Consejo de Investigaciones Científicas y Técnicas da Argentina). Biosidus contempla a ampliação do rebanho para outras proteínas terapêuticas (Dinastia Patagônia produtora de pró-insulina humana, Dinastia Portenha, produtora de hormônio de crescimento bovino).
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10. BIOTECNOLOGIA E INDÚSTRIA
O PROCESSO WEIZMANN Por ser o primeiro processo fermentativo industrial a se desenvolver em condições assépticas, o processo Weizmann é considerado um marco histórico na biotecnologia industrial. Ao longo do século XIX, dois acontecimentos decisivos transformaram a borracha natural em um material estratégico para o crescimento da indústria automotora; em 1839, C. B. Goodyear descobriu que a vulcanização lhe conferia elasticidade e resistência e, em 1888, J. Dunlop inventou os pneus. A diminuição da oferta de borracha natural, proveniente do Brasil e das plantações inglesas na Malásia, com o correspondente aumento do preço, desencadeou uma corrida à borracha sintética. Enquanto a Alemanha tentava sintetizar a borracha a partir de um derivado do petróleo (butadieno), a Inglaterra explorava as possibilidades de síntese de moléculas precursoras por fermentação. Nesse contexto histórico, o químico de origem russa Chaim Weizmann desenvolveu, na Universidade de Manchester (1914), um processo fermentativo no qual a bactéria Clostridium acetobutilycum produz butanol (um precursor do butadieno) e acetona. Com o início da Primeira Guerra Mundial, a atenção da Inglaterra desviou-se da borracha para a produção de explosivos e, especialmente, de uma pólvora (cordite) à base de nitrocelulose em cuja preparação se usa acetona como solvente. Como esta era sintetizada a partir de carbonato de cálcio, uma matéria-prima importada da Alemanha, a produção de acetona por via química se tornou inviável, e a Inglaterra começou a explorar a via biotecnológica. Recrutado pelo Comitê de Munições e tendo cedido a patente do processo ao governo britânico, Weizmann começou a produzir acetona por fermentação microbiana do amido de milho na Nicholson Gin Distillery (Londres). Contudo, devido à guerra e à falta de alimentos, o suplemento de carboidratos acabou se tornando o fator limitante da produção. Em 1916 os britânicos transferiram a produção para uma destilaria em Toronto (Canadá), ao tempo que era construída outra fábrica na Índia. Em 1917 começou a funcionar uma fábrica produtora de acetona por fermentação do milho em Indiana (Estados Unidos). Uma vez finalizada a guerra, a acetona e o butanol continuaram a ser utilizados como solventes. Os caminhos da ciência, da tecnologia e da política se cruzaram mais uma vez. Químico e jornalista, Weizmann chegou a ser um dos mais importantes líderes comunitários do movimento sionista mundial. Em 1948, ao finalizar o mandato conferido pela Liga das Nações à Grã Bretanha e a partilha da Palestina, Weizmann foi escolhido primeiro presidente do Estado de Israel. O instituto de pesquisas científicas e tecnológicas fundado em Rehovot (Israel) leva o seu nome. O processo Weizmann está indissoluvelmente ligado à história do século XX. A INDÚSTRIA QUÍMICA A VIA QUÍMICA A indústria química se caracteriza por produzir substâncias que atendem as necessidades de outras indústrias. Enquanto algumas empresas sintetizam os derivados petroquímicos básicos (etileno, propileno, butadieno), outras os transformam nos petroquímicos finais: polietileno (PE), polipropileno (PP), policloreto de vinil (PVC), poliésteres e óxido de etileno. Um terceiro grupo converterá esses materiais em objetos de consumo tais como filmes, recipientes, objetos diversos etc. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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As empresas devem responder às mudanças do mercado se ajustando rapidamente a qualquer variação de preço da matéria-prima ou da energia. Para subsistir, uma indústria terá que reagir com versatilidade, mediante o desenvolvimento de processos tecnológicos inovadores e rentáveis. Os processos descartados poderão ser utilizados novamente, a condição de o mercado se tornar novamente favorável. Um exemplo típico é a evolução do mercado da acetona. Subproduto da corrida à borracha sintética durante a Primeira Guerra Mundial, a acetona passou a ser um produto indispensável para a indústria de armamentos. Uma vez concluído o conflito, reapareceu como solvente essencial na fabricação de lacas, uma função de onde seria afastada mais tarde por outras substâncias. A Indústria Química do século XX se baseou, principalmente, no petróleo e seus derivados. Apesar da crise dos anos 1970 ter chamado a atenção da sociedade sobre os riscos da dependência de um recurso não renovável, o petróleo ainda resulta competitivo. A situação poderá mudar em meados do século XXI, com a diminuição das reservas conhecidas e a necessidade de apelar a tecnologias de extração novas e caras. A VIA BIOTECNOLÓGICA A via biotecnológica está baseada na transformação da biomassa, um recurso barato e renovável. Para substituir a via química, devem-se desenvolver processos que possibilitem a obtenção de produtos, materiais e energia a um custo competitivo e com menor impacto ambiental. Todas estas condições se encontram satisfeitas na obtenção de numerosas moléculas de interesse industrial a partir de milho, de óleos vegetais ou de madeira (Tabela 10.1). A Biotecnologia Industrial se fundamenta na microbiologia, nas fermentações e na biocatálise, recebendo o impacto da biotecnologia moderna (genômica, engenharia metabólica, engenharia genética) que abre perspectivas novas no melhoramento das linhagens microbianas e das variedades vegetais. A produção da vitamina B2 (BASF) e do antibiótico cefalexina (DSM Life Sciences Products) são dois exemplos bem sucedidos da substituição da síntese química pela ação microbiana. Esta resultará vantajosa sempre que existirem vários metabólitos intermediários entre o substrato inicial e o produto final, porque um agente biológico será capaz de realizar diretamente a sequência completa de reações. TABELA 10.1. Diversidade de produtos derivados de algumas matérias-primas renováveis. SETOR
MATÉRIA-PRIMA
COMPONENTES
APLICAÇÕES
Açúcar e amido
Cana-de-açúcar, beterraba açucareira, sorgo sacarino, trigo, milho, batata, arroz mandioca etc.
Açúcar, amido, melaço.
Solventes, produtos farmacêuticos, adesivos, resinas, polímeros, selantes, limpadores, etanol.
Óleos vegetais
Canola, soja, coco, girassol, dendê, gorduras animais.
Triglicerídeos, ácidos graxos, glicerol.
Surfactantes para sabões e detergentes, ingredientes inativos de produtos farmacêuticos, tintas, pinturas, resinas, cosméticos, ácidos graxos, lubrificantes, materiais de construção.
Madeira
Pinho, eucalipto.
Celulose, papel e lignina.
Materiais de construção, fibras, polímeros, resinas, adesivos, pinturas, revestimentos, tintas, piche.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria
A utilização de organismos geneticamente modificados permite melhorar os processos produtivos e desenhar produtos novos. Em relação à segurança, cabe lembrar que as características metabólicas das linhagens industriais estão alteradas de modo a que elas cresçam em condições artificiais muito estritas, sendo incapazes de sobreviver fora do laboratório ou, eventualmente, de competir com os microrganismos do ambiente. A percepção pública nutre uma atitude neutra ou favorável em relação à biotecnologia industrial. Em parte porque os produtos são utilizados como insumos para outras indústrias, o que lhes confere pouca visibilidade. E também porque, ao utilizar matérias-primas renováveis e desenvolver processos menos poluentes com menor gasto de energia, as biotecnologias ajudam a atenuar a imagem poluidora da indústria química. Não é por acaso que a biotecnologia industrial é denominada “biotecnologia branca”. OS PRODUTOS BIOTECNOLÓGICOS Alguns processos biotecnológicos geram substâncias em quantidades pequenas (volume baixo) que serão vendidas a um preço elevado (alto valor agregado). Trata-se geralmente de metabólitos secundários cuja produção demanda grandes investimentos, um nível tecnológico avançado e uma mão de obra altamente qualificada. Nesta categoria, denominada química fina, se inserem os produtos farmacêuticos e agrícolas, alguns aditivos alimentares, os aminoácidos, as vitaminas e as enzimas. A via biotecnológica também se aplica a algumas substâncias fabricadas em grandes quantidades (volume alto), em processos que demandam investimentos menores e operações mais simples. Entre estes produtos, de valor agregado intermediário, encontramos metabólitos primários, tais como alguns solventes, ácidos orgânicos e polímeros. No caso de substâncias produzidas em grandes quantidades e com baixo valor agregado, como os biocombustíveis líquidos (etanol, biodiesel) ou gasosos (biogás), nos deparamos ainda em alguns países com sistemas produtivos desenvolvidos em pequena escala, em instalações sépticas e com uma mão de obra não especializada, que não exigem mais que equipamentos simples e pequenos investimentos. No entanto, a eficiência desses sistemas produtivos é baixa, verificando-se gradual e progressivamente sua substituição por outros que contam com um nível tecnológico avançado e são gerenciados por grandes empresas, em empreendimentos economicamente sustentáveis. A via biotecnológica resulta hoje economicamente viável para alguns metabólitos, as enzimas, os bioplásticos e os biocombustíveis. METABÓLITOS DE INTERESSE COMERCIAL Estima-se que, em 2010, a biotecnologia branca responderá por 9% das vendas do setor químico e que, em condições favoráveis, esse valor poderá subir rapidamente a 20%. Entre as moléculas de interesse comercial se destacam, por sua versatilidade, vários metabólitos primários e secundários (Tabela 10.2). Álcoois e solventes Vimos previamente alguns aspectos históricos relacionados com a produção de acetona e butanol por fermentação. Estima-se que a imobilização de microrganismos daria um novo impulso à síntese de solventes, aumentando a produtividade em aproximadamente 60%. Também se deve destacar a importância do etanol, 95% do qual é produzido por via biotecnológica.
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Ácidos orgânicos A produção de ácido cítrico (4.0 x 105 toneladas/ano) depende quase exclusivamente do cultivo do fungo filamentoso Aspergillus niger, em processos fermentativos de diversos tipos (meio sólido e cultura em superfície; meio líquido e cultura submersa). O ácido cítrico é utilizado na indústria de alimentos como aditivo (acidulante e antioxidante), na cosmética como regulador do pH e, na indústria farmacêutica, como anticoagulante e ingrediente de tabletes efervescentes. Em relação ao ácido acético, os processos industriais modernos também dependem da ação bacteriana (gêneros Acetobacter, Gluconacetobacter e Gluconobacter). Com numerosas aplicações, o ácido acético é um precursor de várias moléculas intermediárias como o anidrido acético e os acetatos éster, e de produtos como o acetato de celulose, o celofane, o acetato raiom etc. Também se usa como solvente na produção de plásticos, borracha, gomas, resinas e óleos voláteis. A indústria farmacêutica o utiliza como acidificante. O ácido láctico é obtido por fermentação bacteriana (Lactobacillus) ou fúngica (Rhizopus oryzae), sendo um importante insumo para as indústrias de alimentos e de fármacos e a cosmética. Também é utilizado como monômero na síntese de ácido poliláctico (PLA), um polímero biodegradável. O ácido succínico também encontra aplicações em várias indústrias (alimentos, fármacos, cosmética), assim como na produção de plásticos e de materiais para a indústria automotora. Tratase de outro bloco fundamental na síntese de polímeros, resinas de ABS (acrilo-nitrilo-butadieno), Nylon 6.6, solventes etc. TABELA 10.2. Metabólitos primários e secundários obtidos por fermentação e/ou bioconversão enzimática. METABÓLITOS PRIMÁRIOS
EXEMPLOS
Álcoois e solventes
Etanol, butanol, acetona, glicerol, manitol.
Ácidos orgânicos
Ácido láctico, ácido cítrico, ácido acético, ácido glucônico, ácido itacônico, ácido málico, ácido tartárico, ácido pirúvico, ácido succínico.
Aminoácidos
Ácido L-glutâmico (monoglutamato de sódio), L-lisina, L-fenilalanina, ácido L-aspártico, L-carnitina.
Polissacarídeos
Xantana, dextrana, pululana, gelana, agar, alginatos, carrageninas.
Nucleotídeos e nucleosídeos
Ácido guanílico (5’GMP) e ácido inosínico (5’IMP).
Vitaminas
Vitamina B2 (riboflavina), vitamina C (ácido L-ascórbico), vitamina B12 (cianocobalamina).
Corantes
β-caroteno, astaxantina, ficocianina, monascina.
METABÓLITOS SECUNDÁRIOS
EXEMPLOS
Moléculas para a saúde humana e/ou animal
Antibacterianos, antivirais, antifúngicos, anti-helmínticos, antitumorais, soros, imunoglobulinas, vacinas, imunossupressores, estatinas etc.
Moléculas para a agricultura
Inseticidas e pesticidas, fatores de crescimento vegetal.
Moléculas para a indústria de alimentos
Condimentantes e aromatizantes para a indústria alimentícia.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria
Aminoácidos A produção industrial de aminoácidos se destina à nutrição humana (66%) e ao enriquecimento de rações animais (33%) e, em grau bem menor, às indústrias farmacêuticas e cosméticas (1%). O método produtivo mais antigo é a extração por hidrólise de proteínas (soja, cabelos), que tem como limitação principal a disponibilidade da matéria-prima. Os outros métodos incluem a síntese, a fermentação e a biocatálise. A síntese química apresenta o inconveniente de gerar misturas das duas formas isoméricas (acilD e acil-L), representadas habitualmente como tipo “mão direita" e tipo "mão esquerda". Como os organismos vivos só assimilam L-aminoácidos, estes devem ser separados por biocatálise das misturas racêmicas. A imobilização de enzimas estereoespecíficas nos biorreatores facilita a produção industrial, reduzindo os custos de maneira significativa. Observe-se que a separação é desnecessária no caso da glicina, que não apresenta ambas as formas, e da DL-metionina, já que os seres vivos convertem a forma D em L. A via fermentativa é conveniente para a produção de vários aminoácidos. O agente biológico Corynebacterium glutamicum produz ácido glutâmico (1,1 milhão de toneladas/ano), que é usado na cozinha oriental como flavorizante (glutamato monossódico), para realçar o sabor dos alimentos. O ácido L-aspártico e a L-fenilalanina são obtidos por imobilização conjunta de Escherichia coli e Pseudomonas dacunhae em uma coluna de fermentação, ou por uma bactéria geneticamente modificada (Escherichia coli). Ambos são os componentes do adoçante não calórico Aspartame® (15.000 toneladas/ano). Outros aminoácidos cumprem a função de aditivo em alimentos (L-cisteína, 3.000 toneladas/ano), ou de complemento nutricional em rações animais (L-treonina, 50.000 toneladas/ano; L-lisina 550.000 toneladas/ano). Por outro lado, a indústria farmacêutica absorve 1.000 toneladas/ano de L-arginina e 500 toneladas/ano de L-triptófano, de L-valina e de L-leucina. Polissacarídeos Os polissacarídeos de origem microbiana substituem parcialmente os espessantes e gelificantes extraídos das algas marinhas. A goma xantana (20.000 toneladas/ano), um produto de fermentação da bactéria Xanthomonas campestris, entra na composição de molhos prontos, pudins, geleias, sorvetes, dentifrícios etc. Suas propriedades espessantes são também utilizadas na recuperação do petróleo. As dextranas (200 toneladas/ano) são obtidas por via fermentativa a partir de diversos microrganismos. As de alto peso molecular se empregam como espessantes na indústria de alimentos, na preparação de filmes protetores de sementes (indústria agrícola) e na composição das emulsões fotográficas. As de baixo peso molecular se usam como plasma sanguíneo artificial, para melhorar o fluxo sanguíneo em casos de traumatismos e cirurgias. Vitaminas Apesar da maior parte das vitaminas serem obtidas industrialmente por via sintética ou extrativa, a via fermentativa é vantajosa nos casos da riboflavina (vitamina B 2) e do ácido ascórbico (vitamina C). Ainda é a única possível para a cianocobalamina (vitamina B12), uma molécula complexa que, naturalmente, não é sintetizada por animais ou por vegetais. Um precursor da vitamina A, o caroteno, é sintetizado pela alga Dunaliella bardawil, que consegue se desenvolver na água salobra em grandes tanques ao ar livre, em uma região desértica perto da costa do Mar Vermelho (Israel).
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ENZIMAS Algumas enzimas podem ser extraídas facilmente dos tecidos ou dos órgãos de seres vivos: as amilases do malte da cevada; a papaína da papaia; a ficina do figo, a bromelina do látex do abacaxi. Do estômago de suínos se separa a pepsina e do pâncreas dos mesmos se obtém a pancreatina, que é uma mistura de amilases, proteases e lipases. Já a renina é extraída do quarto estômago de bezerros, e a catalase, do fígado ou do sangue de bovinos. A extração de enzimas de origem vegetal ou animal está sujeita à disponibilidade de terra e às flutuações das colheitas ou do abate. Por isso, a tendência é substituí-las por outras de origem microbiana que, por serem obtidas mediante processos fermentativos em grande escala, garantem uma produção regular de qualidade constante. Mesmo cumprindo uma função idêntica, duas enzimas produzidas por microrganismos diferentes podem apresentar propriedades dessemelhantes. Por exemplo, a lactase (galactosidase), uma enzima que hidrolisa a lactose, está presente em bactérias, leveduras e fungos. No entanto, as condições ótimas de funcionamento diferem uma da outra: 400C, 370C e 55-600C (temperatura); 3-4, 7,2 e 6,6 (pH). A escolha de uma enzima proveniente de um microrganismo ou de outro dependerá das condições que o bioprocesso demande. Considerando que a biodiversidade microbiana ainda começa a ser desvendada, assim como a arte de alterar suas vias metabólicas, existem grandes chances de se encontrar enzimas com propriedades diferentes que possibilitem o desenho de processos industriais inovadores. A otimização de um processo industrial contempla o custo da matéria-prima, o tipo de fermentação (submersa ou em meio semissólido) e os controles necessários para o bom desenvolvimento do processo, como, por exemplo, o pH e a temperatura. Do ponto de vista econômico, não vale a pena elaborar ou redimensionar esses parâmetros para cada microrganismo que produza uma enzima interessante, sendo mais proveitosa a transferência da sequência codificadora dessa enzima a um dos microrganismos industriais já bem conhecidos (bactérias Escherichia coli, Streptomyces ou Bacillus subtilis; fungos Aspergillus oryzae, Saccharomyces cerevisiae ou Kluyveromyces). Mais de 60% da produção industrial atual de enzimas provém da biotecnologia moderna. O custo de uma enzima também depende das dificuldades técnicas encontradas nas etapas posteriores à fermentação (separação, purificação). Em geral, as enzimas mais baratas são as extracelulares, ou seja, as que são secretadas para fora da célula como, por exemplo, as hidrolases (amilases, proteases e celulases). As mais caras são as enzimas intracelulares, já que, por serem utilizadas como fármacos ou reagentes em testes de diagnóstico, requerem um grau de pureza maior. As enzimas são insumos para outras indústrias, especialmente as de alimentos e bebidas, rações, detergentes, analíticas e farmacêuticas. Estima-se que o mercado global de enzimas poderá alcançar, em 2013, um valor aproximado de US$ 7 bilhões/ano. Atualmente, o maior produtor é Novozyme, uma empresa pertencente ao grupo Novo (Dinamarca), que responde por 47% do mercado. A empresa mantém em funcionamento vários fermentadores de 80.000 l, contabiliza mais de 4.000 patentes e dedica a quase totalidade de seu orçamento de pesquisa e desenvolvimento à otimização de microrganismos, produtos enzimáticos e tecnologia. BIOPOLÍMEROS E BIOPLÁSTICOS A denominação de biopolímeros abrange dois tipos de polímeros. O primeiro inclui os que são sintetizados pelos seres vivos, como a celulose, o amido e os óleos vegetais, o segundo, os que resultam da polimerização de uma molécula básica, como o ácido láctico, proveniente de uma fonte renovável. 114
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria
Um dos bioplásticos mais versáteis é o polilactato (PLA), um poliéster obtido por polimerização do ácido láctico resultante da fermentação de milho. Utiliza-se como recheio de almofadas e edredons (NatureWorks), revestimento de filmes e de papel (BASF), e material de embalagens descartáveis (Ingeo) por diversas empresas (Coca-Cola, McDonald’s). Também está sendo aproveitado na indústria automotora (Hyundai) e eletrônica (Samsung). Polímeros sintetizados diretamente por microrganismos, como os poli-hidroxialcanoatos (PHAs) e o poli-hidroxibutirato (PHB), começam lentamente a entrar no mercado de embalagens da indústria de alimentos. Este último, por ser biocompatível, encontrou importantes aplicações na área médica (Biopol). No interior de São Paulo, uma usina piloto relacionada com empresas do setor sucroalcooleiro (Biagi, Balbo) já está produzindo PHB por fermentação bacteriana do açúcar de cana (Biocycle). A transferência dos genes codificadores de PHA (Ralstonia eutropha) e de PHB (Alcaligenes eutropus) a microrganismos e plantas (canola) representa um avanço das pesquisas. Além desses dois tipos de biopolímeros, os bioplásticos compreendem um terceiro, constituído por polímeros biodegradáveis sintetizados a partir de uma molécula de origem petroquímica, como alguns poliésteres sintéticos. Qualquer um dos dois critérios, a origem “fonte renovável” como a propriedade “biodegradabilidade”, basta para definir um bioplástico. A indústria dispõe atualmente de aproximadamente trinta moléculas essenciais para a construção de polímeros, tais como os ácidos carboxílicos, o etanol, os aminoácidos, os triglicerídeos, o furfural, o sorbitol, o glicerol etc. Essas moléculas, de origem biológica, possibilitam tanto a obtenção de plásticos inovadores biodegradáveis como a de bioplásticos convencionais, não biodegradáveis e semelhantes aos de origem petroquímica. Entre estes: as resinas de poliuretano sintetizadas a partir de óleo de soja, o poliéster de origem bacteriano Sorona 3GT (DuPont, Genencor) de amplo uso na indústria têxtil, do PVC ou “polietileno verde” (Braskem, Tetrapak), que é um polímero do etileno obtido a partir do etanol de cana. A produção de bioplásticos ainda está limitada pelos custos, no entanto e apesar de representar atualmente apenas 1% do negócio de polímeros, se espera que esse valor aumente rapidamente se os custos diminuírem. OS BIOCOMBUSTÍVEIS Aproximadamente 75% da energia consumida no mundo é retirada dos combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). Considerando que as reservas são limitadas e que a queima de combustíveis fósseis é a causa de vários problemas ambientais, parece acertado buscar outras formas de extrair energia. Uma fonte alternativa é a biomassa, um recurso que, por ser renovável, pode nos fornecer energia de modo sustentável. A combustão é a forma mais simples de liberar a energia da biomassa, seja esta madeira, resíduos vegetais ou excrementos secos de ruminantes. Trata-se de um procedimento rural, não comercial. A tecnologia atual nos oferece combustíveis eficientes por fermentação da biomassa, como o etanol ou o biogás. Existem outras possibilidades, tais como a obtenção de biodiesel por transformação química de óleos vegetais e, futuramente, a produção de hidrogênio a partir de água, utilizando a capacidade fotossintética das microalgas. Os biocombustíveis contribuem para reduzir alguns dos problemas ambientais que nos afligem, tais como a acumulação de CO2 e outros gases de efeito estufa. A grande vantagem da biomassa sobre os combustíveis fósseis é que libera uma quantidade de CO2 igual à que absorveu durante o seu crescimento em um período recente, enquanto a quantidade de CO2 liberada pelos combustíveis fósseis foi removida do ambiente há milhões de anos. 115
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Nos países que os adotam, os biocombustíveis substituem a gasolina, parcial ou totalmente, modificando a realidade do setor de transportes. Curiosamente, os primeiros automóveis de Henry Ford, com motores de ignição por centelha, funcionavam com etanol de milho, e os primeiros motores de Rudolf Diesel, de ignição por compressão, o faziam com óleo de amendoim. Com o petróleo barato, passou-se a utilizar gasolina e óleo diesel para os automotores, mas o aumento dos preços na década de 1970 mostrou a conveniência de substituir os derivados do petróleo por etanol e biodiesel. Atualmente, o principal biocombustível líquido para transporte é o etanol. A maior parte da produção (90%) está concentrada no Brasil (fermentação da cana-de-açúcar) e nos Estados Unidos (fermentação do milho). Os outros países produtores são o Canadá, a China, a União Europeia (França e Alemanha) e a Índia. Embora um litro de etanol forneça bem menos energia que um litro de gasolina (66%), sua maior octanagem melhora o desempenho das misturas etanol-gasolina. Até que ponto o etanol será capaz de substituir a gasolina? A resposta dependerá da tecnologia disponível, do processo produtivo e do preço do petróleo. Estima-se que, no Brasil, o bioetanol de cana-de-açúcar seria competitivo com o barril de petróleo a US$ 30-35; nos Estados Unidos, onde o etanol se produz a partir de milho, isso ocorreria com o barril de petróleo a US$ 55-80. Por outro lado, o desvio de matérias-primas alimentícias, como o milho ou o óleo de soja, para a produção de biocombustíveis levanta forte controvérsia porque redunda no aumento do preço dos alimentos, penalizando os setores mais pobres da população. Também preocupa a expansão dos cultivos agroindustriais, favorecendo o desmatamento e afetando a biodiversidade. A solução parece estar na obtenção de etanol a partir de resíduos lignocelulósicos, uma tecnologia complexa que ainda está em desenvolvimento (Figura 10.1). FIGURA 10.1. As etapas necessárias para a produção de etanol a partir de diferentes matériasprimas.
BIOMASSA AMILÁCEA
BIOMASSA SACARINA
Hidrólise enzimática
Hidrólise ácida ou enzimática
CALDO AÇUCARADO FERMENTESCÍVEL
Fermentação Destilação
ETANOL
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BIOMASSA CELULÓSICA
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria
O ETANOL A produção por via fermentativa A produção de etanol pela via biotecnológica envolve a ação fermentativa de leveduras sobre um substrato adequado: cana-de-açúcar, beterraba açucareira, sorgo açucareiro, milho. No Brasil, a matéria-prima é a cana-de-açúcar (Figura 10.2). FIGURA 10.2. A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. LAVOURA Transporte
CANA-DE-AÇÚCAR
Trituração e extração
CALDO, GARAPA OU MOSTO
BAGAÇO Combustível
LEVEDURAS Reaproveitamento Fermentação MELAÇO
AÇÚCAR
CO2
VINHO
LEVEDURAS Ração animal
Destilação
FLEGMA
VINHAÇA Fertilizante
Retificação
ETANOL HIDRATADO Deshidratação
ETANOL ANIDRO
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Após a colheita, a cana é transportada até a usina onde é triturada, separando o caldo do bagaço. Este é utilizado como combustível, gerando calor e eletricidade para o próprio estabelecimento. O caldo se reserva à produção de açúcar ou de etanol. Um subproduto da produção de açúcar, o melaço, é reincorporado ao processo produtivo de sacarose ou misturado ao caldo de cana para a obtenção de etanol. Antes de dar início à fermentação, se acrescentam no caldo os nutrientes e antissépticos necessários, ajustando-se também outros parâmetros, como a temperatura e o pH. O processo fermentativo ocorre nas dornas (biorreatores) por obra das leveduras, naturais ou selecionadas. A condução do procedimento, contínua ou descontínua, depende do estabelecimento assim como da complexidade e automação dos equipamentos disponíveis. Concluída a fermentação, recuperam-se as leveduras por centrifugação, com vistas a uma posterior reutilização e/ou à produção de ração animal. Da destilação do vinho se obtém a flegma, um líquido com álcool em maior concentração, e um resíduo denominado vinhaça ou vinhoto, que deve ser tratado antes de despejado no ambiente. A retificação, isto é, a eliminação das impurezas da flegma, gera o álcool hidratado, que é convertido em álcool anidro por desidratação. A substituição da gasolina – o caso do Brasil No Brasil, 63% da energia provém de fontes renováveis: grandes hidroelétricas (42%), madeira (10%), cana-de-açúcar (9%), outras (2%). A contribuição da cana-de-açúcar está diretamente relacionada com o uso do etanol como combustível. Calcula-se que 60% da cana-de-açúcar plantada no Brasil se destina à produção de etanol por fermentação. Em outros países se utilizam matérias-primas diferentes, tais como a beterraba açucareira (União Europeia) ou o milho (Estados Unidos). A desvantagem das matérias-primas amiláceas é que demandam um tratamento enzimático (sacarificação) antes da fermentação (Figura 10.1). O aumento do preço do petróleo durante a crise da década de 1970 mostrou a necessidade de ter outras fontes para substituir a gasolina. Em 1975, o Brasil instituiu o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool) visando a produção de etanol como combustível alternativo para os carros de passeio. Pouco tempo depois, na década de 1980, 5.000.000 de carros funcionavam com etanol (94% de etanol, 6% de água) e outros 9.000.000 com uma mistura de álcool e gasolina (78% de gasolina, 22% de álcool). Em 1989, a queda do preço do petróleo e os problemas inerentes ao próprio Pró-Álcool (subsídios, baixa produtividade) provocaram uma crise de desabastecimento, abalando seriamente o programa. Reativado na década de 1990, desta vez obedecendo a critérios de produtividade tanto na lavoura como na indústria, o programa deixou de receber subsídios. Hoje, mais de três milhões de carros são movidos com álcool hidratado, enquanto o álcool anidro se aditiva à gasolina em uma proporção que varia entre 20 e 24%, dependendo da relação oferta/procura. A introdução, em 2003, da tecnologia flexfuel, que permite abastecer os carros tanto com gasolina como com álcool hidratado, deixa ao consumidor a possibilidade de escolher o combustível em função de considerações econômicas e ambientais. A produção de etanol no Brasil chegou a 24 bilhões de litros em 2009, estimando-se que será de 36 bilhões de litros em 2012. O setor sucroalcooleiro de hoje é um enorme complexo industrial com mais de 400 indústrias, com participação de várias multinacionais em um mercado consolidado através de ciclos de aquisições e fusões. As pequenas usinas foram suplantadas por outras, tecnologicamente aprimoradas, que desenvolvem sistemas de produção integrados.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria
Lentamente, a mecanização da colheita elimina a necessidade das queimadas e modifica as condições de trabalho nos canaviais. Além de etanol, as instalações industriais fabricam aglomerado, ração animal, adubo, celulose etc. O aproveitamento do bagaço é fundamental porque permite gerar a energia necessária para o funcionamento das usinas e inclusive exportá-la, aumentando a matriz energética renovável do país. A obtenção de variedades de cana-de-açúcar com diferentes períodos de desenvolvimento (rápido, médio e tardio) assim como o plantio sequencial diminuem as flutuações na oferta de matéria-prima. O projeto Genoma-cana, uma parceria entre a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), várias universidades e o setor sucroalcooleiro, irá facilitar a curto prazo o melhoramento da planta (teor de açúcar, resistência a pragas, resistência à seca). Encontra-se em andamento o melhoramento das leveduras, procurando desenvolver microrganismos mais produtivos e tolerantes ao etanol, ou com características (floculação) que facilitem sua recuperação uma vez concluída a fermentação. O BIOGÁS A biodigestão anaeróbia Em condições aeróbias, a digestão microbiana da matéria orgânica produz água (H 2O) e dióxido de carbono (CO2). Em condições anaeróbias, a ação de vários grupos de microrganismos forma como produtos finais: metano (CH4), dióxido de carbono (CO2) e água (Figura 10.3). Nos ambientes confinados de pântanos e sepulcros, o gás formado gera alguns fenômenos assustadores de combustão espontânea (“luzes dos cemitérios”). Mas, nas condições mais controladas de um aterro sanitário ou de um biorreator (= biodigestor), o gás acumulado poderá ser utilizado como combustível (biogás). O processo fermentativo (biodigestão) se desenvolve sobre resíduos rurais (esterco), agroindustriais (vinhaça, efluentes das indústrias de laticínios e dos matadouros), domésticos ou comunitários (lama de esgotos) e, também, sobre plantas (aguapé). A matéria-prima se coloca no biodigestor, em anaerobiose e a um pH neutro (6,7-7,7), evitando-se a presença de substâncias solventes ou de inseticidas porque prejudicam o desenvolvimento do processo. Segundo a temperatura do biodigestor, haverá uma multiplicação de bactérias mesófilas (35 0C) ou termófilas (550C) que, respectivamente, processarão a matéria-prima em 15-30 dias ou em 12-14 dias. A segunda opção libera mais biogás, mas requer maior consumo de energia e um monitoramento cuidadoso, porque as bactérias termófilas não suportam bem as variações de temperatura. Como o processo de decomposição anaeróbia envolve a sucessão biológica de várias populações naturais de microrganismos, as melhoras tecnológicas visam exclusivamente a engenharia do processo. Este pode ser conduzido tanto de maneira descontínua como contínua, em biodigestores especialmente construídos para permitir o abastecimento diário de matéria-prima e a retirada de biogás. Existe um número grande de modelos de fermentadores, desde os muito simples (modelos tailandês, chinês, indiano) até os automatizados, que processam um volume grande de matériaprima. O biogás pode ser usado diretamente ou armazenado. Entre as aplicações possíveis está o abastecimento do consumo doméstico (fogões, lampiões ou aquecedores), a geração de energia elétrica e o acionamento de motores de veículos. Da biodigestão, restam dois resíduos. Um deles é um material sólido fibroso que, uma vez compostado e prensado, se usa como “solo artificial” para o cultivo de plantas ou para melhorar a qualidade do solo. O outro é um efluente líquido, que se aproveita como adubo. (Figura 10.4). 119
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FIGURA 10.3. A biodigestão em condições aeróbias e anaeróbias.
RESÍDUOS ORGÂNICOS VEGETAIS E ANIMAIS
O2
MOLÉCULAS ORGÂNICAS SIMPLES
ACETATO
Aerobiose
H2O
Anaerobiose
CO2
H2O
CH4
CO2
BIOGÁS
FIGURA 10.4. As complexas etapas da produção de biogás dentro do biodigestor.
MATÉRIA-PRIMA
MOLÉCULAS COMPLEXAS Microrganismos fermentativos MOLÉCULAS SIMPLES Bactérias acidogênicas
BIODIGESTOR ÁCIDOS E ÁLCOOIS
Bactérias acetogênicas ACETATO Bactérias metanogênicas
BIOGÁS
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MATERIAL SÓLIDO FIBROSO + EFLUENTE LÍQUIDO
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A utilização do biogás O biogás está formado por 50-65% de metano e 35-50% de dióxido de carbono, com traços de gás sulfídrico (corrosivo), nitrogênio, oxigênio e hidrogênio. O poder calorífico é menor que o do gás natural, um combustível fóssil cuja composição inclui metano, etano, propano e butano (Tabela 10.3). A primeira fábrica de biogás começou a funcionar em 1859 em Bumbai (Índia). A iniciativa alcançou bastante sucesso de modo que, em 1980, a Índia contava com 150.000 biodigestores. Talvez seja esta uma das razões pelas quais se considere a digestão anaeróbia como um processo biotecnológico adequado a pequenas cidades e comunidades rurais. No entanto, a produção de biogás pode alcançar outra dimensão se for encarada como uma tecnologia moderna que visa a produção de calor e de eletricidade (Figura 10.5). Em 1995, quando contabilizava mais de cinco milhões de pequenos biodigestores rurais, a China teve o empenho de construir reatores tecnologicamente avançados, para o tratamento de rejeitos urbanos e a geração de eletricidade. A Dinamarca é o líder mundial na produção de biogás, estando bem desenvolvida a tecnologia em outros países como os Estados Unidos, a Alemanha, a França, o Japão e a Suécia. Na América Latina, algumas pequenas comunidades contam com geradores de biogás que as abastecem com energia suficiente para cozer os alimentos ou alimentar um motor. Contudo, nos últimos anos surgiram vários projetos ambiciosos de exploração do potencial existente nos aterros sanitários urbanos (Olavarría, Argentina; Bandeirantes, Nova Iguaçu e Petrópolis, Brasil; Santiago, Chile; Monterrey, México; Maldonado, Uruguai). O tratamento dos rejeitos agroindustriais, especialmente da indústria açucareira e da suinocultura, também é uma fonte considerável de biogás. Cuba conta com mais de 100 fábricas produtoras de biogás.
TABELA 10.3. O poder calorífico de vários combustíveis. PODER CALORÍFICO (Kcal/m3)
GÁS
PODER CALORÍFICO (Kcal/m3)
Butano
28.000
Gás natural
7.600
Propano
22.000
Biogás
5.500
Metano
8.500
Gás de cidade
4.000
GÁS
FIGURA 10.5. As utilizações do biogás. BIOGÁS
PLANTAS PURIFICADORAS E DE ARMAZENAMENTO
ENERGIA TÉRMICA
ENERGIA ELÉTRICA COMBUSTÍVEL
TRANSPORTE AUTOMOTOR 121
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O BIODIESEL A transesterificação O biodiesel é um combustível composto por ésteres (etílicos ou metílicos) produzidos na reação química de transesterificação entre óleos vegetais e álcool (etanol ou metanol), em presença de um catalisador inorgânico ou enzimático (lípases) (Figura 10.6). FIGURA 10.6. A reação de transesterificação. H2C – O – CO – R HC – O – CO – R
CH2OH + 3R’ – OH
H2C – O – CO – R Triglicerídeos
HCOH
+
3R – O – CO – R’
CH2OH Álcool
Glicerol
Ésteres
A reação deixa como subproduto o glicerol (5 a 10% do produto bruto), que é aproveitado por algumas indústrias (alimentos, cosmética, medicamentos). Aumentar a produção de biodiesel significa ampliar o leque de aplicações porque, diferente do bagaço de cana, o glicerol gera uma substância tóxica (acroleína) quando é queimado. O biodiesel fornece entre 88 e 95% da energia do diesel, mas quando misturado com o diesel convencional (B1 com 1% de biodiesel a B20 com 20% de biodiesel) aumenta a qualidade do combustível, diminuindo a emissão de partículas poluentes e gases tóxicos na atmosfera. A produção de biodiesel A produção de biodiesel está localizada principalmente na União Europeia (60%) e, em menor parte, nos Estados Unidos, na China, na Indonésia e na Malásia. A matéria-prima é variada: soja nos Estados Unidos, canola na União Europeia e no Canadá, soja e girassol na Argentina, dendê na Ásia. No Brasil, tem-se experimentado soja, mamona, babaçu, dendê, girassol, milho, amendoim, pinhão-manso etc. A implementação do Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB) estimula a produção sustentável, enfatizando a inclusão social e o desenvolvimento regional. Desde janeiro 2010, adiciona-se no Brasil 5% de biodiesel ao diesel convencional, estimando-se que a proporção aumente a 20% até 2020. Restam alguns pontos a considerar, especialmente em relação à utilização de matérias-primas como a mamona, com o intuito de estimular o pequeno agricultor. Em princípio, o biodiesel é carbono-neutro. No entanto, diferente do etanol de cana, o sistema produtivo seria carbononegativo, quando se leva em conta a energia necessária para adubação e irrigação da terra, a movimentação da maquinaria agrícola, o armazenamento e transporte da matéria-prima e dos produtos etc. Do ponto de vista energético, os sistemas produtivos mais eficientes seriam os associados aos complexos agroindustriais (soja, milho, girassol), embora apresentem o grave defeito de desviar para a produção de energia as matérias-primas de alimentos e rações.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 10: Biotecnologia e indústria
PERSPECTIVAS Cunhado recentemente, o conceito abrangente de biorrefinaria se refere a um complexo industrial com instalações para o processamento biotecnológico, químico, físico e térmico da matéria-prima renovável, transformando-a em numerosos intermediários químicos e bioquímicos que alimentarão um conjunto de linhas de produção muito diversificado. A primeira geração de biocombustíveis abrange o etanol (açúcar de cana-de-açúcar ou beterraba, amido de milho) e o biodiesel (óleos vegetais). A segunda geração de bioetanol utilizará biomassa lignocelulósica proveniente dos resíduos agroindustriais, tais como bagaço e folhas de cana, palha e sabugo de milho, serraduras e aparas de madeira etc. A maior dificuldade reside na própria estrutura da matéria-prima lignocelulósica. A celulose (polímero de hexoses) e a hemicelulose (polímero de hexoses e de pentoses) se encontram circundadas por lignina, uma substância de suporte das plantas, sendo necessário um prétratamento que as separe, possibilitando a hidrólise enzimática e a liberação de açúcares fermentescíveis (hexoses e pentoses). Equipamentos com o design apropriado e enzimas celulolíticas (celulases e hemicelulases) para uso industrial já estão a caminho. Algumas indústrias funcionam experimentalmente na Suécia, na Espanha, na Dinamarca, no Canadá e nos Estados Unidos. Estima-se que o Brasil poderá contar com uma instalação piloto em 2012. Também se investe em processos termoquímicos em que o gás de síntese obtido por combustão da biomassa é convertido em etanol, por catálise ou ação microbiana. Em relação ao biodiesel, há bastante expectativa no uso de algas para a produção de hidrocarbonetos e triacilglicerídeos, porque permitiriam dedicar terras férteis e água doce para a produção de alimentos. A adição de bioquerosene ao querosene diminuiria os custos do combustível de avião. Recentemente instalada no interior paulista, a empresa norteamericana Solazyme espera obter, até o fim de 2013, 50 milhões de toneladas de óleo a partir de algas. Em outra linha de trabalho (biologia sintética), e com bastantes possibilidades de sucesso, se modifica o metabolismo da levedura de modo a direcioná-lo para a produção de moléculas interessantes para a área de energia (biodiesel) e de química fina (Amyris do Brasil, Crystalsev, Santelisa, Vale, Boa Vista). Com a liberação comercial no Brasil de uma levedura transgênica que sintetiza farneseno, um precursor do biodiesel, a partir de cana de açúcar, se espera que a partir de 2011 sejam fabricadas 2 milhões de toneladas do biocombustível.
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11. BIOTECNOLOGIA E MEIO AMBIENTE
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Qual o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente? Que legado deixaremos para as próximas gerações? É a partir destas perguntas que emerge o conceito de desenvolvimento sustentável, definido como “a capacidade de atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras em atender suas próprias necessidades” (Informe Brütland, 1987). O desenvolvimento sustentável depende das ações realizadas nas áreas econômica, social e ambiental. Este é o consenso alcançado ao longo de quase duas décadas e de várias conferências internacionais (Rio de Janeiro, 1992, e Agenda 21; Kyoto, 1997; Johanesburgo, 2002; Copenhague, 2009; Cancún, 2010; Durban, 2011). Contudo, os relatórios publicados em 2007 pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) das Nações Unidas apontaram a responsabilidade do homem no futuro do planeta, mostrando que não podemos seguir protelando ações concretas de proteção do meio ambiente. Qual a contribuição das biotecnologias para o desenvolvimento sustentável? Em relação à economia, as biotecnologias diminuem os custos não só da matéria-prima como da produção industrial, com processos e produtos novos e/ou de maior valor agregado. Na área social, se espera que o desenvolvimento de novas plataformas tecnológicas possibilite a conservação ou a criação de empregos. E na área ambiental, as biotecnologias cumprem um importante papel na prevenção, remediação e monitoramento da contaminação. AS TECNOLOGIAS LIMPAS Lentamente, a sociedade começa a aceitar que é preferível não contaminar a ter que desenvolver métodos para limpar o ambiente. No contexto das chamadas "biotecnologias brancas", várias tecnologias limpas podem substituir outras mais poluentes, ajudando também a reduzir o volume de resíduos domésticos, agrícolas e industriais. A SUBSTITUIÇÃO DE PROCESSOS INDUSTRIAIS A primeira opção para diminuir a poluição é a tecnologia enzimática, porque comporta a substituição de alguns processos e produtos industriais por outros menos agressivos ao meio ambiente. Diferentemente dos catalisadores não biológicos, as enzimas são específicas, não tóxicas e biodegradáveis. Como agentes biológicos, as enzimas tornam os processos produtivos mais limpos e seguros, diminuindo o consumo de energia e a quantidade de resíduos. O desenvolvimento de enzimas ativas a altas temperaturas, em solventes não aquosos e em sólidos, poderá futuramente expandir suas aplicações. Aplica-se a tecnologia enzimática em setores muito diversos, alguns dos quais reconhecidamente poluentes, tais como as indústrias de alimentos, rações, detergentes, têxteis, papel e celulose, couros etc. Nos curtumes, por exemplo, o uso de enzimas reduz em 40% o consumo de derivados do enxofre, ao tempo que produz couro de melhor qualidade. A introdução de até oito enzimas nos detergentes evita a fervura das roupas, diminuindo o consumo de energia e facilitando a retirada das manchas.
Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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Os plásticos representam uma fração significativa (20% v/v) do lixo dos países industrializados, sendo a maior parte proveniente das embalagens convencionais da indústria de alimentos. Além de permanecerem por longo tempo na natureza, sua fabricação envolve uma matéria-prima não renovável (petróleo) e um processo muito poluente que gasta uma quantidade grande de energia. Em curto ou médio prazo, esses plásticos convencionais poderão ser substituídos por polímeros de origem bacteriana ou vegetal, compostáveis em poucos meses. Uma das vantagens das embalagens bioplásticas de alimentos é que degradam junto com os restos de comida, dispensando as etapas de triagem e limpeza. A indústria de papel e celulose é outro caso a considerar. O Brasil conta com 1,5 milhão de hectares de florestas plantadas, basicamente, com eucaliptos (60%) e pinos (30%). A atividade industrial gera 100.000 empregos diretos em 450 municípios, e as exportações alcançam o valor de US$ 2,8 bilhões. A madeira está composta por celulose, hemicelulose e lignina. Aproximadamente 90% desta última é eliminado mediante um tratamento a altas temperaturas, realizado em meio alcalino. A lignina restante (10%) confere uma cor escura característica ao produto resultante, ou pasta Kraft, que é utilizada na fabricação de cartão e papel pardo. O branqueamento requer um tratamento específico com oxigênio e cloro, formando-se derivados clorados tóxicos. Um procedimento alternativo é o biopulping, em que uma enzima (xilanase) degrada o xilano da hemicelulose, facilitando a eliminação da lignina que lhe está associada (Figura 11.1). O sequenciamento do genoma do eucalipto facilitará o melhoramento da qualidade da madeira, especialmente visando aumentar a proporção celulose/lignina em árvores de crescimento rápido. O sequenciamento do genoma do fungo Phanerochaete chrysosporium ("podridão branca") revelou a existência de mais de 240 genes codificadores de enzimas extracelulares que estão envolvidas na degradação de carboidratos. Este fungo é o mais eficiente na degradação da madeira, sendo utilizado também na eliminação de numerosos poluentes de origem orgânica, assim como no branqueamento da polpa de papel e de têxteis. FIGURA 11.1. A indústria de papel e de celulose. O branqueamento da pasta Kraft admite tratamentos químicos (cloro) e biológicos (xilanase); estes últimos diminuem a carga poluidora do efluente. MADEIRA Lignina + celulose + hemicelulose Extração alcalina a alta temperatura
Lignina (90%)
PASTA KRAFT Lignina (10%) + celulose + hemicelulose
Branqueamento com cloro
Branqueamento com xilanase Eliminação da lignina
Derivados clorados da lignina
POLPA BRANCA EFLUENTE
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EFLUENTE
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Na fabricação do papel, o amido é utilizado para conferir rigidez à massa e melhorar o acabamento. O amido está composto por cadeias de amilose e de amilopectina, sendo estas últimas as que apresentam interesse industrial. No Brasil, se aproveita o amido de mandioca porque contém menos amilose que o de milho ou de batata. Recentemente aprovada pela Comissão Europeia, a batata geneticamente modificada Amflora (BASF Plant Science) produz amido de alta qualidade, com 100% de amilopectina, sendo desnecessário eliminar a amilose. Separada fisicamente da batata destinada ao consumo humano ou animal, este tubérculo se destina ao uso industrial de tecidos e papel. A SUBSTITUIÇÃO DE INSUMOS AGRÍCOLAS Um segundo conjunto de tecnologias limpas visa a substituição parcial de alguns insumos utilizados na agricultura, tais como os fertilizantes e praguicidas. A intensa aplicação de fertilizantes agrícolas, derivados do petróleo, tem consequências negativas porque uma parte do nitrogênio (N) e do fósforo (P) não é absorvida pelas plantas e acaba sendo arrastada pelas chuvas até os rios e as reservas de água. O excesso de nutrientes estimula a proliferação de algas, consumindo o oxigênio dos cursos de água e produzindo toxinas que afetam os peixes e o gado. Microrganismos vs fertilizantes químicos O nitrogênio é um nutriente indispensável para os cultivos vegetais porque faz parte da composição das proteínas e dos ácidos nucleicos. Encontra-se na atmosfera como N2 e no solo como nitrato, resultante da decomposição da matéria orgânica ou proveniente dos fertilizantes agrícolas. Alguns microrganismos livres (Azotobacter, Azospirillum), ou simbiontes (Rhizobium ou Bradirhizobium) que vivem nos nódulos das raízes das leguminosas (soja, feijão), podem fixar diretamente o nitrogênio atmosférico em uma forma utilizável pelas plantas. Inoculando as sementes com rizóbios, por exemplo, diminuir-se-á a quantidade de nitrogênio a ser acrescentada no solo. Trata-se de uma prática muito simples, facilitada pela produção industrial de microrganismos selecionados para aplicação antes do plantio. A inoculação é feita misturando o produto com as sementes umedecidas em tambores ou betoneiras, antes do plantio. No Brasil, várias empresas nacionais e estrangeiras produzem inoculantes para leguminosas: BioAgro, Bio Soja, Microquímica, Nitral Urbana, Turfal, Stoller, Total Biotecnologia, Rizobacter etc. A maioria destas empresas está localizada no Paraná e Rio Grande do Sul. A extensão das pesquisas sobre fixação de nitrogênio às gramíneas forrageiras, cereais e canade-açúcar, iniciadas por Johanna Döbereiner (Embrapa) na segunda metade do século XX, permite dispensar parcialmente a aplicação de nutrientes químicos, com a correspondente economia de recursos. O fósforo se origina a partir das rochas do solo e da decomposição dos seres vivos. Nos solos ácidos característicos das regiões tropicais, a maior parte dos fosfatos (95-99%) forma compostos minerais ou orgânicos insolúveis que não são acessíveis diretamente às plantas. Por isso, o fósforo se torna um nutriente limitante para o crescimento das plantas. Os micorrizos são associações simbióticas entre fungos e raízes vegetais; os primeiros absorvem os nutrientes minerais e a água do solo, transferindo-os para a planta hospedeira. A inoculação dos solos ou micorrização é uma tecnologia agrícola associada ao reflorestamento de pinos e eucaliptos, eliminando ou diminuindo a necessidade de se acrescentar fósforo. Muitas espécies de fungos micorrízicos são comestíveis e vários gêneros são comercializados a nível mundial: Tuber, Tricholoma, Boletu, Cantharellus, Morchella, Lactarius e Suillus. 127
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Além dos fertilizantes agrícolas, outra das causas de liberação excessiva de fósforo no ambiente é a criação intensiva de animais. Os porcos e as aves não conseguem metabolizar o fitato, um derivado presente nas rações, mas a complementação destas com uma enzima (fitase) tem um efeito importante no ambiente, porque ao reduzir em mais de 30% a quantidade de fósforo excretado, diminui a contaminação dos lençóis de água. A fitase é produzida industrialmente por um microrganismo geneticamente modificado. A genômica poderá vir a dar um novo impulso a esta área de vital importância. Manejo integrado de pragas vs agrotóxicos Práticas agrícolas como a utilização de variedades selecionadas e a rotação dos cultivos reduzem substancialmente a necessidade de aplicar pesticidas sintéticos. O controle biológico dá um passo além, visando a preservação das plantações e a salvaguarda da produção de alimentos mediante a substituição dos praguicidas químicos por alternativas biológicas, tais como bactérias, fungos e vírus entomopatogênicos. Observe-se que em seu clássico livro A Primavera Silenciosa, de 1972, a pesquisadora Rachel Carson já alertava para os danos causados pelo uso do DDT, recomendando a procura de soluções de cunho biológico. Anos mais tarde, contamos com numerosos exemplos de substituição de pesticidas por agentes biológicos específicos (Tabela 11.1). Um deles é a aplicação, nas lavouras de soja, de partículas de baculovirus, um organismo que normalmente infecta e mata as lagartas (Anticarsia gemmatalis) que parasitam essa planta. Outro é a pulverização de esporos do fungo Metarhizium anisopliae para lutar contra a cigarrinha-da-folha-da-cana-de-açúcar ou a broca-dos-citros. Contudo, o exemplo mais conhecido dessa tecnologia verde envolve a bactéria do solo Bacillus thuringiensis ou Bt. Esta é utilizada como pesticida agrícola há mais de trinta anos, sem que suas toxinas tenham causado danos às pessoas, à vida silvestre ou à maioria dos insetos benéficos. Com o desenvolvimento da engenharia genética, os genes correspondentes foram transferidos a várias plantas (milho, algodão etc.) que agora produzem diretamente a toxina inseticida. TABELA 11.1. Alguns exemplos de utilização de agentes biológicos como pesticidas. AGENTE BIOLÓGICO
PRAGA COMBATIDA
Fungo Metarhizium anisopliae
Cigarrinha-da-folha-da-cana-de-açúcar (Mahanarva posticata), cigarrinha-daraiz-da-cana-de-açúcar (Mahanarva fimbriolata), cigarrinha-das-pastagens (Deois flavopicta).
Fungo Beauveria bassiana
Diversas, florestais.
Bactéria Bacillus thuringiensis var kurstaki
Lagartas desfolhadoras de grandes culturas e reflorestamentos.
Bactéria Bacillus thuringiensis var israelensis
Larvas do mosquito da dengue (Aedes aegypti, transmissor da dengue e da febre amarela) e dos borrachudos (Simulium spp.).
Bactéria Bacillus sphaericus
Larvas do mosquito prego (Anopheles spp., transmissor da malária) e do mosquito urbano ou pernilongo (Culex spp., transmissor da encefalite e da filariose).
Vírus Baculovírus anticarsia
Lagarta-da-soja (Anticarsia gemmatalis).
Vírus Baculovírus spodoptera
Lagarta-do-cartucho-do-milho (Spodoptera frugiperda).
Vespa Cotesia flavipes
Broca-da-cana-de-açúcar (Diatraea saccharalis).
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Atualmente, existem numerosos produtos a base de Bacillus thuringiensis comercializados com diferentes nomes (Bac-control, Bactur, Dipel, Ecotech Pro, Thuricide etc.) por várias empresas nacionais e estrangeiras (Vectorcontrol, Milenia, Sumitomo, Bayer, Iharabras etc.). A utilização do controle biológico, baseado no conhecimento da ecologia dos agroecossistemas, constitui o que se denomina Manejo Integrado de Pragas (MIP). No Brasil, deve-se destacar o trabalho da Embrapa e de várias universidades no desenvolvimento desta área. Além de biopesticidas, no controle biológico também se utilizam feromônios, armadilhas e atrativos alimentares. Alguns procedimentos são econômicos e muito engenhosos, como o desenvolvido em Cuba para combater o tetuán del camote, um gorgulho (Cylas formicarius) que ataca a batata-doce. Pendura-se na plantação uma lata com uma pequena quantidade de feromônio, pulverizando em redor esporos do fungo Beauveria bassian. Atraídos pelo feromônio, os machos se aproximam da lata e são contaminados mortalmente pelo fungo, que é inócuo para os seres humanos, os animais e as plantas. Para Cuba, a experiência de várias décadas de trabalho com controle biológico resultou crucial quando, devido ao embargo propiciado por Estados Unidos, o país teve que substituir o uso de agrotóxicos nas lavouras. Atualmente, o programa cubano de controle biológico de pragas envolve laboratórios regionais, estações de defesa vegetal, postos equipados com laboratórios de diagnósticos e mais de 200 centros de reprodução de entomófagos e entomopatógenos. A REDUÇÃO DOS RESÍDUOS A degradação do lixo (resíduos sólidos) e o tratamento de esgoto (resíduos líquidos) são dois exemplos tradicionais de prestação de serviços da biotecnologia tradicional nem sempre valorizados, apesar do imenso volume de matéria que transformam e de sua relevância para o meio ambiente. A DEGRADAÇÃO DO LIXO Em condições adequadas, todos os compostos naturais podem ser biodegradados. As populações microbianas mistas do ambiente degradam as substâncias orgânicas através de numerosas reações, sem que sejam necessários cuidados assépticos ou culturas puras. Em condições aeróbias, os produtos finais da mineralização da matéria orgânica são dióxido de carbono (CO2) e água; em condições anaeróbias, forma-se biogás. Na compostagem, uma etapa intermediária da mineralização, os próprios microrganismos do lixo degradam a matéria orgânica previamente fragmentada e misturada (Figura 11.2). Ao começar a biodigestão, a liberação de energia causa um aumento de temperatura que elimina a maioria dos microrganismos indesejáveis (sanitização). À medida que a atividade microbiana decresce, o sistema se estabiliza e amadurece até perder todo o seu potencial de biodegradação. As condições do processo são otimizadas mediante o controle de alguns parâmetros tais como a relação carbono/nitrogênio, o oxigênio, a umidade e a temperatura. O processo pode ser conduzido em sistemas simples (pilhas ao ar livre), ou complexos (silos, biorreatores), sendo necessário, em ambos os casos, remover manual ou mecanicamente o material, para assegurar a aeração durante o processo de biodigestão. O tratamento dos resíduos sólidos urbanos (RSU) em usinas de compostagem é um procedimento alternativo à incineração e ao depósito em lixões e aterros sanitários. Nesses estabelecimentos, a separação prévia dos componentes permite a reciclagem de alguns materiais (metais, vidro etc.). A biodegradação aeróbia ou mineralização dos restos orgânicos os transforma em um "composto" utilizado no melhoramento de solos, em atividades de reflorestamento, para colmatar terrenos, para combater a erosão etc. 129
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Por outro lado, a decomposição in natura do lixo nos aterros sanitários cria uma zona de anaerobiose onde se produz biogás. Este é liberado na atmosfera, onde contribui para o efeito estufa e o aumento da temperatura, afetando o clima. O TRATAMENTO DAS ÁGUAS RESIDUAIS O esgoto está constituído por excrementos (fezes e urina), águas de uso doméstico (banho, lavagem de roupas etc.) e, eventualmente, alguns dejetos de origem industrial. Ao ser liberado diretamente nos cursos de água, o esgoto desestabiliza as populações microbianas, que se multiplicam rapidamente consumindo o oxigênio dissolvido e ocasionando a morte de peixes e crustáceos. FIGURA 11.2. A compostagem. LIXO ORGÂNICO
AR
ÁGUA
FONTE DE NITROGÊNIO
Fragmentação e mistura das partículas Aumento da temperatura (sanitização) BIODIGESTÃO AERÓBIA Diminuição e estabilização da temperatura Maturação
CALOR
CO2
ÁGUA
OUTRAS SUBSTÂNCIAS
COMPOSTO
FIGURA 11.3. O tratamento das águas residuais.
ESGOTO
Fossas sépticas
Gradeamento
Lagoas de oxidação
Tanque de areia
Filtros de gotejamento (1)
EFLUENTE
Tanque de sedimentação Tanque de sedimentação
EFLUENTE
Lodo Lodo ativado (2 )
Lodo EFLUENTE Biodigestor anaeróbico RESÍDUO SÓLIDO Lodo
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Na biodegradação das águas do esgoto participam várias populações naturais. Os microrganismos aeróbios (bactérias e protozoários ciliados) mineralizam parte da matéria orgânica do efluente. As bactérias anaeróbicas procedem à biodigestão dos lodos, permitindo a obtenção de biogás e a remoção de alguns nutrientes (N e P principalmente) que poderiam criar desequilíbrios ecológicos. O tratamento do esgoto envolve métodos físicos, químicos e biológicos (Figura 11.3). O processo ocorre em pelo menos três etapas: o Tratamento primário. O esgoto passa por um processo de filtração que remove objetos grandes, lixo e areia. No tanque de sedimentação, a gordura sobrenadante é separada do lodo sedimentado, que pode ser transferido a um biodigestor. o Tratamento secundário. O líquido efluente do tanque de sedimentação pode ser tratado de vários modos: Em lagoas de baixa profundidade. Em filtros de gotejamento (1), colonizados pelos próprios microrganismos do esgoto que se desenvolvem digerindo a matéria orgânica do meio. Em tanques de lodo ativado (2), onde o meio é agitado e oxigenado mediante a injeção de ar comprimido. Um segundo tanque de sedimentação separa o efluente do lodo. o Tratamento terciário. Este é realizado para eliminar substâncias inorgânicas e orgânicas, envolvendo procedimentos como a filtração, a volatilização da amônia, a precipitação de fosfato etc. o Tratamento avançado. A degradação microbiana dos resíduos orgânicos diminui consideravelmente a carga de microrganismos patogênicos liberada no ambiente, mas não a elimina totalmente. Só alguns métodos adicionais como a cloração, a irradiação UV e o tratamento com ozônio eliminam microrganismos patogênicos recalcitrantes. O TRATAMENTO DOS EFLUENTES INDUSTRIAIS Além de fundamental para a população e o ambiente, o tratamento dos efluentes industriais é estratégico para o melhoramento da imagem das indústrias mais poluentes, entre as quais figuram as químicas, as papeleiras, as têxteis, as de couro, as de alimentos, as de extração de metais e minerais e as de produção de energia. A produção de etanol libera diretamente nos rios e cursos de água um efluente (vinhaça) que provoca a eutrofização, com consequências nefastas para os seres vivos. Para avaliar a dimensão do problema, basta lembrar que por cada litro de álcool a indústria produz até 12 litros de vinhaça. As soluções contemplam o uso de tecnologias mais eficientes que permitam reduzir o volume de vinhaça, e também sua biodigestão anaeróbia para a geração de fertilizante, além de biogás e de eletricidade. Os efluentes das indústrias de laticínios são utilizados como matéria-prima para o crescimento de microrganismos que são adicionados às rações animais. De forma análoga, o licor sulfítico dos efluentes da indústria de papel e celulose pode ser eliminado produzindo biomassa, com o fungo Paecilomyces.
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Em relação aos resíduos gasosos de processos industriais, o tratamento de compostos orgânicos voláteis (VOCs, da sigla em inglês) é feito mediante filtros biológicos de diferentes tipos e complexidade tecnológica. AS EMISSÕES DE GASES E O EFEITO ESTUFA Existem fontes naturais de gases, como os vulcões e os cupins. Estes, devido à atividade da flora intestinal simbionte que lhes permite digerir celulose, liberam 40 milhões de toneladas de metano por ano. No entanto, o homem é o principal responsável pela emissão dos gases que causam o efeito estufa, através de atividades como o depósito do lixo em aterros sanitários, o cultivo do arroz, a criação de gado, a liberação de efluentes agroindustriais sem tratamento e a queima de combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão). Os níveis de metano atmosférico são hoje duas vezes maiores que na era pré-industrial, um dado preocupante se pensarmos que a contribuição do metano para o efeito estufa é 20 vezes superior à do dióxido de carbono. Embora sua utilização como combustível elimine uma fonte de contaminação atmosférica, a rentabilidade do processo nem sempre justifica o seu aproveitamento. Várias iniciativas tendem a recuperar o metano dos aterros sanitários e utilizá-lo como combustível alternativo. A América Latina, que emite 6% dos gases contaminantes, já está entrando neste mercado com vários projetos de reaproveitamento do metano (aterros sanitários, resíduos agroindustriais) na Argentina, no Brasil, no Chile, em Cuba, no México, no Uruguai. As iniciativas dependem de empresas privadas e/ou de organismos governamentais; alguns estudos preliminares contaram com financiamento do Banco Mundial. Em relação à gasolina, a combustão dos biocombustíveis (mistura gasolina-etanol ou etanol puro) emite quantidades menores de monóxido de carbono (CO), óxidos de enxofre (SOx), hidrocarbonetos e outros compostos poluentes. Em compensação, liberam-se aldeídos cancerígenos e, dependendo do motor, óxidos de nitrogênio (NOx). Apesar disso, estima-se que, entre 2004 e 2008, o uso de biocombustíveis na frota flexfuel brasileira teria deixado de liberar na atmosfera 35 milhões de toneladas de CO2. Calcula-se também que, para que essa economia fosse de 530 milhões de toneladas de CO2, bastaria misturar com álcool apenas 10% da gasolina disponível no planeta. O Protocolo de Kyoto (1997) previa a redução da emissão de gases contaminantes (dióxido de carbono, metano, óxidos nitrosos e clorofluorocarbonetos). Ratificado por numerosos países, mas não por Estados Unidos nem Rússia, que são responsáveis respectivamente por 36% e 17% das emissões, o protocolo de Kyoto não teve os resultados esperados. TABELA 11.2. Os principais contaminantes do meio ambiente. CATEGORIA
EXEMPLO
Inorgânicos
Metais (cádmio, mercúrio, prata, cobalto, chumbo, cobre, cromo, ferro), isótopos radiativos, nitratos, nitritos, fosfatos, cianetos, asbestos.
Orgânicos
Resíduos petroquímicos: petróleo, gasóleo, compostos aromáticos (benzeno, tolueno, etilbenzeno, xileno). Produtos sintéticos: pesticidas organoalogenados como os bifeniles policlorados (PCBs) ou os hidrocarbonetos poliaromáticos.
Gasosos
Gases: dióxido de enxofre (SO2), dióxido de carbono (CO2), óxidos nitrosos (NOx), metano (CH4). Compostos voláteis: clorofluorocarbonetos (CFCs), compostos orgânicos voláteis (VOCs).
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Contudo, criou-se um mercado paralelo da descontaminação através da compra e venda do Certificado de Redução de Emissões (CER, do inglês Certificate of Emission’s Reduction), que nada mais é que um bônus sobre a quantidade de contaminação deixada de emitir. Deste modo, o Protocolo de Kyoto permite que, tendo superado a cota de gases a emitir, um país continue contaminando a atmosfera se comprar bônus de um país que não a contamina ou que reduz sua própria contaminação. A BIORREMEDIAÇÃO Numerosas substâncias, hoje presentes no ambiente, têm sido geradas pelo homem através da síntese química. Embora muitas possam ser degradadas em poucos meses por algum organismo, outras persistem na natureza por um longo tempo. Consideradas recalcitrantes, estas moléculas alheias ao mundo dos seres vivos (xenobióticas) não são biodegradadas ou, quando o são, o processo é muito lento. OS CONTAMINANTES Como resultado das atividades humanas, aproximadamente 2,5 milhões de toneladas de substâncias químicas perigosas são liberadas anualmente no meio ambiente (Tabela 11.2). Em alguns casos, trata-se de emissões deliberadas e regulamentadas (resíduos industriais), em outros, de escapamentos acidentais (manchas de óleo ou de petróleo). À diferença dos resíduos agrícolas e urbanos, que são biodegradados, os metais procedentes das atividades extrativas e industriais (cádmio, zinco, chumbo, selênio) permanecem no ambiente, em concentrações tóxicas. Sua absorção e concentração (bioacumulação) por plantas tolerantes aos metais reduz a toxicidade do solo e facilita sua remoção em faixas de terreno pouco profundas. Existem já plantas geneticamente modificadas para transformar os compostos organomercuriais formados em diversas atividades (extração de carvão e de ouro etc.) em uma forma volátil muito menos tóxica. Um problema de difícil solução é a detecção e eliminação das 60 a 70 milhões de minas antipessoais espalhadas no mundo. Uma possível saída parece ser a utilização de plantas de Arabidopsis transgênicas (Aresa, Dinamarca). Estas plantas, portadoras de genes microbianos, degradam a trinitroglicerina (TNT) liberando NO2, que é absorvido pela planta, modificando, três semanas mais tarde, a cor das folhas. A procura por microrganismos com características especiais é o primeiro passo para resolver problemas ambientais. Alguns já conhecidos: Deinococcus radiodurans, resistente à radiação; Bacillus infernus, resistente a altas temperaturas; Methanococcus jannaschi, resistente a pressões de até 230 atmosferas e a altas temperaturas etc. OS TRATAMENTOS Existem vários métodos para retirar substâncias recalcitrantes do meio ambiente (Figura 11.4). As opções contemplam a construção de barreiras físicas, a lavagem ou ventilação do solo contaminado, e sua destruição por incineração ou por biorremediação. Esta última apela para o uso de agentes biológicos, operando com menos custo e mais rapidamente. Para que a biorremediação seja eficiente é necessário que o poluente seja transformado metabolicamente por algum microrganismo, os produtos finais sejam seguros e as condições ambientais favoreçam a atividade microbiana. O processo deve ter uma relação custo/beneficio interessante. 133
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Uma forma de biorremediação é a produção de biomassa específica no local contaminado (in situ). Do ponto de vista prático, duas estratégias são possíveis: o o
Colocar microrganismos especializados no solo. Acrescentar nutrientes para estimular a ação dos microrganismos presentes no sítio contaminado.
Em ambos os casos, as bactérias ou os fungos digerem o lixo perigoso transformando-o em produtos inofensivos. Uma vez consumido o material tóxico, os microrganismos morrem ou voltam ao seu nível populacional normal no ambiente. Outra forma de biorremediação dos solos contaminados admite o tratamento ex situ, em que o solo escavado é transferido a um biodigestor. Como a liberação de microrganismos geneticamente modificados no ambiente é vista com desconfiança, sua utilização se restringe a estes sistemas fechados. A modificação genética dos microrganismos pode fornecer linhagens com um potencial de degradação dos contaminantes maior que o dos organismos naturais. Também permite o design de microrganismos que combinem várias características de diferentes linhagens como, por exemplo, a degradação de PCBs e a sobrevivência em uma ampla margem de temperaturas. Introduzindo os dois genes correspondentes em uma bactéria inócua e de fácil cultivo, essa contaminação poderia ser tratada de maneira específica. Entre as formas de biorremediação cabe destacar a utilização de microrganismos que sobrevivem no ambiente contaminado, por ter sistemas enzimáticos capazes de digerir os poluentesalvo, ligeiramente diferentes de seus substratos normais. Esta propriedade, denominada metabolismo gratuito, possibilitou a descontaminação do Rio Savannah (Estados Unidos) de tricloroetileno (TCE), utilizado como desengordurante na fabricação de componentes de armas. Despejado no solo, o TCE contaminara as águas subterrâneas, causando um problema ambiental de grandes proporções. Para eliminar o contaminante, utilizou-se uma bactéria que metaboliza metano, mas é capaz de degradar o TCE. Ao bombear metano no solo, a bactéria se multiplica; ao suspender o bombeamento, ela passa a degradar o TCE por um tempo, até que o bombeamento de metano se torna novamente necessário. A repetição cíclica do processo reduziu a contaminação a um nível aceitável. Esta tecnologia é considerada viável do ponto de vista comercial. FIGURA 11.4. As estratégias de biorremediação. Microrganismos do ambiente
Microrganismos selecionados
Microrganismos geneticamente modificados (em sistema fechado)
MEIO CONTAMINADO
Otimização dos fatores que estimulam a ação bacteriana (estrutura do solo, pH, aceptores de elétrons).
Suplemento de nutrientes
MEIO DESCONTAMINADO
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Os problemas que exigem biorremediação são muito pontuais, de modo que cada um deles demanda um tratamento particular. Como não há um produto a patentear, mas um serviço a prestar, a tecnologia está em mãos de organizações governamentais ou de pequenas firmas que agem localmente. UM EXEMPLO: OS VAZAMENTOS DE PETRÓLEO Um dos mais sérios problemas de contaminação ambiental é o derramamento de petróleo nos mares, devido a acidentes notórios (Prestige, Exxon Valdez, Torrey Canyon, Amoco Cadiz, Braer and Sea Empress, British Petroleum) e a situações bélicas (Guerra do Golfo). As manchas de óleo despejadas no mar contêm compostos tóxicos que representam uma ameaça para a ecologia marinha e costeira, afetando todas as formas de vida aquática e constituindo um risco para a saúde do consumidor. A formação de carvão e petróleo nas profundezas da terra é possível porque, em condições anaeróbias, tanto a lignina como os hidrocarbonetos são compostos químicos estáveis. Porém, em condições aeróbias, ambos são degradados pelos microrganismos do ambiente. O petróleo derramado no mar flutua na superfície, onde os componentes voláteis evaporam rapidamente. O que não é recuperado pelo homem, se dispersará com o movimento das ondas, permanecendo em alto-mar ou sendo levado até a costa. O petróleo derramado será degradado pelos microrganismos naturalmente presentes no ambiente marinho, geralmente pobre em nitratos e fosfatos. Por isso, devem-se acrescentar nutrientes aos dispersantes químicos (detergentes) ou às espumas de limpeza das rocas da costa. Estima-se que, até o momento, o solo de mais de 30.000 sítios contaminados com petróleo, proveniente de vazamentos de tanques de armazenamento, tenha sido tratado por biorremediação. Uma das primeiras patentes de um ser vivo corresponde a uma bactéria engenherada projetada para degradar alguns componentes do petróleo (Chakrabarty, 1971). Porém, o uso deste tipo de bactérias não teve sucesso na remoção do petróleo derramado em alguns acidentes, como o do navio Exxon Valdez no Alaska (1989). As pesquisas atuais visam preferentemente os microrganismos ambientais, especialmente Alcanivorax borkumensis, uma bactéria capaz de metabolizar 70% dos compostos do petróleo, especialmente os de baixo peso molecular. O sequenciamento de seus 2.755 genes, completado recentemente, dará novas informações sobre suas rotas metabólicas e seus requerimentos de fósforo e de nitrogênio. A RECUPERAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS Os processos biológicos também são utilizados para a extração de petróleo e de metais (cobre, ouro, urânio). O PETRÓLEO Na extração de petróleo, técnicas especiais (EOR, do inglês enhanced oil recovery) envolvem o uso de polímeros de origem microbiana (xantana), para aumentar a viscosidade e facilitar o seu bombeamento. A introdução direta dos microrganismos no poço (MEOR, do inglês microrganism enhanced oil recovery) parece menos interessante do ponto de vista econômico, mas isso pode mudar se o petróleo começar a se esgotar.
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OS METAIS A extração de metais solubilizados nas ácidas e escuras águas do Rio Tinto (Andaluzia, Espanha) data do domínio romano; abandonadas durante séculos, as minas foram exploradas a partir do século XIX por uma empresa inglesa, hoje australiana. Em 1947, com o isolamento de bactérias quimiotróficas do gênero Thiobacillus mostrou-se que a acidificação das águas e a consequente solubilização dos metais eram o resultado não só de uma ação química, mas também de uma ação bacteriana. As bactérias transformam os sulfetos metálicos insolúveis em sulfatos solúveis, mediante uma reação de oxidação que libera a energia necessária para sua reprodução e crescimento. A fixação de dióxido de carbono fornece o carbono necessário para a síntese dos componentes celulares e os requerimentos se limitam ao oxigênio e a pequenas quantidades de nitrogênio e fósforo. A biolixiviação se aplica especialmente à extração de cobre, ouro, zinco, níquel e cobalto. A tecnologia é relativamente simples e requer pouca inversão, sendo adaptada aos países em desenvolvimento. Na América Latina, se usa a biolixiviação para a extração de cobre (Chile, México e Peru) e de ouro (Brasil, Chile e Peru). A BIOMINERAÇÃO Os Andes chilenos guardam as maiores reservas de cobre do planeta. Na época pré-colombiana, as culturas Tiahuanaco e Inca o utilizaram na produção de bronze, uma liga de cobre e estanho. Durante o período colonial, a produção de cobre se manteve baixa, mas entre 1820 e 1900 extraíram-se dois milhões de toneladas. Ao finalizar o século XIX, as jazidas com alta concentração de cobre começaram a dar indícios de esgotamento. No século XX, os consórcios internacionais que dominavam a tecnologia necessária para a extração do cobre em baixas concentrações assumiram o controle da indústria do cobre (Braden Copper Co., Kenecott Corporation, Chile Exploration Company). Segue-se um processo de “chilenização” que culmina em 1971 com a nacionalização das principais minas de cobre. Ainda hoje, o Chile é o maior produtor de cobre do mundo, com 5.700 toneladas métricas que representam 42% da produção de cobre mundial (2008). Atualmente, 36% da produção de cobre do país está em mãos da Codelco (do espanhol, Corporación Nacional del Cobre), uma empresa estatal criada em 1976 e que emprega 16.000 pessoas. O resto é produzido pelo setor privado. As primeiras experiências de biolixiviação foram realizadas entre 1950 e 1980 em Rio Tinto (Espanha), Cananea (México) e Toromocho (Peru). A exploração da mina de Pudahuel (Chile, Codelco) com tecnologia nacional de biolixiviação começou na metade da década de 1980. A biohidrometalurgia se estendeu rapidamente e já se encontram em funcionamento no Chile os primeiros estabelecimentos que extraem o cobre exclusivamente por biolixiviação (Cerro Colorado, Quebrada Blanca). As operações são especialmente apropriadas para as minas de baixa qualidade ou semiesgotadas, assim como para a recuperação do cobre nos refugos existentes. A oxidação biológica ocorre geralmente em amontoados e pilhas, recuperando-se entre 75% e 90% do cobre em períodos que oscilam de 6 a 12 meses e a um custo muito baixo. Atualmente, 5% da produção de cobre chilena depende de biolixiviação. Do desenvolvimento da biomineração participaram universidades e institutos de pesquisa, além do setor produtivo, com apoio do governo e do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). As pesquisas atuais contemplam o uso de microrganismos termofílicos (Sulfobolus) e a otimização do processo de bio-oxidação.
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Fundada em 2002 por Codelco e Nippon Mining & Metals Co. Ltd., a empresa BioSigma desenvolve estudos microbiológicos e genômicos, assim como tecnologias para a produção de biomassa. Recentemente, a empresa registrou nos Estados Unidos uma patente descrevendo um método para modificar geneticamente bactérias extremófilas do gênero Acidithiobacillus, encontradas no minério de cobre. O DIAGNÓSTICO DE CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL O diagnóstico de contaminação ambiental exige o monitoramento da água, do ar e do solo. As tecnologias abrangem o uso de indicadores biológicos, de técnicas imunológicas e genéticas e de biossensores. INDICADORES BIOLÓGICOS Estes são plantas e animais capazes de acumular metais pesados e poluentes orgânicos persistentes. Determinando diretamente a concentração do contaminante em um organismo específico, podemos avaliar a contaminação ambiental. Uma avaliação indireta pode ser obtida a partir de outras variáveis, tais como o número de plantas e de espécies microbianas, o número de indivíduos nessas espécies etc. TÉCNICAS GENÉTICAS Estas se aplicam na identificação das populações microbianas. Como ainda não sabemos cultivar em laboratório a maior parte dos microrganismos do ambiente, uma boa parte da biodiversidade microbiana permanece desconhecida. A tecnologia do DNA facilita a identificação dessas espécies em função das sequências gênicas correspondentes ao RNA ribossômico (rRNA de 16S) e também ajuda a monitorar as mudanças nas comunidades microbianas utilizadas na remoção de poluentes, de maneira a detectar qualquer variação ambiental e restaurar rapidamente as condições ótimas do sistema. Microarrays adequados avaliam a expressão dos genes em uma linhagem ou uma comunidade microbiana em relação a um agente ambiental (genossensores). TÉCNICAS IMUNOLÓGICAS Estas utilizam anticorpos específicos, marcados ou associados a enzimas. As técnicas imunoenzimáticas, cujos resultados podem ser apreciados simplesmente por uma mudança de cor, resultam especialmente apropriadas para os testes de campo. Pouco a pouco estão substituindo os testes tradicionais que, além de serem lentos, exigem um equipamento complexo, como os testes de coliformes na água. Imunoensaios de diversos tipos permitem o monitoramento contínuo, automatizado e barato de pesticidas como o dieldrin, o parathion e os PCBs. BIOSSENSORES Estes combinam diferentes componentes biológicos e eletrônicos imobilizados em um substrato, geralmente sob a forma de um chip. Alguns são muito seletivos, outros são sensíveis a um amplo espectro de substâncias.
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O componente biológico pode ser uma enzima, um anticorpo ou um microrganismo. Respondendo a um estímulo ambiental se verifica uma mudança em suas propriedades, mudança que é detectada óptica ou eletronicamente fornecendo uma medida quantitativa do contaminante (Figura 11.5). Bactérias ou leveduras imobilizadas assinalam a presença de uma determinada substância, seja porque a metabolizam, seja porque esta inibe o próprio metabolismo microbiano. Especialmente interessante é a utilização de organismos geneticamente modificados, associando o promotor do gene de uma enzima que reage com a substância procurada (arsênico, por exemplo) com genes indicadores (luminescência, fluorescência ou produção de uma substância colorida). FIGURA 11.5. O funcionamento de um biossensor. O sinal aumenta ou diminui em função da concentração do substrato contaminante, que estimula ou inibe a ação do agente biológico. ,
Substrato Membrana Biodetector imobilizado
O substrato reage com o biodetector, originando um produto específico Ao detectar um produto específico, o transdutor gera um sinal elétrico Amplificador Circuito
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12. BIOTECNOLOGIA E BIODIVERSIDADE O conceito de biodiversidade abrange a totalidade da variação hereditária existente nos seres vivos. Aplica-se em todos os níveis de organização biológica, desde os genes e cromossomos de uma espécie até as diversas espécies ou comunidades presentes em ecossistemas como as florestas ou os rios. A DESAPARIÇÃO DOS ECOSSISTEMAS NATURAIS O cultivo de plantas e a domesticação de animais acompanharam o homem na passagem de uma vida nômade para uma vida sedentária, um acontecimento que ocorreu várias vezes em lugares diferentes. Os primeiros cultivos foram a cevada e o trigo (vales do Eufrates e do Nilo, entre 13.000 a.C. e 10.000 a.C.), o arroz (regiões fluviais da China e da Índia, 10.000 a.C.), e o milho e a abóbora (América Central, entre 9.000 e 7000 a.C.). No continente europeu, durante a Antiguidade, só foram cultivadas umas poucas espécies locais, sendo lentamente adicionadas plantas provenientes de outros lugares, muitas vezes obtidas como troféus de guerra (romanos e cruzados). Às técnicas agrícolas primitivas, que basicamente envolviam a tração animal do arado e o armazenamento de alimentos, se acrescenta na Idade Média a rotação trienal de culturas, uma prática de conservação do solo e aumento da produção. Com as grandes navegações e a descoberta do Novo Mundo, muda o perfil das plantas cultivadas nos diferentes continentes. O milho, a batata, o tomate, o feijão, o girassol e o tabaco foram introduzidos na Europa. Procedentes de diferentes lugares, o trigo, o grão-de-bico, o arroz, os cítricos, a banana, o café e a cana-de-açúcar se aclimataram na América (Figura 12.1). FIGURA 12.1. O transporte de plantas de um continente a outro.
1: Trigo, aveia, videira, grão-de-bico. 2: Abóbora, feijão, milho, pimenta, tabaco, batata, tomate. 3: Café, inhame. 4: Abacaxi, amendoim, cacau, caucho, mandioca, milho, tomate, pimenta, cinchona. 5: Cítricos, banana, soja, cana-de-açúcar, arroz. 6: Abacaxi, amendoim, cacau, caucho, mandioca, milho, tomate, algodão, abacate. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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No Novo Mundo e ligado ao tráfico de escravos, deu-se início ao ciclo da agricultura das plantações, com o cultivo de plantas produtoras de fibras (algodão, juta) e de borracha (caucho), de açúcar (cana-de-açúcar), de óleo (amendoim, palma), de frutos (banana), de substâncias estimulantes (chá, café, cacau) etc. Nesse marco histórico se definem claramente algumas das características da agricultura moderna, que visa satisfazer as necessidades dos consumidores não só em relação à produção de alimentos, como também de insumos industriais. Em relação aos animais a história segue um curso parecido, começando na Ásia com a domesticação do cachorro, no final do paleolítico. Entre 8.000 e 7.000 a.C., foram domesticadas a cabra e a ovelha (Mesopotâmia), o boi e o zebu (Mesopotâmia, Egito), o porco (China, Europa) e o gato (Mediterrâneo). A domesticação do cavalo ocorreria bem mais tarde (Ucrânia, 4.000 a.C.). No continente americano, bem antes da chegada dos europeus, as populações do continente americano mantinham criações de lhamas, alpacas, vicunhas, perus e preás. Após a conquista do Novo Mundo, os europeus levaram para o continente seus animais domésticos: cavalos, vacas, porcos e cachorros. Estes se multiplicaram rapidamente, causando grande devastação na flora local. As grandes planícies se tornaram um lugar ideal para a criação de gado. FIGURA 12.2. Distribuição da produção agrícola (grãos e cereais, pradarias e pastagens, cultivos diversos) na área habitável do planeta.
TABELA 12.1. Os principais tipos de vegetais que entram em nossa alimentação. TIPOS DE VEGETAIS
EXEMPLOS
Cereais
Trigo, arroz, milho, centeio, aveia, cevada, sorgo etc.
Plantas proteaginosas
Diversos tipos de feijão, lentilha, grão-de-bico, amendoim, ervilha etc.
Raízes e tubérculos
Batata, cará, batata-doce, mandioca, cenoura, beterraba etc.
Plantas oleaginosas
Soja, algodão, colza, canola, amendoim, girassol etc.
Plantas produtoras de açúcar
Cana-de-açúcar, beterraba sacarina.
Frutas e hortaliças
Banana, tâmara, coco, azeitona, abacate, manga, uva, fruta-pão, couve, couve-flor, tomate, pimenta, quiabo, berinjela, pepino, abóbora etc.
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Os séculos seguintes assistiriam a um aumento significativo da produtividade agrícola em função da introdução de novas práticas agronômicas, da mecanização do trabalho no campo e do melhoramento genético. No entanto, ao limitar o número de espécies cultivadas, o progresso da agricultura teve um impacto negativo na biodiversidade. Os ecossistemas agrícolas acompanharam a expansão do homem sobre a superfície habitável da Terra (Figura 12.2). Expansão limitada por oceanos, mares, desertos, montanhas e regiões polares, que tornam inabitável para o homem os dois terços da superfície do planeta. Para evitar o desaparecimento dos ecossistemas naturais, precisa-se de uma agricultura e pecuária sustentáveis, que possibilitem a conservação e a manutenção dos solos, da água, dos processos ecológicos e dos recursos genéticos. O HOMEM E AS PLANTAS AS PLANTAS ALIMENTÍCIAS Os vegetais ocupam um lugar preponderante na dieta humana. Apesar de nossa alimentação incluir também produtos animais (carne, leite, ovos, peixes, mariscos), a maioria das proteínas que ingerimos é de origem vegetal. Os cereais respondem por 75% de nossas necessidades calóricas. Tubérculos, raízes, plantas oleaginosas e sacarinas complementam 20%. Hortaliças e frutas não fornecem mais que uma pequena quantidade de calorias, sendo importantes por outros valores nutritivos (Tabela 12.1). A dependência de um limitado número de espécies Apesar de existir uma grande diversidade de plantas comestíveis, a maior parte dos alimentos (90%) consumidos pela humanidade se restringe a um pequeno grupo de 20 a 25 espécies que inclui a banana, a mandioca, o milho, o amendoim, algumas leguminosas, o milheto, a batata, o arroz, o sorgo, a batata-doce, a soja e o trigo (Figura 12.3). A produção de alimentos No início do século, a população humana era de 6,1 bilhões de pessoas, estimando-se que chegará a 9,3 bilhões em 2050 (Tabela 12.2). Frente a esses números, cabe nos perguntarmos se a produção de alimentos será suficiente para as necessidades da população. Nos últimos trinta anos, a produção de alimentos teve um aumento de 35% como resultado da seleção de variedades mais produtivas, cultivadas em condições apropriadas. Entre 1980 e 2000, embora a população aumentasse em quase dois bilhões de pessoas, o desenvolvimento tecnológico alcançado graças à Revolução Verde gerou uma produção de alimentos suficiente para suprir a humanidade. A duplicação da produção de cereais causou também uma redução significativa dos preços. Contudo, ainda hoje, 4,5 bilhões de pessoas vivem na pobreza, sendo que aproximadamente 24.000 pessoas morrem diariamente de fome e outras 800.000, principalmente crianças e mulheres, sofrem de desnutrição. A carência de vitamina A afeta 14 milhões de crianças, e a falta de ferro, um bilhão de pessoas. Mesmo havendo suficientes alimentos para todos, eles não chegam a 1,2 bilhão de pessoas que vivem com menos de um dólar por dia, nem a outros dois bilhões que vivem com menos de dois dólares por dia.
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FIGURA 12.3. Os vegetais na alimentação humana.
TABELA 12.2. O tamanho da população humana. ANO Número de pessoas (em bilhões)
1980
2000
2011
2030
2050
4,4
6,1
7
8,3
9,3
TABELA 12.3. As plantas e a indústria. PRODUTO
PLANTAS INDUSTRIAIS
Biocombustíveis
Cana-de-açúcar, beterraba sacarina, cereais, soja, mamona etc.
Fibras têxteis
Algodão, sisal, linho, cânhamo, juta, coco, rami, piaçava.
Óleos e gorduras
Soja, algodão, colza, canola, amendoim, girassol, dendezeiro, babaçu, mamona, sésamo, oliveira, linhaça.
Essências e fragrâncias
Sassafrás, menta, citronela, geraniol, eugenol, capim-limão.
Látex
Borracha, chicle (sapoti).
Ceras
Carnaúba, jojoba.
Resinas
Bálsamos e gomas.
Especiarias
Pimenta-do-reino, noz moscada, canela, gengibre, cravo-da-índia.
Taninos
Acácia, quebracho, eucaliptos.
Tinturas
Pau-brasil, pau-campeche, urucum.
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Segundo a Food and Agriculture Organization (FAO), para responder às necessidades da população, a produção de alimentos deverá aumentar em 60%, nos próximos 30 anos. Considerando que 90% das pessoas viverão na faixa intertropical, onde está situada a maioria dos países em desenvolvimento, a falta de alimentos poderá se agravar. Em parte porque, salvo algumas exceções significativas (chá, café, cacau, banana etc.), os alimentos se consomem no lugar mesmo onde são produzidos. E, também, porque irá aumentar o número de pessoas que em vez de produzir alimentos deverá comprá-los, em função da tendência migratória para as grandes cidades. Embora já tenham aparecido sinais de erosão e de esgotamento do solo em vários lugares, a expansão da fronteira agrícola parece improvável. Boa parte da terra não utilizada se encontra em regiões pouco férteis, distantes, carentes de infraestrutura ou cobertas por florestas. Sua ocupação aceleraria a degradação de ecossistemas com perda de biodiversidade e risco de aparição de doenças. Dois grandes desafios aguardam a humanidade: aumentar a produtividade dos sistemas agrícolas e reduzir a desigualdade de acesso aos alimentos. Se, por um lado, o desenvolvimento tecnológico é indispensável, a história dos últimos anos mostra que, sem mudanças sociais e políticas, não haverá solução para o problema da fome. AS PLANTAS COMERCIAIS A produção de insumos Várias plantas são cultivadas e comercializadas, às vezes internacionalmente, como matéria-prima para diversas indústrias (Tabela 12.3). Assim como o ouro, a carne, o petróleo e o gás natural, os grãos são considerados commodities, isto é, produtos equivalentes independentemente do produtor. Os preços são fixados em mercados futuros que estabelecem a quantidade e a qualidade da commodity a ser comercializada. De todas as plantas industriais, a soja merece uma atenção especial. Nos últimos anos, o seu cultivo alcançou um enorme sucesso comercial que pode ser atribuído à extraordinária versatilidade de seus produtos. O grão e os brotos podem ser consumidos diretamente ou entrar como farinha na composição de pães, doces, bebidas, massas, biscoitos etc. Os grãos fermentados se utilizam na culinária oriental (misó, tempeh). A fração proteica do grão substitui a proteína de origem animal (carne de soja) e é usada na elaboração de produtos dietéticos, pastas e cremes, massas, sucrilhos, comida de bebês, bebidas etc. A torta de soja também é incluída nas rações animais. Mas, por outro lado, essa fração proteica entra na composição de adesivos, reagentes analíticos, colas de madeira, emulsão asfáltica, produtos de limpeza, cosméticos, substitutos de couro e plásticos. O óleo extraído do grão é usado para cozinhar e como condimento para saladas, entrando na composição de molhos, maioneses, coberturas de bolo, bebidas, patês e margarinas. Utiliza-se também como anticorrosivo e antiestático, entrando na composição de agentes dispersantes e antiespumantes, selantes, cosméticos, madeirite, corantes e tintas. Atualmente, 80-90% do óleo de soja produzido provém de culturas transgênicas. Assim como a soja, outras plantas apresentam um espectro de aplicações de amplidão equivalente na alimentação e na indústria. Não causa surpresa o fato de que os primeiros cultivos transgênicos a serem comercializados correspondam a quatro das plantas industriais: a soja, o milho, o algodão e a canola.
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A exploração das florestas As florestas naturais têm um valor intrínseco importantíssimo na conservação da biodiversidade. No entanto, a lenha ainda é utilizada como combustível, e a exploração de madeiras representa um mercado global de mais de US $ 400 bilhões. As florestas também são uma fonte de matéria-prima para a indústria de papel e celulose. As biotecnologias facilitam o reflorestamento através da micropropagação e do plantio clonal de árvores mais produtivas e de crescimento rápido. O mapeamento de genomas (Pinus, Eucalyptus) e a utilização de marcadores genéticos permitem selecionar alelos, em genes que controlam a variação fenotípica. As duas tecnologias se aplicam também para a obtenção de árvores que possam crescer em solos áridos (salinidade, acidez). Técnicas de engenharia genética visam reduzir a lignina em 45-50% de maneira de modo a diminuir a necessidade de tratamentos altamente poluentes no processamento da polpa. De um modo geral, a maioria dos estudos sobre essências está sendo realizada em relação aos gêneros Pinus, Eucalyptus, Picea, Populus, Quercus e Acácia. Vários países já realizaram experiências de transformação genética em árvores. Na China, a tecnologia será fundamental para o reflorestamento; por enquanto 300-500 hectares têm sido plantados com Populus resistente a insetos (portador de um transgene codificador da toxina do Bacillus thuringiensis). A floricultura Outro setor importante do ponto de vista comercial é a floricultura, que abrange o cultivo de plantas ornamentais e de flores, no qual se utilizam corriqueiramente as técnicas de cultivo de tecidos (micropropagação e embriogênese somática), a haploidização e a fusão de protoplastos. A produção comercial de orquídeas, por exemplo, depende hoje das técnicas de cultura in vitro. Boa parte do desenvolvimento das plantas ocorre em condições de laboratório bem controladas, que permitem ao sistema produtivo a obtenção de mudas sadias e de variedades novas. Em um mercado em expansão, no qual a produção de material de propagação (mudas, sementes e bulbos) tende a se concentrar em grandes empresas internacionais, o Brasil exporta flores e plantas tradicionais (crisântemos, rosas, gladíolos, cravos, gérberas etc.) e plantas tropicais (helicônias, bromélias, orquídeas, antúrios etc.) em diferentes modalidades (flores de corte, flores em vaso, plantas verdes e plantas para paisagismo). A Argentina exporta rosas, cravos e palmas a cidades como Miami e Milão, de onde são distribuídas internacionalmente. Também exporta bulbos de tulipa e uma variedade de rosa preta sem espinhos. O Instituto Nacional de Tecnologia (INTA) e a Japan International Cooperation Agency (JICA) participam de um programa de cooperação para o desenvolvimento da floricultura, assim como da produção hortifrutícola. A maior parte (75%) do mercado mundial de flores corresponde a cravos, rosas, crisântemos e gérberas, espécies nas quais faltam os pigmentos responsáveis pela coloração azul (antocianinas). Com a transferência de um gene de petúnia ao cravo, uma empresa australiana (Florigene) e uma japonesa (Suntori) conseguiram colocar no mercado flores inovadoras, tais como os cravos (Dianthus caryophyllus L.) de cor malva (Moondust) ou violeta (Moonshadow). Estas plantas são comercializadas em diversos países, inclusive dentro da União Europeia. Na Colômbia os cravos azuis são cultivados desde 2000, para exportação, por Flores Colombianas S.A., uma filial da empresa holandesa Floriyin. Em 2009, aprovou-se o cultivo de rosas e crisântemos azuis. As principais linhas de pesquisa atuais visam o desenvolvimento de fragrâncias e a transferência a várias espécies ornamentais de genes que prolonguem a conservação das flores nos vasos. 144
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AS PLANTAS MEDICINAIS Até o momento, há identificadas cerca de 20.000 espécies de plantas medicinais. Muitas delas representam ainda o único recurso possível para 80% da população rural, que não tem acesso aos medicamentos comercializados. Em alguns casos, o princípio ativo das plantas tem sido identificado e sintetizado quimicamente. É o caso bem conhecido do ácido acetilsalicílico da fórmula da aspirina, cujo efeito é comparável ao do ácido salicílico extraído da casca do salgueiro que, desde a Antiguidade, se administra em chás e poções, como analgésico e antitérmico. A metade das drogas medicamentosas consumidas atualmente é extraída de plantas silvestres (não cultivadas). Esses medicamentos derivam de 250 espécies de plantas, que representam 0,1% das 250.000 plantas vasculares. A procura por novos medicamentos começa pela coleta das plantas e a extração de substâncias químicas que se submetem a testes de atividade biológica. Encontrar um princípio ativo pode significar altos lucros, embora só chegue ao mercado um em cada 10.000 produtos testados. Entre os fitoquímicos bem-sucedidos estão: a diosinina (produção de anticoncepcionais), a vincristina e a vinblastina (medicamentos anticancerosos), a morfina (anestésico) e o curare (relaxante em cirurgias). A BIODIVERSIDADE AMEAÇADA A EROSÃO GENÉTICA A perda de biodiversidade acarreta a perda de variação genética (erosão genética). Os dados são estarrecedores: 11 milhões de Ha/ano de florestas destruídas; avanço da desertificação em 27 milhões de Ha/ano; desaparição de 30 a 300 espécies por dia. A destruição dos ecossistemas, a diminuição do número de espécies existentes e a perda de variabilidade genética são danos irreparáveis; para avaliar sua gravidade basta considerar que, para o melhoramento genético de uma linhagem cultivada, é preciso recorrer aos genes das variedades silvestres. A ameaça da erosão genética aparece claramente em relação às plantas alimentícias, um número restrito de cultivos, uniformizados em função das práticas agrícolas modernas. No início do século XX existiam, na Índia, mais de 30.000 variedades nativas de arroz, das quais provavelmente não restam hoje mais de cinquenta. Também é preocupante o futuro das plantas medicinais, muitas delas silvestres, porque as melhores plantas são as primeiras a serem colhidas, enquanto as restantes ficam no terreno, produzindo as sementes que darão origem às próximas gerações. Este tipo de seleção negativa contribui para a erosão genética das espécies. A EXPANSÃO DO AGRONEGÓCIO Por enquanto, as plantas geneticamente modificadas se limitam a um número reduzido de espécies e poucos traços, principalmente tolerância a herbicidas e resistência a insetos. A globalização dos cultivos de plantas geneticamente modificadas traz alguns questionamentos relativos ao seu impacto sobre a biodiversidade. Vários cenários são possíveis, com diferentes consequências para os ecossistemas e sua biodiversidade. No primeiro, a expansão do agronegócio afetaria os espaços dedicados a outras culturas, pastagens e florestas. No segundo, ao aumentar a produção agrícola, as variedades transgênicas diminuiriam a pressão sobre as áreas não cultivadas, especialmente as florestas. 145
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A materialização de um ou outro, assim como a de qualquer outro cenário intermediário, dependerá das pressões socioeconômicas e das políticas públicas relativas à produção de alimentos, exportações e proteção do meio ambiente. Mas não da transgênese em si, porque os cenários seriam os mesmos se em vez de plantas geneticamente modificadas dispuséssemos de plantas melhoradas por métodos tradicionais. A expansão de um pequeno número de espécies em monocultura representa sem dúvida uma perda da biodiversidade existente no ambiente natural. Entretanto, cabe destacar que a comercialização de um único tipo de semente não significa necessariamente a total uniformização do material genético. O mercado de sementes difere de outros mercados globalizados, como o de bebidas gasosas, o de eletrônica ou o de informática, que geram produtos standard. Nenhuma semente está presente ou é comercializada em todo o globo, criando-se variedades adaptadas a contextos específicos. Estas variedades ou cultivares distinguem-se entre si por suas características morfológicas, fisiológicas, bioquímicas ou moleculares, herdadas geneticamente. Por exemplo, se entre 1998 e 2003 foram registradas no Serviço de Proteção de Cultivares do Brasil cerca de 400 cultivares de soja (Glycine max (L.) Merrill), a estratégia é a mesma em relação às plantas transgênicas; havendo já no país uma oferta de mais de 40 variedades de soja tolerante a herbicida. A TRANSGÊNESE A relação entre a transgênese e a natureza das espécies é perturbadora para algumas pessoas, entre as quais alguns ativistas de movimentos contrários ao uso dessa tecnologia. Existe o temor que a transferência de genes modifique o padrão das espécies, quebrando a ordem estabelecida na Criação e estabelecendo algo como o caos genético. Na mitologia, esse medo se encontra na quimera, um misto de leão, cabra e dragão que vomitava fogo, e que na Idade Média simbolizava o mal. Figuras mistas de homem, animal e planta se encontram magistralmente representadas pelo pintor flamengo Hieronymus Bosch (El jardín de las delicias, 1510). TABELA 12.4. Os centros de diversificação e os cultivos originários. REGIÃO
CULTIVOS
América Central e do Norte
Milho, amaranto, feijão, batata-doce, mandioca, algodão, sisal, papaia, abacate, goiaba, pimenta, abóbora, tomate, baunilha, cacau, girassol, morango, noz pecã, tabaco etc.
América do Sul
Amaranto, amendoim, feijão, lupino, batata, mandioca, amendoim, algodão, caju, fruta-de-conde, abacaxi, papaia, abacate, morango, pimentão, abóbora, coca, mate, borracha etc.
Índia e Sudeste Asiático
Limão, pepino, arroz, melão, manga, cana-de-açúcar, algodão, cânhamo, coco, arroz, fruta-pão, laranja, tangerina, banana, plátano, noz-moscada, berinjela etc.
China
Soja, colza, lichia, pera, pêssego, repolho, chá, gengibre, ginseng, cânfora etc.
África (Etiópia)
Café, melão, melancia, inhame, sorgo etc.
Ásia menor
Alfafa, trigo, aveia, centeio, cevada, rabanete, cenoura, ervilha, grão-de-bico, lentilha, azeitona, figo, amêndoa, vinha, maçã, beterraba, alho, cebola, açafrão, papoula, alcaçuz etc.
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Por ser de cunho religioso e essencialmente subjetivo, esta visão não corresponde ao nosso conhecimento atual sobre as espécies, que são unidades morfológicas e reprodutivas essencialmente dinâmicas. Sem fundamentação científica, o criacionismo ignora os inúmeros estudos sobre a evolução dos seres vivos e, também, as descobertas sobre os genomas, mostrando que as espécies compartilham um número grande de genes. Por outro lado, não deve se esquecer que muitas das plantas consideradas naturais são um invento recente do homem. Um exemplo é o morango, resultante de um cruzamento acidental entre duas variedades que não coexistem na natureza: a norte-americana Fragaria virginiana e a sulamericana Fragaria chiloense, ocorrido no século XIX em um Jardim Botânico da França. Outro exemplo é o tritical, um híbrido de trigo e centeio, obtido em laboratório em fins do mesmo século. Tratado inicialmente como uma curiosidade científica, este cereal teve suas propriedades agronômicas desenvolvidas recentemente, sendo utilizado hoje na composição de pães e biscoitos e de rações animais; também é vendido em algumas lojas de produtos naturais. A PROTEÇÃO DA BIODIVERSIDADE OS CENTROS DE DIVERSIFICAÇÃO No início do século XX, o geógrafo e geneticista russo Nikolai I. Vavilov percorreu 64 países, em mais de 100 expedições, coletando sementes, grãos, tubérculos etc. Nessas viagens, ele observou que em alguns lugares o número de variedades cultivadas e distintas é muito maior que em outros. Essas áreas geográficas corresponderiam aos centros de diversificação, ou de origem, das plantas cultivadas. Assim, a existência de mais de 1.000 variedades de batata na Cordilheira dos Andes, cada uma delas identificada com um nome pela população local, mostraria que esse é seu centro de diversificação. A partir de observações análogas, Vavilov localizou seis a oito centros geográficos onde, presumivelmente, teria se originado a agricultura (Tabela 12.4). Vavilov não chegou a completar sua obra, falecendo em 1943 na prisão de Saratov, onde foi encarcerado por se opor a uma interpretação ideológica da hereditariedade e defender o conceito mendeliano da herança. Na antiga União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) a genética foi considerada uma teoria reacionária e burguesa, entre 1929 e 1964. A teoria de Vavilov foi extremamente fecunda para os estudos evolutivos das plantas cultivadas e, consequentemente, para a conservação da biodiversidade. Admite-se hoje que a diversidade das plantas cultivadas e silvestres é bem maior em alguns pontos geográficos, e que alguns biomas foram mais propícios que outros para o nascimento de práticas agrícolas. Nem sempre os centros de diversidade coincidem com os centros de origem, porque as migrações humanas permitiram a aparição de centros de diversidade secundária. Nestes, as espécies foram selecionadas em função das práticas agrícolas e da pressão ambiental, tornando-se tolerantes as condições ambientais e resistentes às doenças locais. A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE Uma das consequências do processo evolutivo é a extinção de espécies, como evidenciado pelo número de espécies vivas, que não chega a 1% das que alguma vez povoaram a Terra. O que preocupa não é tanto a aparição e desaparição das espécies, como a velocidade a que isso está acontecendo, porque configura uma extinção em massa, causada pelo homem.
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Consideremos por exemplo o caso da Mata Atlântica brasileira, cuja biodiversidade é maior ainda que a da Amazônia. A devastação é tal que só restam pedaços da floresta original e sua conservação depende da manutenção de corredores entre os diversos fragmentos. Negociada sob os auspícios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), a Convenção sobre a Diversidade Biológica entrou em vigor em 1993. Promove a cooperação internacional para a conservação da diversidade biológica, o uso sustentável dos recursos biológicos e a distribuição justa e equitativa dos benefícios resultantes do uso dos recursos genéticos. Conservar a biodiversidade e os recursos genéticos significa muito mais que salvá-los da extinção, trata-se de conservar suficiente diversidade dentro de cada espécie de forma a garantir que seu potencial genético seja usado no futuro. De um modo geral, em todas as variedades cultivadas atualmente tem-se incorporado genes provenientes de variedades selvagens ou dos estoques genéticos conservados por povos que praticam uma agricultura tradicional. A produção comercial do tomate, por exemplo, seria impossível sem a contribuição de genes silvestres de América Latina. Graças aos trigos selvagens, dispomos de variedades resistentes aos fungos, à seca, ao calor ou ao frio. A resistência a quatro doenças do arroz que é cultivado atualmente se deve a uma variedade encontrada na Índia central. A conservação in situ A biodiversidade pode ser conservada in situ mediante a proteção ambiental de uma região determinada (unidades de conservação ambiental). Além de manter a dinâmica evolutiva das espécies, há de se contemplar as necessidades da população local criando reservas de desenvolvimento sustentável (Mamirauá, Brasil; Slan K’an, México). Na Costa Rica, uma lei de 1996 compensa aqueles que conservem ou aumentem a área de floresta dentro de suas propriedades. Uma nova tendência é o retorno da vida selvagem mediante a reintrodução de animais como o urso, nos Pirineus, ou o lobo, nas florestas europeias. Projetos mais arrojados contemplam a criação de comunidades de grandes mamíferos. Em Oostvaarderplassen (Países Baixos), os animais extintos são substituídos por outros que lhes sejam aparentados. Extinto em 1627, o auroque é substituído pelo auroque de Heck, criado em 1920 por cruzamentos entre as mais antigas raças de bovinos europeus. O pônei Konik da Polônia ocupa o lugar do tarpan, um cavalo selvagem extinto. Um projeto análogo procura recriar as estepes da tundra anteriores à última era glacial (parque pleistocênico, Rússia). A conservação ex situ e os bancos de germoplasma A estratégia envolve a coleta de amostras representativas de uma população e sua manutenção em bancos de germoplasma e/ou jardins botânicos, na forma de sementes, estacas, plantas inteiras etc. A conservação ex situ se aplica especialmente às plantas cultivadas que se reproduzem por sementes. Estas podem ser conservadas no frio durante longos períodos de tempo (a 50C durante 20 a 30 anos; de -180C a -200C durante um século). Como a viabilidade das sementes decai com o tempo, periodicamente devem ser germinadas, desenvolvendo novas plantas e podendo colher sementes frescas. Além de facilitar o acesso à informação dos melhoristas, a criopreservação tem a vantagem de conservar o material em um espaço reduzido e com cuidados intensivos. Mas, devido às limitações do tamanho das amostras, a conservação dos recursos fitogenéticos pode ser insuficiente. Os custos são muito altos e inclusive a coleção da Estação Experimental Vavilov (São Petersburgo, Rússia), que sobreviveu à Segunda Guerra Mundial, enfrenta hoje grandes dificuldades econômicas. 148
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Muitas plantas não resistem à dessecação (coco, cacau, cítricos, café, dendê, borracha e 70% das árvores das florestas tropicais), mas podem ser conservadas graças às técnicas de cultura de tecidos que também permitem a conservação de plantas de multiplicação vegetativa (raízes, como a mandioca, tubérculos como a batata, banana, cana-de-açúcar). A criopreservação preserva os tecidos por tempo indeterminado. As técnicas de análise de DNA têm sido incorporadas tanto nos estudos de diversidade genética como no controle da duplicação de amostras. Com o mapeamento do genoma das plantas básicas para a produção agrícola e a disponibilidade dos dados no domínio público, abrem-se novas perspectivas na conservação dos recursos genéticos. Existem hoje mais de 1.400 bancos de genes e de germoplasma com mais de 6.000.000 de amostras. Os principais se encontram nos Estados Unidos, na China, na Alemanha e no Brasil (Embrapa). Na Noruega, a 1.000 km do Polo Norte, um lugar considerado a salvo de mudanças climáticas, desastres naturais e guerras, foi criado recentemente o banco de sementes de Svalbard com capacidade para armazenar 4,5 milhões de amostras, cada uma delas com 500 sementes. Devido à localização geográfica dos centros de origem e de diversificação, resulta preocupante a recente multiplicação dos conflitos bélicos (Afeganistão, Iraque) que afetam não só a população local como comprometem o seu futuro ao devastar a Ásia Menor, uma região de grande biodiversidade e riqueza genética. Os bancos de germoplasma podem ajudar a restaurar uma agricultura devastada por conflitos bélicos. Em Ruanda, um país em que 90% das pessoas dependiam da agricultura e onde eram conhecidas 600 variedades de feijão, o conflito bélico entre etnias rivais causou, em 1994, a morte de 800.000 pessoas e a migração forçada de dois milhões de pessoas. Durante esse período, organizações internacionais conservaram, em bancos de germoplasma, as sementes essenciais para a reconstrução do país. O CGIAR E O CENTRO INTERNACIONAL DA BATATA Uma das organizações dedicadas à conservação da biodiversidade e ao desenvolvimento agrícola dos países em desenvolvimento é a Future Harvest, uma iniciativa com 16 centros localizados em diversos lugares, porém mantendo uma estrutura descentralizada que favorece a difusão das informações. Os centros são mantidos pelos governos de 165 países, fundações privadas e organizações internacionais e regionais que integram o Consultative Group on International Agricultural Research (CGIAR), apoiado pela Food and Agriculture Organization (FAO). Os centros do CGIAR na América Latina são: o Centro Internacional para el Mejoramiento del Maíz y el Trigo (CIMMYT) no México, o Centro Internacional de la Papa (CIP) no Peru e o Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT) na Colômbia. A batata é originária da região andina. No século XVI chegou à Europa onde, depois de vencer a resistência da população, transformou-se em um dos poucos alimentos consumidos pela população mais pobre. Quando em meados do século XIX o fungo Phytophtora infestans infectou as batatas, desencadeou-se na Irlanda um terrível período de fome, que causou a morte de um milhão de pessoas e a emigração de boa parte da população. Hoje, a batata é o quarto cultivo mais importante do mundo, com uma produção anual de 300 milhões de toneladas. Em muitos países, a população depende de batata e de outros tubérculos (batata-doce) para sua alimentação, por serem relativamente ricos em energia e nutrientes. O Centro Internacional da Papa (CIP) preserva a batata (Solanum tuberosum), a batata-doce (Ipomoea batatas) e nove tubérculos ou raízes andinas (Oca, Ulluco, Mashua, Arracacha, Yacon, Achira, Ahipa, Maca, Mauka). O banco de germoplasma de batata inclui amostras de uma centena de espécies selvagens coletadas em 8 países de América Latina, além das variedades cultivadas tradicionalmente pela população andina. 149
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Entre os objetivos do CIP se encontra o melhoramento da qualidade nutricional, da resistência a doenças e a condições climáticas adversas como a seca e a geada. O centro utiliza a biotecnologia para criar formas adaptadas às condições locais e para acelerar a produção, distribuindo as variedades tradicionais e melhoradas sob a forma de sementes, tubérculos ou vitroplantas. Atualmente também estimula as utilizações comerciais das variedades autóctones: distribuição em pacotes (t’ikapapa), elaboração de chips ou hojuelas a partir de rodelas com um visual variado. O PROTOCOLO DE CARTAGENA DE BIOSSEGURANÇA Vigorando desde setembro de 2003, o Protocolo de Cartagena de Biossegurança suplementa a Convenção sobre a Diversidade Biológica. O acordo contempla o risco potencial decorrente do transporte e do manuseio de todos os organismos vivos modificados (OVMs) que possam ter um efeito adverso na conservação e no uso sustentável da diversidade, levando em consideração os riscos para a saúde humana. Frente à apreensão suscitada pelo trânsito e movimento dos organismos transgênicos através de fronteiras, os países membros determinaram que a expressão pode conter OGMs identifique toda carga proveniente de lavouras transgênicas destinada à alimentação, ração ou processamento. O Protocolo não cobre os produtos derivados dos transgênicos (como, por exemplo, papel produzido a partir de árvores transgênicas) nem os transgênicos produtores de fármacos, que são regulados por outras organizações. Mediante o Protocolo de Cartagena se estabelece a cooperação internacional, a fim de ajudar os países em desenvolvimento a utilizar a biotecnologia com segurança, e a regulá-la eficientemente. Os governos membros se propõem a promover o fluxo de informações e a transferência de tecnologia, conhecimentos e recursos, mediante o treinamento científico e técnico correspondente.
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13. BIOTECNOLOGIA E AGRICULTURA
A EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS A agricultura visa a cultura do solo para a produção de plantas ou a criação animais úteis ao homem. Embora as práticas agrícolas e as plantas cultivadas tenham-se desenvolvido em um período curto da história evolutiva dos vegetais, pode-se afirmar que as plantas atuais guardam muito pouca semelhança com suas ancestrais selvagens (Figura 13.1). FIGURA 13.1. O milho. O milho de 5.000 a 7.000 anos atrás era bem menor do que o que conhecemos atualmente. O cruzamento acidental com o teosinto, uma erva que ainda existe na natureza, teria dado origem ao milho moderno, que passou por várias modificações até se estender pela América pré-colombiana. Diversas variedades de milho persistem até hoje no continente http://www.learner.org/courses/essential/life/session5/closer1.html
Na Europa, o uso de ferramentas rudimentares prevaleceu até a Idade Média, quando, em função de várias inovações, as práticas agrícolas se tornaram mais eficientes. Datam deste período o aproveitamento da força de tração animal, a invenção dos moinhos, a prática de descanso dos solos e a construção de sistemas de irrigação. No século XVIII, a integração das atividades agrícolas e a criação de animais originou uma “nova agricultura” que, além de envolver a utilização de esterco como fertilizante, promoveu a rotação entre os cultivos de gramíneas, leguminosas e plantas forrageiras. A incidência do progresso científico e tecnológico caracteriza a agricultura do século XIX, destacando-se a preocupação com os requerimentos nutricionais das plantas e com as doenças que afetavam os cultivos e as criações (antraz das ovelhas, cólera das aves, doenças do bicho-da-seda etc.). Originadas por cruzamentos seletivos, as novas variedades e raças foram comercializadas internacionalmente a partir de 1850. Com a invenção da máquina a vapor e as primeiras utilizações da eletricidade, iniciou-se a mecanização do campo. No início do século XX, o uso do trator se espalhou rapidamente. A substituição da tração animal pela maquinaria agrícola diminuiu a necessidade de produzir rações, liberando para outros cultivos a superfície anteriormente dedicada à produção de feno e aveia. Com o redescobrimento das leis de Mendel e a teoria cromossômica da herança, iniciou-se uma nova era no melhoramento de vegetais e animais. O cruzamento entre duas linhagens puras de milho origina um híbrido semelhante às linhagens parentais, mas com qualidades superiores. Esta propriedade, denominada heterose ou vigor híbrido, permite a produção de plantas mais produtivas e suficientemente homogêneas, o que facilita a colheita mecânica (Figura 13.2). A partir de 1920, surgiram as primeiras empresas comerciais a explorar a heterose do milho (Estados Unidos, Canadá). Estas selecionavam as linhagens parentais de milho, procediam aos cruzamentos correspondentes e vendiam as sementes híbridas ao agricultor. A primeira deste tipo foi a Hi-Bred Corn Company, transformada mais tarde em Pioneer Hi-Bred.
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FIGURA 13.2. A produção de milho híbrido. A hibridização permite obter híbridos simples a partir de duas linhagens, e híbridos duplos a partir de quatro linhagens. Existem híbridos múltiplos construídos a partir de pelo menos cinco linhagens.
Como a perda do efeito da heterose diminui a produtividade da descendência das plantas híbridas, o agricultor passou a comprar anualmente as sementes. Em 1960, o milho híbrido era cultivado, com raras exceções, em todas as plantações dos Estados Unidos e do Canadá. O melhoramento das plantas já não dependia daqueles diretamente envolvidos em seu cultivo, mas daqueles que produziam as sementes. A década de 1960 está marcada pela “revolução verde”, que salvou da fome mais de 1 bilhão de pessoas. Em 1970, o engenheiro agrônomo Norman Borlaug recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo desenvolvimento de uma variedade de trigo de alto rendimento, resistente a doenças causadas por fungos. O trabalho de Borlaug, que permitiu aumentar a quantidade de alimentos, representa uma contribuição fundamental para a paz mundial. Graças ao desenvolvimento e ao cultivo de variedades melhoradas geneticamente houve uma duplicação da produtividade dos cereais, mas eram necessárias práticas agrícolas complexas (irrigação, mecanização, aplicação de fertilizantes e pesticidas). Em função do custo de fertilizantes e agrotóxicos e de sua aplicação em quantidades excessivas, a revolução verde trouxe também problemas ambientais, sociais e de saúde. Contudo, devido à necessidade de grandes investimentos de capital para a mecanização e a aplicação de produtos químicos, em muitos países os pequenos agricultores não chegaram a usufruir a “revolução verde”.
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Com a crise do petróleo da década de 1980, o setor de sementes agrícolas é invadido pelas grandes empresas transnacionais, produtoras de agrotóxicos e fertilizantes. A inversão extraordinária de recursos do setor privado em pesquisa e desenvolvimento permite a introdução das novas técnicas de engenharia genética na agricultura. Traspassando as barreiras interespecíficas, a nova tecnologia facilita a obtenção de plantas mais produtivas ou com propriedades novas. Hoje, a tecnologia está inserida na semente. Comercializadas a partir de 1996, as principais plantas transgênicas cultivadas atualmente são a soja, o milho, a canola e o algodão, com tolerância a herbicidas e/ou resistência a insetos. A área semeada com estes cultivos se estende por 25 países, dos quais cinco respondem por 43% da superfície cultivada mundialmente (Brasil, Argentina, Índia, China e África do Sul). A OBTENÇÃO DE NOVAS VARIEDADES MUTAÇÃO GÊNICA E SELEÇÃO O melhoramento está baseado na reprodução seletiva entre indivíduos pertencentes a uma mesma espécie. Como a variação intraespecífica é limitada, o método clássico envolve a indução aleatória de mutações por agentes físicos ou químicos. O mutante obtido é cruzado por várias gerações com um dos tipos parentais (retrocruzamentos), até que este incorpore as características desejadas (introgressão gênica). Esse processo demora de cinco a 15 anos e, quando finalizado, o gene selecionado estará acompanhado por outros, desejáveis ou não. Duas variedades comerciais de batata (Lenape, 1960; Magnum bonum, 1990), obtidas por este método, tiveram que ser retiradas do mercado devido ao alto conteúdo de alcaloides, característico das plantas selvagens. O progresso alcançado na indução de mutações (TILLING, do inglês Targeting induced local lesions in genomes) e na seleção assistida por marcadores moleculares facilita a obtenção de novas variedades, como a batata Amflora. A genômica também trouxe avanços notáveis, como a identificação de 40 genes de resistência a patógenos no tomate, que foram reunidos em um genótipo único. Contudo, em ambos os casos, trata-se de genes pertencentes à mesma espécie. ALTERAÇÃO DO NÚMERO DE CROMOSSOMOS A multiplicação do número de cromossomos (poliploidia) é um fenômeno que acontece espontaneamente nos vegetais, seja por não disjunção dos cromossomos ou por uma falha da citocinese durante a divisão celular. Ao longo do processo evolutivo, duplicações dos lotes cromossômicos originais (autopoliploidia) ocorreram em várias das espécies que são cultivadas atualmente, tais como a batata ou a cana-de-açúcar. A multiplicação dos lotes cromossômicos pode ocorrer em híbridos interespecíficos, pouco férteis ou estéreis, restaurando a fertilidade e gerando uma nova espécie, diferente de ambas as linhagens parentais (alopoliploidia). Este mecanismo deu origem a plantas como o trigo, a colza, a aveia, o tabaco, o algodão, o café etc. A descoberta da colchicina (1935), uma substância que interfere com a formação dos fusos mitóticos, permitiu a criação de novas espécies poliploides. A hibridização do trigo e do centeio, seguida de uma duplicação cromossômica, originou o triticale, uma planta que reúne a qualidade do grão do primeiro e a rusticidade do segundo. Outra forma de alteração do número de cromossomos é a cultura de anteras, para a obtenção de plantas haploides. Essa tecnologia permite identificar mutantes recessivos e obter rapidamente variedades diferentes por hibridização ou duplicação cromossômica. 153
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ENGENHARIA GENÉTICA À medida que a distância entre as espécies aumenta, os cruzamentos se tornam cada vez mais difíceis; a transferência dos genes pode exigir o uso de técnicas complexas, como a fusão de protoplastos (hibridização somática) e o cultivo de embriões. Quando os recursos genéticos provêm de outros organismos distantes na escala evolutiva (plantas, microrganismos ou animais), sua transferência demanda a utilização da engenharia genética ou tecnologia do DNA-recombinante. Qual a diferença entre uma planta obtida por cruzamento seletivo e outra por engenharia genética? Na primeira, genes da mesma espécie ou de uma espécie muito próxima se introduzem aleatoriamente. Na segunda, se incorpora diretamente um transgene, isto é uma construção gênica que pode provir de uma espécie distante. Trata-se de uma tecnologia poderosa demais para ser negligenciada. A construção de uma planta transgênica começa com o isolamento e caracterização do gene de interesse (transgene) e a construção de uma estrutura genética complexa, incluindo também um gene promotor e um gene marcador. O primeiro possibilita a transcrição do transgene e determina se este irá se expressar em todas as células ou somente em alguns tecidos. O segundo permite selecionar as células transformadas. A construção genética é transferida às células receptoras por algum dos métodos possíveis (eletroporação, biolística ou uso de vetores, como o plasmídeo Ti de Agrobacterium tumefaciens). As células transformadas são recuperadas procedendo-se à regeneração das plantas mediante as técnicas de cultura in vitro (Figura 13.3). O trabalho laboratorial é realizado com plantas cujo genótipo favoreça a transformação e a regeneração da planta transformada, mas que geralmente resultam pouco vantajosas do ponto de vista agronômico. FIGURA 13.3. As etapas da construção de uma planta transgênica.
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Mediante técnicas bioquímicas e/ou acompanhamento de marcadores moleculares (polimorfismos na molécula de DNA, repetição de sequências) constata-se a transferência gênica, assim como o número de cópias e o lugar em que estas se integraram no genoma, dois aspectos que podem influir na expressão gênica. Considera-se alcançado o sucesso quando o transgene se expressa no lugar correspondente e com um adequado nível de atividade, restando por verificar a estabilidade da expressão gênica e o seu valor agronômico. Acabada a etapa de laboratório, iniciam-se os testes controlados em casa de vegetação, para selecionar as plantas-mãe das quais procederão várias gerações de retrocruzamentos seletivos com alguma das linhagens elite, visando a obtenção de uma linhagem transgênica de alto rendimento, adaptada a um contexto específico. O resultado é uma variedade ou cultivar que expressa o traço codificado pelo gene exógeno (transgene) e apresenta um potencial de produtividade parecido ao da linhagem elite. Conceitualmente, estes testes são semelhantes aos efetuados no processo de melhoramento tradicional. Contudo, a utilização de técnicas de cultura in vitro e de marcadores moleculares na caracterização da progênie permitem que sejam completados bem mais rapidamente. Dá-se início então à liberação planejada no meio ambiente, abrangendo o cultivo das plantas transgênicas em experimentos protegidos e testes de campo, realizados em diferente escala, até a nova variedade estar pronta para o seu cultivo comercial. A liberação do cultivo dependerá da autorização da legislação local, geralmente bastante restrita a esse respeito. No Brasil, esta autorização é dada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), definida pela Lei de Biossegurança como o órgão multidisciplinar responsável pelo controle dessa tecnologia no país (Lei 11.105/2005, Política de desenvolvimento da Biotecnologia; Decreto 6.041/2007). A história mostra que as plantas cultivadas pouco têm a ver com as que lhes deram origem e se encontram na natureza, sendo o resultado de milhares de anos de seleção artificial pela mão do homem. Em relação aos métodos tradicionais, as biotecnologias modernas permitem a transferência de genes entre espécies, facilitam sua identificação na progênie e aceleram o processo seletivo. O objetivo é o mesmo, com métodos mais apurados. O PRINCÍPIO DE PRECAUÇÃO Poucas tecnologias suscitaram tanta polêmica como a introdução de organismos geneticamente modificados (OGMs) na agricultura, uma questão que não pode ser tratada levianamente. Um cultivo biotecnológico demora anos até ser comercializado, sendo analisado cuidadosamente em cada etapa de sua construção. Além de conhecimentos e anos de trabalho, a construção de uma planta transgênica exige o consenso das numerosas pessoas que participam no processo e a aprovação da autoridade correspondente. Ainda hoje, parte da opinião pública considera que as plantas transgênicas não deveriam ter sido introduzidas no ambiente, nem utilizadas para o consumo humano, enquanto existir a mínima suspeita de risco. Levando o raciocínio ao extremo, enquanto não se demonstrar a ausência de riscos. Boa parte dessa hostilidade às plantas transgênicas se apoia no princípio de precaução, um princípio que pode ser entendido de diversas maneiras. Podemos dizer, de maneira simplista, que “havendo a possibilidade de me acontecer alguma coisa ruim na rua, melhor ficar em casa”, ou que “havendo a possibilidade de me acontecer alguma coisa ruim na rua, ao sair de casa é melhor ter cuidado e prestar atenção no sinal, nos carros, nas bicicletas que circulam na contramão e, também, no bandido”. Note-se que a decisão de “não sair de casa” também envolve riscos, tais como escorregar e levar um tombo no banheiro, queimar-se ao acender o fogão ou receber um vírus via Internet. Não existe risco zero, toda ação tem riscos que devem ser analisados e gerenciados. 155
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No Brasil, o cultivo de plantas transgênicas é regido pela lei de Biossegurança que estabelece a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. O Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (1992) diz o seguinte: “De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. Diferente da prevenção, que trata de riscos conhecidos, a precaução contempla riscos potenciais. Mesmo havendo incertezas ou falta de unanimidade entre os expertos, o princípio de precaução demanda ações concretas para a proteção do meio ambiente. Por outro lado, o Princípio 10 da mesma declaração nos diz que: “A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a conscientização e a participação pública, colocando a informação à disposição de todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparação de danos”. Vários pontos merecem ser destacados: admite-se a incerteza e a falta de unanimidade entre os expertos, afirma-se o direito de todos à informação e pede-se a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. A responsabilidade pela tomada de decisões não será exclusivamente de um grupo de indivíduos, sejam estes cientistas, administradores, empresários, políticos ou comunicadores. Terá que ser democraticamente assumida por um grupo heterogêneo que represente os interesses da sociedade, mesmo tendo que abrir as portas ao marketing, aos lobbies e à pressão dos grupos políticos, ambientalistas ou não. Considerado por alguns grupos de opinião como um dos alicerces do desenvolvimento sustentável e uma proteção contra o controle da tecnologia pelas grandes empresas, o princípio de precaução também é visto por outros como um obstáculo ao progresso e uma tentativa de protecionismo. A formalização do princípio mediante uma estrutura jurídica, como a lei de biossegurança, assim como o estabelecimento de normas, regras e procedimentos claros é a melhor maneira de gerenciar o desenvolvimento tecnológico, minimizando os riscos correspondentes. AS PLANTAS BIOTECNOLÓGICAS ATUAIS As plantas biotecnológicas apresentam traços, inseridos como transgenes, que visam modificar suas propriedades agronômicas e/ou melhorar suas qualidades nutricionais, industriais ou ambientais. Poderiam escapar dos limites do plantio e suplantar as plantas silvestres, tornando-se invasoras? Existe o precedente de plantas ornamentais se transformarem em pragas quando introduzidas, inadvertidamente, em um ambiente novo: a lantana prolifera descontroladamente na Austrália; o kudzu, procedente do Japão, se espalha no sul dos Estados Unidos; e o rododendro, originário da península ibérica, se multiplica na Inglaterra. Além da degradação ambiental devida ao desmatamento, à jardinagem ou à agricultura, para que o cenário se repetisse seriam necessárias várias características hereditárias, que são sistematicamente eliminadas como fatores indesejáveis nas plantas cultivadas (dormência da semente, plasticidade fenotípica, crescimento indeterminado, florescimento e produção contínua de sementes etc.). 156
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Com o objetivo de reduzir o risco futuro de introduzir um gene que transforme uma planta normal em praga, a FAO (Food and Agriculture Organization) estabeleceu uma série de diretrizes, cumpridas em 130 países, que se aplicam também a insetos, bactérias e fungos. Nenhum dos cultivos biotecnológicos disponíveis no mercado se mostrou persistente ou invasor nos testes prévios a sua comercialização ou no monitoramento posterior. MODIFICAÇÃO DAS PROPRIEDADES AGRONÔMICAS Os principais cultivos comercializados atualmente são a soja, a canola, o milho e o algodão. As propriedades agronômicas transformadas são a tolerância a herbicidas, a resistência a insetos, a resistência a vírus, o amadurecimento tardio, o conteúdo e a qualidade do óleo, a tolerância à seca e à salinidade etc. O aumento da produtividade dos cultivos é fundamental porque significa um aumento da produção de alimentos e, também, porque se trata de plantas de uso industrial que podem ser exportadas, gerando divisas. Tolerância a herbicidas O crescimento das ervas daninhas no campo é prejudicial por dois motivos: competem pelos mesmos nutrientes e contaminam a colheita. O agricultor pode eliminá-las aplicando herbicida antes do plantio, uma prática que demanda o revolvimento prévio do solo, acelerando a erosão. Contudo, se uma planta for tolerante a um herbicida de amplo espectro, bastará semeá-la e aplicar o herbicida depois da germinação. Esta característica é compatível com a adoção do plantio direto na palha e outros restos vegetais, um sistema no qual as sementes e os fertilizantes são depositados em sulcos, sem preparação do solo. Em vários países, comercializam-se sementes transgênicas de soja, de milho, de algodão e de canola tolerantes a herbicida. O herbicida não seletivo mais utilizado é o glifosato, que está presente em vários produtos comerciais, tais como Roundup®, Buccaneer®, Rodeo®, Accord® etc. Sua ação inibitória sobre sistemas enzimáticos exclusivamente vegetais permite eliminar as ervas daninhas, anuais e perenes. Considerado pouco tóxico em caso de exposição oral ou de inalação, o glifosato é degradado rapidamente no ambiente. Sementes de plantas tolerantes ao glifosato são comercializadas com o nome de RoundupReady® (RR) pela empresa Monsanto. Com o vencimento, no ano 2000, da patente do Roundup® e o aparecimento no mercado de outras variações do produto, mais accessíveis para o agricultor, as vendas geminadas das sementes e o herbicida tendem a se desfazer. Por outro lado, a BayerCropScience comercializa, com o nome Liberty Link, sementes tolerantes ao glufosinato, um herbicida presente em outro grupo de produtos (Basta®, Liberty®, Ignite® etc.). Glifosato e glufosinato não são os únicos herbicidas no mercado. Existem outras substâncias, do grupo das imidazolinonas, cuja tolerância tem sido transferida recentemente à soja Cultivance®, um empreendimento da Embrapa e da Basf que será comercializado a partir de 2011. Ao diminuir a aplicação dos agroquímicos tradicionais, os cultivos biotecnológicos favorecem a conservação dos recursos ambientais. A aprovação de plantas transgênicas é considerada caso a caso, em função de uma análise de riscos. Sua vantagem sobre as plantas silvestres depende da presença de um agente seletivo, como um herbicida ao qual elas sejam tolerantes. Sem o herbicida, ou fora de seu alcance, as plantas geneticamente modificadas não têm nenhuma vantagem sobre as plantas silvestres nem conseguem competir com estas em ambientes naturais.
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Contudo, o fluxo gênico em sentido contrário é preocupante, porque plantas silvestres tolerantes a herbicida poderiam competir no terreno com as plantas cultivadas, tornando-se ervas daninhas. Algumas plantas, como a trapoeraba (Commelina benghalensis) são naturalmente resistentes ao glifosato. Admite-se, no entanto, que a aparição de resistência em pelo menos 15 espécies poderia ter sido causada pela transferência do gene correspondente, das plantas cultivadas às plantas silvestres. No Brasil, há relatos sobre resistência ao glifosato no azevém (Lolium multiflorum) e na buva (Conyza bonariensis e C. canadiensis). A aparição de plantas resistentes ao glifosato, que é o herbicida mais utilizado no mundo, está sendo acompanhada com atenção. Estima-se que, depois de 10 a 20 anos de uso intenso, seja inevitável o aparecimento de plantas silvestres tolerantes. Contudo, o agricultor pode retardar a aparição dessa tolerância, mediante algumas ações preventivas: rotar as culturas, evitar o uso repetido do mesmo herbicida, aplicar as doses adequadas em condições meteorológicas propícias, acrescentar outras modalidades de controle etc. Resistência a insetos Os insetos causam quebras de safra estimadas em 20-40% das colheitas. Contudo, o controle mediante o uso de agrotóxicos tem causado problemas no ambiente e na saúde humana, sendo portanto necessário encontrar métodos alternativos de combate. Muitos agricultores, inclusive entre os orgânicos, protegem há mais de 40 anos suas colheitas com um inseticida biológico, que é uma toxina produzida pelo Bacillus thuringiensis, um microrganismo do solo. Uma vez ingerida pelos insetos ou lagartas, a toxina age no sistema digestório matando-os em poucos dias. Para o ser humano, ela não tem efeito algum. O produto comercial é vendido com os nomes de Dipel®, Thuricida® ou Vectobac®. Uma vez transferido o gene codificador da toxina do Bacillus thuringiensis às plantas, estas passam a produzi-la diretamente. Denominadas plantas Bt, estas são comercializadas com diferentes nomes como, por exemplo, algodão Bollgard® e milho Yieldgard®, da Monsanto, milho Agrisure®, da Syngenta. Existem diversas versões do gene Cry, codificando toxinas muito específicas, efetivas em diferentes ordens de insetos. Algumas variedades (YieldGard®, Agrisure®) diferem pela posição do transgene, o que caracteriza diferentes eventos e permite a comercialização com nomes diferentes. Uma das vantagens das variedades Bt sobre as variedades convencionais está na menor quantidade de micotoxinas (aflatoxina e fumonisina) perigosas para a saúde humana, em função da diminuição da contaminação por fungos dos ferimentos causados por insetos. Todo inseticida age como agente seletivo, sendo inevitável a aparição de insetos resistentes. Duas estratégias são possíveis a fim de evitar ou retardar a aparição de larvas resistentes à toxina do Bacillus thuringiensis. Uma delas visa eliminar diretamente o inseto, mediante variedades Bt que produzam uma quantidade de toxina maior que a dose aplicada habitualmente como inseticida. A outra segue um caminho indireto, semeando variedades convencionais (não Bt) em espaços predeterminados, que serão refúgios onde os insetos não entrem em contato com a toxina. Em vez de tentar eliminar o inseto, diminui-se a infestação mediante uma pressão seletiva mais frouxa que mantém a sensibilidade ao inseticida em uma proporção considerável da população. Hoje, a manutenção de refúgios nas lavouras de plantas Bt (algodão, milho) é uma prática bem estabelecida para o controle de insetos. O gerenciamento dos riscos envolve algumas medidas complementares que visam amortecer o impacto eventual do fluxo gênico a outros cultivos. Vimos anteriormente que um gene que confere tolerância a um herbicida não é vantajoso em ausência do mesmo, mas o que ocorreria em se tratando de um gene que conferisse algum valor adaptativo, tal como a produção de um inseticida? 158
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O risco de polinização cruzada depende da espécie, sendo mais fácil de acontecer no milho, em que o pólen se dispersa levado pelo vento, do que na soja ou no trigo, em que há autofecundação. A presença de espaços ou corredores de isolamento evita a disseminação de pólen transgênico não só para as variedades silvestres como, também, para as convencionais, evitando prejuízos significativos para o agricultor que os comercializa. O tamanho dos espaços ou corredores de isolamento depende das características reprodutivas da espécie em questão e de fatores ambientais, como o vento. No caso do milho, por exemplo, se estima que o risco de polinização cruzada entre os cultivos passa de 1% a zero quando a distância entre ambos aumenta de 100 a 1.000 pés. A probabilidade de ocorrer o fluxo gênico aumenta se houver, na proximidade, espécies silvestres compatíveis. Por isso devem-se extremar os cuidados em relação ao cultivo de plantas geneticamente modificadas nos lugares onde existam variedades silvestres aparentadas, tais como a batata no Peru, o milho no México, o arroz na Índia, a soja na Coreia e na China. No Brasil, onde existem variedades silvestres do algodão, a CTNBio delimitou zonas de exclusão para o cultivo de algodão biotecnológico. Em relação à vida silvestre, apesar do estardalhaço causado oportunamente pela notícia de que as borboletas monarcas seriam afetadas pelo contato com pólen de plantas de milho Bt, segundo os próprios autores do estudo, trata-se de uma experiência laboratorial desenvolvida em condições diferentes das de um ambiente natural. Resistência a vírus Assim como a vacinação, a resistência a vírus está baseada na transferência de uma parte do genoma viral a fim de inibir sua reprodução. A produção em excesso da proteína de revestimento viral inibe a síntese de seu material genético. Esta tecnologia foi utilizada para erradicar viroses da batata, da beterraba, do pepino, do tomate, da couve-flor e do melão. Os produtos hortícolas têm recebido menos atenção que os cereais e as leguminosas em função da resistência do consumidor à tecnologia e, também, do alto custo da construção de uma planta transgênica para cultivos com pequena produção. Contudo, as variedades de papaia resistente a vírus (UH Rainbow, UH SunUp), comercializadas nos Estados Unidos, salvaram o Estado do Havaí de um desastre econômico. No Brasil, a CTNBio autorizou recentemente o cultivo do feijão tolerante ao vírus do mosaico dourado. Aguarda-se a liberação do mamão resistente ao vírus da mancha anelar. Ambos foram desenvolvidos pela Embrapa. Eventos combinados A inserção de um traço é considerada um evento que demanda a aprovação das autoridades correspondentes. Novidade no mercado, as plantas “piramidadas” apresentam vários eventos combinados, tais como tolerância a dois herbicidas, tolerância a herbicida e resistência a insetos, ou resistência a dois tipos de insetos, um que ataca a raiz e outro a parte superior da planta. O mais recente lançamento é o milho Genuity SmartStaxTM (Monsanto, DowAgroSciences), que reúne oito genes para o controle de pragas acima e abaixo do solo, e a tolerância a herbicidas para o controle de plantas daninhas.
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PLANTAS COM QUALIDADES NUTRICIONAIS MELHORADAS Uma segunda leva de plantas transgênicas contempla a modificação das qualidades das plantas, isto é, das propriedades que interessam ao consumidor como, por exemplo, o melhoramento da qualidade nutricional, a redução de alérgenos, modificações do tempo de conservação e das características organolépticas, a adequação ao processamento industrial dos óleos e amidos etc. Em 1974, a variedade Tower de Brassica napus recebeu o nome de canola (do inglês “canadian oil, low acid”). Trata-se da colza, uma planta oleaginosa que a modificação genética tornou comestível, ao diminuir o teor de ácidos graxos saturados e a quantidade de glucosinolato. Modificações posteriores originaram numerosas variedades que diferem na composição dos ácidos graxos, sendo algumas delas também tolerantes a herbicidas. Entretanto, o principal marco no desenvolvimento deste tipo de transgênicos é o arroz com vitamina A (Golden Rice), que provavelmente chegará ao mercado em 2014. A carência de vitamina A decorrente de uma dieta baseada exclusivamente no arroz causa a cegueira irreversível e a morte de milhões de crianças na Ásia. A inserção de dois genes de narciso e um gene bacteriano em uma variedade de arroz indica deu origem a um grão amarelado contendo -caroteno, que é um dos precursores da vitamina A. Considerado um empreendimento humanitário, várias empresas cederam, nos países em desenvolvimento, os seus direitos sobre as patentes envolvidas na construção do arroz dourado. Espera-se que sejam produzidas plantas com outras alterações no teor de nutrientes: arroz contendo ferro, milho enriquecido com os aminoácidos lisina e triptófano e batata com alto teor de proteínas com metionina e lisina. Em 2005, a Monsanto anunciou ter obtido a variedade de soja Vistive® com baixo teor de ácido linolênico, o que torna o óleo mais estável e dispensa a hidrogenação, uma fonte de gordura trans. Este óleo de soja é utilizado como ingrediente de biscoitos (Cargill e Kellogg’s). A China desenvolveu e liberou recentemente o milho com fitase para integrar as rações animais. Este milho permitirá a assimilação de fosfatos pelos suínos, melhorando a produtividade do rebanho e diminuindo a poluição ambiental. PLANTAS COM PROPRIEDADES NOVAS Existe uma terceira leva de plantas biotecnológicas desenvolvidas especialmente para desempenhar o papel de fábricas biológicas, produzindo fármacos, vacinas e plásticos. Estão em andamento os testes de campo com alfafa, milho, arroz, tabaco, banana e batata. Para evitar a contaminação acidental dos alimentos, essas plantas terão que ser cultivadas em confinamento e processadas separadamente das plantas comuns. Formas alternativas de evitar a disseminação do transgene no pólen estão sendo desenvolvidas, tais como sua inserção no DNA dos cloroplastos. As proteínas extraídas e purificadas serão utilizadas pela indústria farmacêutica. Uma regulação estrita deverá controlar o cultivo, o transporte e a distribuição destas plantas. Os sistemas que poderiam tornar as plantas estéreis despertaram uma forte reação contrária na opinião pública (sistemas de proteção tecnológicos ou TPSs, do inglês technology protection systems; tecnologias de uso genético restrito ou GURTs, do inglês, genetic use restriction technologies). No entanto, é possível que voltem a ser considerados em relação a este tipo de plantas biotecnológicas.
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O AGRONEGÓCIO A ADOÇÃO DOS CULTIVOS BIOTECNOLÓGICOS NO MUNDO As primeiras plantas transgênicas datam de 1995 (resistência a insetos) e 1996 (tolerância a herbicidas). Embora sua utilização tenha suscitado polêmicas acirradas, em quinze anos a área semeada com cultivos biotecnológicos aumentou progressivamente até chegar a 148 milhões de hectares, em 2010. Segundo o International Service for the Aquisition of Agri-Biotech Applications (ISAAA), uma organização internacional que divulga anualmente os dados correspondentes à adoção dos cultivos biotecnológicos no mundo, em 2010 foram dez os países que semearam mais de um milhão de hectares: Estados Unidos, Brasil, Argentina, Índia, Canadá, China, Paraguai, Paquistan, África do Sul e Uruguai. O mercado global de sementes biotecnológicas alcançou US$ 11,2 bilhões e o dos principais cultivos (soja, milho, algodão) se aproximou de US$ 150 bilhões. Os cultivos biotecnológicos possibilitaram o aumento da produção agrícola e melhoraram as condições económicas dos agricultores. Mais de 90% dos 15,4 milhões de fazendeiros que plantaram sementes biotecnológicas são pequenos produtores rurais, especialmente na China, na Índia, nas Filipinas e na África do Sul. Os outros são grandes produtores de países industrializados, como os Estados Unidos e o Canadá, e de países emergentes como Argentina e Brasil. Nos países onde a mão de obra agrícola está constituída principalmente por mulheres, os cultivos biotecnológicos melhoraram suas condições de vida, ao permitir que elas dedicassem mais tempo ao cuidado das crianças ou a outras atividades. Os problemas de saúde causados pela contaminação ambiental com agrotóxicos diminuíram em função de uma redução de 14% na aplicação de inseticidas, sendo que em alguns casos esa diminuição teria chegado a 50% (China, Argentina). Com a liberação da comercialização do arroz Bt na China e do feijão resistente à vírus no Brasil, inicia-se uma nova etapa que contempla as principais fontes de alimento locais. Encontram-se em andamento vários estudos, sobre o grão de bico na África, a berinjela na Índia, o milho resistente à seca nos Estados Unidos e na África sub-sahariana. Calcula-se que o número de países produtores de cultivos biotecnológicos passe de 29 em 2010 a 40 em 2015, ano dos Objetivos do Milênio, um compromisso da sociedade em reduzir à metade a fome e a pobreza. O MERCADO DE SEMENTES Os gigantes gênicos Nos países do continente africano e de parte da Ásia, em que a agricultura é a principal fonte de alimentos, os pequenos agricultores dependem das sementes; na época da colheita eles separam uma parte que será conservada para o plantio do próximo ano. Nos países desenvolvidos, a proporção da população dedicada às tarefas agrícolas é bem menor, devido à mecanização do campo. A agricultura de subsistência cede lugar a um enorme complexo agroindustrial, que integra outras atividades, como a venda de insumos (maquinarias, produtos químicos, sementes etc.) e a transformação e distribuição de produtos. Embora a produção de sementes como atividade lucrativa remonte ao século XIX, é o milho híbrido que inicia a dependência do agricultor das empresas produtoras de sementes. As construções genéticas que conferem vigor (heterose) às plantas forçam o agricultor, ano após ano, a comprar novas sementes.
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A transgênese não inviabiliza a utilização de sementes para o ano seguinte. No entanto, as novas tecnologias inseridas no grão devem ser pagas mediante complexos sistemas de royalties às empresas detentoras das patentes correspondentes. Quem irá pagar? Quanto e quando e como pagar? A resposta tem suscitado vários conflitos entre as grandes corporações e países como Argentina e Brasil. Logo depois da crise do petróleo da década de 1980, as grandes empresas transnacionais produtoras de agrotóxicos e fertilizantes químicos entraram na área agrícola. Uma das razões é que o mercado de sementes tem uma margem de lucro maior. Outra é que leva menos tempo desenvolver uma planta geneticamente modificada que um produto químico novo. Vários ciclos de fusões caracterizaram um processo de concentração e consolidação em que centenas de pequenas empresas foram absorvidas por enormes conglomerados, produtores de agroquímicos e de sementes, com ramificações na indústria farmacêutica. Na linha de frente em relação às novas tecnologias, estas empresas concentram um enorme poder que desperta uma forte resistência na opinião pública. Denominadas Gigantes Gênicos (do inglês, Gene Giants), as principais empresas produtoras de sementes são Monsanto, Syngenta, Dow AgroSciences, DuPont e Groupe Limagrain. As sementes biotecnológicas representam 30% do mercado mundial de sementes, estimado em US$ 47 bilhões em 2015. A cadeia produtiva da semente Cada país desenvolve variedades adaptadas a seus solos e condições climáticas. Uma vez aprovados e registrados, esses cultivares poderão ser disponibilizados para os agricultores. O processo de amplificação do número de sementes, estritamente regulamentado, contempla várias etapas de que participam diferentes entidades do setor público ou privado (Figura 14.4).
FIGURA 14.4. Os elos que integram a cadeia produtiva da semente.
Estado (Institutos de pesquisa, universidades)
Inventores / Obtentores
Empresas nacionais (Sociedades, cooperativas e empresas familiares) Empresas internacionais
Multiplicadores
Diversa estrutura empresarial
Produtores e comerciantes
Diversa estrutura empresarial
Agricultores
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No caso da característica transgênica, esta precisa da aprovação das instâncias legais competentes, antes de ser transferida para os cultivares locais e passar por todo o processo de multiplicação, certificação e registro, para poder chegar até o agricultor e este iniciar o plantio. A cadeia produtiva da semente envolve inventores e obtentores, multiplicadores, produtores e comerciantes de sementes e agricultores. A qualidade das sementes é estabelecida pela legislação e pelas agências de certificação de sementes, que garantem ao comprador sementes dentro dos padrões. A UNIÃO EUROPEIA E A MORATÓRIA Nos Estados Unidos, três agências controlam e regulamentam o uso das novas tecnologias genéticas: USDA (United States Department of Agriculture), EPA (Environmental Protection Agency) e FDA (Food and Drug Administration). A resistência aos cultivos transgênicos é inexistente ou muito baixa, sendo plenamente adotados desde 1996. Na União Europeia, a resistência aos cultivos transgênicos é muito alta. Uma moratória suspendeu em 1999 o cultivo de novas variedades transgênicas assim como a comercialização de seus produtos, porém sem atingir algumas variedades autorizadas anteriormente para cultivo, importação ou utilização na produção de alimentos ou de rações. O primeiro passo para o levantamento da moratória foi dado em 2003, com o estabelecimento de normas de rotulagem e de rastreamento de traços transgênicos e com a implantação de diretrizes para o cultivo de plantas transgênicas, de maneira a minimizar a contaminação dos campos de cultivos orgânicos e convencionais. A aprovação da importação, em 2004, de um milho transgênico enlatado para o consumo humano (milho Bt resistente a insectos da empresa Syngenta) representa um segundo passo. Na realidade, esse milho já estava autorizado para entrar sob a forma de óleo ou de outros derivados. Mas abriu uma brecha para novos pedidos de autorização de produtos alimentícios e de milho e colza resistentes a herbicidas. Em 2010, seis países da União Europeia (Espanha, Portugal, República Tcheca, Polônia, Eslovaquia e Rumanía) produziram milho biotecnológico e outros três (Alemanha, Suécia e República Tcheca) cultivaram a batata Amflora. OS PAÍSES DE AMÉRICA LATINA Em América Latina (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolivia, Colômbia, Chile, Honduras e Costa Rica), os cultivos biotecnológicos são a soja, o milho e o algodão. Se bem o desenvolvimento das sementes depende geralmente do setor privado, em vários países (Argentina, Brasil, México) o setor público começou a generar suas própias variedades, respondendo à demanda local. Argentina e Brasil contam com uma comunidade acadêmica com um alto nível científico e tecnológico ativo nas universidades e nos centros de pesquisa, com empresas de tradição histórica na difusão da tecnologia agropecuária (Inta, Embrapa) e com condições econômicas limitadas pelas sucessivas crises políticas. Em ambos os países, numerosas empresas privadas ocupam lugares de destaque em diferentes setores do mercado biotecnológico. A existência de convênios e programas de intercâmbio científico tende a elevar o nível das atividades científicas e tecnológicas. Ao longo dos primeiros quinze anos de implantação das novas tecnologias agrícolas, cada país seguiu sua própria trajetória até estabelecer as normas legais que garantem o progresso em condições seguras.
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A COEXISTÊNCIA É POSSÍVEL? Todos os sistemas agrícolas exercem algum impacto sobre o meio ambiente. No entanto, uma agricultura sustentável pode minimizar os efeitos negativos da produção agrícola, restaurando a fertilidade e limitando a erosão da terra. Algumas práticas agrícolas já são compartilhadas pelas diversas modalidades agrícolas (orgânica, industrial ou de precisão), incluindo a rotação de culturas, a adubação verde, o manejo de pragas e de nutrientes, o plantio direto com uma cobertura na superfície do solo etc. Outras são específicas, como, por exemplo, a proibição para os produtores orgânicos de utilizar sementes geneticamente modificadas ou de cultivar terrenos onde previamente tenham sido plantadas culturas biotecnológicas. Cultivos convencionais e biotecnológicos ocupam diferentes faixas de mercado e crescem em função das oportunidades econômicas. A proporção de variedades convencionais e biotecnológicas varia nos principais cultivos industriais, que são a soja, o algodão, o milho e a canola. A contaminação de um cultivo convencional por um cultivo biotecnológico acarreta perdas consideráveis para o agricultor. Medidas de proteção são tomadas, envolvendo o distanciamento dos cultivos e a manutenção de faixas de exclusão de diferente tamanho, segundo as características da fecundação, autopolinização ou polinização cruzada. Testes genéticos e imunológicos permitem identificar a presença de organismos geneticamente modificados em uma carga de cultivos convencionais. O objetivo de ambas as medidas é reduzir a presença de sementes adventícias a um limite comercialmente aceitável (0,9%). Os modelos de regulação dos cultivos tradicionais, orgânicos e biotecnológicos são considerados de índole econômica, porque dão ao agricultor a possibilidade de escolher a modalidade que melhor lhe convier. Não envolvem biossegurança, porque esta é analisada no momento da aprovação da variedade biotecnológica, uma vez satisfeitas as normas legais. Um modelo de regulação, baseado em normas de coexistência, tem sido desenvolvido na Espanha (2005).
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14. BIOTECNOLOGIA E PECUÁRIA A CRIAÇÃO DE ANIMAIS A criação de animais domésticos para a alimentação se limita a um pequeno número de espécies de mamíferos, ruminantes (bovinos, ovinos, caprinos) e monogástricos (suínos, coelhos e aves), de peixes, de crustáceos e de mariscos. Também se criam animais para a prática de esportes (cavalos) e como companhia (gatos, cachorros, pássaros, peixes). Os grandes estabelecimentos agrícolas praticam a tradicional cultura extensiva de gado (bovino, ovino, caprino) em pradarias e pastagens, enquanto os menores tendem a investir em culturas intensivas de altos rendimentos (gado leiteiro, aves, suínos e peixes) que degradam o ambiente. A produção agrícola depende também de fatores econômicos e sociais. À medida que melhora o nível de vida da população, mudam os padrões de consumo e, consequentemente, a atividade agropecuária. Estima-se que entre 1993 e 2020, o consumo de carne nos países em desenvolvimento será duplicado. Pequenas empresas familiares serão substituídas por outras de produção intensiva, orientadas a satisfazer o mercado urbano. A criação de ruminantes diminuirá em relação à criação de aves e suínos. Essas mudanças exigirão maior eficiência na seleção, no gerenciamento das empresas e nos cuidados com a alimentação e a saúde dos animais. Nos países desenvolvidos, o objetivo primordial é aumentar ou equilibrar a quantidade de produtos (leite, ovos, carne e lã) e, simultaneamente, diminuir os custos. Em relação aos métodos produtivos, isso significa reduzir o número de animais, a necessidade de trabalho e o impacto causado pelas doenças. As biotecnologias se inserem na alimentação e na conservação da saúde dos animais, possibilitando também o controle da reprodução e a aceleração da seleção genética. Perspectivas novas surgem com a utilização dos animais como biorreatores, para a produção de fármacos. A NUTRIÇÃO DOS ANIMAIS A NECESSIDADE DE RAÇÕES A criação e engorda de gado de corte nas pastagens é uma opção possível para países com grandes extensões territoriais, tais como a Argentina, a Austrália, o Brasil, ou a Nova Zelândia. O alimento básico do gado é o capim, que cresce de maneira desigual ao longo das quatro estações do ano. Como o número de cabeças depende do alimento, nos períodos em que falta capim deve-se suplementar a dieta do rebanho com feno (forragem dessecada), silagem (forragem e grãos fermentados), grãos, concentrados e/ou resíduos agroindustriais. Por outro lado, à medida que a agricultura invade as áreas de pastagem, a pecuária recorre aos regimes de semiconfinamento ou confinamento, estabelecendo como objetivo primordial o aumento da produtividade (gado leiteiro, aves e suínos). Parte dos cultivos de cereais (milho) e de leguminosas (tortas de soja, algodão, colza e girassol) é utilizada como ração, para suprir as necessidades proteicas e energéticas dos animais, sendo necessários de 3 a 10 kg de grãos para obter 1 kg de carne. Como o valor nutricional dos grãos é variável, acrescentam-se às rações alguns complementos nutritivos. Vários produtos industrializados fornecem um conteúdo de nutrientes equilibrado para as necessidades dos animais, em função de sua espécie, sua idade etc.
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DE LIEBIG À VACA LOUCA Os suplementos nutritivos proteicos foram introduzidos a fins do século XIX. Em 1865, Liebig inventou um procedimento industrial para transformar os restos dos animais em extrato de carne, vendido como complemento para a alimentação humana, e farinha de carne, utilizada para fortificar as rações animais. Bem antes da Segunda Guerra Mundial, as rações dos ruminantes dos países desenvolvidos já incluíam de 2 a 5% de farinha de carne. Finalizada a guerra e até 1973, a Europa importou grãos para as rações. Quando condições climáticas adversas causaram uma grande quebra da safra de soja nos Estados Unidos, estes embargaram o grão disponível, para garantir as necessidades internas. Sem grãos como fonte proteica das rações, a única opção que restou aos europeus foi a farinha de carne. Na tentativa de baratear ao máximo os custos das rações, deixou-se de extrair a gordura com solvente e modificaram-se as condições de esterilização. A inclusão de restos de animais doentes, inicialmente ovelhas com scrapie, uma doença esporádica conhecida no Reino Unido desde 1732, pode ter contaminado as vacas e provocado o surto da doença da vaca louca, uma variante da doença de Creutzfeldt-Jakob que afeta o homem, causando-lhe danos neurológicos graves. Esta variante se manifesta mais rapidamente e ataca as pessoas jovens. Em 1988, a farinha de carne foi proibida na alimentação do gado bovino e ovino. A epidemia exigiu o sacrifício de boa parte dos rebanhos no Reino Unido e de outros países da Europa, colocando em discussão a composição das rações animais e mostrando a necessidade de aumentar a quantidade e a qualidade dos suprimentos de grãos e de plantas forrageiras.
VARIAÇÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO DAS RAÇÕES Além da farinha de carne, outros produtos já foram utilizados como suplemento proteico, entre eles o leite desnatado em pó e a farinha de pescado, que hoje está sendo abandonada devido ao aumento do preço resultante da pesca excessiva. A biomassa microbiana seca tem dado bons resultados como fonte alternativa de proteínas. Denominada SCP (do inglês, single cell protein), a proteína unicelular pode ser obtida de diversas fontes. As leveduras como Saccharomyces cerevisiae constituem um subproduto nas destilarias de álcool; outras como Candida utilis ou Torula se multiplicam sobre os efluentes da indústria de papel ou das queijarias. A bactéria Methylophilus methylotropus cresce sobre metanol obtido a partir do gás do Mar do Norte, sendo a SCP correspondente comercializada, no Reino Unido, sob o nome de Pruteen. O acréscimo de enzimas (proteases, celulases, amilases etc.) tende a aumentar a digestibilidade das rações. Uma dieta baseada em grãos tem como inconveniente a introdução de fósforo e outros nutrientes complexados ao ácido fítico. No caso dos ruminantes, a flora microbiana do sistema digestório consegue disponibilizar parte do fósforo, mas isso não ocorre nos animais monogástricos como os suínos, as aves e, inclusive, o homem. Os fitatos impedem a assimilação do fósforo, mas a adição da enzima fitase na ração melhora a assimilação dos nutrientes e diminui a quantidade de fósforo excretado no ambiente, que é uma das causas da eutrofização dos cursos de água. A adição de antibióticos visa proteger as rações da ação bacteriana. Já a adição de probióticos procura modificar o ambiente gastrintestinal, estimulando a multiplicação de certos tipos bacterianos em detrimento de outros.
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A fitase é produzida por fermentação microbiana e sua adição nas rações é obrigatória na Europa. Trata-se de um mercado mundial de aproximadamente US$ 500 milhões, 40% do qual sito na China. A aprovação do milho com fitase (Academia de Ciências Agrícolas da China, Origin Agritech Ltda.) representa um marco importantíssimo para a China. AS RAÇÕES TRANSGÊNICAS O escândalo da “vaca louca”, seguido pelo caso dos frangos contaminados com dioxina mostrou o descaso existente pelos produtores europeus em relação às rações animais. Por isso, em 1998, não foi surpresa o estardalhaço causado por A. Pusztai, um renomado cientista do Reino Unido, ao declarar na televisão ter encontrado alterações do sistema imune em ratos alimentados com batatas cruas, transgênicas para uma lectina inseticida natural de campânula. Uma auditoria realizada por cientistas independentes considerou essas conclusões errôneas, o que foi confirmado mais tarde pela Royal Society do Reino Unido. As rações representam até 70% dos custos da criação de animais, sendo um dos gargalos da produção agrícola. Toda tentativa de baratear as rações é assimilada rapidamente. Porém, devido aos precedentes desastrosos e a desconfiança da população, a introdução de plantas geneticamente modificadas foi analisada cuidadosamente em diversos tipos de animais, e não se evidenciaram sinais de toxicidade da soja, da ervilha, do lupino, do algodão e da batata em ratos, nem da colza em coelhos. As características das carcaças, dos tecidos e das carnes não mudaram em animais que receberam alimentos transgênicos. Numerosos estudos desenvolvidos em instituições de pesquisa e universidades mostraram que, tanto em relação à composição química como à digestibilidade e ao valor nutritivo, as plantas biotecnológicas disponíveis são substancialmente equivalentes às não transgênicas. Organizações internacionais como FAO/WHO (Food and Agriculture Organization e World Health Organization) consideram, desde 1991, que a ingestão de DNA é segura, independentemente de ser sua fonte transgênica ou não. As organizações norte-americanas FDA (Food and Drug Agency), em 1992, e EPA (Environmental Protection Agency), em 2000, manifestaram-se no mesmo sentido. A União Europeia não considera necessário rotular os alimentos provenientes de animais alimentados com rações geneticamente modificadas. Segundo a FASS (Federation of Animal Science Societies), as rações são digeridas normalmente pelos animais estudados, sem que sejam detectados ácidos nucleicos ou proteínas de origem transgênica na carne, no leite ou nos ovos. Este era um resultado esperado, porque em função dos conhecimentos sobre digestão e absorção, tanto as proteínas como o DNA são degradados durante o processo digestivo. Em alguns casos em que as plantas têm as propriedades agronômicas modificadas como, por exemplo, o milho resistente a insetos (milho-bt), verifica-se uma redução substancial do teor em micotoxinas. Isto porque, ao diminuir os ataques de insetos, há menos lesões que possibilitem a infecção e o crescimento dos fungos. As micotoxinas são muito perigosas para os animais que ingerem os grãos contaminados, porque causam hemorragias, danos no fígado e nos rins, diarreias e câncer. O milho transgênico melhora a qualidade do alimento e a saúde animal, especialmente dos monogástricos, mais sensíveis as micotoxinas que os ruminantes. Estão sendo estudadas plantas com maior digestibilidade, como uma alfafa transgênica com menos lignina. Por outro lado, o melhoramento das plantas forrageiras também abre perspectivas interessantes. Observou-se, por exemplo, aumento de peso e bom crescimento da lã em ovelhas alimentadas com lupino transformado geneticamente, de maneira a sintetizar uma proteína de girassol com alto conteúdo de metionina.
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O MELHORAMENTO GENÉTICO DO GADO Existem hoje mais de 5.000 raças de gado, resultantes de muitos anos de adaptação a diferentes condições ambientais. O melhoramento genético visa três objetivos fundamentais. O primeiro é aumentar a eficiência da conversão do alimento, de maneira a incrementar a taxa de crescimento corporal; o segundo é acrescer a produtividade (leite, ovos) e o último, mais recente, modificar a composição da carcaça aumentando a quantidade de proteína (carne e leite) em detrimento da gordura. Os empreendimentos bem-sucedidos na área de melhoramento vegetal visam à seleção de caracteres devidos a um único gene, porque, para as grandes empresas, isso significa a recuperação rápida dos investimentos, através da venda anual de sementes. Em relação ao melhoramento animal, precisa-se de muito mais tempo. Em bovinos, por exemplo, existe um período de quatro anos entre uma geração e outra. Muitas das características selecionadas em animais mostram uma variação contínua, que em vez de responder a um gene único, resulta da contribuição de vários genes (herança poligênica ou quantitativa). Se estiverem situados em cromossomos diferentes, a seleção acarretará inevitavelmente a de genes vizinhos, que podem ser desfavoráveis. Os frangos do tipo broiler, por exemplo, têm-se transformado em um alimento comum e barato, em contraste com anos atrás. Selecionados por 50 gerações, esses frangos crescem quatro ou cinco vezes mais rápido que seus antepassados. Mas, no caminho, apareceram alguns efeitos deletérios, tais como o aumento do teor de gorduras, a fertilidade baixa e a presença de anormalidades esqueléticas. Por outro lado, galinhas selecionadas como poedeiras desenvolveram osteoporose, ao desviar o cálcio do esqueleto para a construção da casca dos ovos. E os perus desenvolveram um tamanho tal que não conseguem acasalar sem riscos, sendo necessário proceder à inseminação artificial. A seleção assistida por marcadores moleculares obteve um grande sucesso na área, justamente por amenizar a dificuldade de se lidar com traços multigênicos. Ciclos de vida mais longos tornam mais lenta a recuperação dos investimentos de modo que, a exceção da produção de frangos, o setor resulta menos atrativo para as grandes empresas privadas. A distribuição do material genético se encontra nas mãos dos pecuaristas e de pequenos empreendimentos privados, responsáveis por mais de 80% da pesquisa e desenvolvimento na área agropecuária dos países desenvolvidos. O CONTROLE DA REPRODUÇÃO O controle da reprodução dos animais permite a expansão rápida dos estoques, reduzindo os custos de transporte de animais. O processo começa com a seleção dos pais (reprodutores e matrizes), escolhidos pelas suas características genéticas relativas à produtividade e à saúde (Figura 15.1). A inseminação artificial se pratica desde meados do século XX, no gado bovino, ovino, caprino, porcino e em aves (perus, frangos). Devido ao custo, a técnica é mais utilizada com o gado de leite, que tem um preço por cabeça mais alto que o gado de corte. Neste caso, complementa-se a inseminação artificial com a sexagem prévia do sêmen, a fim de escolher os espermatozoides que poderão dar origem a fêmeas. O sêmen colhido de um reprodutor é introduzido no útero das matrizes. Considerando que uma única ejaculação de um touro produz aproximadamente 100 doses de sêmen, que um animal chega a produzir 4.000 doses por ano e que a eficiência da inseminação chega a 50%, o método permite obter aproximadamente 2.000 crias por reprodutor ao ano.
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Com o desenvolvimento das técnicas de criopreservação pode-se utilizar tanto o sêmen fresco como o congelado, o que possibilita também a conservação da biodiversidade de raças em perigo de extinção. Uma dose de sêmen custa a partir de 14 reais e, se for de qualidade comprovada, 20 reais. O touro Bandido, que teve uma exitosa participação em uma novela de televisão e morreu prematuramente, deixou sêmen congelado. Dele descendem os touros Zangão, Matador e Carrancudo que participam em festas de rodeio por todo o Brasil. Normalmente, uma vaca produz uma cria por ano. Tratada com hormônios para induzir uma superovulação e inseminada artificialmente, essa vaca poderá gerar simultaneamente cinco embriões, que serão colhidos mediante a lavagem do útero e transferidos a uma vaca receptora. A criopreservação garante que 25 a 50% dos embriões congelados possam originar animais vivos. Como o processo todo (superovulação + inseminação + transferência dos embriões) pode ser repetido quatro vezes por ano, apesar das limitações técnicas existentes, uma vaca terá 10 crias por ano. Outra variante consiste em extrair os ovócitos das vacas superovuladas, ou dos ovários de animais sacrificados, procedendo a uma fecundação artificial antes de reimplantar os embriões nas vacas receptoras. O número de embriões também pode ser aumentado por bipartição, por micromanipulação do blastócito com 64 a 128 células. A aplicação de testes genéticos nos pais e nos embriões, antes de ser reimplantados, permite uma seleção apurada da descendência. FIGURA 15.1. O Controle da reprodução em bovinos. O controle da reprodução dos animais domésticos depende de diversas técnicas (superovulação, inseminação artificial, coleta de ovócitos ou de embriões, criopreservação, transplante de embriões).
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AS NOVAS TECNOLOGIAS O mapeamento do genoma dos animais domésticos O estudo do genoma dos animais domésticos fornece informações precisas e eficientes para a seleção de alguns caracteres. O objetivo básico é estabelecer uma correlação entre os genes e as sequências não funcionais que, distribuídas ao longo do genoma, irão cumprir o rol de marcadores moleculares. Centenas destas sequências já foram identificadas na vaca, no porco, no frango, na cabra, na ovelha, no salmão, no camarão etc. Trata-se de micro e minissatélites, isto é, sequências curtas de DNA repetidas um número variável de vezes que são transmitidas de uma geração a outra e podem ser identificadas por eletroforese. Quando o gene responsável por uma característica de interesse está associado a um determinado marcador, ambos serão selecionados juntos. Com caracteres monogênicos, os resultados se obtêm rapidamente, mas com caracteres poligênicos devem-se procurar os genes que contribuem substancialmente na variação. A análise de marcadores também é utilizada na determinação do parentesco (pedigree) e na identificação dos animais, tanto no campo como nos produtos derivados. Já foram sequenciados alguns genomas de animais domésticos. À medida que outros sejam completados e se conheçam melhor as sequências expressas nas moléculas de mRNA, as técnicas eletroforéticas poderão ser substituídas por chips de DNA (microarrays). A clonagem A clonagem de animais domésticos por partição embrionária é utilizada desde a década de 1980. Na década seguinte, outras perspectivas se abriram com a técnica de transferência nuclear, que consiste em transferir o núcleo de uma célula doadora a um ovócito receptor, previamente anucleado, de outro animal. Dolly (1977-2003) foi o primeiro animal obtido mediante esta técnica, depois de 277 tentativas fracassadas (Figura 9.9). Fenômeno mediático, Dolly teve um tumor no pulmão, sendo sacrificada depois de desenvolver artrite em uma pata e de mostrar sinais de envelhecimento precoce. Nascidas pouco tempo depois, Polly e suas irmãs levam o gene codificador do fator IX, uma proteína fundamental para a coagulação sanguínea. As dificuldades técnicas estão, principalmente, na estimulação do citoplasma receptor e na coordenação entre a atividade citoplasmática e nuclear. Quando a reprogramação celular é incompleta, observam-se fenômenos epigenéticos que abrangem o DNA, a cromatina e a inativação do cromossomo X. Por outro lado, os problemas de saúde são mais frequentes em clones porque a gestação é mais demorada e o tamanho do recém-nascido é maior. As taxas de mortandade perinatal aumentam assim como o número de malformações congênitas. Por enquanto, a clonagem não é usada no melhoramento direto dos rebanhos, sendo aplicada aos animais fundadores, principalmente bovinos e suínos, porque são os únicos em que os benefícios justificam o custo do procedimento. Alguns exemplos são ilustrativos: Bull 86 Squared, um clone de um animal resistente à brucelose, salmonelose e tuberculose; Annabell Zeta, uma vaca da raça Holstein recordista da produção de manteiga, clonada com sucesso por apresentar problemas de fertilidade; Second Chance, nascido depois de 189 tentativas de clonagem de Chance, um touro que participou em rodeios e filmes.
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A tecnologia está sendo desenvolvida também na Argentina e no Brasil. Ciruelito é um clone de Ciruelo, grande campeão da raça Brangus. Lenda e Glória da Embrapa descendem de Vitória, uma vaca da raça Simental, nascida por transferência nuclear; Porã e Potira descendem, via bipartição embrionária, de uma vaca da raça bovina Junqueira, em alto risco de extinção; também zebuínos foram clonados. Em ambos os países existem empresas privadas especializadas na clonagem comercial de bovinos (BioSidus, ARG Natural Beef; Vitrogen, Geneal) em empreendimentos ligados a universidades ou institutos de pesquisa agronômica. De um modo geral, a clonagem é utilizada para animais de elite, doentes ou acidentados, estimando-se em redor de US$ 20.000 o preço de um bezerro clonado, nos Estados Unidos. Ainda pode demorar vários anos até que o preço se torne interessante para o melhoramento direto na pecuária. Diferente dos bovinos, os equinos nasceriam mais saudáveis. Em 2003, a mula Joy of Idaho foi o primeiro clone de um híbrido de uma égua e um jumento. No mesmo ano e depois de 847 tentativas, nasceu na Itália a égua Prometea, gerada a partir de uma célula somática materna, o que a torna ao mesmo tempo filha e irmã gêmea de sua mãe. Em 2005 obtiveram-se os primeiros clones de um cavalo de corrida (Pieraz Cryozootech), e de um cavalo de salto (Paris-Texas). Recentemente, nasceu na Argentina BS Ñandubay, clone de Ñandubay, um cavalo crioulo (Halitus, BioSidus). No Brasil, as potras Branca e Neve foram obtidas por bipartição embrionária. Observe-se que a inseminação artificial e os tratamentos de fertilidade estão proibidos em cavalos de corrida, puros-sangues. Contudo, as possibilidades da clonagem vão além do aumento da taxa de fertilidade de animais elite e da conservação de animais com características interessantes. A clonagem pode ser utilizada para a conservação de espécies raras e em risco de extinção, para a criação de rebanhos homogêneos que facilitem trabalhos de pesquisa e para a propagação rápida de alguns organismos transgênicos. Esta última aplicação justifica a importância dada a Dolly. A transgênese O primeiro camundongo transgênico nasceu em 1981. A partir de 1988 começaram a ser produzidos vacas, cabras, coelhos, ovelhas, frangos, porcos e peixes transgênicos. Poucos meses depois do nascimento de Dolly, o mesmo grupo do Instituto Roslin e PPL Therapeutics anunciou o nascimento de Polly, uma ovelha transgênica para o gene codificador do fator IX, uma proteína fundamental para a coagulação sanguínea e que falta nos hemofílicos. Observe-se que, dado o custo de um animal transgênico, é mais econômico fazer um clone que construir outro. Uma das preocupações existentes se relaciona com o risco de escapamento de um animal transgênico e a possibilidade de difundir o transgene nas populações naturais. O risco depende de algumas características do animal, especialmente a mobilidade, a capacidade de escapar do cativeiro e a de voltar ao estado selvagem (Tabela 14.1). Outros fatores adicionais que devem ser considerados em uma simulação de risco são a viabilidade juvenil, a idade de amadurecimento sexual, a fertilidade do macho, a fecundidade da fêmea, a viabilidade do adulto etc. A comercialização de animais transgênicos ou seus produtos avança muito lentamente, não só pelos altos custos como pelo tempo demandado para responder ao processo regulatório e a resistência eventual dos consumidores.
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TABELA 14.1. O risco de escapamento de um animal transgênico. ESPÉCIE
MOBILIDADE
CAPACIDADE DE VOLTAR AO ESTADO SELVAGEM
CAPACIDADE DE ESCAPAR DO CONFINAMENTO
Camundongos
Alta
Alta
Alta
Peixes
Alta
Alta
Alta
Insetos
Alta
Alta
Alta
Porcos
Baixa
Alta
Moderada
Aves
Baixa
Baixa
Baixa
Vacas
Baixa
Baixa
Baixa
O MELHORAMENTO DA PRODUÇÃO CARNE, LEITE, OVOS E LÃ A produção de alimentos é um dos objetivos fundamentais da atividade agropecuária. A utilização de modificadores metabólicos permite não só incrementar a produção como modificar a relação entre carne e gordura, de maneira a diminuir o desperdício. Entre os modificadores metabólicos mais utilizados estão os hormônios bST (somatropina bovina) e pST (somatropina porcina), produzidos a partir de microrganismos transformados por engenharia genética. Os hormônios estimulam o crescimento em bezerros e porcos e a produção de leite em vacas. Sua utilização gerou polêmicas, sendo proibidos em alguns países da Europa, mas permitidos em 19 países, entre os quais a Argentina, o México e o Brasil. Experiências de transgênese visam melhorar a qualidade do leite de vaca modificando as proteínas (leite humanizado para lactantes) ou reduzindo a lactose (para as pessoas com intolerância). Na Nova Zelândia e nos Estados Unidos vêm sendo obtidas vacas que produzem mais caseína no leite, uma propriedade interessante para a indústria de queijos. A inserção de um gene bacteriano codificador de fitase deu a origem ao EnviropigTM, um porco que produz a enzima na saliva, de maneira que a concentração de fósforo no esterco é 60% menor que no dos porcos convencionais. Ainda sem a aprovação das autoridades pertinentes, o EnviropigTM está sendo criado em confinamento, no Canadá. Algumas tentativas foram feitas em relação à produção de fibras animais: ovelhas transgênicas que não precisassem de determinados suplementos de aminoácidos na dieta; modificação da estrutura das fibras de lã e de caxemira para facilitar o tingimento e diminuir o encolhimento; alteração das propriedades da seda. A partir de uma proteína de aranha, sintetizada por uma cabra transgênica, se desenvolveu e patenteou o BiosteelTM, um produto muito resistente que pode ter diversos usos, inclusive militares. Na década de 1980, a transferência de um gene codificador de hormônio de crescimento humano originou ratos duas vezes maiores. Quando repetida a experiência com porcos, obteve-se o Beltsville pig, um animal que apresentou problemas variados: dificuldades respiratórias, artrite, letargia etc. O fracasso suscitou vários questionamentos éticos em relação ao tratamento infringido aos animais. De um modo geral, a transgênese do hormônio de crescimento (GH, do inglês growth hormone e GHFR, do inglês growth hormone factor releasing) nos animais domésticos tem sido problemática, salvo em peixes.
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A AQUICULTURA Os principais países produtores de peixes, mariscos e crustáceos por aquicultura são a Noruega, o Chile, o Canadá, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Nova Zelândia e os países asiáticos. O desenvolvimento da aquicultura parece uma alternativa razoável para a produção de alimentos porque, em função da pesca desmedida, os estoques de peixes nos mares e oceanos têm diminuído assustadoramente. No entanto, do ponto de vista ecológico, ainda subsistem dúvidas em relação à aquicultura. Alguns peixes não exigem nenhuma complementação da ração, como as carpas e tilápias. Já o camarão e o salmão são criados com rações que incluem farinha de peixe. Quais seriam as vantagens da aquicultura se for necessário extrair peixe para a preparação das rações? A criação de peixes e mariscos é uma atividade empresarial que cria empregos, demanda poucos insumos e gera um produto de alto valor agregado. Contudo, alguns problemas subsistem, como a distância dos mercados de destino e a contaminação das águas costeiras, que dificulta a criação de mariscos filtradores de plâncton, favorecendo o florescimento das algas. O gerenciamento destas variáveis nas fazendas de salmão dá um retorno econômico importante para a Noruega, o Chile o Canadá e os Estados Unidos. No entanto, como as águas e os invernos canadenses são muito mais frios que os chilenos, onde o salmão pode ser criado o ano inteiro, os produtores canadenses e norte-americanos se interessaram por um salmão resistente ao frio e de crescimento rápido. Dentro deste contexto, a empresa AquaBounty transferiu para o salmão do Atlântico um cassete de expressão, denominado AquAdvantageTM, com dois genes codificadores de uma proteína anticongelamento e um hormônio de crescimento do salmão do Pacífico. O peixe cresce rapidamente em condições comerciais, consumindo 250% mais comida e alcançando o tamanho equivalente ao de um salmão convencional em menos tempo (18 meses em vez de 24 ou 30). Para alguns especialistas, existiriam alguns riscos como a invasão e substituição dos salmões naturais pelos transgênicos ou a introdução de genes de valor adaptativo inicialmente maior que os das populações selvagens, mas cujo valor diminuiria a médio prazo, levando a espécie à extinção (genes troianos). A empresa AquaBounty considera esses riscos sob controle, em função da condição triploide dos salmões GM AquAdvantage que garante a esterilidade de 98,9% dos peixes e das condições ambientais desfavoráveis em Prince Edwards Island (Canadá), onde serão produzidos os ovos. Segundo o Protocolo de Cartagena, os peixes transgênicos devem ser criados exclusivamente em contenção. Por isso, a exploração comercial de salmões transgênicos não poderá ser feita como até agora, em jaulas marinhas; eles terão que crescer confinados em fazendas dentro do território, de maneira a diminuir os riscos de escapamento. AquaBounty planeja desenvolver o processo no Panamá, em regiões de altitude com a temperatura adequada e rios desfavoráveis para a sobrevivência do salmão. Aguarda-se para 2011 a aprovação do FDA (Food and Drug Administration) para sua liberação comercial. Estima-se que atualmente existam umas 30 variedades de peixes transgênicos em laboratórios de diferentes lugares. Tilápias e carpas transgênicas se encontram em vias de aprovação em Cuba e na China, respectivamente. Também estão sendo desenvolvidos camarões e mariscos desprovidos da proteína responsável por 80% das alergias e uma truta com mais ácidos graxos Ômega 3.
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A SAÚDE DOS ANIMAIS RESISTÊNCIA A DOENÇAS A seleção genética de animais resistentes é uma forma de reduzir o prejuízo devido às doenças, estimado em 10 a 20% da produção. No Reino Unido, a resistência ao scrapie, por exemplo, se tornou uma condição indispensável para a entrada de qualquer ovino em um programa de melhoramento. Outras possibilidades são bovinos resistentes à vaca louca, à mastite e à brucelose. O mapeamento do genoma dos animais domésticos facilita a tarefa de selecionar animais resistentes a doenças, tais como frangos resistentes à doença de Marek e à salmonelose. Na França, a transgênese está sendo utilizada para a obtenção de trutas resistentes ao SHV (vírus da septicemia hemorrágica), responsável pela perda de um quarto da produção. Em outros países, pesquisa-se a introdução de genes que confiram resistência a doenças que afetam o gado, como a tripanossomíase ou a aftosa. PREVENÇÃO E TRATAMENTO Os principais produtos desenvolvidos para a saúde animal são vacinas, kits de diagnóstico, tratamentos (antibióticos, antiparasitários) e suplementos (hormônios). Estes produtos são necessários porque as práticas intensivas ou semi-intensivas favorecem a transmissão de doenças entre os animais. Existem numerosas vacinas contra as doenças que afetam os animais; muitas pesquisas se direcionam atualmente para a elaboração de vacinas de subunidades de antígeno em plantas modificadas geneticamente, que possam ser administradas na ração. Também está sendo desenvolvida uma vacina para imunizar os animais contra um hormônio reprodutivo (GnRH ou gonadotrophin-release hormone), sendo esta uma alternativa para a castração de touros e porcos. Alguns animais domésticos constituem um reservatório de doenças e as transmitem ao homem. Preservar a saúde dos animais diminui o risco de contágio, deste modo, uma vacina contra a leishmaniose canina desenvolvida recentemente no Brasil, visa a cortar a corrente de transmissão da doença do cachorro ao homem. As análises de DNA possibilitam a tipificação dos agentes patogênicos e os estudos epidemiológicos. Os ensaios imunoenzimáticos são utilizados para o diagnóstico de várias patologias e também para o reconhecimento de diversos tipos de contaminação nos produtos (Salmonella, Escherichia coli, Listeria). A produção de medicamentos visa umas 200 doenças animais diferentes. As indústrias de saúde investem aproximadamente US$ 400 milhões por ano em pesquisa e desenvolvimento, mas, de um modo geral, a saúde animal movimenta muito menos dinheiro que a saúde humana. Salvo em relação aos animais de estimação, o mercado de saúde animal cresce lentamente. Na América Latina, numerosas empresas do setor privado elaboram medicamentos, vacinas e testes diagnósticos dirigidos à saúde animal. Entre as principais: Biogénesis e Bagó (Argentina), Vallée (Brasil), BiosChile (Chile), Laverlam (Colômbia), IASA (México), Laboratórios Santa Elena (Uruguai). Cuba se destaca pela vacina contra o carrapato, que é vendida em vários países da América Latina. Em relação à febre aftosa, uma endemia que afeta a produção de carne e de leite, novas vacinas mais eficientes e fáceis de aplicar são indispensáveis nas regiões em que a doença não foi totalmente erradicada e em que aparecem surtos eventuais: Argentina, Brasil, Colômbia, México, Paraguai e Uruguai.
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Do ponto de vista comercial, as vacinas DIVA (do inglês, differentiating infected from vaccinated animals) são especialmente interessantes porque permitem distinguir animais infectados de animais vacinados. Estuda-se também a substituição da vacina atual de vírus inativado por alfafa transgênica que expresse algumas proteínas do vírus da aftosa (plant-pharming). Tecnologias avançadas são habitualmente aplicadas na produção de vacinas veterinárias. Até o início de 2011, 12 vacinas geneticamente modificadas foram liberadas no Brasil pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). A aquicultura abre um espaço para as empresas que desenvolvem testes de diagnóstico e vacinas para os patógenos que afetam as fazendas, como a argentina Tecnovax S.A. e as chilenas Recalcine e AquaGestión, que desenvolveram uma vacina contra o vírus da anemia infecciosa do salmão.
NOVAS UTILIZAÇÕES DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS MODELOS DE ESTUDO PARA DOENÇAS HUMANAS A transgênese é utilizada em vários animais (ratos, camundongos, coelhos e macacos), para transferir características que permitem sua utilização como modelo de doenças humanas. O primeiro modelo foi obtido em 1988, ao se transplantar tecidos do sistema imune extraídos de um feto humano a camundongos geneticamente imunodeficientes; os animais adquiriram um sistema imune humano. No mesmo ano, obtivera-se o oncomouse, um camundongo com um gene para câncer de mama que permite testar tanto o efeito carcinogênico de algumas substâncias como a ação terapêutica de outras. Com este camundongo, a Universidade de Harvard recebeu a primeira patente para um animal transgênico. A partir desse momento vários animais foram redesenhados para servir como modelo; coelhos com diferentes genes para lipoproteínas humanas constituem linhagens sensíveis ou resistentes a regimes ricos em colesterol; camundongos modificados geneticamente possibilitam os estudos sobre epilepsia, obesidade; mapeamento genético de doenças neuropsiquiátricas em cachorros etc. XENOTRANSPLANTES Os porcos são considerados o fornecedor ideal de órgãos para transplante porque o tamanho e a função destes são equivalentes aos dos humanos. Válvulas de porco substituem as válvulas cardíacas humanas, depois de eliminar todas as células de porco. A eliminação por knock out do gene da α 1,3galactosiltransferase (α1,3 GalT) na superfície celular permitiria evitar a rejeição de um órgão transplantado. Contudo, restaria um dos maiores riscos dos xenotransplantes, que é a transmissão de vírus de uma espécie a outra. OS ANIMAIS COMO BIORREATORES As proteínas terapêuticas incluem hormônios, anticorpos, fatores de crescimento e fatores de coagulação. Os genes codificadores de várias delas têm sido transferidos a microrganismos. Porém, devido à necessidade de modificações pós-traducionais, algumas proteínas só podem ser sintetizadas em células animais, cultivadas em biorreatores. Contudo, a quantidade de proteína produzida é muito pequena e os custos operacionais muito altos.
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Uma alternativa é a transformação genética de um animal para convertê-lo em um biorreator que expresse a proteína de interesse no leite, no sangue, na urina ou nos ovos. De fato, precisa-se de 2 a 3 vezes menos capital inicial, e o custo da proteína recombinante cai entre cinco e dez vezes. Obviamente, a eleição de uma ou outra tecnologia dependerá da demanda do mercado e da dosagem requerida. A aprovação de um produto demanda os testes clínicos correspondentes, e normas regulatórias são estritas e demoradas. A liberação de ATryn, uma antitrombina com propriedades anti-inflamatórias e anticoagulantes, na Europa (2006) e nos Estados Unidos (2009) modificará rapidamente o amplo mercado de fatores de coagulação recombinantes. A empresa responsável, GTC Biotherapeutics, produz mais de 60 proteínas terapêuticas diferentes no leite de cabras e vacas. Muitos produtos estão sendo desenvolvidos atualmente, no leite (vacas, cabras, ovelhas, porcos) e nos ovos (aves). Em relação ao fator IX humano, por exemplo, porcos transgênicos excretam a proteína no leite em quantidade 250 a 1.000 vezes maior do que se consegue em biorreatores microbianos. Bastam algumas centenas de animais para suprir as necessidades de toda a população. Vários produtos se encontram em fase de testes clínicos. Na Escócia, PPL Therapeutics Ltd. cria 200 ovelhas produtoras de AAT (-1-antitripsina), uma substância que se encontra em testes clínicos para o tratamento de enfisema hereditário e fibrose cística. Nos Paises Baixos, Pharming BV obteve vacas produtoras de lactoferrina humana, uma proteína com propriedades antimicrobianas. Na Argentina, BioSidus mantém um tambo farmacéutico com duas dinastias de vacas: Pampa, produtora de hormônio de crescimento, e Patagonia, produtora de insulina. No Brasil, a Universidade do Ceará mantém um rebanho de cabras transgênicas de raça Canindé que secreta no leite o fator de estimulação de colônias de granulócitos humanos (hG-CSF). Hematech Inc. mantém um rebanho em que os genes bovinos foram removidos (knock out) e substituídos (knock in) por genes humanos. Uma vez imunizados, os animais produzem anticorpos policlonais humanos que podem ser utilizados para combater infecções, assistir a pessoas com o sistema imune comprometido ou tratar doenças autoimunes (artrite reumatoide). Anticorpos humanos (Origen Therapeutics) e interferon (AviGenics) também são produzidos em ovos de aves transgênicas. Algumas experiências adicionais interessantes que se encontram em andamento são a produção de anticorpos monoclonais para a artrite reumatoide no leite de ruminantes, ou a síntese de um antibiótico de amplo espectro por vacas leiteiras, a fim de diminuir a incidência de mastite por Staphylococus aureus. Outros produtos estão sendo preparados para fazer frente a um eventual surto de bioterrorismo como, por exemplo, anticorpos humanos contra antraz, varíola e botulismo em vacas transgênicas (TransOva), ou antídotos contra as armas químicas como o gás Sarin em cabras (Nexia). Todas estas aplicações exigem o respeito de normas de segurança estritas. Parece fundamental extremar os cuidados com a eliminação das carcaças e evitar o escapamento de animais transgênicos para produtos medicinais, assim como a entrada acidental de seus produtos na cadeia dos alimentos. O MARCO CONCEITUAL DOS TRÊS Rs O uso de animais em experimentos tem suscitado numerosos debates, em função do sofrimento que se lhes infringe e da dificuldade em se transpor ao ser humano a informação obtida nessas pesquisas. Estima-se em 115 milhões o número de animais utilizados por ano em pesquisas científicas entre roedores (83,5%), primatas (0,15%), gatos (0,06%) e cães (0,24%).
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Em 1959, Russell e Burch estabeleceram um marco conceitual conhecido hoje como “os três Rs” (do inglês, replacement, reduction and refinement). No momento atual, a ciência não tem como prescindir dos testes em animais em algum momento do desenvolvimento de novos medicamentos e de outras pesquisas. Contudo, os Rs deram início a uma reflexão ética em relação aos animais (Tabela 14.2). Admite-se hoje que nem tudo o que é tecnicamente possível deve ser permitido, cabendo aos Comitês de Ética das instituições de pesquisa discutir este aspecto em relação aos projetos que envolvem seres vivos, a fim de evitar o conflito entre o bem dos seres humanos e o dos animais. Nem sempre os maus-tratos decorrem dos procedimentos experimentais, também podem ser genéticos. Um exemplo significativo é o da raça bovina Belgian Blue, que apresenta um crescimento muscular extraordinário devido a uma mutação no gene codificador da miosina. A carne é macia e com muito pouca gordura. Devido à largura reduzida do canal pélvico e ao grande tamanho dos bezerros, o nascimento só é possível por cesárea. Alguns países, como a Dinamarca, pedem a extinção desta raça. Em relação aos transgênicos, a principal crítica se refere à ineficiência dos métodos de microinjeção. Como só 3% a 5% dos animais carregam o transgene, o número de animais descartado é muito alto. TABELA 14.2. Significado e alcance dos três Rs. R
SIGNIFICADO
EXEMPLOS
1
Substituir
Substituição de animais vertebrados conscientes por seres inscientes, ou por métodos in vitro.
2
Reduzir
Redução do número de animais necessário para a pesquisa mediante desenhos experimentais mais apurados estatisticamente.
3
Refinar
Minimizar ao máximo o desconforto ou o sofrimento dos animais.
OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO O bem-estar dos animais domésticos é uma responsabilidade do homem, que deve lhes dar qualidade de vida e minimizar o sofrimento e a dor. Entre estes, os bichinhos de estimação constituem um grupo a parte. Submetidos a processos seletivos diversos, eles experimentam algumas consequências negativas como a surdez, que atinge quase 10% dos dálmatas. Os cachorros, aliás, carregam 300 condições genéticas recessivas das quais 250 foram descritas também no homem. Em 2010, estimam-se em US$ 11 bilhões os gastos em produtos de saúde para os pets norteamericanos. Trata-se de vacinas (raiva, hepatite, leucemia felina etc.) e medicamentos (artrite, parasitas, alergias, problemas dentários, doenças cardíacas, falência renal, ansiedade de separação, síndrome de disfunção cognitiva etc.). O mercado também é propício para a clonagem dos animais de estimação. Algumas empresas já estão envolvidas com a tecnologia, que até agora parece ser mais fácil em relação aos gatos que aos cachorros. O desenvolvimento de Night pearls, um peixe transgênico que brilha no escuro, custou US$ 2,9 milhões. Inicialmente desenhado para monitorar a qualidade da água, este peixe se transformou em mascote. Existem variedades com fluorescência verde, vermelha e com uma combinação das duas cores, a um preço de US$ 17,40, no lançamento em Taiwan (2003). 177
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15. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS OS ALIMENTOS FERMENTADOS A descoberta dos processos fermentativos é um acontecimento que ocorreu várias vezes em momentos diferentes da história da humanidade. A fermentação trazia duas vantagens fundamentais; uma era a eliminação das substâncias tóxicas de alguns grãos, e a outra, a preservação dos alimentos. A aquisição de conhecimentos sobre os microrganismos e as enzimas possibilita, a partir da segunda metade do século XIX, o desenvolvimento da indústria de alimentos. Esta soube se apropriar de todas as ciências relacionadas (microbiologia, bioquímica, engenharia química, automação etc.). Os alimentos fermentados constituem hoje a terceira parte da dieta humana. Seja por facilitar a assimilação dos nutrientes, seja por apresentar menos substâncias tóxicas, esses alimentos entram na categoria dos denominados alimentos funcionais, isto é, alimentos que proveem benefícios extras além dos que seriam esperados em função dos componentes. Afora os produtos de panificação, as bebidas alcoólicas e os laticínios, existem muitos outros tipos de alimentos fermentados. Alguns são de origem animal (pescado, embutidos e presuntos), mas a maioria é de origem vegetal, tanto no Ocidente (chucrute, picles, azeitonas, café, cacau, chã) como no Oriente (shoyu, misó, tempeh, kimchi etc.) e na África (gari, kokonte ou lafun, agbelima, togwa, kenkey etc.). O PÃO A arte da panificação surgiu em diferentes lugares, entre 7000 e 5000 a.C. Os primeiros pães eram umas bolachas planas de cereais moídos e água, cozidas sobre pedras quentes. Mais tarde, deve ter sido observado que, deixando a massa em repouso por um tempo, melhorava-se a textura e a digestibilidade dos pães. O passo seguinte ocorreu, provavelmente, ao acrescentar uma pequena parte da massa crua (“massa ácida” ou “pé de massa”) da preparação anterior. Este procedimento já era conhecido por egípcios e hebreus, 5 mil anos atrás. Os estudos microbiológicos atuais indicam a coexistência, no “pé de massa”, de bactérias lácticas e leveduras. As enzimas presentes no grão catalisam a transformação do amido em açúcares que são transformados em ácido láctico, pelas bactérias, e em etanol pelas leveduras. Devido à liberação de CO2 formam-se bolhas que conferem porosidade e leveza à massa. Além de acelerar o levado, a preparação de um “pé de massa” permite a seleção e o enriquecimento dos microrganismos dos cereais. Durante muitos séculos a preparação do pão envolvia, necessariamente, o processo natural de fermentação, de modo que cada padeiro tinha que preparar seu “pé de massa”. A passagem do procedimento artesanal à panificação industrial ocorreu em 1876, nos Estados Unidos, com a produção e venda de cubos de levedura prensada, mediante um processo patenteado pelos imigrantes austro-húngaros Charles e Max Fleischmann. Atualmente, comercializam-se três tipos de fermento biológico (leveduras) para a panificação: o fermento prensado ativo, com 68-72% de umidade, que requer refrigeração durante o armazenamento e dura entre três e cinco semanas. O fermento seco não ativo que se conserva mais tempo e não exige refrigeração, mas deve ser hidratado antes de usar; e o fermento ativo instantâneo que, por não requerer hidratação, pode ser adicionado diretamente aos ingredientes secos. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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Neste campo, as inovações não são bem aceitas. Na década de 1990, comercializaram-se no Reino Unido linhagens obtidas por engenharia genética. Apesar de ser muito rápida, o seu uso foi logo descontinuado, principalmente devido à pouca aceitação dos consumidores. Apesar de alguns padeiros conservarem a prática da fermentação natural, os processos artesanais estão desaparecendo, substituídos pela tecnologia da panificação industrial. Prepara-se a massa misturando farinhas de um ou mais tipos, água, leveduras e diversos aditivos: emulsificadores, agentes oxidantes e redutores, enzimas ( e -amilases, hemicelulases, lipases etc.) e aceleradores da fermentação. O processo envolve três etapas de fermentação durante as quais o CO2 liberado forma bolhas que, retidas na massa, aumentam seu volume. Entre uma e outra etapa, a massa é dividida e boleada, facilitando a redistribuição dos ingredientes e o desenvolvimento das características organolépticas. A moldagem visa o alinhamento das fibras proteicas do glúten. Durante a cocção, a mistura etanol-água se transforma em vapor e a crosta adquire uma cor dourada. A seguir, os pães são cortados e embalados (Figura 15.1). FIGURA 15.1. A panificação. A massa também pode levar outros ingredientes, tais como gordura, açúcar, leite em pó, ovos, mel, xaropes, frutas, especiarias etc.
Farinhas
Água
Leveduras
Enzimas
Mistura dos ingredientes
Fermentação principal Divisão da massa
Boleamento
Fermentação secundária Moldagem
Fermentação final Cozimento
Resfriamento Corte em fatias Embalagem Distribuição
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Outros Aditivos
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O VINHO A vinificação O vinho é uma bebida proveniente da fermentação alcoólica da uva, originada no norte da África e na Europa por volta de 3000 a.C. Durante o amadurecimento da uva, várias espécies microbianas se sucedem, primeiro transformando os açúcares em etanol e, posteriormente, o etanol em ácido acético. Considerando que o destino natural da uva é o vinagre, a arte da vinificação representa um ganho tecnológico considerável. A uva é composta por água (86%), açúcares fermentescíveis (12%) e moléculas diversas (2%). Retira-se o sumo espremendo ou prensando a polpa, sendo frequente o agregado de enzimas de maceração (pectinases, celulases e hemicelulases) para melhorar o rendimento. O agente biológico da fermentação alcoólica é a levedura Saccharomyces cerevisiae, que se encontra na pele da uva. Salvo na produção artesanal, a fermentação não depende das leveduras naturais da uva. A indústria vitivinícola conta com um leque amplo de linhagens selecionadas para favorecer o processo fermentativo. Na vinificação, monitora-se cuidadosamente a fermentação alcoólica até a conclusão do processo. Procede-se então a duas trafegas, entre as quais ocorre uma segunda fermentação, denominada fermentação malolática. Esta etapa, que é uma das mais complexas na elaboração dos tintos, se deve à ação de bactérias lácticas, como Oenococcus oeni, que transformam o ácido málico (diácido) em ácido láctico (monoácido). Em consequência da fermentação malolática, a acidez do vinho diminui e aparecem as primeiras modificações aromáticas. Posteriormente, o vinho é clarificado e colocado para envelhecer em tonéis ou garrafas, até o total desenvolvimento do buquê. A obtenção de um vinho tinto ou branco depende basicamente do tipo de uva e do procedimento seguido (Figura 15.2). Se quisermos obter vinho branco, utilizaremos uvas brancas ou tintas sem a pele ou casca que as recobre. As uvas tintas com pele originam vinhos tintos, porque esta libera compostos fenólicos (antocianinas, flavonas, taninos). O cultivo da videira Existem diferentes espécies de videiras. A Vitis vinifera fornece os vinhos mais finos, enquanto a Vitis labrusca, a Vitis ripari e outras variedades mais rústicas da própria Vitis vinifera são utilizadas para a elaboração de vinhos comuns. Existe uma combinação de solo e clima ideal para cada cultivo, denominada terroir, sem a qual dificilmente se obterão os melhores resultados. Alguns vinhos resultam da mistura de uvas diferentes, sendo denominados vinhos genéricos ou de corte. Outros são elaborados a partir de uma única variedade, sendo denominados varietais. Esta categoria inclui nomes como Pinot Noir, Chardonnay e Pinot Blanc (vinhos de Borgonha), CabernetSauvignon (vinhos de Bordeaux), Sangiovese (vinhos de Chianti) e Zinfendel (vinhos da Califórnia). Observe-se que, dependendo do processo utilizado para a elaboração do vinho, a partir de uma variedade de uva como a Pinot Noir poderão ser obtidos vinhos tão diferentes como um Borgonha ou um Champanhe. Em 2007, um grupo franco-italiano completou o mapa do genoma da Vitis vinifera, variedade Pinot Noir. A informação abrange mais de 30.000 genes, muitos dos quais respondem pelos aromas e sabores dos vinhos e outros regulam a quantidade de resveratrol, uma molécula que diminui os níveis de colesterol. Os estudos genômicos abrem numerosas perspectivas para os viticultores. Uma aplicação importante é o monitoramento da maduração da fruta, mediante arrays de marcadores moleculares, possibilitando a escolha do momento adequado para a vindima. 181
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FIGURA 15.2. A vinificação
Uva tinta
Desengaçamento e esmagamento
Uva branca
Desengaçamento e esmagamento
Maceração Inoculação
Inoculação
Fermentação alcoólica
Fermentação alcoólica
Fermentação malolática
Clarificação
Clarificação
Envelhecimento Engarrafamento
Engarrafamento
Vinho tinto
Vinho branco
Vinificação em tinto O mosto obtido por esmagamento da uva tinta passa para a cuba de fermentação, uma vez corrigidas a acidez e a quantidade de açúcar. Depois da primeira fermentação (fermentação alcoólica), separa-se, por trasfega, o mosto da borra. Inicia-se a segunda fermentação (fermentação malolática). Depois de clarificado, o vinho deve aguardar dois anos até estabilizar e ser engarrafado. Os vinhos rosados ou rosés são obtidos seguindo um procedimento semelhante, mas deixando macerar durante menos tempo o mosto com as cascas de uva. Também é possível consegui-los misturando vinhos brancos e tintos.
Vinificação em branco O mosto é obtido por esmagamento de uva branca ou de uva tinta sem casca, sem permitir a maceração. Salvo em alguns vinhos brancos de Borgonha, evita-se a fermentação malolática. Os vinhos espumantes (Champagne, Cava, Prosecco) passam por uma segunda fermentação alcoólica na garrafa.
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O cultivo da videira é uma tarefa complexa que exige tratamentos, enxertos e podas. Os viticultores praticam a multiplicação vegetativa das videiras, o que garante uma qualidade constante, mas aumenta a susceptibilidade da plantação aos patógenos. Espera-se que os estudos genômicos permitam identificar e selecionar genes de resistência a algumas enfermidades. A transferência de genes de resistência de uma variedade a outra é vista com muita desconfiança pelos produtores, porque o rótulo de varietal é parte da estratégia de vendas dos vinhos de qualidade. Contudo, alguns produtores consideram aceitável a transferência de genes de videiras rústicas para plantas de elite, com o objetivo de melhorar a produção. Com a entrada no mercado internacional de países menos apegados às tradições (Estados Unidos, Chile, Argentina, Brasil, África do Sul, Austrália etc.), pode ser que as novas tecnologias genômicas se apliquem na produção de plantas resistentes a doenças e pragas. O rol da levedura na vinificação As propriedades organolépticas dos vinhos dependem basicamente da cultivar escolhida, mas as enzimas da uva e as atividades metabólicas microbianas também cumprem um papel importante. A transformação do mosto em vinho envolve inúmeras reações químicas desenvolvidas por leveduras e bactérias lácticas. Com o mapeamento do genoma de ambos os microrganismos e a construção de microarrays adequados, estas reações poderão vir a ser bem conhecidas e controladas. Existe a tendência, na indústria moderna, de substituir as leveduras selvagens por leveduras enológicas selecionadas. Contudo, alguns produtores consideram que estas últimas massificam a qualidade do vinho, preferindo utilizar as leveduras nativas e obter assim um produto original qualitativamente diferente dos outros. Bancos de leveduras nativas facilitam a preservação da biodiversidade. Recentemente, duas linhagens de leveduras geneticamente modificadas fizeram sua entrada na indústria de vinhos dos Estados Unidos e Canadá. Trata-se da levedura ML01, que realiza ambas as fermentações (alcoólica e malolática), evitando a produção de histaminas, e da levedura ECMo01 que degrada a ureia, impedindo a formação de uma substância carcinogênica. A CERVEJA As bebidas fermentadas representam uma opção saudável na falta de água ou no caso de estar contaminada. Todos os povos elaboraram alguma a partir dos elementos de seu entorno, sejam estes grãos, frutas, raízes, caules ou folhas. Em 4000 a.C, os habitantes das margens dos rios Tigre e Eufrates (Mesopotâmia) preparavam 20 variedades de cerveja a partir de um procedimento bem simples. Esmigalhava-se o pão de cevada em um recipiente com água açucarada e, uma vez concluída a fermentação, a bebida era filtrada e transvasada a outro recipiente. Os procedimentos melhoraram a partir do século VII, quando os frades introduziram algumas inovações como incluir diferentes tipos de ervas, uma prática que no século XI culminou com a adição de lúpulo. No século XIV, a descoberta da técnica de fermentação baixa deu maior estabilidade à bebida. Os trabalhos de Pasteur e o progresso da Microbiologia no século XIX permitiram o desenvolvimento de uma poderosa indústria, cuja produção mundial supera os 1.000 milhões de hectolitros por ano. A fabricação da cerveja começa com a maltagem, um processo em que os grãos de cevada germinados são secados e moídos. O malte assim obtido contém as enzimas desenvolvidas durante a germinação, capazes de catalisar a transformação do amido em açúcares fermentescíveis (Figura 183
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15.3). Este processo é indispensável, porque não tendo amilases, as leveduras não fermentam o amido. Na brasagem o malte é misturado com água, possibilitando a digestão do amido por ação enzimática. Mais tarde o mosto é filtrado e fervido, sendo então acrescentadas as flores de lúpulo (Humulus lupulus, da família das Canabináceas) que, além de ter uma ação antisséptica, conferem à bebida seu sabor amargo característico. A maltagem e a brasagem são atividades prévias à fermentação alcoólica, que será conduzida por leveduras (Saccharomyces cerevisiae). Os processos mais tradicionais utilizam leveduras que se acumulam no topo da cuba, originando as cervejas do tipo ale, com menos de 4% de álcool. Contudo, existem outras leveduras que sedimentam no fundo, gerando as cervejas de tipo lager, com mais de 6% de álcool. Uma vez concluída a fermentação do mosto, este recebe os tratamentos finais que consistem em maturação, clarificação, carbonatação, pasteurização e engarrafamento. No momento, a tecnologia do DNA-recombinante se limita a transformações com genes do mesmo gênero (Saccharomyces), visando conseguir linhagens mais eficientes em relação ao processo fermentativo, adequadas à cevada e ao lúpulo de diferentes regiões do mundo. Até o momento, essas linhagens não são utilizadas comercialmente. FIGURA 15.3. As etapas da produção de cerveja.
Cevada
Maltagem: Maceração, germinação secagem e moagem do malte.
Malte Brasagem: Mistura, filtração e fervura do mosto. Mosto Fermentação alcoólica
Cerveja Acabamento: Amadurecimento, pasteurização e engarrafamento. Comercialização
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OS QUEIJOS E IOGURTES A produção de laticínios As raízes da produção de laticínios remontam ao ano 3000 a.C. (Oriente Médio), quando o homem comprovara que, ao azedar, o leite mudava de consistência e de sabor. O soro podia ser consumido fresco, e a adição de sal ao coágulo o conservava por mais tempo. Em torno de 2.000 a.C., a utilização de estômagos de cabras e de ovelhas como recipientes para o leite permitiu obter queijos mais sólidos e robustos. Mais tarde, os romanos introduziram extratos de plantas como o figo para coagular o leite. A explicação destes fenômenos é simples. As bactérias que normalmente se encontram no úbere dos animais contaminam o leite, proliferando e formando ácido láctico. Nesse meio ácido, as proteínas precipitam, separando-se do soro. A coagulação também ocorre em presença das enzimas renina e pepsina da mucosa estomacal e da ficina do figo. Hoje, a produção mundial de leite fermentado (iogurte, coalhada, quefir etc.) é de três milhões de toneladas por ano enquanto a de queijos chega a 15 milhões de toneladas por ano (Figura 15.4 A). Várias espécies bacterianas podem fermentar o leite: Streptococcus thermofilus, Lactobacillus bulgaricus, Lactobacillus acidophilus, Streptococcus lactis, Bifidobacterium bifidum etc. A maioria dos produtos vendidos como “leite fermentado” contém um número alto de microrganismos vivos; sendo consumidos como probióticos, para prevenir o desenvolvimento de outros microrganismos indesejáveis ou patogênicos no tubo digestivo. Todos os queijos passam por três etapas: a coagulação, o dessoramento e a maturação (Figura 15.4 B). No entanto, a tecnologia de produção de queijos permite uma série de variações que se traduz em mais de 400 tipos diferentes. Algumas dessas variações são a origem do leite (vaca, cabra, ovelha, búfalo), o agente da coagulação (calor, enzimas, bactérias lácticas ou ambas), a umidade e consistência (mole, semiduro, duro e muito duro) e a maturação. Muitos países aceitam 35 variedades definidas por regras internacionais. O rol de microrganismos e enzimas A produção de queijos envolve a acidificação do meio pelas bactérias lácticas, geralmente Lactococcus lactis e Streptococcus thermophilus. O coalho, uma substância extraída do estômago de bezerros, foi utilizado como agente da coagulação enzimática durante séculos, mas sua obtenção ficou cada vez mais cara e difícil. Para estabilizar a produção e satisfazer a maior demanda pelos produtos lácteos, usou-se transferir o gene da renina a uma bactéria (Escherichia coli) e, mais tarde, a uma levedura (Kluyveromyces) e um mofo (Aspergillus). Além da enzima produzida (quimosina) ser mais pura que a renina, os suplementos são constantes, aumentando a eficiência da produção de laticínios e diminuindo os custos. O melhoramento de bactérias lácticas visa a obtenção de linhagens mais estáveis, resistentes aos vírus bacteriófagos e produtoras de bacteriocinas, que são substâncias com atividade antimicrobiana. Também linhagens capazes de liberar mais rapidamente suas enzimas poderiam acelerar o processo de formação de aromas. Com o mapeamento do genoma, espera-se uma intensificação das pesquisas nessa direção. O desenvolvimento de bactérias e fungos durante a maturação confere suas características típicas a alguns queijos como, por exemplo, a presença de olhaduras produzidas por Propionabacterium no Gruyère, ou de um manto branco de Penicillium no Camembert e no Brie ou, ainda, as estrias azuis de Penicillium no Gorgonzola ou no Roquefort. 185
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FIGURA 15.4. A produção de laticínios. A. Iogurte tradicional e iogurte batido. As variações dependem de acréscimos (açúcar, frutas etc.) e de modificações de consistência (cremoso, firme, batido). Leite + leite em pó (+ açúcar)
Pasteurização Inoculação com lactobacilos
Preenchimento das embalagens Fermentação láctica
Fermentação láctica
Resfriamento
Agitação (+ adição de frutas)
Preenchimento das embalagens Iogurte tradicional
Iogurte batido
Comercialização
Comercialização
B. Queijo. Os agentes biológicos intervêm nas etapas de coagulação e na maturação de alguns produtos.
Leite Pasteurização Inoculação com lactobacilos, coalho ou enzimas e adição de CaCl 2
Fermentação láctica
Coagulação Dessoramento Enformagem, prensagem, viragem e salga
Inoculação com fungos e/ou bactérias Maturação Embalagem e comercialização
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A PROTEÍNA DE CÉLULA ÚNICA Em um sentido amplo, o termo SCP (do inglês single cell protein) se refere à proteína bruta ou refinada originada pelo crescimento de bactérias, algas, fungos ou mofos. De fato, os microrganismos são muito mais produtivos que os animais de criação. Enquanto uma vaca produz 200 g de proteína por dia, os microrganismos, teoricamente, podem produzir 25 toneladas, no mesmo tempo e em condições ideais. Nas décadas de 1960 e 1970, especulava-se com a utilização de derivados do petróleo como matéria-prima para o crescimento microbiano, mas com a crise dos anos 1980, a ideia de um “bife de petróleo” foi abandonada. Atualmente utilizam-se como substrato os excedentes e os restos agrícolas ou industriais, e a maioria dos processos visa o enriquecimento de rações animais. A introdução de proteína microbiana na alimentação humana demanda um processo extra de purificação por ter um conteúdo de ácido úrico muito alto. Contudo, a empresa Ranks Hovis McDougall (RHM) conseguiu um produto, denominado Quorn, adaptado para a nutrição humana, utilizando o fungo Fusarium graminearum. Esse alimento apresenta um alto teor proteico (45%), uma composição em aminoácidos parecida com a da carne de vaca, um alto conteúdo de fibras e uma quantidade aceitável de ácidos nucleicos (1%). Por não ter cheiro ou sabor, o produto pode ser utilizado como substituto de peixe, frango ou carne. A semelhança dependeria do comprimento das fibras.
OS ADITIVOS OS DIVERSOS TIPOS A adição de algumas substâncias nos alimentos tem diversos objetivos como, por exemplo, conserválos por mais tempo (antibióticos, ácido acético, ácido láctico, etanol), complementar seu valor nutritivo (vitaminas, aminoácidos) ou mudar a consistência (gomas e enzimas). Os aditivos também são usados para melhorar a cor e o flavor, um termo que abarca o aroma, o sabor e a textura. Apesar da má fama que os acompanha, só uma em 6.000 pessoas apresenta alergia e intolerância aos aditivos, um número baixo, considerando que uma pessoa em 50 é alérgica ou intolerante a algum alimento. Os principais aditivos utilizados pela indústria de alimentos são os ácidos cítrico e láctico, alguns corantes naturais (-caroteno, riboflavina), flavorizantes (monoglutamato de sódio, extrato de levedura, aromas), gomas espessantes (xantana, gelana, dextrana), antioxidantes (-caroteno), vitaminas (B2, B12, Biotina), enzimas e antibióticos. Alguns desses aditivos são obtidos em culturas de células vegetais. Outros têm uma origem microbiana, sendo utilizadas linhagens de microrganismos geneticamente modificados para sua produção industrial. Vimos anteriormente o importante rol desempenhado por algumas enzimas na produção de alimentos e bebidas por fermentação. Falta destacar o uso da lactase na elaboração do leite deslactosado, um produto dirigido às pessoas com intolerância à lactose. E da pectinase que, junto com celulases e amilases, facilita a extração do suco de frutas retido na pectina, sendo também utilizada na clarificação do suco. Finalmente, entre os antibióticos usados para conservar alimentos, citaremos a Nisina (INS234), que inibe o crescimento de bactérias Gram-positivas em queijos, salsichas e produtos cozidos de origem avícola, e também a Natamicina ou Pimaricina (INS235), utilizada como conservante na superfície de produtos cárneos embutidos.
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OS ADOÇANTES Outro caso interessante é o dos adoçantes. O aspartame (ácido aspártico e fenilalanina) é consumido para limitar a ingestão de calorias, e o xilitol, para diminuir a incidência de cáries dentárias. Outros, como o xarope de glicose ou de frutose, substituem o açúcar na indústria de alimentos. A hidrólise ácida ou enzimática (-amilase e glicoamilase) do amido do milho produz xaropes de maltose e de glicose. Já a ação enzimática da lactase sobre o soro das indústrias de laticínios origina um xarope de dextrose (glicose, galactose). Uma vez refinados e concentrados, esses xaropes podem ser usados como ingredientes na elaboração de produtos alimentícios (biscoitos, sorvetes etc.). O poder adoçante da glicose é menor que o da frutose, mas a transformação enzimática (invertase ou glicose isomerase) transforma uma em outra (Figura 15.5). O resultado é um xarope (42% de frutose, 52% de glicose) que pode ser concentrado por métodos cromatográficos até alcançar um teor de 90% de frutose. A indústria de refrigerantes substitui a sacarose pelo xarope de frutose com uma concentração de 55%, obtido mediante a mistura dos dois tipos. O processo começou a ser estudado na década de 1960, sendo o custo da glicose-isomerase o principal fator limitante da tecnologia. Com o desenvolvimento das técnicas de imobilização enzimática, o processo tornou-se econômico, possibilitando o uso do amido proveniente de cereais excedentes. Mas por outro lado prejudicou os países produtores de açúcar, que viram diminuir a demanda por este produto. O descobrimento de um gene microbiano capaz de transformar a sacarose em cadeias curtas de frutose (fructanos), com o mesmo gosto e desprovidas de calorias, indica que novos produtos poderão entrar em breve no mercado de adoçantes. FIGURA 15.5. A produção de xarope de frutose. A hidrólise e a sacarificação do amido produzem glicose; esta é transformada em frutose pela enzima glicoseisomerase, imobilizada em um biorreator.
Amido de milho, batata ou trigo
Amilases e glicoamilases
Hidrólise e sacarificação
Glicose
Isomerização (invertase imobilizada)
Frutose
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 15: Biotecnologia e alimentos
OS ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS O homem não se alimenta exclusivamente por motivos fisiológicos. A seleção dos alimentos ocorre dentro de uma tradição sociocultural que inclui a noção do que é saudável. O homem tenta escolher os alimentos em função da satisfação sensorial, emocional e afetiva que espera obter, mas o peso das considerações econômicas é decisivo. Combate-se a fome de uma população dando-lhe acesso aos alimentos. Contudo, a falta total de alimentos é hoje um fenômeno menos frequente que a desnutrição devida à carência de determinados nutrientes na dieta. Descrita magistralmente por Josué de Castro, na década de 1950, essa fome parcial ou fome oculta ainda afeta mais da metade da população mundial, fundamentalmente mulheres e crianças, sendo a causa de diversas doenças. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o ferro, o zinco e a vitamina A são as principais deficiências nutricionais dos países em desenvolvimento. A estratégia tradicional consiste em suplementar os alimentos industrializados com os nutrientes correspondentes. Existem outras possibilidades, tais como a fertilização dos solos e, consequentemente, o enriquecimento das culturas de base. Contudo, o melhoramento genético parece ser a estratégia mais promissora para aumentar as concentrações de nutrientes nas culturas de base (arroz, milho, trigo, feijão, mandioca e batatadoce). A engenharia genética pareceria, a priori, a via mais rápida para fortificar os alimentos. Porém, os empecilhos legais encontrados pelo arroz com pró-vitamina A (Golden Rice), que conta com mais de 10 anos pronto sem ter sido comercializado, desestimulam a escolha dessa tecnologia. Na biofortificação dos cultivos são utilizadas outras tecnologias com base biológica. Nos Bancos de Germoplasma do CGIAR já foram encontradas variedades de feijão com maior conteúdo de ferro, de arroz e trigo com altos níveis de zinco, de mandioca, milho e batata-doce ricos em vitamina A etc. As novas técnicas de análise genética de traços quantitativos e, especialmente, a seleção assistida por marcadores moleculares facilitam o melhoramento genético das culturas de base. As novas variedades deverão ser altamente produtivas e contar com os nutrientes desejados. Espera-se que contem com a aceitação das populações necessitadas e, também, que os nutrientes sejam assimilados de maneira a melhorar sua condição nutricional. A biofortificação de alimentos é um programa internacional desenvolvido por HarvestPlus (CGIAR), um consórcio de instituições de pesquisa e agências de desenvolvimento que age especialmente na América Latina e na África. No Brasil, a Embrapa Agroindústria de alimentos participa do programa HarvestPlus, tendo já desenvolvido variedades biofortificadas de feijão e milho. Os primeiros testes estão sendo realizados em Sergipe. SEGURANÇA ALIMENTAR Em relação aos alimentos, a noção de segurança está baseada na tradição. Com o desenvolvimento de uma moderna indústria de alimentos, surgem alguns questionamentos. Atualmente, linhagens microbianas selecionadas são utilizadas para iniciar as fermentações, como starters. Ao acabar o processo fermentativo, essas linhagens podem permanecer no meio, como os lactobacilos dos iogurtes. Também podem ser eliminadas por calor ou filtração, como as leveduras do pão e da cerveja. Apesar de ter passado por uma série de processos seletivos que as torna muito diferentes geneticamente das linhagens selvagens, as linhagens starters são bem conhecidas e não representam risco algum para a saúde. Classificadas pelas agências internacionais como GRAS (do inglês, generally recognized as safe) essas linhagens são as únicas permitidas na produção de alimentos.
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Não existem normas explícitas sobre o que seria um OGM food-grade, isto é, um microrganismo transgênico que possa ser utilizado na indústria de alimentos. Alguns aspetos de biossegurança teriam que ser considerados. Um deles seria evitar ou eliminar qualquer gene de resistência a antibióticos que tivesse sido introduzido como marcador seletivo na transferência gênica. O outro diz respeito aos organismos doadores de genes, esboçando-se diferentes critérios. Segundo um critério estrito, para poder ser considerado food grade, um OGM deveria conter exclusivamente DNA da mesma espécie, aceitando-se na construção gênica a presença de pequenos fragmentos sintéticos de DNA, sempre que não codifiquem DNA ou RNA. Em outros termos, a tecnologia do DNA-recombinante se aplicaria a microrganismos de diferentes linhagens da mesma espécie. Atualmente, tem obtido aceitação um critério mais amplo, permitindo a inclusão de DNA de outros microrganismos alimentares, a condição de estes pertencerem ao mesmo grupo de microrganismos que participam no processo. Como, por exemplo, a transferência de genes das bactérias maloláticas para as leveduras da vinificação. A aceitação de OGMs nos alimentos depende das regulamentações de cada país, bem menos flexíveis na Europa que nos Estados Unidos e no Canadá, onde recentemente fora colocada no mercado uma linhagem de Lactococcus geneticamente modificada e considerada GRAS. As enzimas cumprem um importante papel em várias das indústrias de alimentos (produção de pães, biscoitos, laticínios, sucos de frutas, bebidas alcoólicas, derivados do amido e de proteínas). Atualmente, mais de 30 enzimas diferentes são utilizadas no processamento de alimentos. A primeira enzima sintetizada por um microrganismo transgênico foi a quimosina, que é utilizada há anos como substituto da renina de origem animal, na produção de queijos. Hoje, aproximadamente 80% dos queijos são elaborados com quimosina, sendo aceitos pelos consumidores lactovegetarianos. Os microrganismos utilizados para a síntese de enzimas food-grade são organismos pertencentes à categoria GRAS, bem conhecidos e altamente produtivos, aos quais foram transferidos os genes de interesse mediante engenharia genética. Esses OGMs não estão presentes na preparação final que, depois de purificada, contém exclusivamente a enzima. Essa modalidade produtiva garante à indústria de alimentos várias enzimas seguras e de baixo custo entre proteases, amilases, lipases, lactases, pectinases, glicose-oxidase, invertases etc. A esse respeito, pareceria haver um consenso amplo, incluindo a Comissão Europeia, que considera que os aditivos (corantes, aromas e flavorizantes) só devem ser rotulados como sendo de origem transgênica se o produto final tiver DNA ou proteína de origem recombinante. A mais alta autoridade internacional sobre os alimentos é o Codex Alimentarius, uma comissão de FAO/WHO, reconhecida por 169 países. Esta Comissão se encarrega de estabelecer uma metodologia que permite analisar a segurança alimentar em relação aos produtos derivados de microrganismos geneticamente modificados .
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16. BIOTECNOLOGIA E ALIMENTOS NOVOS
A ENTRADA DOS TRANSGÊNICOS NA CADEIA ALIMENTAR Os alimentos industrializados podem conter alguns componentes de origem transgênica (soja, milho) assim como substâncias produzidas por microrganismos geneticamente modificados (enzimas, aditivos etc.). Poucos são os alimentos transgênicos que são consumidos diretamente: o milho e, nos Estados Unidos, a papaia resistente a vírus e algumas variedades de abóbora. Aguarda-se a entrada no mercado do arroz com provitamina A e do salmão de crescimento rápido. A primeira onda de produtos comercializados internacionalmente esteve limitada a poucas plantas, principalmente milho, soja, algodão e canola, às quais foram transferidos traços como a tolerância a herbicidas e/ou a resistência a insetos e infecções virais. Essas plantas foram aceitas rapidamente pelos produtores agrícolas porque permitiam, principalmente, maior produtividade e menores custos. Apesar das novas tecnologias terem diminuído as contaminações por fungos, melhorando a qualidade da matéria-prima, os consumidores não perceberam nenhuma vantagem direta. Isso explicaria em parte a resistência aos transgênicos por parte do grande público. MELHORANDO A CONSERVAÇÃO Para despertar o interesse do consumidor são necessários produtos com qualidades que o beneficiem diretamente, tais como o aumento no tempo de conservação dos frutos. O tomate amolece com o tempo, tendo que ser colhido ainda verde e transportado rapidamente até o lugar de comercialização, onde a maturação é induzida com etileno. O fruto poderia permanecer mais tempo na planta, ganhando cor e sabor, se a enzima responsável pelo amolecimento do fruto fosse inativada. Utilizando a tecnologia anti-sense, a Calgene Inc. produziu o tomate FlavSavr, o primeiro alimento resultante da nova biotecnologia, liberado nos Estados Unidos em 1994 e descontinuado pouco tempo depois devido ao seu custo. Mais tarde, outro tomate de maturação lenta ocupou esse nicho de mercado. Diferentemente do exemplo anterior, este tomate teve uma expansão muito rápida em numerosos países, onde é comercializado com nomes distintos. A tecnologia anti-sense não foi abandonada, sendo aplicada no melhoramento de outros vegetais (brócolis, aipo, cenoura, melão e framboesa). MELHORANDO AS PROPRIEDADES INDUSTRIAIS Uma forma de despertar o interesse do consumidor é melhorando algumas das propriedades dos alimentos industriais, tais como óleo de canola e de girassol, com uma composição adequada às frituras, trigo com características especiais para a panificação ou batata com mais amido, que absorve menos gordura ao fritar. Um caso interessante foi o do tomate com mais pectina, desenvolvido por Zeneca Plant Science a partir de variações genéticas detectadas em cultura de tecidos. Esse tomate era utilizado na preparação de massa ou purê de tomate, com menos consumo de energia e menor necessidade de aditivos (espessantes) que o fruto tradicional.
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O produto resultava mais econômico tanto para a indústria como para o consumidor, sendo vendido com bastante aceitação pela rede Sainsbury (Reino Unido), entre 1996 e 1999. No auge da campanha contra os transgênicos, o produto teve que ser retirado do mercado. MELHORANDO AS CARACTERÍSTICAS NUTRICIONAIS Outra forma de chegar ao consumidor seria mediante produtos com melhores características nutricionais: carne e leite com menos gordura, soja e batata com mais proteína, frutas mais doces, canola com vitamina A, milho com metionina, mandioca e batata sem toxinas, camarão e amendoim sem substâncias alergênicas etc. Também seriam bem-vindos alimentos com melhores propriedades organolépticas, tais como pimentões e melões com mais aroma ou cebolas que não façam chorar. O consumidor também poderia ser atraído por alimentos com componentes biologicamente ativos, como os antioxidantes do chá verde ou as substâncias capazes de diminuir o colesterol que se encontram no alho e na cebola. Quais as tecnologias com chances de ser aceitas pelo público, engenharia genética ou melhoramento convencional, assistido por técnicas de biologia molecular? Um primeiro caso a analisar é o do arroz dourado (Golden Rice). O arroz é uma planta que não produz vitamina A. Na Ásia, onde este constitui a base da alimentação, a deficiência vitamínica mata 6 mil crianças por dia e cega 500 mil por ano. Um grupo de pesquisadores, liderado por Ingo Potrykus, obteve, na Suíça, mediante a transferência de genes do narciso, um arroz com a capacidade de sintetizar o ß-caroteno, que é um precursor da vitamina A. O projeto contou com subvenções privadas, e várias das grandes corporações cederam as suas patentes. Apesar de estar pronto desde 1999, o arroz dourado ainda não chegou ao mercado, tais os empecilhos legais encontrados em função de sua origem transgênica, que poderão pospor sua distribuição até 2014. Se o Golden Rice tivesse sido obtido por vias convencionais, estaria no mercado desde 2003. Um segundo caso é o da soja Vistive® (Monsanto), que reúne um traço transferido mediante técnicas de melhoramento convencionais (baixo teor de ácido linolênico) e um traço de origem transgênica (tolerância ao herbicida Roundup). Lançado no mercado norte-americano em 2005, o óleo de soja Vistive representou um passo adiante na prevenção de doenças cardiovasculares e de altos níveis de colesterol. Empresas como Kellog e Cargill o utilizaram logo na preparação de alimentos com melhor qualidade nutricional. Por se tratar de um nicho promissor, outras variedades com alterações no teor de ácidos graxos estão a caminho (Soymega™, com mais Ômega 3).
A FAVOR OU CONTRA? A favor ou contra? Responder essa pergunta é simplificar excessivamente uma questão complexa. Seja qual for a resposta, ela estará atrelada ao momento histórico que vivemos e às nossas concepções políticas, econômicas e sociais. Nossa atitude em relação aos transgênicos depende, em grande parte, da visão que cada um de nós tem da natureza. Conforme ela for considerada “fundamentalmente boa” ou “fundamentalmente ruim”, toda modificação que venha da mão do homem será considerada perigosa ou vantajosa. Dependendo da confiança depositada no conhecimento científico e no progresso tecnológico, os novos alimentos serão vistos como produtos interessantes e promissores ou como uma ameaça.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 16: Biotecnologia e alimentos novos
Apesar da subjetividade da questão, alguns dados podem ajudar a compreender a origem da polêmica. Em 1996, culmina na Europa a crise da “vaca louca”. Em 1997, é aprovado na União Europeia o milho resistente à broca de Novartis, cujo marcador era um gene de resistência a ampicilina. Em 1999, estoura na Bélgica o escândalo dos frangos contaminados por dioxinas. A percepção pública foi de insegurança alimentar, possibilitando a formação de uma oposição feroz. De um lado, encontraram-se as empresas de biotecnologia, ligadas a poderosos conglomerados multinacionais e com interesses econômicos muito bem definidos. Do outro, as redes de distribuição de alimentos (Carrefour, Mark and Spencer), associadas aos ambientalistas (Greenpeace, Friends of Earth) e aos produtores agrícolas (Confédération Paysanne). Com uma bem sucedida campanha de marketing (“não queremos frankenfood”), as redes de distribuição teriam aproveitado a oportunidade para impulsionar seus próprios produtos e lançar suas próprias marcas. Fora de qualquer argumentação baseada na ciência, a banalização da discussão acirrou o enfrentamento entre partidários e oponentes dos alimentos transgênicos. Os termos progressista e reacionário foram usados indiscriminadamente por ambos os grupos. O dissenso e a discussão fazem parte das sociedades democráticas. Infelizmente, nessa campanha, queimaram-se laboratórios de pesquisa e campos com cultivos experimentais. Os fatos são preocupantes, porque nos países ricos (Estados Unidos, Europa) não faltam alimentos, e a escolha de uma tecnologia pode depender de considerações econômicas ou ideológicas, mas, nos países mais pobres, a adoção ou rejeição de uma tecnologia é uma decisão que pode ter gravíssimas consequências para sua população, condenando-a inclusive à fome. Na Zâmbia (2002) e em Angola (2004), os governos respectivos rejeitaram o milho enviado como ajuda humanitária para alimentar a população, argumentando que era transgênico. Outros países africanos também proibiram a importação de alimentos de origem transgênica (Malaui, Moçambique e Zimbábue). O QUE O CONSUMIDOR PRECISA SABER A NOÇÃO DE SEGURANÇA A noção de segurança alimentar costuma ser bastante flexível. A batata foi vista como um alimento perigoso, quando introduzida na Europa. A pasteurização do leite teve opositores ferrenhos, porque alteraria a qualidade de um alimento saudável. O amendoim é considerado seguro, mas pode não sêlo se estiver contaminado com fungos. Muitas pessoas são alérgicas ao kiwi, introduzido recentemente no Ocidente. Algumas pessoas continuam ingerindo gorduras em quantidade, mesmo sabendo que são perigosas. Todos os alimentos de origem transgênica comercializados atualmente foram devidamente analisados e aprovados no país de origem. Milhões de consumidores os consomem há vários anos, entre norte-americanos, canadenses, sul-africanos, brasileiros, argentinos e chineses. E vários Comitês Científicos, Prêmios Nobel, Academias de Ciências e organizações internacionais concluíram que os alimentos geneticamente modificados disponíveis são tão seguros quanto os alimentos tradicionais. Enfrentando uma intensa propaganda e recebendo opiniões contraditórias, o consumidor sentese inseguro: Será perigoso? Será a mesma coisa? E se causar alergia? E se simplesmente der errado e acontecer alguma coisa que ninguém previu?
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FIGURA 16.1. A estrutura de um transgene. Para garantir a seleção e a expressão da sequência codificadora que será transferida, deve-se construir em redor uma estrutura complexa que, além de um promotor e uma sequência terminal, inclui um gene marcador.
Gene marcador
Transgene
Sequência terminal
Promotor
A INGESTÃO DE DNA A ingestão de DNA, per se, não é perigosa. Este é um componente de nossos alimentos: um tomate tem 7mg de DNA, uma banana, 50 mg e um sanduíche, 60 mg. O DNA é digerido normalmente, junto com os outros componentes dos alimentos. Em relação ao alimento transgênico, calcula-se que uma vaca de 600 kg consumindo uma ração composta por milho geneticamente modificado, ingeriria 600 mg de DNA por dia, dos quais 1,5 mg seria DNA recombinante, o que corresponde a 0,00024% do DNA ingerido diariamente na ração, uma proporção muito baixa. OS MARCADORES DE RESISTÊNCIA A ANTIBIÓTICOS Não há evidências de transferência in vivo do DNA ingerido ao homem ou a microrganismos no intestino. Porém, os estudos in vitro indicam que, mesmo em uma frequência extremamente baixa, essa transferência poderia ocorrer. Apesar de sabermos que, se uma bactéria tivesse se tornado resistente, sua implantação no tubo digestivo só poderia ocorrer na presença do antibiótico como agente seletivo, a utilização de marcadores de resistência a antibióticos no transgene é um motivo de preocupação (Figura 16.1). Geralmente, utilizam-se como marcadores antibióticos sem uso clínico e para os quais já se encontrou resistência nas bactérias intestinais, de maneira que a transferência do marcador não mudaria a situação. Considerando que já existe a tecnologia apropriada, a recomendação das agências internacionais é de substituir ou eliminar esse tipo de marcadores. A COMPOSIÇÃO QUÍMICA Em relação aos produtos que já estão comercializados, o alimento geneticamente modificado e o alimento convencional têm a mesma composição química e o mesmo valor nutritivo. No caso de um alimento geneticamente modificado para sintetizar uma vitamina extra, por exemplo, a situação é diferente e este não pode ser considerado igual ao alimento convencional. Estudos adicionais são necessários. A PRODUÇÃO DE TOXINAS Outra preocupação diz respeito à produção eventual de toxinas. Sabe-se que as plantas sintetizam, para sua defesa, substâncias químicas que podem ser tóxicas para o homem ou os animais. Uma delas é a toxina do Bacillus thuringiensis que, por ser prejudicial para os insetos e inócua para o homem, está sendo utilizada sem problemas nas lavouras orgânicas, há mais de 40 anos. 194
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Normalmente, a presença de uma toxina é investigada mediante ensaios biológicos em diversas espécies de animais, alimentados durante um tempo com o produto transgênico. Os ensaios são complementados com estudos de anatomia patológica. A avaliação toxicológica realizada nos alimentos geneticamente modificados já comercializados não detectou efeitos adversos. E, apesar de sua repercussão na mídia, as declarações de Pusztai em 1999 sobre a toxicidade de batatas transgênicas (não comerciais) em ratos não puderam ser confirmadas. A PRODUÇÃO DE ALÉRGENOS A incidência de alergias alimentares é de 1-2% em adultos e 5% em crianças, sendo provocadas principalmente por trigo, leite de vaca, ovos, peixe, amendoim e soja. As alergias se caracterizam pela hipersensibilidade a uma ou mais proteínas que desencadeiam reações diversas, tais como urticária, vômito ou diarreia. A transgênese poderá vir a melhorar a qualidade dos alimentos se ela for utilizada como ferramenta para eliminar substâncias sabidamente alergênicas dos alimentos. Mas o temor do consumidor é que o transgene acabe sintetizando alguma proteína capaz de desencadear uma crise alérgica. Uma mesma proteína pode ser inócua para uma pessoa e alergênica para outra, sendo impossível prever o efeito que ela terá em uma terceira. Entretanto, sabendo que alguns alimentos são mais alergênicos que outros, deve-se ter cuidado em relação à origem do transgene. Um exemplo clássico citado frequentemente é o da transferência à soja de um gene da castanha-do-pará, com o objetivo de melhorar suas qualidades nutritivas. Vale a pena assinalar que, frente à possibilidade de induzir reações alérgicas em pessoas sensíveis à castanha-do-pará, o projeto foi descontinuado sem que essa soja saísse do laboratório. É sabido que o risco de uma proteína ser alergênica aumenta se esta apresentar determinadas sequências de aminoácidos, se ela se degradar lentamente no tubo digestivo ou se permanecer estável durante o processamento industrial. Estas características são passíveis de estudos, havendo diretrizes internacionalmente aceitas para a avaliação de alergenicidade. Complementa-se a informação mediante análises laboratoriais com os anticorpos de pessoas sensibilizadas e, também, mediante testes em animais capazes de desenvolver alergias aos mesmos tipos de alimentos que os seres humanos. O risco de alergenicidade dos alimentos transgênicos comercializados até agora não é maior que o dos alimentos convencionais. Observe-se que esses alimentos passaram por testes que nunca foram aplicados no arroz, no milho, na batata ou no kiwi, uma fruta introduzida recentemente no Ocidente e que se asseverou ser altamente alergênica. Em relação ao escândalo do milho Star Link, que fora liberado nos Estados Unidos para compor rações animais e contaminara tortillas e tacos destinados ao consumo humano, nenhuma das denúncias de alergia à proteína correspondente fora confirmada. No entanto, restou uma lição bem clara em relação à biossegurança: não se pode liberar um cultivo para ração se este for inadequado para seres humanos. A UTILIZAÇÃO DE UM PROMOTOR VIRAL (CaMV) Na construção de um transgene, as sequências promotoras são colocadas para determinar quando, onde e como irá se expressar a proteína codificada. Alguns autores manifestaram sua preocupação com a utilização do promotor do vírus do mosaico da couve-flor (CaMV), considerando que sua transferência horizontal de uma planta transgênica ao homem, no aparelho digestório, poderia ativar outros genes não virais (oncogenes). 195
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Essa preocupação não teria maiores fundamentos, dado que o promotor CaMV é detectado em 14 a 25% da produção de canola, de couve-flor e de repolho, sendo ingerido pelo homem em quantidades consideráveis faz décadas e sem nenhum efeito reconhecido. OUTROS EFEITOS A inserção de várias cópias gênicas em diferentes lugares do genoma poderia gerar a ativação ou desativação de outros genes, gerando no organismo geneticamente modificado algum tipo de alteração que não fora previsto. Até agora, não fora registrado nenhum efeito deste tipo nos produtos comercializados, e a tecnologia de microarrays permite excluir essa possibilidade. COMO GARANTIR A SEGURANÇA ALIMENTAR? O PRINCÍPIO DE EQUIVALÊNCIA SUBSTANCIAL Antes de comercializar um alimento transgênico, avaliam-se os riscos que este apresenta para os seres humanos, os animais e o ambiente. Assim como não há cidade segura, há cidades mais seguras que outras. O conceito de segurança se estabelece sempre em relação a algum marco de referência. Quando se trata de segurança alimentar, o referencial é o alimento já conhecido e consumido habitualmente. Por isso, antes de chegar ao mercado, os aditivos, os conservantes e os corantes convencionais novos estão sujeitos à aprovação. Assim como qualquer novo ingrediente de origem biotecnológica. Um alimento originado por biotecnologia moderna é tão seguro para o consumo quanto um alimento que tenha a mesma composição, as mesmas características nutritivas e um histórico de uso seguro. Esse é o denominado princípio de equivalência substancial, admitido por numerosas organizações internacionais como FAO (Food and Agriculture Organization), WHO (World Health Organization), OECD (Organization for Economic Cooperation and Development), ILSI (International Life Science Institute). O princípio dá toda a importância ao produto final e não à tecnologia aplicada para sua obtenção. A AVALIAÇÃO DE RISCOS Não é possível dizer que “todos os alimentos transgênicos são seguros” nem sequer “este alimento transgênico é seguro”. Só podemos afirmar que “os alimentos transgênicos podem ser seguros ou não” e que “determinado alimento transgênico é tão seguro quanto o seu equivalente”. A análise terá que ser feita caso a caso. Por exemplo, o amido de uma batata resistente a vírus é idêntico ao amido de uma batata qualquer. Porque o amido é um carboidrato purificado, sem DNA nem proteína da planta da qual foi extraído. O mesmo raciocínio pode ser feito em relação ao óleo de canola ou de soja. Já no caso da torta de soja ou da espiga de milho, os genes inseridos sintetizam proteínas e ambos se encontram no produto final, por conseguinte, deve-se analisar se estes podem ter algum efeito no organismo que os ingere. Todos os parâmetros anteriormente citados terão que ser avaliados: a construção do transgene, os efeitos devidos à presença do transgene (eventualmente, substâncias tóxicas ou alergênicas), o valor nutritivo e, também, os efeitos não previstos devidos à presença do transgene. E como em dois organismos pode-se inserir o mesmo gene em diferentes lugares e de diferentes modos, cada evento deverá ser analisado separadamente. 196
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Essa metodologia, denominada análise de risco de alimentos geneticamente modificados para a saúde humana, garante que o alimento e quaisquer substâncias que resultem da modificação genética, seja tão seguro quanto seu análogo convencional. A ROTULAGEM DOS ALIMENTOS Não há no momento um consenso em relação aos rótulos: em alguns países não há nenhuma regulamentação, em outros se adota o rotulado voluntário ou se estabelecem normas rígidas. Nos Estados Unidos, o sistema está baseado na responsabilidade da indústria e na avaliação de várias agências federais, cabendo a FDA (US Food and Drug Administration) a avaliação da segurança alimentar das novas variedades (vegetais, laticínios, peixes, frutos de mar e aditivos) e à USDA (US Department of Agriculture) a regulação dos produtos cárneos e avícolas além dos testes de campo de todas as plantas geneticamente modificadas. Tendo a responsabilidade pelo uso de pesticidas químicos, corresponde à EPA (Environmental Protection Agency) a aprovação das plantas geneticamente resistentes a pragas. Nos Estados Unidos, aproximadamente 20 das variedades transgênicas cultivadas estão autorizadas para o consumo humano. Não são rotuladas, a menos que o valor nutricional do alimento tenha sido alterado, como no caso do óleo Vistive, ou se tiver sido incorporada alguma substância capaz de produzir alergias. A experiência de mais de uma década de consumo de alimentos transgênicos confirma que estes são equivalentes aos alimentos convencionais. Apesar de alguns grupos ativistas terem manifestado sua oposição aos alimentos transgênicos, isto não tem afetado a estabilidade do sistema de avaliação. Na Argentina e no México, a rotulagem não é obrigatória. Na União Europeia, rege o princípio de precaução. Como o que importa é o processo seguido na produção do alimento, a legislação de 2004 manda rotular todos os produtos de origem transgênica destinados à alimentação humana ou animal. A regulamentação é extensiva a cantinas e restaurantes. Também é obrigatório o rótulo nos alimentos que contenham mais de 0,9% de material geneticamente modificado, incluindo rações, óleos vegetais, sementes etc. Por outro lado, a legislação europeia considera que, sendo auxiliares de transformação, não há necessidade de rotular alimentos e bebidas preparados com substâncias produzidas por OGM, se estes ou seus resíduos não estiverem presentes no produto final. Tampouco são rotulados os produtos provenientes de animais alimentados com rações transgênicas (carne, leite, ovos) nem o mel de abelhas alimentadas com néctar de flores de plantas transgênicas. O objetivo destas medidas é garantir a escolha do consumidor e a rastreabilidade dos transgenes ao longo da cadeia alimentar. O rótulo indica "este alimento contém organismos geneticamente modificados" ou "produzido a partir de (nome do organismo) geneticamente modificado". No Brasil, o Decreto 4.680 (24/4/2003) determina que, a partir de abril 2004, todos os produtos com mais de 1% de ingredientes transgênicos sejam rotulados, com um símbolo específico de tamanho maior a 1 cm2, um triângulo com uma letra T inserida dentro (Figura 16.2). FIGURA 16.2. O símbolo de transgênico, adotado no Brasil.
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ROTULO E INFORMAÇÃO Quando se trata de escolher entre dois alimentos, basta recorrer à nossa percepção sensorial ou, ainda, à nossa experiência pessoal. Nenhuma das duas permite reconhecer a presença de ingredientes transgênicos, ou de origem transgênica, nos alimentos. Em função da resistência de alguns grupos de consumidores, a rotulagem pareceria a saída mais lógica para informar de maneira honesta, exata e completa sobre os produtos das prateleiras. Vimos no Capítulo 13 que os produtores de sementes comerciais admitem como aceitável uma contaminação de 1% entre as variedades convencionais. Essa contaminação também é inevitável quando coexistem plantações transgênicas e convencionais. Por conseguinte, o limite de 1% redefine o nível de pureza de um ingrediente de origem vegetal, admitindo-se que todo valor inferior a esse limite pode ser o resultado de uma contaminação acidental. Sendo assim, o consumidor pode comprar um produto com mais de 1% de ingredientes transgênicos ou um produto convencional cuja composição conta mais de 99% de ingredientes não transgênicos. Em outras palavras, o rótulo não garante ao consumidor a ausência de transgênicos. Finalmente, cabe refletir sobre o significado de um rótulo para a maioria dos consumidores, e se a escolha entre um produto e outro não dependerá essencialmente do preço e do marketing. Somente o processo educativo pode dar à população os elementos básicos para formar uma opinião informada e responsável e fazer suas escolhas. O RASTREAMENTO DE UM TRANSGENE Em um mundo globalizado, a variedade de regulamentos e de modalidades de rotulagem é um fator de complicação das transações comerciais, em que a qualidade de um produto pode ter que ser definida em relação à presença ou ausência de um transgene. A aceitação dos transgênicos varia de um país para outro e, também, entre diversos grupos de consumidores. Por isso é importante contar com formas de rastreamento como a técnica da PCR (reação em cadeia da polimerase), que pode ser aplicada em diferentes modalidades: Testes qualitativos, para reconhecer a presença ou ausência do transgene. Testes semiquantitativos, em que a presença ou ausência do transgene é determinada em função de um limite como 1%, por exemplo. Testes quantitativos, que fornecem informação sobre a quantidade do transgene por comparação com amostras de referência com concentrações conhecidas. A técnica permite identificar DNA exógeno em uma quantidade de 0,1% (1 grama em 1 quilograma), mas algumas variantes extremamente sensíveis reconhecem a presença de 0,001% do transgene. Observe-se que, para aplicar estes testes, se precisa de informação sobre as sequências do transgene. Uma forma de simplificá-los seria a inclusão em todas as construções genéticas de uma sequência conhecida. Esta funcionaria como uma etiqueta molecular, facilitando a identificação de qualquer transgene. Por outro lado, nem sempre a PCR é informativa. Em amostras de grãos ou alimentos processados, o DNA pode estar quase totalmente degradado. Nesse caso, é necessário saber quais as transformações que o produto sofreu e estabelecer protocolos adequados. Existem métodos imunológicos (Western Blot, ELISA) que permitem detectar a proteína sintetizada pelo transgene e eventualmente estimar a quantidade presente. Contudo, o custo de todos esses testes é alto e será pago pelo consumidor.
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17. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / AS VACINAS
AS DOENÇAS INFECCIOSAS O cultivo de plantas e a domesticação de animais aumentaram a disponibilidade de alimentos e, como consequência, a densidade das populações humanas e sua sedentarização. Essas condições possibilitaram a passagem de germes dos animais domesticados ao homem, originando doenças como a varíola, o sarampo e a gripe. No século XIX, mais de 80% das crianças morriam de doença antes dos 10 anos de idade. Hoje, na maioria dos países, elas estão protegidas por programas de vacinação sistemática que as imunizam contra tuberculose, hepatite B, poliomielite, difteria, tétano, coqueluche, meningite, sarampo, rubéola, caxumba e infecções por rotavírus e pneumococos. Uma vacina é um produto destinado a estimular o sistema imune de maneira a prevenir ou controlar uma infecção. A vacinação chega às crianças e aos grupos de pessoas sujeitos a maiores riscos, como as mulheres (sarampo e rubéola), os maiores de 60 anos (gripe, pneumonias) e os profissionais de saúde (hepatite B, antraz). Também resguarda os residentes em determinadas áreas e os viajantes (febre amarela). Por outro lado, a vacinação dos animais resulta duplamente eficiente, porque além de protegêlos da doença, quebra o elo de transmissão ao homem. Pode-se dizer que nos duzentos anos que nos separam de Jenner, o descobridor da primeira vacina antivariólica, temos alcançado o sucesso na prevenção de um bom número de doenças infecciosas. A melhora das condições econômicas de uma população repercute na saúde da mesma e, inversamente, diminuindo a doença e suas sequelas de invalidez ou morte prematura, dá-se às pessoas a possibilidade de melhorar suas condições de vida. O custo de implantação de um sistema de vacinações é baixo, porque a proteção atinge não só a pessoa que as recebe como os que entram em contato com ela. Em uma variante do velho ditado “prevenir é melhor que curar”, segundo a WHO (Organização Mundial da Saúde; do inglês, World Health Organization), o maior impacto na área de saúde se consegue com água limpa e vacinas. Lamentavelmente, ainda morrem anualmente dois milhões de crianças de doenças para as quais temos vacinas que não chegam até elas, devido aos conflitos armados e à dificuldade de acesso aos centros de saúde. E ainda não temos vacinas para doenças como o dengue, a malária ou para o HIV/AIDS. A AQUISIÇÃO DE IMUNIDADE Microrganismos infecciosos, suas moléculas e substâncias químicas são antígenos. Também podem se comportar como antígenos as células de um organismo transplantadas a outro e materiais como o pólen, pelos de animais e alguns alimentos nas pessoas sensibilizadas. No primeiro contato com um antígeno estranho, o organismo reage com uma resposta imunológica primária de intensidade baixa e curta duração, acompanhada de alguns sintomas como febre, dor de cabeça, erupção cutânea. Essa primeira resposta está acompanhada da aquisição de uma memória imunológica que facilitará a eliminação do antígeno estranho. A resposta secundária envolve numerosas células e moléculas e se caracteriza por ser rápida, intensa e duradoura (Figura 17.1).
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FIGURA 17.1. A resposta primária e secundária do organismo.
Intensidade da resposta imune
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Semanas Primeiro contato com o patógeno (antígeno)
Segundo contato com o patógeno (antígeno)
FIGURA 17.2. A memória imunológica.
Antígeno
Detectado por células que ativam os diferentes tipos de linfócitos
Linfócitos T citotóxicos
Linfócitos T auxiliadores
Células de memória Eliminam as células infectadas
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Linfócitos B
Síntese de anticorpos Neutralizam ou marcam o antígeno dando início a sua eliminação
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OS DIFERENTES TIPOS DE VACINAS Todo patógeno ou antígeno estranho que penetre no organismo é detectado pelo sistema imune. A resposta ao antígeno envolve uma ação humoral e uma ação mediada por células, ambas coordenadas por diversos componentes do sistema imunológico. Essas duas formas de ação estão relacionadas com o tipo de ataque do patógeno: o pneumococo se multiplica nos pulmões, o bacilo do tétano produz uma toxina letal, o bacilo de Koch e todos os vírus parasitam as células. No caso de uma bactéria ou de uma toxina, os anticorpos específicos produzidos pelos linfócitos B reconhecem os microrganismos ou toxinas circulantes, dando início a sua destruição. Os vírus e algumas bactérias demandam outro tipo de ação, porque, ao invadir as células, ficam protegidos dos anticorpos. Ao expor na superfície celular uma combinação de suas proteínas com algumas proteínas do invasor, a célula infectada será reconhecida e destruída pelos linfócitos T matadores (também chamados Tc, do inglês T citotoxic). Tanto a ação humoral como a ação mediada por células dependem da participação dos linfócitos auxiliadores Ta, também chamados Th (do inglês, T helpers), capazes de reconhecer o antígeno e produzir moléculas que estimulem a proliferação das células B e T. Uma vez finalizada a resposta primária, algumas células de memória (B, T) permanecerão no sistema. Deve-se à memória imunológica a aceleração dos mecanismos de defesa em ocasião de um segundo contato com o antígeno (Figura 17.2). Uma vacina é um produto destinado a treinar o sistema imune no reconhecimento de determinado patógeno, de maneira tal que este não possa desencadear uma infecção ou uma doença. As vacinas estimulam a imunidade humoral, a imunidade mediada por células ou, preferentemente, ambas ao mesmo tempo. A vacinação estabelece o primeiro contato do organismo com um patógeno que está incapacitado para causar a doença, conservando sua identidade molecular e a capacidade de induzir uma resposta imune. Ativam-se assim os mecanismos de defesa, em previsão de um segundo contato, desta vez com o patógeno original. A PRIMEIRA GERAÇÃO As primeiras vacinas, também denominadas vacinas de primeira geração, são vacinas que incluem patógenos vivos atenuados, patógenos mortos ou antígenos acelulares. As vacinas de patógenos vivos atenuados Nas vacinas de patógenos vivos, os microrganismos são atenuados mediante passagens sucessivas em diversos meios de cultivo e/ou por tratamentos físicos em diferentes condições de temperatura, pressão e pH. O procedimento permite selecionar mutantes que conservem a capacidade de induzir uma resposta imune, apesar de ter perdido a patogenicidade. Estas vacinas induzem uma resposta imune intensa e duradoura que envolve ambas as vias, a humoral e a celular. Salvo em caso de imunização por via oral, basta uma única dose para obter a imunidade desejada. Apesar de mais eficientes, as vacinas de patógenos vivos atenuados apresentam alguns inconvenientes. Além de serem inadequadas para as pessoas imunodeprimidas, existe o risco de uma forma atenuada reverter para uma forma ativa. Outra desvantagem é a necessidade de manter uma cadeia de frio para conservá-las refrigeradas.
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Utilizam-se na prevenção de doenças de origem viral, como a febre amarela, o sarampo, a rubéola, a caxumba e a poliomielite (Sabin ou OPV, do inglês oral polyomyelitevaccine). A vacina contra a tuberculose é a única preparada com uma bactéria viva, o bacilo de Calmette-Guérin ou BCG. As vacinas de patógenos mortos e toxoides Estas vacinas incluem microrganismos mortos ou toxinas inativadas (toxoides) por procedimentos físicos ou químicos. Conferem uma resposta imune de tipo humoral pouco intensa ou duradoura, pelo que se devem administrar várias doses e, mais tarde, manter a imunidade com doses de reforço. Requerem, também, a introdução de substâncias coadjuvantes para estimular a resposta imune. Apesar de ser estáveis e não depender da cadeia do frio, estas vacinas devem ser modificadas frequentemente para se adaptar aos sorotipos microbianos patogênicos que são muito variáveis. Além de vacinas de toxoides contra a difteria e o tétano, existem vacinas de microrganismos mortos contra a cólera, a gripe, a hepatite A, a peste, a poliomielite (vacina Salk) e a raiva. As vacinas de subunidades de antígenos Nestas vacinas se colocam, em vez do microrganismo todo, só as frações da superfície celular capazes de induzir a resposta imune. Demandam um longo trabalho de pesquisa prévia para determinar quais os melhores antígenos (subunidades) que deverão ser incluídos na vacina e precisam de substâncias coadjuvantes para estimular a imunidade. Por não levar mais que fragmentos do microrganismo, estas vacinas não apresentam os riscos das vacinas de microrganismos vivos e independem da cadeia do frio. Existem vacinas de subunidades contra a influenza ou gripe, a doença de Lyme, a hepatite B, a coqueluche e a pneumonia. A SEGUNDA GERAÇÃO A engenharia genética revolucionou o campo das vacinas de primeira geração, substituindo muitas delas por outras que envolvem modificações do genoma. A inativação dos microrganismos por deleção de genes relacionados com determinados processos metabólicos básicos, por exemplo, é uma forma mais segura de impedir a reversão a uma forma ativa. FIGURA 17.3. A utilização da tecnologia do DNA-recombinante na vacina contra a hepatite B. Vírus HBV
Gene codificador do antígeno de superfície HBsAg Síntese do antígeno
Vacina
Levedura
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Levedura transformada
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As vacinas recombinantes A tecnologia do DNA-recombinante deu também um grande impulso à produção de vacinas de subunidades ao possibilitar a produção do antígeno por um microrganismo transformado que possa ser cultivado sem riscos em um fermentador (Escherichia coli, Saccharomyces cerevisiae, Picchia pastoris). O primeiro êxito alcançado foi com a vacina contra a hepatite B (Figura 17.3). Encontra-se em fase experimental uma vacina contra o HIV/AIDS, assim como outra contra a malária. Contudo, as vacinas de subunidades recombinantes estão limitadas à produção de antígenos de tipo proteico. As vacinas conjugadas Alguns microrganismos (pneumococos, meningococos) se protegem com uma cápsula de polissacarídeos que dificulta sua identificação pelo sistema imune ainda imaturo de uma criança. As novas tecnologias possibilitaram a associação de um toxoide às subunidades de polissacarídeo, de maneira a estimular a resposta imune e o reconhecimento dos antígenos capsulares. Estas vacinas de antígenos conjugados são utilizadas na imunização contra o Haemophilus influenzae B (meningite) e o Streptococcus pneumoniae ou pneumococo. As vacinas contra este último são modificadas frequentemente, adicionando outros antígenos capsulares das mais de 80 linhagens que causam pneumonia em seres humanos. As vacinas vetorizadas Outro tipo interessante de vacinas são as vectorizadas, em que o gene codificador do antígeno é transferido a um microrganismo inócuo (bactéria ou vírus). Ao infetar o hospedeiro, o vetor se multiplica e começa a produzir o antígeno, induzindo a resposta imune contra o patógeno. Com uma vacina deste tipo imunizam-se as raposas, atualmente um dos principais elos na transmissão de raiva na Europa. Em um segundo tipo de vacinas vetorizadas, o vetor não se multiplica no hospedeiro, agindo como seringa molecular para introduzir, na célula, o gene codificador do antígeno. Um vetor deste tipo, por exemplo, é o canarypox, que se multiplica em aves, exclusivamente. As vacinas vetorizadas se encontram em fase experimental, não havendo ainda nenhuma aprovada para uso humano. A TERCEIRA GERAÇÃO A tecnologia mais promissora parece ser a das vacinas genéticas, também denominadas vacinas de DNA nu. Estas consistem de um vetor de expressão com uma construção gênica que inclui o gene codificador do antígeno. Injetado diretamente no músculo, o DNA irá penetrar nas células apresentadoras de antígeno (células dendríticas). Estas migrarão até os órgãos linfoides, onde sintetizarão o antígeno, estimulando uma resposta imune de tipo celular que permitirá imunizar o organismo hospedeiro. Esta tecnologia deve resolver vários problemas adicionais. Como proteger o DNA, para que não seja degradado ao ser fagocitado pela célula apresentadora do antígeno? Como aplicar a vacina, por biolística ou eletroporação? Como limitar a expressão do gene transfectado às células apresentadoras do antígeno dos tecidos? Persistem ainda algumas dúvidas em relação ao risco do DNA se integrar no genoma da célula transfectada, ativando oncogenes ou desativando genes supressores de tumor.
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Esta tecnologia terá uma vantagem fundamental por ser um método genérico que facilita o desenvolvimento e produção de novas vacinas (Figura 17.4). Estas poderão ser elaboradas substituindo um gene por outro no cassete de expressão gênica, o que diminuiria os custos e o tempo necessário para responder a uma emergência sanitária. Também se poderia conseguir uma supervacina com vários genes codificadores de antígenos, capaz de imunizar o organismo contra várias doenças simultaneamente. Por outro lado, as vacinas de DNA estimulam ambas as respostas, humoral e mediada por células. Na área veterinária, já foram aprovadas nos Estados Unidos uma vacina de DNA contra o vírus IHNV, causante da necrose hematopoiética em trutas e salmões, e outra contra o vírus do oeste do Nilo, que ataca os equinos. Na área humana, ainda em fase experimental ou em testes clínicos, se encontram em andamento várias vacinas deste tipo contra HIV/AIDS, malária, herpes, tuberculose, hepatite B, influenza, rotavírus etc.
FIGURA 17.4. Os diferentes tipos de vacinas virais.
Tipos de vacinas
V. patogénico
V. relacionado
V. atenuado
V. morto
Subunidades
Recombinante
Transfecção
Linfócitos B e T
Doença e recuperação
Imunidade adquirida (espontânea)
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Imunidade adquirida (artificial)
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A PRODUÇÃO DE VACINAS PESQUISA E DESENVOLVIMENTO Antes de comercializar uma vacina, existem certas etapas que devem ser cumpridas. A primeira, exploratória e pré-clínica, tem uma duração de 3 a 6 anos e se inicia nas bancadas de laboratório com experimentos que utilizam cultivos de células ou de tecidos. Estes estudos permitem selecionar o melhor candidato vacinal. Sua capacidade de imunizar um ser vivo é comprovada em diversos testes com animais de laboratório (camundongos, cobaias ou macacos). Se os resultados forem satisfatórios, o candidato vacinal poderá passar a uma etapa clínica e ser testado em seres humanos. Os estudos clínicos se iniciam em um grupo de 10 a 100 voluntários adultos, monitorados bem de perto, a fim de verificar a ausência de toxicidade do candidato vacinal e sua capacidade de imunizar um ser humano. Na segunda fase, que inclui de 100 a 3.000 pessoas da população alvo, os testes focalizam as dosagens necessárias para a imunização. A terceira fase, que envolve de 3.000 a 40.000 pessoas, visa comprovar a eficiência do candidato vacinal em proteger os indivíduos vacinados contra a doença. Nesta fase, compara-se a redução da incidência da doença em uma população vacinada em relação a uma população não vacinada. Também são identificados os efeitos adversos. A duração total dos estudos clínicos é de 6 a 8 anos para as vacinas humanas. As pesquisas com seres humanos e, por conseguinte, todos os testes clínicos, devem ser desenvolvidos dentro do marco ético elaborado pelo tribunal de Nuremberg, por ocasião do julgamento de vinte médicos condenados como criminosos de guerra, devido aos brutais experimentos realizados com prisioneiros durante a Segunda Guerra Mundial. Segundo o Código de Nuremberg (1949), os experimentos em seres humanos devem visar o bem da sociedade e serem levados a cabo por pessoas cientificamente qualificadas. Os participantes receberão todas as explicações necessárias antes de dar livremente o seu consentimento. As experiências serão a continuação de outras que, realizadas em modelos animais, permitam prever um resultado tal que justifique a inclusão de testes em seres humanos. O sofrimento mental e físico será evitado, e as pessoas receberão proteção em caso de ocorrer algum efeito adverso. Nos testes clínicos de avaliação de uma nova vacina participam voluntariamente pessoas que são informadas sobre os riscos e benefícios de sua participação. Contudo, há algumas dúvidas sobre a validação do consentimento informado quando os testes são realizados em populações de escassos recursos, com baixos níveis de instrução. Se os resultados dos estudos clínicos não forem satisfatórios, será necessária a realização de estudos adicionais, chegando, eventualmente, a interromper os estudos clínicos e proceder à escolha de outro candidato vacinal. Contudo, uma vez comprovado que a vacina é segura e eficiente, a indústria farmacêutica poderá solicitar aos órgãos competentes a licença para comercializar o produto. Esta etapa dura de 12 a 18 meses. A liberação da vacina marca o início do processo de manufatura e da fase de vigilância farmacológica, um monitoramento amplo e rigoroso que coleta toda informação sobre algum efeito adverso que possa ocorrer. Em 1999, por exemplo, uma primeira vacina contra o rotavírus teve que ser retirada do mercado em consequência de alguns casos de intususcepção relacionados com sua aplicação e identificados nesta etapa, a quarta dos estudos clínicos. Atualmente, vários testes clínicos em seres humanos estão sendo realizados com vacinas contra diferentes doenças, tais como HIV/AIDS, malária, dengue, cólera etc. As vacinas veterinárias passam pelas mesmas etapas, mas as exigências são menores. É possível simplificar os testes com animais de laboratório e testar o candidato vacinal no animal para o qual é destinado o produto. O número de indivíduos necessários para os testes clínicos também é menor.
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ASPECTOS TECNOLÓGICOS A produção de vacinas é uma tarefa delicada, e todos os cuidados devem ser extremados. Cada lote da vacina deve passar por controles estritos a fim de garantir a qualidade e manter a credibilidade não só da indústria, mas da própria vacinação. A vacina Salk contra a poliomielite, preparada com vírus inativados, é aplicada correntemente em vários países, sendo considerada hoje uma das vacinas mais seguras. Porém, em 1954, duas semanas depois de liberada, esta induziu 260 casos de pólio, inclusive 10 mortes. O acidente, devido à inativação incompleta de algumas partículas virais, resultou de um problema na fabricação da vacina no Laboratório Cutter (Estados Unidos). Uma vacina deve reunir várias qualidades, principalmente eficiência, pureza, segurança e baixo custo. O processo industrial varia em função do microrganismo utilizado para a produção de uma vacina, e responde a critérios estritos de qualidade (BPL ou Boas Práticas de Laboratório; BPF ou Boas Práticas de Fabricação). Atualmente, o controle de qualidade ocupa 70% do tempo dedicado à produção de uma vacina. As bactérias se multiplicam em biorreatores, cujo volume dependerá da produtividade do próprio processo fermentativo e das concentrações obtidas (bactérias, antígenos ou toxinas), assim como do tratamento posterior para a obtenção de antígenos ou de toxoides. Os vírus, parasitas obrigatórios, precisam de células para se multiplicar. Tradicionalmente, utilizam-se a pele de bezerro e os ovos de galinha, mas a tendência é serem substituídos por culturas celulares, possibilitando o desenvolvimento de vacinas virais para uso humano (poliomielite, sarampo, rubéola, influenza, caxumba, raiva) e veterinário (febre aftosa, raiva, encefalite equina, doença de Mareck e de Newcastle etc.). Do ponto de vista tecnológico, as mais complicadas são as vacinas combinadas. Vacinas antibacterianas podem ser preparadas em grandes quantidades, com equipamento relativamente simples, enquanto as virais precisam de aparelhos sofisticados e, em muitos casos, de um laboratório de cultura de tecidos. As proteínas recombinantes de vírus ou bactérias são produzidas em biorreatores (leveduras) ou em cultivos celulares. Ao processo de extração seguem-se várias operações de purificação por técnicas complexas (ultrafiltração, cromatografia em coluna). Além do antígeno, na formulação de uma vacina incluem-se outras substâncias: os adjuvantes permitem dosagens menores por serem capazes de estimular a resposta imune, os estabilizantes impedem as alterações devidas ao calor, à luz ou à umidade, os preservantes conservam os frascos com múltiplas doses. Uma das tendências atuais na administração de vacinas é reduzir o número de doses mediante a imunização simultânea para várias doenças em uma mesma injeção (tríplice viral ou tríplice bacteriana). Também se dá preferência a sistemas que diminuam a necessidade de refrigeração, já que esta contribui com 15% dos custos dos programas de vacinação. Outras novidades virão da procura de novas formas de aplicação que substituam o uso de seringas, tais como pistolas, géis, adesivos cutâneos, cápsulas, tabletes, inaladores e sprays nasais. Estes últimos começaram a ser utilizados na aplicação de vacinas contra a gripe (FluMist, nos Estados Unidos; NasVax, em Israel). As vacinas orais têm importantes aplicações na área veterinária. Plantas e animais transgênicos produtores de antígenos poderão revolucionar alguns aspectos da produção de vacinas. A ideia de ter vacinas “comestíveis” e de poder vacinar as crianças com uma banana em vez de uma injeção é muito sedutora. Contudo, alguns problemas de segurança exigem atenção, como, por exemplo, o risco de se misturar bananas-vacina e bananas-alimento, contaminando os alimentos ou dificultando o reconhecimento de um medicamento como tal. Provavelmente, os antígenos serão extraídos e administrados em tabletes ou cápsulas.
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Em 2005, Dow AgroSciences registrou nos Estados Unidos uma vacina para a doença de Newcastle em aves, produzida na planta aquática Lemna. Encontra-se em andamento uma nova vacina contra a febre amarela em plantas de tabaco hidropônicas, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com instituições dos Estados Unidos. ASPECTOS ECONÔMICOS A produção de vacinas é uma atividade menos rentável que a produção de medicamentos. Contudo, a chegada das novas tecnologias com base biológica despertou novamente o interesse do setor farmacêutico. Atualmente, cinco grandes empresas (Sanofi-Pasteur, Merck, GlaxoSmithKline, Wyeth e Novartis) concentram de 80% a 90% do mercado global de vacinas humanas, estimado em US$ 25 bilhões em 2015. O resto está ocupado por 200 a 250 empresas que desenvolvem mais de 600 produtos. O processo de desenvolvimento de uma nova vacina leva de 14 a 25 anos, a um custo que pode variar entre US$ 300 milhões e US$ 1 bilhão. Alguns produtos, como a vacina antimeningococo Prevnar, atingiram níveis de vendas que superam o bilhão de dólares. Estima-se que o mercado aumentará significativamente nos próximos anos, em função do crescimento do setor adulto e especialmente das vacinas terapêuticas, que serão analisadas no Capítulo 20. Também aquecerão o mercado produtos novos, tais como as vacinas para a gripe (influenza) e as vacinas que protejam o turista (febre amarela) ou diminuam o abuso de drogas (nicotina). Em meio a numerosas crises econômicas, vários países latino-americanos (Argentina, Chile, por exemplo) descuidaram de suas estruturas científicas e tecnológicas e passaram a importar as vacinas necessárias para a população. No entanto, e por diferentes motivos, depois de várias décadas de retração na área de produção de vacinas, esta começa a ser considerada novamente uma área estratégica. Para os países em desenvolvimento, o estímulo à produção nacional de vacinas é fundamental como parte das obrigações frente a sua população e, em termos de saúde pública, para manter sua independência nesta área. Trata-se de um setor que não pode ser negligenciado, observando-se indícios sólidos de mobilização para recompor as estruturas produtivas. Alguns países, como Brasil, China e Índia, contam com instituições de pesquisa e desenvolvimento para a produção de imunobiológicos, sendo frequentes as parcerias com as grandes empresas farmacêuticas. Fundações privadas, como a Bill & Melinda Gates Foundation, fornecem fundos em prol de melhores e novas vacinas que protejam as crianças das doenças. Para organizações internacionais como a WHO (World Health Organization), a vacina é a mais simples das medidas preventivas possíveis na área de saúde. Nos próximos anos, haverá progressos na preparação das vacinas preventivas e no desenvolvimento de produtos novos, como as vacinas terapêuticas para alguns tipos de câncer ou a doença de Alzheimer. Entretanto, esperam-se vacinas novas ou melhores contra as doenças que afetam um número altíssimo de pessoas, tais como HIV/AIDS, malária, dengue e tuberculose. UM SETOR ESTRATÉGICO PARA A SOCIEDADE No Brasil, onde existe uma tradição de um século na produção de imunobiológicos (vacinas, soros, hemoderivados e reativos para diagnóstico), as vendas chegam a US$ 600 milhões por ano, o que representa 3% do mercado da indústria farmacêutica.
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TABELA 17.1. As principais instituições produtoras de vacinas no Brasil. INSTITUIÇÃO
VACINAS
Instituto Butantan
Dupla, Infantil (difteria e tétano) Dupla, Adulto (difteria e tétano) Tríplice (difteria, tétano e coqueluche ou pertussis) Hepatite B recombinante Influenza
Laboratório BioManguinhos
Poliomielite Tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) Meningites meningocócicas (A/C, por Haemophilus influenzae, HIB e HIB/DTP) Febre amarela
Tecpar
Antirrábica de uso veterinário e humano (PV-BHK)
Fundação Ataulfo de Paiva
Antituberculose (BCG)
Até a década de 1960, muitas vacinas humanas e veterinárias eram fabricadas no país. A perda da autossuficiência criou uma situação crítica quando, em inícios da década de 1980, uma multinacional retirou-se do mercado, deixando a população em risco de ficar sem vacina tríplice, soros antitóxicos e antiofídicos. Evidenciou-se nessa ocasião que a produção de vacinas é um setor estratégico, ao qual a sociedade deve ter o acesso garantido. O Programa de Autossuficiência Nacional de Imunobiológicos (PASNI) de 1985 reverteu essa situação mediante uma estratégia de substituição das importações que estimulou a modernização das instalações e a incorporação de novas tecnologias nos sete laboratórios oficiais: Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos, Fiocruz, RJ), Instituto Vital Brazil (IVB,RJ), Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar, PR), Fundação Ezequiel Dias (Funed, MG), Fundação Ataulfo de Paiva (FAP,RJ) e Instituto de Pesquisas Biológicas (IPB, RS). Atualmente, o Instituto Butantan (SP) e BioManguinhos (RJ) produzem 11 tipos de vacinas e respondem por 70% das vacinas distribuídas pelo serviço público (Tabela 17.1). Várias vacinas estão sendo desenvolvidas nas próprias instituições citadas anteriormente, e também em parcerias entre elas ou com laboratórios estrangeiros (Sanofi Pasteur, GlaxoSmithKline, Instituto Finlay etc.). Algumas das vacinas resultantes desses convênios protegem a população de sarampo, caxumba e rubéola (tríplice viral), influenza, rotavírus, raiva (cultivo do vírus em células Vero) etc. Os diferentes acordos de cooperação internacional entre os países latino-americanos também terão uma importância fundamental para o desenvolvimento de políticas de saúde pública que garantam à população o acesso às vacinas. O ROL DAS VACINAS NA ERRADICAÇÃO DA DOENÇA De um modo geral, as vacinas protegem de 80% a 95% das pessoas imunizadas, e os efeitos adversos que elas podem apresentar ocorrem em frequências muito baixas. O calendário de imunizações depende das autoridades nacionais e, em vários países, a vacinação não é obrigatória. O impacto das vacinas na morbidade infantil relega ao passado algumas das temíveis doenças que assolaram o século XX (difteria, coqueluche ou pertussis, tétano, poliomielite, meningite, caxumba, sarampo e rubéola). Estima-se que a cooperação entre a indústria, os governos e as entidades não lucrativas poderia salvar 10 milhões de vidas entre 2010 e 2020. 208
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 17: Biotecnologia e saúde - Vacinas
Lamentavelmente, em algumas comunidades subsiste ainda a resistência às vacinas, seja por motivos culturais, religiosos ou políticos. Intromissão na liberdade individual, desafio à vontade divina, degradação dos costumes ou interferência no desenvolvimento nacional são alguns dos argumentos utilizados. As vacinas têm se mostrado eficientes na erradicação mundial da varíola e na eliminação da poliomielite, pelo menos em vários países. Em relação à gripe, ainda não existe uma vacina capaz de estimular a imunidade para as diversas linhagens. Contudo, dispomos hoje de vacinas para numerosas doenças que afetaram a humanidade durante séculos. O CASO DA VARÍOLA A varíola é uma doença eruptiva contagiosa transmitida por um vírus. A incubação dura de 7 a 17 dias; os sintomas principais são febre alta, fadiga e uma erupção de vesículas em todo o corpo. A mortandade é de 30%, e os sobreviventes conservam lesões características. A varíola teria sido levada até a Índia por mercadores do Egito, onde vitimara o faraó Ramsés V. A doença se alastrou até a China (século I) e o Japão (século VI), retornando mais tarde ao Oriente Médio e alcançando a Europa com os Cruzados (século XI-XII). A varíola não fazia distinção entre camponeses, burgueses ou nobres, cobrando vidas de humildes e poderosos, como o rei da França Luis XV. Quem adoece uma vez e se recupera, não adoece uma segunda vez. Esta observação deu lugar à primeira tecnologia para combater a varíola. No Oriente (Índia e China, século XI), as pessoas eram inoculadas com pus das vesículas de doentes com uma forma benigna da doença. Ao desenvolver também uma doença benigna, as pessoas inoculadas permaneciam protegidas pelo resto de suas vidas. Apesar de 1% a 2% de essas pessoas terem morrido ao desenvolver a doença em sua forma mais grave, a varíola regrediu entre os povos que praticavam a variolização. Em 1520, com a chegada ao México de um escravo contaminado, a varíola entrou no continente americano. Por ter convivido com a doença durante vários séculos, os europeus tinham desenvolvido alguma forma de resistência, mas, para as populações ameríndias, o contato com um germe novo levou ao extermínio de 95% de sua população em menos de duzentos anos. A prática da variolização foi introduzida na Inglaterra no início do século XVIII. Anos mais tarde, um inoculador, o médico Edward Jenner, observou que as ordenhadeiras nunca desenvolviam a varíola. Segundo uma crença popular, essa resistência era consequência da contaminação com uma doença inofensiva que se manifesta por pústulas no úbere das vacas. Em 1796, quando Jenner inoculou a varíola vacum em uma criança e, poucos dias mais tarde, a varíola humana, a criança não adoeceu. A partir desta experiência, surge o método de vacinação que se estendeu rapidamente por toda Europa. No Brasil, a vacinação foi introduzida em 1840 pelo Barão de Barbacena. Porém, quando, em 1904, sendo Oswaldo Cruz o Diretor Geral de Saúde Pública, o governo decretou a vacinação obrigatória, a resistência se manifestou no Rio de Janeiro sob a forma de motins, estourando uma revolta que obrigou o governo a rever a medida. Em 1908, depois de uma violenta epidemia de varíola (10.000 casos diagnosticados), a população terminou aceitando a vacinação. Apesar dos surtos terem se espaçado, calcula-se que, no século XX, 300 milhões de pessoas morreram de varíola. Na década de 1970, a Organização Mundial da Saúde substituiu a vacinação em massa por uma campanha de erradicação em anel. A estratégia consiste em isolar os pacientes cada vez que um caso novo é detectado e vacinar rapidamente todas as pessoas que tiveram algum contato com o doente. Como a vacina tem um efeito muito rápido, os resultados foram extraordinários. Contudo, por ocasião de um surto havido
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na Iugoslávia (1972) foi necessário complementar as medidas com uma vacinação em massa. O último caso de varíola ocorreu na Somália em 1977. Em 1978, o escapamento do vírus de um laboratório da Universidade de Birmingham (Reino Unido) causou a morte de duas pessoas. Com a confirmação da erradicação da varíola em 1979, o vírus da varíola começou a ser eliminado dos laboratórios. Dois estoques virais foram conservados preventivamente, um deles no CDC (Center for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos) e no VECTRO (Instituto para Preparações Virais, Moscou, Rússia). Apesar de estar prevista sua destruição no ano 2000, esta não ocorreu. A mera possibilidade de um ato de terrorismo é assustadora. Não se pode afirmar que não existe algum estoque de vírus em outro lugar. Em caso de um surto, os médicos teriam dificuldades em diagnosticar uma doença restrita aos livros. A população deixou de ser vacinada em fins da década de 1970, de modo que uma boa parte da população nunca foi imunizada. Sem doses de reforço, o restante pode ter perdido a imunidade. A validade de um pequeno estoque de vacinas que sobrou de décadas atrás está comprometida. Existem contraindicações para a aplicação da vacina em pessoas com eczemas ou imunodeprimidas, que hoje são muito mais frequentes que no início do século XX. Mesmo tendo erradicado a varíola, precisamos de vacinas antivariólicas eficientes e seguras, formuladas mediante as novas tecnologias. Algumas já se encontram na fase dos estudos clínicos. O CASO DA POLIOMIELITE A poliomielite ou paralisia infantil é uma doença causada por um enterovírus que se transmite pela água. O período de incubação é de 4 a 35 dias, e 10% das pessoas infectadas desenvolvem os seguintes sintomas: febre, fadiga, dor de cabeça, vômitos, constipação ou diarreia, rigidez na nuca e dor nas extremidades. Em aproximadamente 1% dos casos, o vírus da poliomielite passa do intestino para a corrente sanguínea e invade o sistema nervoso central, onde se multiplica destruindo os neurônios motores e causando a paralisia das extremidades. Estas pessoas desenvolvem a forma paralítica da doença, e, nos casos em que o vírus se aloja no bulbo, os pacientes precisam de ajuda mecânica para respirar. A doença pode deixar sequelas motoras permanentes (SPP ou síndrome post-pólio). Apesar de haver evidências da doença no Antigo Egito, os primeiros surtos epidêmicos ocorreram a fins do século XIX. Em 1908, depois de inocular macacos com o tecido nervoso de um paciente morto, K. Landsteiner confirmou que a poliomielite é uma doença infecciosa. Na primeira metade do século XX, as epidemias de poliomielite deixaram numerosas vítimas, principalmente entre as crianças, mas também entre os adultos como, por exemplo, Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos. Suspeita-se que as melhores condições higiênicas do século XX diminuíram o contato prematuro da população com o vírus. Porém, a exposição na idade escolar de um grupo vulnerável ao vírus teria favorecido a aparição de surtos. Na década de 1950, a doença era aterradora. Havendo um surto, as escolas fechavam e as crianças eram privadas do contato entre elas, permanecendo isoladas até o perigo passar. A notícia de uma vacina teve uma repercussão extraordinária. Em 1954 começou a ser aplicada a vacina de vírus inativados de Jonas Salk (IPV, do inglês, injetable polio vaccine), que era elaborada com três tipos de poliovírus em rim de macaco, inativando-o posteriormente com formalina. Em 1963, houve uma segunda opção, a vacina de vírus atenuados de Albert Sabin (OPV, do inglês oral polio vaccine). Nos anos posteriores, devido a modificações nos processos produtivos, a eficiência de ambas as vacinas aumentou significativamente.
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Ambas apresentam vantagens e desvantagens. Para ser aplicada, a IPV demanda agulhas e seringas estéreis, um procedimento mais caro e complicado que a ingestão por gotas da OPV. Em contrapartida, por ser uma vacina de vírus atenuados, a OPV exige a manutenção da cadeia de frio, o que a IPV dispensa. Do ponto de vista da eficiência, a OPV confere uma imunidade mais ampla porque abrange a mucosa digestiva, impedindo a entrada do vírus selvagem no organismo e a infecção das células nervosas. Porém, como o vírus atenuado é eliminado nas fezes e permanece no ambiente, a OPV acaba por atingir outras pessoas, afetando os não vacinados e os imunodeprimidos presentes no entorno. Por isso, alguns países preferem a IPV e outros a OPV. Novas vacinas estão sendo pesquisadas como, por exemplo, uma de tipo recombinante que leva o gene codificador de uma proteína do capsídeo viral, inserido em Escherichia coli. A síntese dessa proteína por uma bactéria, que coloniza normalmente o intestino, possibilitaria a imunização do hospedeiro. Apesar do sucesso alcançado pela vacinação, a erradicação da doença parece ser bem mais difícil do que o esperado. A pólio subsiste ainda em algumas regiões da África, do subcontinente indiano e do extremo Oriente, onde as campanhas de vacinação são complexas e muitas vezes interrompidas por conflitos bélicos. Um surto da doença atingiu um grupo que se opõe à vacinação por motivos religiosos, mostrando que o vírus selvagem continua presente no ambiente (Países Baixos, 1992-1993). Em 2000, a pólio reapareceu no Haiti e na República Dominicana. Na ocasião, revelou-se que o vírus atenuado pode reverter a sua forma patogênica, e que, mesmo tendo desaparecido a doença, a vacinação terá que ser mantida. Em 2004, com a aparição de um novo surto de pólio em países do oeste africano, confirmou-se que o objetivo ainda se encontra distante. O CASO DA INFLUENZA A influenza ou gripe é uma doença causada pelo vírus da influenza e apresenta os seguintes sintomas: febre, dores musculares, garganta inflamada, fadiga e dor de cabeça. O material genético do vírus é RNA, que está rodeado por um capsídeo proteico e um envelope derivado da membrana celular do hospedeiro. O RNA confere a seu portador uma enorme variabilidade porque, diferente do DNA, os erros de replicação não são reparados por nenhum mecanismo celular. Em função das proteínas do capsídeo, os vírus da influenza são classificados em três categorias (A, B e C). As variantes de duas proteínas do envelope, a hemaglutinina (HA) e a neuraminidase (NA) determinam os diferentes subtipos como, por exemplo, H1N1, H5N1 etc. Os vírus da influenza da categoria A são os mais perigosos porque se multiplicam tanto no homem como em outras espécies (aves, suínos, cachorros, cavalos). Ao pular de uma espécie a outra, o material genético de diferente origem recombina formando vírus com características novas. Para desencadear uma pandemia é necessário que esse vírus infecte o homem e sofra uma mutação que possibilite a transmissão pessoa a pessoa. Ao longo do século XX, várias pandemias de gripe assolaram a terra. Em 1918, um surto de gripe sobreveio na Espanha, de onde se espalhou pelo mundo todo causando a morte de 40 a 70 milhões de pessoas. O vírus H1N1 da gripe espanhola circulou durante várias décadas, embora tenha perdido parte de sua patogenicidade a partir de 1920. Em 1957, uma segunda pandemia originou-se na China. A gripe asiática, devida ao subtipo H2N2, causou a morte de 2 milhões de pessoas. Poucos anos mais tarde, em 1968, o subtipo H3N2 apareceu em Hong Kong e alastrou-se pelo mundo, deixando 47.000 mortos.
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A gripe aviária (subtipo H5N1) surgiu na Ásia, em 1997. Embora a transmissão tenha sempre ocorrido no sentido ave-ave e ave-homem, milhares de aves foram sacrificadas durante os surtos de 2003 e 2004 devido ao temor de uma mutação que possibilitasse a transmissão do homem ao homem. O H5N1 traz uma limitação em relação aos métodos tradicionais de produção de vacinas, já que estes utilizam embriões de frango. Selecionando a informação genética relevante do vírus e transferindo-a para um vírus de laboratório obtém-se um protótipo viral para a produção da vacina. Este reúne a informação para estimular a resposta imune ao H5N1 e pode crescer em embriões de frango. A gripe A (subtipo H1N1) ou gripe suína apareceu no México em 2009. Diferentemente das variantes anteriores, esta causou mais vítimas entre os jovens e as mulheres grávidas. A resistência dos mais velhos pode ser explicada por um contato prévio com vírus de tipo H1N1 que circularam por um tempo na população. A existência de medicamentos antivirais contribuiu para o controle da pandemia. Contudo, a rápida mobilização das autoridades nacionais e internacionais, assim como das empresas farmacêuticas, foi decisiva para a obtenção de uma vacina adequada. Durante esta última pandemia, algumas fraquezas foram expostas. Uma delas é a dificuldade de produzir rapidamente uma vacina em ovos embrionados, porque se estima que sejam necessários 900 milhões para obter 300 milhões de doses da vacina. Em caso de urgência, a produção em cultivos celulares resultaria mais rápida. Mutação do RNA e recombinação de RNAs de diferente origem são as duas estratégias que explicam a enorme variabilidade do vírus da influenza e justificam a necessidade de mudar continuamente os antígenos da vacina. O candidato vacinal de hoje pode ser inócuo amanhã, sendo difícil prever contra quais antígenos do vírus dirigir a vacina. Por isso, as vacinas contra a gripe são preparadas anualmente, escolhendo as linhagens que se supõe causarão a próxima epidemia. A AMEAÇA DAS DOENÇAS EMERGENTES À medida que eliminamos ou controlamos doenças, outras novas emergem e algumas das antigas reaparecem. Os microrganismos adquirem resistência aos medicamentos e a destruição de habitats naturais deixa o homem a mercê de agentes infecciosos com os quais não teve contato prévio. O crescimento da população, as mudanças climáticas, o incremento das viagens internacionais e do comércio, assim como as mudanças comportamentais, são outros fatores determinantes para a dispersão de agentes infecciosos. A gripe espanhola, a hepatite B, as febres hemorrágicas (Junin, Lassa, Marburg, Ebola etc.), a doença de Lyme, a doença dos Legionários, a AIDS (do inglês, agude immunodeficiency sindrome), a Escherichia coli 0157:H7 contaminante dos alimentos, o vírus do Nilo ocidental, a BSE (encefalopatia espongiforme bovina) e a dengue são alguns dos exemplos de doenças emergentes. Várias dessas doenças contam com testes diagnósticos, e, para algumas, já temos vacinas (hepatite B, doença de Lyme). Mas, desde a descrição ou a identificação do patógeno correspondente até a produção de uma vacina, passa um tempo considerável. Por enquanto, a mais insidiosa talvez seja a HIV/AIDS, porque destrói a capacidade do sistema imune de responder a infecções oportunistas. Os primeiros casos apareceram em 1981 e se estenderam rapidamente pela população. Estima-se que 3,1 milhões de pessoas morreram e que 5 milhões foram contaminadas em 2002, chegando ao total de 42 milhões de pessoas atingidas. Aproximadamente 90% das novas contaminações ocorrem nos países em desenvolvimento, especialmente o sul da África e a Ásia. No rasto da HIV/AIDS (e da adição a drogas injetáveis), a tuberculose reaparece com germes resistentes aos medicamentos. 212
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Apesar das medidas preventivas e dos grandes progressos alcançados no tratamento da HIV/AIDS, o ideal seria encontrar uma vacina. As dificuldades são enormes porque, para ativar a resposta imune, devem-se ativar as células T auxiliadoras que a coordenam, e são justamente estas as que o vírus destrói. Como geralmente o vírus penetra no organismo por via anal ou vaginal, permanecendo um tempo na corrente sanguínea antes de invadir as células, a vacina deveria estimular ambas as vias, a humoral e a celular, e se estender às mucosas. Na luta contra o HIV/AIDS, diversas estratégias são possíveis; uma delas seria impedir a invasão do organismo pelo vírus, a outra, ajudar o organismo a impedir a progressão e/ou a transmissão da doença. A falta de um modelo animal adequado e as frequentes mutações do vírus complicam a tarefa. Embora os resultados obtidos até agora tenham sido decepcionantes, estão sendo realizados os estudos clínicos correspondentes a vacinas de subunidades, de vetores virais recombinantes e de DNA. Talvez nos encontremos um pouco mais perto de controlar a doença. A primeira epidemia emergente do século XXI é a SARS (do inglês, severe acute respiratory sindrome), uma doença de origem viral que apareceu na China (2003). Transmitida pelo ar, a SARS disseminou-se rapidamente por 30 países, matando 10% a 15% das pessoas afetadas. Diferente dos vírus da pneumonia ou da influenza, o agente infeccioso da SARS é uma linhagem patogênica de coronavírus. Completado rapidamente o sequenciamento genético, este pareceria ser o resultado de uma recombinação ocorrida naturalmente entre um vírus de ave e outro de camundongo. Espera-se que o progresso tecnológico permita obter uma vacina rapidamente. O BIOTERRORISMO Esporos disseminados pelos correios causaram um surto de antraz, logo depois do atentado às torres do World Trade Center (Estados Unidos, setembro de 2001), alertando o mundo sobre a ameaça de bioterrorismo. Não foi a primeira vez que as armas biológicas foram utilizadas. Os romanos usavam animais mortos para infectar os poços de seus inimigos. Na América (do Sul e do Norte) os colonizadores exterminaram tribos indígenas com cobertores contaminados deixados como presente. Antes de levantar o sítio à cidadela de Kaffa (Crimeia, 1346), o exército tártaro de Janibeg catapultou para dentro das muralhas os mortos de peste, iniciando uma terrível epidemia que se difundiu na Europa e dizimou a população. Ainda hoje, a peste mata 2.000 pessoas por ano, na África e na Ásia. Em 1941, durante o conflito sino-japonês, o exército do Japão disseminou a peste bubônica no norte da China, em cinco ocasiões. Estima-se que uma dúzia de países teria armas biológicas de destruição em massa, envolvendo aproximadamente 70 agentes infecciosos. Atualmente, ou em curto prazo, existem vacinas para alguns deles (Bacillus anthracis, Clostridium botulinicum, Yersinia pestis, Francisella tulariensis, varíola e hantavírus). Entretanto, de um ponto de vista científico, sanitário ou financeiro, a vacinação poderia não ser o método de combate mais eficiente. Por isso, boa parte do esforço antiterrorista está sendo orientado atualmente para o melhoramento de diagnósticos e a procura de novos medicamentos antivirais e antibacterianos. Outro motivo de preocupação está na quantidade de informação referente ao genoma de patógenos disponível nos bancos de dados públicos, porque se teme que esse conhecimento possa ser utilizado para elaborar armas biológicas. Em 2002, um grupo de pesquisadores americanos mostrou que partículas infecciosas sintéticas de poliovírus podem ser obtidas a partir da sequência genômica disponível na Internet. Esses pesquisadores sintetizaram alguns fragmentos de DNA e encomendaram outros a empresas especializadas. Juntando os pedaços, eles construíram uma molécula de DNA de 7.500 pares de bases. Depois de transcrever a informação e colocar o RNA em um meio com componentes celulares, 213
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eles obtiveram partículas virais. Recentemente, outro grupo de pesquisadores utilizou o mesmo método para sintetizar o vírus da gripe espanhola. No fim do ano 2011, pesquisadores holandeses e norteamericanos noticiaram ter conseguido manipular o vírus H5N1 em laboratório, tornando-o facilmente transmissível em seres humanos. O trabalho, que poderia servir tanto para elaborar uma vacina como para criar uma arma letal, levanta o problema da liberação dos dados da pesquisa que, normalmente, são compartilhados por pesquisadores de todos os países. O perigo do bioterrorismo não deve ser subestimado. Denomina-se biosseguridade a nova disciplina que lida com a utilização inadequada do conhecimento biológico e, particularmente com as pesquisas consideradas de uso duplo.
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18. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / OS TESTES DIAGNÓSTICOS
OS TESTES DIAGNÓSTICOS O reconhecimento dos sintomas de uma doença exige do médico conhecimento e experiência. O diagnóstico é estabelecido a partir de vários elementos, tais como a história clínica do paciente, a anamnese, os exames físicos e uma bateria de análises e/ou testes laboratoriais. Solicitados pelo médico para monitorar o estado de saúde do paciente, os testes de rastreio identificam fatores químicos, microbianos ou genéticos que possam causar uma doença ou estar-lhe associados. Constituem uma rotina que varia em função do sexo e da idade do paciente. Os resultados serão avaliados em relação a um conjunto de valores que é considerado o normal, e remetidos ao médico como uma fonte objetiva de informação. Geralmente realizados em amostras de sangue e de urina, o objetivo desses testes é detectar qualquer disfunção de maneira a induzir mudanças no estilo de vida do paciente e/ou iniciar rapidamente um tratamento. Como exemplos, o hemograma, a análise de urina, o lipidograma e, também, a identificação do antígeno prostático para diagnóstico de câncer etc. Qualquer negligência em relação à adoção dos testes adequados pode ter consequências graves para a saúde pública. Embora existisse no mercado um teste da empresa Abbott para o diagnóstico de HIV, em 1985 a França postergou o rastreio das doações de sangue, em uma medida protecionista visando favorecer o lançamento de um teste francês. Em poucos meses, 297 pessoas receberam transfusões de sangue contaminado e três ministros de Estado tiveram que comparecer na Justiça para responder pelo escândalo. Inserida nos setores médico e veterinário, estima-se que a indústria de diagnósticos in vitro terá um volume de vendas global de US$ 60 bilhões em 2014. O setor que cresce mais rapidamente é o de diagnósticos moleculares (doenças infecciosas e cardiovasculares, oncologia e farmacogenética), em função do crescimento dos mercados da América Latina, do Leste Europeu, do Meio Oriente e do Leste Asiático. AS TENDÊNCIAS ATUAIS Uma das tendências atuais é centralizar os testes diagnósticos em um ambiente automatizado, de alta tecnologia, onde se integrem os reagentes, os instrumentos analíticos e os produtos acessórios de controle de qualidade. Em consequência, as análises clínicas estão se concentrando em umas poucas empresas, com suficiente poder econômico para desenvolver a tecnologia e adquirir um volume de amostras que justifique a utilização desses sistemas robotizados. Em outra vertente mercadológica, kits comerciais relativamente simples permitem o diagnóstico de gravidez e o monitoramento de algumas condições crônicas como a diabete, e são vendidos nas farmácias ou via Internet. A construção de dispositivos miniaturizados de arrays moleculares de proteínas, anticorpos ou ácidos nucleicos estimulou o desenvolvimento de várias plataformas comerciais (Affymetrix, Illumina, Agilent, Applied Biosystems, Incyte / Stanford etc.). A chegada de materiais e dispositivos construídos em escala nanométrica deverá revolucionar os testes in vitro. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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FIGURA 18.1. Imagens comerciais de alguns dispositivos miniaturizados utilizados em testes diagnósticos. A. Lab-on-a-chip de Agilent (lab-on-a-chip-loc-243049.jpg (http://www.directindustry.com) B. Chip de DNA para diagnóstico de Toshiba (http://www.toshiba.co.jp/rdc/rd/fields/06_t29_e.htm) C. Gene chip de Affymetrix (http://www.pgbeautygroomingscience.com) A
B
C
FIGURA 18.2. Imagem comercial dos sistemas API de Biomérieux. (http://www.biomerieux.com.br/servlet/srt/bio/brazil/dynPage?doc=BRZ_CLN_PRD_G_PRD_CLN_12)
FIGURA 18.3. Uma microplaca de poliestireno.
TABELA 18.1. As qualidades de um bom teste de diagnóstico. QUALIDADE
DEFINIÇÃO
Sensibilidade
Probabilidade de dar um resultado positivo quando a condição está presente
Especificidade
Probabilidade de dar um resultado negativo quando a condição não está presente
Exatidão
Dar o mesmo valor que o obtido com outro método
Reprodutibilidade
Em se tratando de um teste quantitativo, dar sempre o mesmo valor na mesma amostra.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde - Testes diagnósticos
O desenvolvimento da tecnologia microfluídica permitiu a miniaturização de testes diagnósticos em dispositivos que realizam automaticamente as diversas etapas do procedimento. Com os biochips microfluídicos ou lab-on-a-chip (LOC), resultados precisos são obtidos rapidamente no consultório médico, no hospital (emergência, unidade de terapia intensiva) ou em algum lugar isolado, sem precisar recorrer ao laboratório (Figura 18.1). Estima-se que, em 2014, o mercado global dos produtos lab-on-a-chip chegará a US$ 2,1 bilhões. O QUE É UM BOM TESTE As técnicas bioquímicas, imunológicas e genéticas ocupam um lugar preponderante no setor de diagnósticos, porque reúnem várias qualidades (Tabela 18.1). Apesar ser aplicadas também na área ambiental (análise de solos, qualidade da água) e na indústria de alimentos (detecção de contaminantes nos alimentos ou nas matérias-primas), neste capítulo nos limitaremos a analisar sua utilização na área de saúde. AS TÉCNICAS COM BASE BIOQUÍMICA Desde a década de 1970, as técnicas clássicas de identificação microbiana também estão sendo substituídas por sistemas miniaturizados. Nos sistemas API da empresa Biomérieux, por exemplo, uma alíquota de uma suspensão microbiana é adicionada em minitubos contendo os reagentes necessários para determinar as características fisiológicas do microrganismo em questão (Figura 18.2). Algumas das reações ocorrem em aerobiose, outras em anaerobiose. Diversos tipos de galerias conseguem identificar quase todas as bactérias (Gram positivas e Gram negativas) e as leveduras de interesse clínico. Além de ser mais seguros, o sucesso desses dispositivos se deve à redução da quantidade de reagentes, do trabalho laboratorial e dos custos. AS TÉCNICAS COM BASE IMUNOLÓGICA Baseadas nas reações de aglutinação e precipitação entre um antígeno e o anticorpo correspondente, as técnicas imunológicas receberam um grande impulso a partir de 1975, com o desenvolvimento da tecnologia de hibridomas. Desde então, o principal avanço está na construção de bibliotecas de bacteriófagos produtores de fragmentos de anticorpos humanos, obtidos por fusão do gene de uma proteína viral com o gene correspondente à região variável de um anticorpo isolado em linfócitos B humanos. Apesar de complexa, demorada e cara, a tecnologia de hibridomas abastece os laboratórios com reagentes standard, específicos e sensíveis. Associados a moléculas radiativas ou fluorescentes, os anticorpos monoclonais detectam os antígenos específicos em células, tecidos, soros e corridas eletroforéticas (imunofluorescência, radioimunoensaio, Western Blot etc.). São utilizados também para separar diferentes populações celulares (CellSorter) e localizar tumores. Em outro tipo de testes, os anticorpos se encontram acoplados a enzimas que formam um produto colorido em presença do substrato (ELISA, do inglês Enzyme Linked Immunosorbent Assay). Estes testes não só detectam como quantificam a concentração de anticorpos (infecções, doenças autoimunes) e de antígenos (hormônios, antígenos cancerosos, alérgenos nos alimentos e na poeira caseira, toxinas alimentares, esteroides usados ilicitamente por atletas, drogas como a cocaína e os opiáceos etc.).
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FIGURA 18.4. Os métodos direto e indireto de um teste positivo de ELISA. MÉTODO DIRETO
MÉTODO INDIRETO
O anticorpo é fixado na placa de microtitulação.
O antígeno é fixado na placa de microtitulação.
Coloca-se uma amostra de sangue como fonte de antígeno. Este se fixa nos anticorpos. Retira-se o excesso por lavado.
Coloca-se uma amostra de soro como fonte de anticorpos. Estes se fixam no antígeno.Retira-se o excesso por lavado.
Acrescentam-se anticorpos ligados a uma enzima E, que se fixam no antígeno.Retira-se o excesso por lavado.
Acrescentam-se anticorpos específicos para a imunoglobulina humana, ligados a uma enzima E, que se fixam nos anticorpos do soro, fixados previamente no antígeno.Retira-se o excesso por lavado.
Adiciona-se o substrato da enzima, formando-se um produto colorido P.
Adiciona-se o substrato da enzima, formando-se um produto colorido P.
A cor é proporcional à quantidade de antígeno no sangue.
A cor é proporcional à quantidade de anticorpos no soro.
FIGURA 18.5: Imagem mostrando a identificação dos 46 pares de cromossomos humanos mediante a técnica de SKY, segundo o National Human Genome Research Institute (http://www.genome.gov).
FIGURA 18.6: Imagem comercial de um termociclador para a reação em cadeia da polimerase, de Applied Biosystems (http://appliedbiosystems.com).
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Os testes podem ser processados em microplacas de poliestireno com um número variável de pequenas cavidades que cumprem a função de um tubo de ensaio (Figura 18.3). Estas placas permitem realizar simultaneamente numerosos testes, utilizando uma quantidade mínima de reagentes e automatizando a leitura dos resultados. Os métodos, direto e indireto, dependem da molécula fixada nos poços da microplaca (Figuras 18.3 e 18.4). Existem também microarrays proteicos em pequenas lâminas, contendo pouco mais de 100 diferentes moléculas, proteínas ou anticorpos em um centímetro quadrado. Diferente dos chips microfluídicos, que separam e processam proteínas, os microarrays proteicos extraem as moléculasalvo do meio e as fixam, possibilitando sua identificação. Estes dispositivos são de grande importância nos estudos relativos ao proteoma. Estima-se que, em 2014, o mercado global de microarrays proteicos chegará a US$ 848 milhões. AS TÉCNICAS COM BASE GENÉTICA A utilização das tecnologias genéticas para o diagnóstico clínico se vê favorecida pelo acúmulo de conhecimento sobre o genoma humano. Os estudos cromossômicos evoluíram notavelmente com a utilização de sondas acopladas a moléculas fluorescentes (SKY, do inglês spectral karyotyping). O computador transforma a imagem microscópica em outra de cores brilhantes bem definidas, facilitando a identificação dos pares cromossômicos e de pequenas translocações (Figura 18.5). Sondas específicas também possibilitam a localização de sequências gênicas nas células (FISH, do inglês fluorescence in situ hibridization, ASO, do inglês Allele-specific oligonucleotide) e nos fragmentos de ácidos nucleicos, previamente separados por eletroforese em gel (Southern e Northern Blot, Fingerprint). Contudo, a grande estrela é a reação em cadeia da polimerase ou PCR (do inglês, polymerase chain reaction), uma tecnologia que, por amplificar quantidades ínfimas de DNA, facilita as análises posteriores (Figura 18.6). Na área clínica, a PCR é aplicada na identificação de patógenos e na pesquisa de variações genéticas dos pacientes. Diversas variantes combinadas permitem detectar marcadores específicos e, por exemplo, verificar a desaparição de um clone celular maligno ou determinar se um tratamento oncológico deve ser prolongado. O monitoramento da reação mediante anticorpos fluorescentes consegue eliminar os estudos complementares de eletroforese, posteriores à amplificação. Assim, obtêm-se os resultados rapidamente “em tempo real”. A versatilidade da técnica tem dado origem a numerosos procedimentos bem diversificados. Contudo, os maiores avanços vêm da construção de sistemas miniaturizados, os biochips microfluídicos (lab-on-a-chip) e os microarrays e biochips de DNA. Um biochip microfluídico reúne, em um único dispositivo, as diferentes etapas de um procedimento de diagnóstico complexo: extração da amostra, separação eletroforética, coloração/descoloração e identificação. O lab-on-a-chip demanda uma intervenção humana mínima e dá rapidamente um resultado preciso que pode ser arquivado facilmente. Um segundo tipo de dispositivo é o microarray, que consta de até 100.000 sondas de DNA por centímetro quadrado, fixadas a uma lâmina. A hibridização dessas sondas com as moléculas de ácidos nucleicos (cDNA) marcados será visualizada por varredura (scanner) como pontos fluorescentes. Os microarrays são utilizados nos estudos de expressão gênica e para o sequenciamento rápido de oligonucleotídeos. O estudo simultâneo de centenas de genes é um caminho para desvendar as interrelações existentes entre eles e vários aspectos do funcionamento do genoma.
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Esperam-se destes dispositivos grandes avanços no diagnóstico do câncer e das doenças cardíacas e neuropsiquiátricas (Figura 18.7). Também possibilitarão a escolha de tratamentos farmacológicos adequados ao perfil do paciente. Estima-se que, em 2014, o mercado global de microarrays de DNA chegará a US$ 2,7 bilhões. FIGURA 18.7. O uso de arrays no diagnóstico de mutações nos genes BRCA1 e BRCA2. Compara-se o padrão obtido na hibridização dos fragmentos de DNA marcados de uma paciente e os de um controle normal. A hibridização de ambos DNAs, do DNA da paciente ou do DNA do controle com as sondas, detectada por varredura (scanner), é sinalizada com cores diferentes em uma imagem computadorizada.
Tecido da paciente
Tecido controle
Extração de mRNA
Extração de mRNA
Preparação de cDNA (transcriptase reversa)
Preparação de cDNA (transcriptase reversa)
Amplificação do DNA e marcação com substâncias com diferente fluorescência
Amplificação do DNA e marcação com substâncias com diferente fluorescência
Mistura de ambos os cDNAs marcados
Hibridização com as sondas fixadas na placa do microarray e rinsagem
Varredura e leitura
Diagnóstico
Os pontos verdes e vermelhos identificam, respectivamente, os sítios de hibridização de cada um dos DNAs testados. Os pontos amarelos identificam os sítios de hibridização de ambas as amostras, e os pontos pretos os de nenhuma das duas amostras.
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O DIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS INFECCIOSAS A disseminação de uma doença é detida com o tratamento, posterior ao diagnóstico. Nos países desenvolvidos, assim como em alguns setores dos países em desenvolvimento, os novos testes de diagnóstico se encontram ao alcance da população. Essa não é a realidade dos países mais pobres, sem acesso a esta tecnologia, que exige material e equipamentos especializados. Nesses países, uma das principais causas de mortalidade continua sendo a alta incidência de doenças infecciosas, entre as quais devemos incluir as emergentes (HIV/AIDS), as re-emergentes (tuberculose) e as pertencentes ao vasto grupo das doenças negligenciadas (malária etc.). O diagnóstico de HIV está baseado no reconhecimento de uma proteína (p24) do vírus e na presença de anticorpos (ELISA, Western Blot), dois testes que atualmente podem ser combinados em um só. Para chegar a todos, a grande inovação seria a complementação ou substituição dos testes atuais por outros rápidos, que não requeiram uma infraestrutura laboratorial. Diagnosticada a infecção por HIV, dois testes acompanham sua evolução: a carga viral, medida por PCR quantitativa, e a contagem de células CD4. Dependendo dos resultados, dá-se início ao tratamento. A resistência da linhagem viral aos medicamentos é avaliada mediante testes genéticos. Em alguns países encontram-se à venda kits para HIV/AIDS. Contudo, a necessidade de apoio psicológico para enfrentar o diagnóstico e a dificuldade para o leigo de lidar com os resultados “falso positivo” ou “falso negativo” limitam muito sua utilização individual. Nas mãos de pessoal treinado, os testes de diagnóstico rápido são uma ferramenta preciosa não só para o diagnóstico de HIV/AIDS como para o de outras doenças de importância epidemiológica, como hepatite, sífilis e malária. O diagnóstico da tuberculose envolve várias etapas, lentas e trabalhosas. Descobre-se a infecção latente pela reação à tuberculina e diagnostica-se a doença a partir de radiografias, observações microscópicas e cultivos microbianos. Testes mais recentes identificam rapidamente os anticorpos no sangue (ELISA) e o Mycobacterium tuberculosis diretamente no esputo (sondas genéticas). Contudo, a difusão desses testes ainda se encontra limitada pelo custo. O diagnóstico de malária depende de observações clínicas confirmadas por microscopia, uma técnica que, apesar de ser relativamente econômica, exige pessoal treinado. Apesar da existência de testes genéticos, os testes imunológicos rápidos resultam mais convenientes nas regiões remotas, onde não há laboratórios nem equipamentos apropriados. A um custo menor, estes reconhecem o Plasmodium falciparum, resistente a cloroquina, dentre as espécies que podem causar a doença, facilitando a escolha do tratamento. Os países emergentes precisam também de testes de diagnóstico adaptados às doenças que os afetam como, por exemplo, a doença de Chagas, a Leischmaniose, a malária, a leptospirose, a dengue, as infecções por rotavírus etc. Várias empresas latino-americanas desenvolvem tecnologias avançadas e comercializam kits de diagnóstico em vários países (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Venezuela e Uruguai). Alguns produtos são inovadores como, por exemplo, os kits para diagnóstico de hidatidose, de doença celíaca e da doença de Chagas de três empresas argentinas. A TIPIFICAÇÃO DE TECIDOS SANGUE A tipificação das hemácias classifica as pessoas em quatro grupos para os marcadores ABO (A, B, AB e O) e dois para o sistema Rh (Rh+ e Rh-). A caracterização rotineira deste último durante a gravidez permite tomar medidas em caso de incompatibilidade sanguínea mãe-feto. 221
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Também é necessária a tipificação dos sistemas ABO e Rh antes de uma transfusão sanguínea. Esta intervenção salva vidas em pacientes que sofreram uma hemorragia (acidente, cirurgia, doenças digestivas etc.) ou que apresentam um quadro de anemia séria (quimioterapia, câncer, doenças hematológicas). Nem sempre basta a tipificação dos antígenos ABO e RH da superfície das hemácias, porque existem vários outros sistemas de grupos sanguíneos que podem desencadear uma reação grave. Em pacientes que tenham passado por uma gravidez ou uma transfusão prévia, os anticorpos a esses sistemas são pesquisados mediante kits de hemácias específicas. A palavra final corresponde aos testes de compatibilidade, em que se coloca o soro do receptor em presença das hemácias do doador. Indispensáveis na rotina de um banco de sangue, estes testes personalizados são realizados por pessoal médico ou técnico. Nos centros hospitalares que processam um número alto de amostras de sangue, os testes sorológicos clássicos em tubos de vidro estão sendo substituídos por novas tecnologias, em estações de trabalho automatizadas: Gel Tests para tipificação de hemácias, ACT (do inglês affinity column technology) para identificar subclasses de imunoglobulinas em hemácias sensibilizadas, tecnologia para pesquisa de anticorpos em placas de microtitulação. OUTROS TECIDOS E ÓRGÃOS A rejeição de um órgão transplantado de uma pessoa a outra se deve à incompatibilidade entre os respectivos tecidos. Além dos antígenos do grupo sanguíneo (ABO), outros marcadores de identidade também se expressam nas células de um organismo. O sistema imune os utiliza para diferenciar as células que fazem parte do organismo (“eu”) das que não pertencem a ele (“não eu”). Esses antígenos de identidade são codificados por um conjunto de genes estreitamente ligados, localizados no cromossomo 6. Os genes HLA, HLB e HLC determinam os antígenos de classe I, presentes em todas as células, excetuando as hemácias. Já o locus HLD determina outros três antígenos (DR, DQ e DP), denominados de Classe II, que são encontrados em algumas células (macrófagos, monócitos, células dendríticas e células endoteliais). Os de maior importância clínica são os antígenos de classe I codificados pelos alelos de HLA e HLB e os de classe II, relativos a DR. FIGURA 18.8. O sistema HLA. A herança dos haplótipos
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A herança do sistema HLA segue um padrão de codominância, ou seja, ambos os alelos se expressam nas células. Quando uma pessoa é caracterizada como HLA - A1 A3 B8 B14 DR2 DR10, isto significa que, em um cromossomo, leva os alelos A1 B8 DR2 herdados de um dos pais, e, no outro, A3 B14 DR10, herdados do outro. Por estarem estreitamente ligados, esses genes se transmitem em blocos, denominados haplótipos (Figura 18.8). Como esses genes contam com mais de 450 alelos, milhões de combinações seriam possíveis e cada pessoa teria uma identidade única. Contudo, alguns haplótipos são mais frequentes que outros, especialmente em diferentes grupos raciais. Para tipificar os tecidos, os antígenos celulares devem ser identificados mediante baterias de anticorpos e instrumentação laboratorial. A incompatibilidade entre os linfócitos ou tecidos do doador e os linfócitos do receptor é evidenciada pela proliferação celular in vitro (reação mista). Utiliza-se também a PCR para caracterizar os genes HLA-DP do doador e do receptor (testes de DNA). Antes de um transplante, também é estudada a compatibilidade entre o soro do receptor e os tecidos do doador, para verificar a ausência de anticorpos contra o órgão a transplantar (crossmatch), que podem aparecer devido a gravidezes, transplantes anteriores ou transfusões. A PRÁTICA FORENSE Com exceção dos gêmeos idênticos, nenhuma pessoa é geneticamente idêntica à outra. Durante quase um século, a identificação das pessoas dependeu das impressões digitais. E muitos crimes foram resolvidos graças a estudos bioquímicos e imunológicos, apesar das enormes dificuldades em encontrar uma quantidade suficiente de material em estado de conservação adequado. A análise do DNA para a identificação das pessoas é utilizada a partir da década de 1980, quando A. Jeffreys idealizou a técnica do Fingerprint, estabelecendo uma relação única entre um indivíduo e sua sequência gênica. A identificação recorre a pequenas sequências não codificadoras dispersas no DNA, denominadas VNTRs ou vinters (do inglês, variable-number tandem repeats). Essas sequências polimórficas repetem-se um número de vezes que pode variar de um cromossomo ao seu homólogo, de modo que os fragmentos de restrição terão tamanhos diferentes (Figura 8.5). Sondas genéticas específicas identificam até 20 tipos diferentes de sequências VNTRs. No gel de eletroforese aparecerá um padrão de bandas individual, parecido com os códigos de barras usados no comércio. Como a probabilidade de duas pessoas escolhidas ao acaso terem o mesmo perfil de DNA é menor a um em um trilhão, o resultado é praticamente único para cada indivíduo. Os VNTRs também podem ser amplificados por PCR. Na determinação da paternidade, os estudos de grupos sanguíneos e de proteínas do soro têm sido complementados ou substituídos pelos testes de DNA, que se transformaram no eixo de varias investigações muito comentadas na mídia. No Brasil, o jogador de futebol Pelé teve que reconhecer a paternidade de Sandra Regina, e o menino Pedrinho, sequestrado na maternidade logo após seu nascimento pôde, anos mais tarde, reencontrar sua verdadeira família. Apesar das críticas levantadas em relação às possibilidades de erros laboratoriais devidos à contaminação de amostras, ao risco da participação de pessoal treinado inadequadamente e às dificuldades de interpretar estatisticamente os dados, em poucos anos a análise de DNA se transformou em uma ferramenta indispensável na prática forense. Depois de anos de mistérios e rumores, os cadáveres enterrados em uma fossa comum perto de Jekaterinburg foram reconhecidos, em 1994, como sendo os do tzar Nicolau II, sua família e servidores, assassinados durante a Revolução Russa (1918). Em 1992, os ossos encontrados, anos antes, em uma tumba no Brasil, foram identificados como pertencentes ao comandante do campo de extermínio de Auschwitz, Joseph Mengele, um dos homens mais procurados após a Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente, nos Estados Unidos, uma mancha no vestido azul de uma 223
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estagiária se transformou em uma peça essencial para solicitar o impeachment do Presidente Clinton. A análise de DNA é a única forma de reconhecer as vítimas de catástrofes, conflitos bélicos e atentados como o do World Trade Center (Nova York, 2001) ou da estação de Atocha (Madrid, 2004). E, anos mais tarde, de seu instigador, Osama Bin Laden. Quando as amostras estão muito degradadas, analisa-se o DNA mitocondrial. Transmitido por via materna, esse DNA conta com uma região muito variável, apta para identificar pessoas. Esta metodologia tem sido aplicada na Argentina. Durante o regime militar que governou o país entre 1976 e 1985, foram exterminadas (desaparecidas) de 9.000 a 30.000 pessoas. Muitas crianças foram então separadas de suas famílias e entregues para adoção, sob uma nova identidade. A comparação entre o seu DNA e o de suas avós maternas possibilitou a muitos filhos de desaparecidos recuperarem sua identidade. O DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS DE ORIGEM GENÉTICA AS LIMITAÇÕES DOS TESTES As doenças de origem genética representam um grupo heterogêneo de patologias que obedecem a causas diversas: alterações no número e na estrutura dos cromossomos, ação de um gene determinando a síntese de uma proteína ou sua ausência, ação de vários genes interagindo com fatores ambientais, tais como o fumo, a dieta, o estresse etc. (Tabela 18.2). O diagnóstico das doenças genéticas está baseado em observações clínicas e testes laboratoriais (metabolismo, cromossomos, DNA). A localização e o sequenciamento dos genes responsáveis pelas principais doenças monogênicas possibilitaram o desenvolvimento de testes genéticos. Contudo, devido à própria heterogeneidade do determinismo genético, esses testes apresentam algumas limitações: o o o o
Algumas mutações são inócuas para a saúde do portador (polimorfismos). Mutações em genes diferentes podem causar a mesma doença. Mutações diferentes dentro de um mesmo gene podem causar a mesma doença. Mutações diferentes dentro do mesmo gene podem causar doenças parecidas, mas com prognóstico diferente (benigno ou grave).
Um teste genético pode não detectar todas as mutações capazes de causar uma doença. Por outro lado, sua sensibilidade depende da inclusão da informação mais recente resultante da pesquisa genética. Existem doenças genéticas que aparecem em uma família devido a mutações em algum gene desconhecido, de modo que não é possível sua identificação. O caso não pode ser resolvido, a não ser que se encontre uma ligação com outro gene próximo e bem conhecido, que funcionará como um marcador. A transmissão do gene marcador permite inferir como é transmitido o gene desconhecido. Um estudo desenvolvido por 50 grupos de pesquisa (Wellcome Trust Case Control Consortium) identificou recentemente 24 regiões do genoma humano fortemente relacionadas com 7 doenças diferentes (Doença de Crohn, diabete tipo 1 e 2, doença cardiovascular, hipertensão, artrite reumatoide e doença bipolar). Também é difícil determinar qual a contribuição dos genes para doenças que apresentam um padrão de herança complexo, com vários genes interagindo com fatores ambientais. A não ser que haja um gene com um efeito muito maior que os restantes, os testes genéticos são de difícil elaboração.
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A presença de determinados alelos, como BRCA1 e BRCA2, está associada a uma predisposição familiar ao câncer de mama. Contudo, esses alelos não são detectados na maioria dos outros casos da mesma doença. Em outros termos, nem todas as doenças de origem genética são familiares, podendo aparecer devido a mutações ou alterações cromossômicas ocorridas ao longo da vida. AS ESTRATÉGIAS SEGUIDAS Apesar de suas limitações, os testes genéticos representam um avanço significativo do ponto de vista médico e individual. Aplicados em qualquer momento da vida de uma pessoa, respondem a diferentes objetivos. O rastreio de portadores é realizado quando um casal planeja ter filhos e deseja saber se tem ou não um determinado alelo. Geralmente, é solicitado quando há casos de doença na família ou quando o casal pertence a uma população em que a frequência da doença é alta. Nas famílias afetadas, os testes genéticos identificam os indivíduos portadores de um gene ou de uma alteração cromossômica que possa trazer problemas para eles ou para sua descendência. Rastreio de portadores e aconselhamento genético são duas medidas que conseguiram diminuir a incidência de várias doenças em algumas comunidades: a anemia falciforme entre os afroamericanos, a doença de Tay-Sachs entre os judeus ashkenazim, a fibrose cística entre os irlandeses. O rastreio de erros inatos do metabolismo no recém-nascido possibilita o tratamento de algumas condições hereditárias, evitando danos e lesões irreparáveis. Aproximadamente 5% das crianças nascem com problemas congênitos ou hereditários, alguns dos quais podem ser previstos mediante testes genéticos de rastreio. A partir da década de 1960, diminuíram as deficiências mentais causadas pela fenilcetonúria, graças à implantação do Teste de Guthrie ou “do pezinho”, que mede a quantidade de fenilalanina no sangue. Uma técnica nova, derivada da espectrometria de massa, é capaz de detectar 20 transtornos metabólicos em um único teste. O diagnóstico pré-natal é realizado quando há algum risco ou indício de doença genética no feto. Por exemplo, uma concentração elevada de -fetoproteína no sangue materno, entre a 15a e a 20a semana de gravidez, indica a possibilidade de o feto apresentar anomalias, como a síndrome de Down. Neste caso, a mãe poderá ser aconselhada a fazer uma amniocentese, extraindo-se uma pequena quantidade de líquido amniótico e estudando as células do feto para confirmar ou excluir vários diagnósticos. A mãe poderá optar também por uma biopsia de vilosidades coriônicas, em que se retiram algumas células da placenta (córion) para análise. Em uma fecundação in vitro, o diagnóstico pré-natal pode preceder a implantação do embrião. Após três divisões celulares, quando o embrião se encontra num estado de oito células, uma delas é removida para a determinação do sexo e das características genéticas. O procedimento não causa dano ao embrião. No adulto, os testes genéticos são feitos a partir de alguma evidência clínica, para confirmar ou descartar um diagnóstico. Realizam-se também para prever se uma pessoa que não apresenta sintomas irá desenvolver uma doença da qual já existem casos na família (doença de Huntington, doença de Alzheimer) ou para detectar a presença de algumas mutações gênicas associadas à predisposição a alguma doença.
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TABELA 18.2. Algumas das mais de 8.000 doenças genéticas descritas. Nas doenças monogênicas, a transmissão mostra um padrão claro de herança que não é sempre fácil de evidenciar nas doenças esporádicas ou multifatoriais. Os exemplos que figuram na tabela correspondem a mutações no genoma nuclear. Fonte: Issues in Human genetics (EIBE). TIPO DE DOENÇA
Cromossômica
HERANÇA
Esporádica
Autossômica recessiva
EXEMPLO
CARACTERÍSTICAS
APARIÇÃO DOS SINTOMAS
Síndrome de Down
Grau variável de atraso mental etc.
Nascimento
Síndrome de Turner
Alterações da diferenciação sexual (mulheres)
Nascimento
Síndrome de Klinefelter
Alterações da diferenciação sexual (homens)
Nascimento
Fibrose cística
Diversas complicações devidas à secreção de muco excessivamente espesso
1-2 anos
Fenilcetonúria
Deficiência mental
Nascimento
Anemia falciforme
Anemia crônica, infecções, crises dolorosas ou hemolíticas
A partir dos 6 meses
Doença de Tay-Sachs
Surdez, cegueira, contraturas, espasticidade
3-6 meses
Talassemias
Anemia severa, deformações esqueléticas.
A partir dos 6 meses
Hipercolesterolemia familiar
Nível de colesterol alto causando doença coronária juvenil
20-30 anos
Doença de Huntington
Movimentos involuntários, demência
35-45 anos
Rim policístico
Cistos no fígado, no pâncreas, no baço e no rim
40-60 anos
Hemofilias
Alterações da coagulação sanguínea, sangramento excessivo dos ferimentos
A partir de 1 ano
Degeneração muscular
1-3 anos
Síndrome de Lesch-Nyan
Atraso mental, automutilação
Nascimento
Asma
Dificuldade em respirar
Nascimento
Doença cardiovascular
Entupimento das artérias, ataques cardíacos
Idade adulta
Monogênica
Autossômica dominante
Ligada ao X Distrofia muscular Duchenne
Multifatorial
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Contribuição genética variável
de
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 18: Biotecnologia e saúde - Testes diagnósticos
DIAGNÓSTICO PREVENTIVO E PREDITIVO Ao associar um gene a uma doença, os testes genéticos marcam o início de um tratamento apropriado, que trata os sintomas ou retarda sua aparição (hemofilia, distrofia muscular de BeckerDuchenne, fibrose cística etc.). Mas nem sempre resultam claras quais as vantagens do diagnóstico de uma alteração gênica para a qual não existe nem cura nem alívio. Neste caso, a existência de um teste de diagnóstico pode exigir escolhas muito complexas. Consideremos, por exemplo, a Coreia de Huntington, uma doença de difícil tratamento, que se manifesta tardiamente e se transmite de modo autossômico dominante. A decisão de fazer o teste depende da própria pessoa, mas atinge seus familiares, porque um diagnóstico pode ser informativo sobre a constituição genética dos outros integrantes da família. Outro exemplo é o da transmissão familiar da doença de Alzheimer, em que algumas pessoas querem saber se vão a desenvolver os sintomas e outras não. Os avanços tecnológicos recentes abrem caminho para o estudo das doenças que resultam da interação de fatores genéticos e ambientais. Já não se trata de prever uma doença, mas de calcular qual a probabilidade de vir a desenvolvê-la. A função de um diagnóstico preditivo é de dar ao paciente a possibilidade de fazer escolhas saudáveis, eventualmente modificando seu modo de vida e aumentando a vigilância frente a determinados sintomas. Hoje existem testes para a predisposição a doenças cardiovasculares, doença periodontal, predisposição ao câncer de mama, de ovário, de cólon e de endométrio. E estão sendo desenvolvidos testes preditivos de resposta a medicamentos. A predição tem suas limitações. Por exemplo, as mulheres com o gene BRCA1 têm 80% de chances de desenvolver câncer de mama aos 65 anos de idade; um risco que é considerado alto, mas sem que exista uma certeza absoluta. Graças ao diagnóstico preditivo, elas poderão aumentar as medidas preventivas, isto é, mamografias, controles médicos, etc. Mas do ponto de vista preventivo, não se pode ignorar que a predisposição familiar responde só por 5 a 10% dos casos de câncer, sendo os 90 a 95% restantes devidos a mutações adquiridas ao longo da vida. Calcula-se que em 20 anos, nos países desenvolvidos, a expansão do mercado dos testes genéticos e dos medicamentos relacionados possibilitará os tratamentos de saúde pré-sintomáticos. Quantos destes serão necessários? Quantas pessoas se sentirão erroneamente seguras em relação ao estilo de vida que adotarem? A implementação da medicina preditiva deve ser analisada criteriosamente por todos os setores da sociedade. Quem controlará a aplicação dos testes genéticos? Como garantir que a decisão de se submeter a um teste obedeça exclusivamente a uma escolha pessoal? Quem teria acesso à informação resultante? Seria possível formar uma subclasse de indivíduos sem seguros de saúde nem empregos, discriminados em função de seus genes?
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19. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / OS MEDICAMENTOS
A INDÚSTRIA DE MEDICAMENTOS A origem da farmácia é atribuída a Galeno (século II), um médico romano que, combinando elementos dos três reinos do mundo natural, elaborara numerosas preparações medicinais. Durante a Idade Média, conservou-se seu legado, a denominada “farmácia galênica”, em conventos e monastérios. No século XVI, o médico e alquimista suíço Paracelso estabeleceu as bases da farmacologia, ao postular que os agentes curativos do mundo interior (microcosmo) devem ser procurados nas substâncias químicas do mundo exterior (macrocosmo). Devemos a ele outros importantes conceitos: existe um remédio específico para cada doença e qualquer remédio pode ser tóxico, dependendo da dose. O desenvolvimento da química, no século XVIII, possibilitou a evolução das técnicas farmacológicas. Na primeira metade do século XIX, fundaram-se os primeiros laboratórios farmacêuticos. Rapidamente, os métodos artesanais foram substituídos por sistemas de produção industrial. A indústria farmacêutica cresceu solidamente ao longo do século XX. O setor compreende os fabricantes de diversas categorias de medicamentos (de marca, genéricos e de venda liberada), além das empresas que elaboram produtos novos e das que desenvolvem pesquisas, geralmente terceirizadas. A indústria sustenta numerosas atividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos. De 5.000 a 10.000 compostos que passam pelo crivo de uma primeira triagem, só um chegará ao mercado, em um processo que leva de 10 a 15 anos, a um custo aproximado de US$ 800 milhões. O retorno do investimento é garantido pelos lucros e por um sistema de patentes válido por 20 anos (Figura 19.1). O controle da produção de medicamentos depende das grandes corporações multinacionais em contínuos ciclos de fusão, consolidação e expansão. Extremamente competitivo e dinâmico, o setor é capaz de absorver rapidamente os avanços científicos e tecnológicos. Na disputa por um mercado em crescimento, destacam-se como empresas líderes: Pfizer, Novartis, Sanofi-Aventis, Merck, Roche, GlaxoSmithKline, AstraZeneca, Johnson & Johnson, Eli Lilly e Abbott. Em 2010, o mercado global de medicamentos movimentou US$ 850 bilhões, contabilizando, cada uma dessas empresas, vendas em valores superiores aos US$ 19 bilhões. No mesmo ano, os medicamentos mais vendidos foram os oncológicos, os agentes respiratórios, os reguladores de lipídios, os antidiabéticos e os antipsicóticos. Estima-se que, em 2014, o volume global de vendas de medicamentos será de US$ 1 trilhão. Apesar do número de medicamentos novos colocados no mercado ter diminuído nos últimos anos, o número de compostos em testes pré-clínicos ou clínicos aumentou. A estrutura do setor poderá ser reorganizada nos próximos anos em função da chegada de novas tecnologias robóticas, informáticas e biológicas.
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FIGURA 19.1. As etapas do desenvolvimento de um medicamento.
5.000 compostos Descoberta Fase pré-clínica
0
Início das pesquisas. Estudos laboratoriais e testes em animais para avaliar a atividade biológica e a segurança.
2
5 compostos
6 8
Testes clínicos
10 12
1 composto
Pedido de patente (3,5 a 4,5 anos).
4
Pedido de aprovação para dar início aos testes em seres humanos. Fase I: Acompanhamento farmacocinético e primeiros estudos sobre segurança e dosagem em 20 a 100 voluntários sadios (1 ano). Fase II: Eficiência e efeitos colaterais em 100 a 500 pacientes voluntários (2 anos). Fase III: Monitoramento das reações ao uso prolongado do medicamento em 1.000 a 5.000 pacientes voluntários (3 anos).
14 16
Processo de aprovação do novo medicamento (2,5 anos) Fase IV: Vigilância farmacológica
18
Procedimentos administrativos
20
Vencimento da patente
22 24
Genéricos
Anos
OS PRINCÍPIOS ATIVOS DAS PLANTAS O CASO DA ASPIRINA Devido a seu poder de curar febres e acalmar dores, a casca do salgueiro (Salix Alba) era utilizada na preparação de poções medicamentosas, já no século XVIII. Dos cristais de salicilina, que era o princípio ativo, extraía-se o ácido salicílico, esclarecendo-se rapidamente sua fórmula química. Em 1874, fundou-se a primeira empresa para sintetizar ácido salicílico, uma substância capaz de aliviar eficazmente a dor, mas com o inconveniente de causar problemas estomacais e ter um gosto muito amargo. Por acetilação do ácido salicílico, Felix Hoffman obteve o ácido acetilsalicílico, um produto com menos efeitos colaterais que começou a ser comercializado em 1900 pela Bayer, sob o nome de aspirina. Vendem-se hoje, aproximadamente, 10 bilhões de comprimidos por ano. (Figura 19.2). Embora a aspirina alcançasse uma popularização extraordinária, o seu modo de ação permaneceu desconhecido por muito tempo. Isso não impediu que fosse utilizada pelos astronautas da Apolo I, durante o primeiro voo à lua, em 1969. Dois anos mais tarde descobriu-se que a ligação entre o ácido acetilsalicílico e algumas enzimas dificulta a síntese de prostaglandinas, um grupo de substâncias produzidas naturalmente, durante as infecções ou na ocasião de ferimentos, que tornam os nervos mais sensíveis à dor. Por impedir a agregação das plaquetas, a aspirina também ajuda a prevenir problemas de coagulação sanguínea e ataques cardíacos.
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OS FITOTERÁPICOS Até o momento, foram identificadas mais de 50.000 espécies de plantas medicinais. Para a população mais pobre, muitas delas representam a única fonte de tratamento acessível. Também são utilizadas por outra parcela da população, adepta das medicinas alternativas e do consumo de medicamentos fitoterápicos tradicionais, considerados mais suaves e com menos efeitos colaterais. Nessa corrente de pensamento, o “natural” é percebido como bom, admitindo-se que o extrato vegetal seja mais eficiente que alguma de suas partes (princípio biologicamente ativo). Os fitoterápicos são produtos relativamente baratos, de venda livre e com poucas oportunidades de patentes. Contudo, sua eficácia varia com as condições de cultivo das plantas, já que a síntese das substâncias ativas depende do solo, da estação e até do momento do dia. Outras limitações importantes são a falta de conhecimento sobre os efeitos secundários, a ausência de estudos clínicos em grande escala e a carência de controles de qualidade estritos. A promoção da medicina tradicional pela WHO (World Health Organization), enunciada na declaração de Alma-Ata (1978) sobre a atenção primária a saúde, marca uma mudança de atitude em relação aos fitoterápicos. A partir de 1990, o uso dos fitoterápicos aumentou significativamente, estimando-se que o mercado global seja de US$ 62 bilhões por ano. Com a publicação de um manual relativo ao controle de qualidade dos materiais extraídos das plantas medicinais (WHO, 1998) e o estabelecimento de diretrizes gerais sobre metodologias de pesquisa e avaliação das medicinas tradicionais (WHO, 2000), o mercado dos fitoterápicos entra em uma nova etapa. AS NOVAS TECNOLOGIAS Em uma linha totalmente diferente perfilam-se as grandes empresas de produtos farmacêuticos. A descoberta recente de algumas substâncias antitumorais (taxol, vinblastina, vincristina etc.) de origem vegetal estimulou a procura por princípios ativos em plantas, animais e microrganismos, especialmente em regiões de grande biodiversidade. Contudo, as opiniões não são unânimes em relação a possíveis e eventuais descobertas de moléculas com aplicações terapêuticas. Algumas empresas farmacêuticas consideram que, em quase duzentos anos de prospecção, já teriam sido descobertos praticamente todos os princípios ativos de interesse, e preferem passar ao desenho de medicamentos por química combinatória e modelos computacionais. Outras ponderam que é na diversidade dos microrganismos e das plantas que devem ser procuradas novas moléculas, porque ainda existiriam numerosas fontes de princípios ativos desconhecidos na flora tão diversa como mal estudada de muitas regiões. FIGURA 19.2: A fórmula da aspirina.
Ácido salicílico
COOH
COOH
OH
O-CO-CH3 Ácido acetilsalicílico
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Na última década, verificaram-se mudanças enormes no campo da pesquisa de produtos naturais, graças à disponibilidade de tecnologias baseadas na robótica e na automação dos ensaios biológicos. A análise das substâncias químicas (alcaloides, terpenos, esteroides, glicosídeos etc.) presentes em uma planta ou em seu extrato depende de técnicas analíticas automatizadas e de bancos de dados nos quais armazenar os dados (Chemical Fingerprint). A robotização permite realizar ensaios de atividade biológica de até 200.000 produtos por dia (HTS, do inglês, high throughput systems). Por outro lado, os estudos quimioinformáticos estabelecem correlações entre estrutura e atividade, através de métodos estatísticos. Uma vez identificado um princípio ativo, suas características farmacológicas poderão ser melhoradas mediante transformações químicas, chegando-se a substituir uma molécula natural por outra sintética equivalente ou ligeiramente modificada. A IMPORTÂNCIA DE UM MARCO LEGAL Nos países que contam com uma biodiversidade importante discute-se como desenvolver os estudos de bioprospecção e qual o papel que deveria ser desempenhado pelas instituições, nacionais e estrangeiras, e pelas empresas farmacêuticas. O risco de biopirataria é real. No século XIX plantas de seringueira foram levadas de modo sub-reptício da Amazônia à Malásia. O captopril, um medicamento derivado do veneno da cobra Bothrops, é hoje importado pelo Brasil em uma versão sintética. Na Costa Rica, o InBio (Instituto Nacional de Biodiversidade) negociou, a partir de 1991, acordos de bioprospecção no valor de US$ 1 milhão com a Merck, e mais tarde com outras empresas farmacêuticas. Estes acordos contribuíram para aumentar a capacitação do país desde vários pontos de vista: científico, tecnológico e institucional. No entanto, apesar de ter encontrado várias moléculas promissoras, até o momento nenhuma delas originara um medicamento novo. Aproximadamente na mesma época teve início um programa de prospecção de agentes bioativos em terras áridas da América Latina. O programa envolveu instituições norte-americanas (Universidade do Arizona, National Institute of Health [NIH], United States Department of Agriculture [USDA]), argentinas (Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária [INTA], Universidad de la Patagonia), chilenas (Pontificia Universidad Católica de Chile) e mexicanas (Universidad Nacional Autónoma de México). Os resultados das pesquisas desenvolvidas durante oito anos estão armazenadas em um banco de dados. As numerosas críticas levantadas por estas e outras iniciativas como o convênio NovartisFundação Bio-Amazônia (2000) mostram as dificuldades em estabelecer normas de trabalho dentro do marco legal para a proteção da biodiversidade, respeitando a Convenção da Diversidade Biológica (1992).
FIGURA 19.3. A fórmula da penicilina. Na fórmula da penicilina pode-se observar um anel lactâmico e uma cadeia lateral (R). Algumas bactérias sintetizam -lactamases, enzimas que, ao destruir o anel correspondente, desativam as penicilinas naturais. Modificando a cadeia lateral, obtiveram-se as penicilinas semissintéticas, resistentes a essas enzimas.
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AS SUBSTÂNCIAS ANTIBIÓTICAS O CASO DA PENICILINA Até a Segunda Guerra Mundial, as únicas armas disponíveis na luta anti-infecciosa eram umas poucas vacinas e antitoxinas. No início do século XX fora descoberto, no laboratório de Paul Ehrlich, um derivado do arsênico para o tratamento da sífilis. Comercializado em 1910 pela empresa Hoechst, o Salvarsan resultou em um terrível fracasso por duas razões: era tóxico e devia ser injetado, em uma época em que não existiam seringas. Os primeiros inibidores bem sucedidos do crescimento microbiano foram as “sulfas”, derivados da sulfonamida, no final da década de 1930. Em 1928, o bacteriologista Alexander Fleming observou que, em um cultivo de estafilococos semeado em uma placa de Petri e contaminado por um fungo, as bactérias não cresciam ao redor do contaminante. Além de isolar, cultivar e identificar esse fungo como sendo o Penicillium notatum, Fleming conseguiu extrair uma substância, a penicilina, e testá-la em animais. A penicilina revelou-se um antisséptico eficaz que, não sendo tóxico nem causador de irritação, podia ser aplicado ou injetado em doses maciças. Este resultado não teve repercussão alguma na comunidade científica. Durante quase 10 anos, Fleming tentou, sem sucesso, obter penicilina em estado puro. Em 1940, nos laboratórios da Universidade de Oxford, H. Florey e E. Chain obtiveram um sal sódico de penicilina com baixo grau de pureza (Figura 19.3). Este produto teve um efeito extraordinário nos primeiros ensaios clínicos, mas a quantidade disponível resultou pequena para o seu uso terapêutico. Com o objetivo de iniciar sua produção em grande escala, Florey e Chain transferiram-se em 1941 para Peoria (Illinois, Estados Unidos), onde a participação da indústria farmacêutica (Pfizer, Merck) foi decisiva para o sucesso da tarefa. Dois fatores possibilitaram a produção industrial de penicilina. O primeiro, a descoberta em um melão podre de uma linhagem de Penicillium chrysogenum, capaz de produzir 200 vezes mais penicilina que a linhagem original. O segundo foi o aumento da produtividade, que passou de 50 mg/l a 50-100g/l, mediante a substituição do cultivo em garrafas pelo cultivo submerso em biorreatores, com capacidade entre 40.000 e 200.000 litros. Graças a essas mudanças, as forças aliadas dispuseram de suficiente penicilina para o tratamento dos soldados feridos na invasão da Europa, em 1944. OS LIMITES AO USO DE ANTIBIÓTICOS Após o sucesso da penicilina, começou a triagem de outros antibióticos nos microrganismos do solo, um ambiente muito competitivo onde essas substâncias conferem uma vantagem seletiva. Assim, descobriram-se a actinomicina, a neomicina e a estreptomicina, esta o primeiro antibiótico eficiente para o tratamento da tuberculose. Um pouco mais tarde os antibióticos de amplo espectro, como o cloranfenicol, a aureomicina e a terramicina, entraram no mercado. Paralelamente, a indústria procedeu ao aprimoramento dos métodos de extração e de purificação, assim como da pesquisa de formas moleculares alternativas que facilitassem sua utilização na atividade clínica. Além de produtos de origem natural (antibióticos), hoje contamos com outros de origem sintética (antibacterianos). O cloranfenicol, extraído de Streptomyces venezuelae, também é produzido por síntese química. A descoberta de novos produtos (eritromicina, vancomicina, ampicilina, meticilina, cefalosporina) possibilitou a cura de doentes e feridos para os quais, meio século atrás, a medicina não tinha tratamento.
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Contudo, o tempo mostrou o outro lado da moeda. O uso clínico indiscriminado de antibióticos favoreceu a aparição de linhagens resistentes que se espalharam rapidamente. Os antibióticos agem de diversos modos, mas sempre alvejando algumas poucas funções vitais da célula, tais como a síntese da parede celular, dos ácidos nucleicos, das proteínas ou do ácido fólico. Para cada alvo atingido, aparece uma forma específica de resistência. O anel -lactâmico das penicilinas e cefalosporinas é desativado mediante a síntese de -lactamases. A inibição da síntese proteica pela estreptomicina desaparece com uma modificação do sítio-alvo no ribossomo. A tetraciclina é bombeada para fora das células se houver uma alteração da permeabilidade celular. Por outro lado, a transferência horizontal de plasmídeos pode disseminar a resistência múltipla às drogas. De fato, nessa corrida sem fim entre a utilização de antibióticos e a aparição de microrganismos resistentes, novos medicamentos deverão ser descobertos, se quisermos manter alguma vantagem sobre as bactérias. A NECESSIDADE DE INOVAÇÃO As principais classes de antibióticos foram descobertas entre 1940 e 1962. Posteriormente, passaram-se várias décadas sem grandes inovações neste campo, até a chegada das oxazolidinonas, que são moléculas bloqueadoras da síntese de proteínas bacterianas (Tabela 19.1). Existem muitas substâncias com propriedades antibióticas, mas poucas são interessantes do ponto de vista clínico. Devido às dificuldades encontradas em descobrir moléculas novas, e para contornar a aparição de resistência, a indústria investiu nas chamadas Me-too-Drugs, isto é, substâncias iguais com pequenas modificações químicas. Por outro lado, o vencimento de muitas das patentes possibilitou o aparecimento das formas genéricas de alguns dos antibióticos mais difundidos, como o Augmentin (amoxacilina/clavulanato) ou o Cipro (ciproflaxin). Nos últimos anos, muitas empresas abandonaram o mercado para atender o setor bem mais lucrativo das doenças crônicas. Não obstante, cinco das maiores ainda continuam produzindo antibióticos: Abbott, Novartis, AstraZeneca, Merck, Pfizer e Johnson & Johnson. Outras firmas novas ocuparam o espaço vacante, como Basilea Pharmaceutica LTd., que lançou o Ceftobiprole, uma cefalosporina de quinta geração, eficaz contra os MRSA (do inglês, meticillin-resistent Staphylococcus aureus) e outros supermicróbios. TABELA 19.1. A linha do tempo de entrada dos antibióticos e antibacterianos no mercado.
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ANTIBIÓTICOS E ANTIBACTERIANOS
DATA
Sulfonamidas (Sulfas)
1936
Β-lactâmicos
1940
Cloranfenicol, tetraciclinas
1949
Aminoglicosídeos
1950
Macrolídeos
1952
Quinolonas, estreptograminas
1962
Oxazolidinonas
2000
Lipopeptídeos
2003
Glicilciclinas
2005
Mutilinas
2007
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde - Medicamentos
Os antibióticos representam 65% do mercado de medicamentos anti-infecciosos, que inclui também os antivirais e os antifúngicos. Estima-se que, em 2015, o volume global de vendas de antiinfecciosos alcance os US$ 40 bilhões. Atualmente, existem várias estratégias para o desenvolvimento de novos antibióticos. Podem-se procurar compostos ou extratos naturais com atividade inibitória do crescimento de microrganismos, em sistemas robotizados para triagens de alto desempenho (HTS, high-throughput screening). Ou pesquisar os peptídeos naturais, produzidos por seres vivos terrestres e marinhos, e incrementar sua ação antibiótica mediante alterações na estrutura molecular. A construção de peptídeos sintéticos por química combinatória também é uma alternativa interessante. Em outra linha de ação está a procura, no metabolismo do hospedeiro, de algum alvo que impeça a infecção. Os novos métodos in silico possibilitam a triagem de estruturas moleculares relacionadas com uma atividade biológica determinada, assim como a utilização dos dados genômicos para identificar um alvo medicamentoso. Esta estratégia pareceria ser mais interessante com bactérias que com vírus. No entanto, é provável que o sucesso no desenho de produtos novos dependa da genômica comparativa e funcional dos microrganismos, uma disciplina capaz de esclarecer a função dos genes e de mostrar quais os alvos que poderiam ser atacados. Centenas de genomas bacterianos já têm sido sequenciadas. O caminho está sendo trilhado por algumas pequenas empresas biotecnológicas, apesar de ser muito difícil enfrentar a etapa dos testes clínicos, que demanda inversões estimadas em US$ 150-200 milhões, valores altíssimos que só podem ser cobertos pelas grandes empresas farmacêuticas. Estima-se que os antibióticos baseados na genômica estejam disponíveis na próxima década.
AS PRIMEIRAS MOLÉCULAS TERAPÊUTICAS O CASO DA INSULINA A insulina é um hormônio, isto é, um mensageiro químico, que é produzido no pâncreas e regula o metabolismo do açúcar (glicose) no corpo (Figura 19.4). Quando a insulina secretada pelo pâncreas baixa, o nível de glicose no sangue aumenta e passa a ser excretada na urina, arrastando muita água e causando sede excessiva. As complicações resultantes incluem nefropatias, retinopatias, neuropatias e doenças cardiovasculares. O quadro descreve o diabetes mellitus, uma doença conhecida há séculos e que hoje pode ser tratada. Em 5 a 10% dos casos, a falta de insulina é consequência da destruição das células do pâncreas pelo sistema imune. Trata-se de uma forma da doença que ataca crianças e adolescentes (diabete de tipo 1). Nos casos restantes, as pessoas precisam de mais insulina da que produzem (diabete de tipo 2). Esta forma costuma se manifestar em pessoas mais velhas, com sobrepeso, inativas e com uma história familiar. O tratamento envolve dieta e exercícios moderados, além de medicamentos, entre os quais, eventualmente, a insulina.
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FIGURA 19.4. A estrutura da molécula de insulina humana.
Cadeia B
Cadeia A
FIGURA 19.5. A síntese da insulina. A) A síntese in vivo da insulina, nas células pancreáticas. Peptídeo sinal
Tradução
mRNA de insulina
Remoção do sinal e união das cadeias A e B
Molécula precursora
Remoção da cadeia C
Pró-insulina
Insulina
B) A síntese em Escherichia coli (1982). Um organismo procarionte é incapaz de realizar modificações pós-traducionais. É possível sintetizar próinsulina para transformá-la enzimaticamente em insulina, ou sintetizar cada uma das cadeias em separado e associá-las mais tarde, como ilustrado no esquema. Síntese da cadeia A
Inserção no plasmídeo e clonagem em E.coli Síntese da cadeia B
Inserção no plasmídeo e clonagem em E.coli
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Extração da cadeia proteica A União química das cadeias A e B Extração da cadeia proteica B
Insulina
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Em 1920, F. Banting comprovou o efeito hipoglicemiante de extratos de pâncreas de cachorro. Logo depois, deu-se início à comercialização de insulina extraída de pâncreas bovinos e porcinos. Essas insulinas animais salvaram numerosas vidas, mas, por diferir da insulina humana em alguns aminoácidos, acabavam causando reações alérgicas. Do ponto de vista da estrutura química, as diferenças são pequenas. A molécula de insulina humana consta de 51 aminoácidos distribuídos em duas cadeias unidas entre si por pontes bissulfeto. A insulina bovina difere da humana nas posições 8 e 10 da cadeia A e na posição 30 da cadeia B, mas a insulina porcina só difere na posição 30 da cadeia B. O tamanho da molécula de insulina torna a síntese química economicamente inviável (Figura 19.4 A). Contudo, basta substituir um aminoácido (alanina) por outro (treonina) na extremidade de uma das cadeias da insulina suína para que a sequência molecular passe a ser a mesma da insulina humana. Esta insulina semissintética representou um enorme progresso em relação às insulinas animais, apesar de permanecerem alguns problemas relacionados com a obtenção da matéria-prima e o tratamento de resíduos. A tecnologia do DNA recombinante revolucionou a produção de insulina humana porque possibilitou sua síntese em microrganismos geneticamente modificados: primeiro em Escherichia coli (Eli Lilly, 1982), mais tarde em leveduras (Novo, 1987). Por ser um produto mais estável e de melhor qualidade que os existentes no mercado, a insulina recombinante representa um dos primeiros e indiscutíveis sucessos da biotecnologia (Figura 19.5 A e 19.5 B).
A SUBSTITUIÇÃO DO PRODUTO NATURAL Seja por influência de fatores genéticos, ambientais ou culturais, ou também pela existência de melhores métodos de diagnóstico, milhões de pessoas no mundo inteiro dependem hoje de injeções regulares de insulina.A incidência da diabete de tipo 2 está aumentando em crianças e adolescentes, em alguns grupos étnicos que adotaram modos de vida e de alimentação diferente e, também, nas populações urbanas de migrantes. E, segundo as estimativas, em 2025 o número de diabéticos poderia chegar a 300 milhões. As insulinas humanas, recombinante e semissintética, substituíram as insulinas mistas (boi, porco) que, no entanto, permanecem no mercado a um preço inferior. Algumas inovações, como o grau de pureza e o tempo de reação são de grande importância para a eficácia do tratamento. Nos próximos anos, o mercado passará por reformulações, ao expirar algumas patentes e serem disponibilizadas insulinas não injetáveis, administradas oralmente ou por inalação. Atualmente, a produção de insulina humana recombinante se concentra em três grandes conglomerados farmacêuticos: Eli Lilly, Novo Nordisk e Aventis (uma fusão de Hoechst e Rhône Poulenc). No Brasil, a Novo Nordisk absorveu recentemente a área de produção da Biobrás, uma empresa brasileira que durante mais de 20 anos abasteceu de insulina grande parte do mercado latinoamericano. Uma nova firma (Biomm) conservou a patente para a insulina humana, desenvolvida anteriormente pela Biobrás. Encontram-se em andamento vários projetos visando reiniciar a produção nacional de insulina (Biomm e União Química; Farmanguinhos). Na Argentina, a insulina humana recombinante está sendo produzida por Laboratórios Denver Farma.
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TABELA 19.2. Alguns biofármacos de interesse médico. 0
Fonte: Nature Biotechnology, 2003, vol. 21, nº8, em Porque Biotecnologia, Cuaderno n 49 PRODUTO FATORES DE COAGULAÇÃO Fator VIII Fator IX Fator VIIa ANTICOAGULANTES Fator ativador de plasminogênio Fator ativador de plasminogênio Hirudina
SISTEMA DE PRODUÇÃO
INDICACÃO TERAPÊUTICA
Cultivo de células de mamífero Cultivo de células de mamífero Cultivo de células de mamífero
Hemofilia A Hemofilia B Certas formas de hemofilia
Cultivo de células de mamífero Escherichia coli Leveduras
Infarto de miocárdio Infarto de miocárdio Trombocitopenia e prevenção de trombose Diabetes mellitus
Hormônio de crescimento
Leveduras Escherichia coli Escherichia coli
Hormônio folículo-estimulante
Cultivo de células de mamífero
Hormônio paratiróideo Gonadotrofina coriônica Tirotrofina
Escherichia coli Cultivo de células de mamífero Cultivo de células de mamífero
Hormônio luteinizante Calcitonina Glucagon FATORES HEMATOPOIÉTICOS Eritropoietina (EPO) Fator estimulante de colônias de granulócitos/macrófagos (GMCSF) Interferon e interleucinas Interferon alfa (IFN alfa)
Cultivo de células de mamífero Escherichia coli Leveduras
HORMÔNIOS Insulina
Cultivo de células de mamífero Escherichia coli
Anemia Neutropenia, transplante autólogo de medula
Escherichia coli
Hepatite B e C, diferentes tipos de câncer Esclerose múltipla Granulomatose crônica
Interferon beta (IFN beta) Cultivo de células de mamífero Interferon gamma (IFN gamma Escherichia coli 1b) Interleucina 2 (IL-2) Escherichia coli VACINAS Hepatite B Leveduras Hepatite A Leveduras Doença de Lyme Escherichia coli ANTICORPOS MONOCLONAIS RECOMBINANTES Anti-IgE (recombinante) Cultivo de células de mamífero Anti-TNF (recombinante) Cultivo de células de mamífero Anti-IL2 Cultivo de células de mamífero OUTROS PRODUTOS RECOMBINANTES Proteína morfogênica do osso-2 Cultivo de células de mamífero Galactosidase Cultivo de células de mamífero Iaronidase Proteína C β-glucocerebrosidase DNAse 238
Deficiência do hormônio em crianças, acromegalia, síndrome de Turner Infertilidade, anovulação e superovulação Osteoporose Reprodução assistida Detecção /tratamento de câncer de tireóide Algumas formas de infertilidade Doença de Paget Hipoglicemia
Cultivo de células de mamífero Cultivo de células de mamífero Escherichia coli Cultivo de células de mamífero
Câncer de rim Imunização contra a hepatite B Imunização contra a hepatite A Imunização contra a doença de Lyme Asma Artrite reumatoide Prevenção da rejeição aguda do transplante de rim Fratura de tíbia Doença de Fabry (deficiência de αgalactosidase) Mucopolissacaridose Sepse severa Doença de Gaucher Fibrose cística
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 19: Biotecnologia e saúde - Medicamentos
AS PROTEÍNAS RECOMBINANTES AS BASES TECNOLÓGICAS O tamanho das proteínas de uso terapêutico é 100 vezes maior que o das moléculas presentes nos medicamentos convencionais. Os métodos extrativos fornecem quantidades mínimas que não chegariam nunca a satisfazer a demanda do mercado, de modo que a produção dessas proteínas seria inviável sem a tecnologia do DNA-recombinante. A rápida incorporação das novas tecnologias nos métodos de produção facilitou, já na década de 1980, a obtenção de insulina e de interferon mediante bactérias e leveduras modificadas geneticamente, cultivadas em biorreatores. Em alguns casos, os microrganismos foram substituídos por células animais que, apesar de mais difíceis de cultivar, são capazes de levar a cabo as modificações pós-traducionais indispensáveis. Com o objetivo de aumentar a produtividade e diminuir os custos, foram construídos plantas e animais transgênicos (vacas, cabras, ovelhas etc.) para uma centena de proteínas de tipo recombinante, muitas das quais se encontram já na fase de testes clínicos. O primeiro anticoagulante extraído do leite de uma cabra transgênica entrou no mercado em 2009 (Atryn, GTC Biotherapeutics). A hostilidade da sociedade com as plantas e alimentos transgênicos não existe em relação aos animais transgênicos e os medicamentos. O princípio de equivalência, contencioso no setor de agroalimentos, é totalmente aceito em relação aos novos medicamentos. Uma atitude contraditória que nos incita à reflexão. OS PRODUTOS E SUAS UTILIZAÇÕES As proteínas terapêuticas cumprem diversas funções (Tabela 19.2). Algumas substituem ou complementam moléculas naturais: hormônios, interferons, interleucinas, fatores estimuladores do crescimento celular, fatores de coagulação sanguínea, enzimas. Outras são produtos especialmente desenhados para cumprir uma função medicamentosa: trombolíticos (tPA ou fator ativador de plasminogênio, estreptoquinase, uroquinase), anticorpos monoclonais e antígenos bacterianos para vacinas. Utilizam-se fundamentalmente nas áreas médicas de hematologia, oncologia, diabetes e endocrinologia, artrite, inflamação, doenças imunes e doenças genéticas lisossômicas (Gaucher, Hurler, Fabry, Pompe). A INDÚSTRIA BIOTECNOLÓGICA Estima-se que o mercado global de produtos biotecnológicos será de US$ 103 bilhões em 2014, o que representa pouco mais da décima parte do mercado farmacêutico mundial. Mais de 300 proteínas aprovadas e muitas outras em testes clínicos indicam um mercado em crescimento, do qual o setor mais dinâmico é o dos anticorpos monoclonais, com uma previsão de mais de US$ 79 bilhões em 2015. Em função dos avanços nos estudos genômicos, muitos outros biofármacos serão descobertos e patenteados nos próximos anos. Os imensos bancos de dados e as técnicas de triagem assistidas por computador permitirão diminuir o tempo necessário para os estudos experimentais.
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Vários dos biofármacos líderes de vendas são anticorpos terapêuticos (Tabela 19.3). A maioria se destina principalmente à oncologia e ao tratamento de artrite e outras doenças imunes e inflamatórias. Contudo, existe pelo menos um que permite a obtenção de imagens, e outro em que a molécula se encontra acoplada a uma toxina que destrói a célula cancerosa. Quase uma centena se encontra na fase final do processo de aprovação. Na América Latina existe uma indústria farmacêutica que fabrica medicamentos para consumo interno e para exportação, destacando-se Argentina, Brasil, Cuba e México. Os principais produtos biotecnológicos são os anticoagulantes (eritropoietina), os hormônios, os interferons (α e β) e os fatores estimuladores do crescimento celular. A Argentina conta com um setor farmacêutico sólido e competitivo. Várias proteínas recombinantes são produzidas localmente, por três empresas biotecnológicas nacionais (Bio Sidus, PC-gen, Zelltek) que vendem seus produtos através de suas empresas farmacêuticas correspondentes (Sidus, Pablo Cassará) e as exportam para diversos países de Ásia, Oriente e América Latina. Uma empresa estrangeira, Sanofi, produz vacinas contra a hepatite B. Bio Sidus obteve sucesso com seu tambo farmacéutico, pequenos rebanhos de vacas transgênicas produtoras de hormônio de crescimento, de insulina ou de leite maternizado, um empreendimento que irá sem dúvida lhe garantir uma posição de destaque no setor produtivo. TABELA 19.3. As principais proteínas terapêuticas comercializadas atualmente. NOME GENÉRICO
NOME COMERCIAL
α e β Eritropoietina
Epogen, Epogin, Procrit, NeoRecormon, Aranesp
Eprex,
Amgen, Johnson & Johnson, Roche, Kirin, Sankyo
α e β Interferon
PEG Íntron, Pegasys Avonex, Rebif, Betaseron,
Schering Plough, Roche, Biogen Idec, Serono, Schering AG, Chiron
Insulina Humana
Novulin, Humalin, Humalog
Novo Nordisk, Lilly
Granulócitos - Fator estimulante do crescimento de colônias G-CSF
Neupogen, Neulasta
Amgen, Roche, Schering
Rituximab
Rituxan
Roche
Etarnecept
Enbrel
Amgen, Wyeth
Infliximab
Remicade
Johnson & Johnson
Trastuzumab
Herceptin
Roche
Hormônio de crescimento
Serostim, Saizen, Protopin, Neutropin
Palivizumab
Synagis
MedImmune
Hormônio folículo estimulante FSH
Gonal F, Folistim
Serono, AkzoNobel
Glucocerebrosidase
Cerezyme, Ceradase
Genzyme
Adalimumab
Humira
Abbott
Fator VII
Novo Seven
Novo Nordisk
Toxina botulínica
Botox
Allergan
Bevacizumab
Avastin
Genentech, Roche
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EMPRESAS
Humatrope,
Serono, Biogen Idec, Roche, Novo Nordisk, Akzo Nobel, Lilly
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O Laboratório Pablo Cassará é outra empresa tradicional que proximamente irá colocar no mercado uma nova vacina em duas doses contra a hepatite B e, recentemente, obteve uma enzima recombinante capaz de reparar as lesões causadas pela exposição aos raios X. Ambas as empresas distribuem seus produtos no Brasil. Diferente da Argentina, no Brasil as empresas públicas como Farmanguinhos e Instituto Butantã tem um papel determinante na produção de medicamentos, destacando-se respectivamente na produção de retrovirais e de eritropoietina. Contudo, depende-se ainda da importação de biofármacos, alguns dos quais são inclusive distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (eritropoietina, imunoglucerase, infliximab, interferon, somatotropina recombinante humana). Acordos de transferência de tecnologia para 25 produtos, envolvendo laboratórios nacionais (públicos e privados) e estrangeiros, visam reverter essa dependência. No México, a empresa ProBioMed tem desenvolvido com o setor universitário uma dezena de proteínas recombinantes (anticoagulantes, interferons, fatores estimuladores do crescimento celular) para uso interno e exportação para outros países de América Central e América do Sul. Outros laboratórios (Silanes, Bioclón) têm se destacado na produção de antitoxinas. Cuba tem registrados numerosos produtos biotecnológicos, desenvolvidos por Centros de Pesquisa (Centro de Inmunología Molecular, Centro de Ingeniería Genética y Biotecnología, Centro Nacional de Biopreparados e Instituto Finlay) e comercializados por empresas farmacêuticas associadas (Heber Biotec, CIMAB etc.). Hoje Cuba produz 11 vacinas, mais de 40 moléculas terapêuticas e vários sistemas de imunodiagnóstico. Esses produtos renderam aproximadamente 900 patentes no exterior e são exportados para 40 países. Assim como o níquel, o tabaco e o açúcar, a biotecnologia é um dos principais produtos de exportação da ilha. OS MEDICAMENTOS PERSONALIZADOS A FARMACOGENÔMICA O mapeamento do genoma foi o primeiro passo para o desenvolvimento de novos produtos e ações terapêuticas, um terreno onde se afirma a farmacogenômica, uma disciplina nova que visa identificar as diferenças genéticas associadas a diversas doenças. Dado que os seres humanos compartilham 99,9% do genoma, as variações entre eles devem ser procuradas no 0,1% restante, quer dizer, entre os 30 milhões de polimorfismos de um único nucleotídeo ou SNPs (do inglês, single nucleotide polymorphisms). Trata-se de variações de uma base a cada 1.000 nucleotídeos, distribuídas ao longo do genoma. As mais interessantes são as que ocorrem dentro de um gene ou em uma região reguladora. O estudo de cada um desses SNPs está além das capacidades tecnológicas atuais, mas sabendo que dois pontos que se encontram muito próximos no cromossomo tenderão a ser transmitidos juntos, pode-se dividir o cromossomo em blocos de aproximadamente 10.000 bases (haplótipos) e caracterizá-los por alguns dos SNPs de cada bloco (Figura 19.6). Este é o objetivo do International HapMap, recentemente concluído e baseado no genoma de pessoas de origem europeia, asiática e africana. A importância do mapeamento do genoma foi claramente percebida pelas empresas farmacêuticas. Antes de se completar o sequenciamento, algumas das grandes empresas farmacêuticas (Glaxo Wellcome, Novartis) começaram a compilar informações sobre os genes que podiam ser associados a doenças e a localizar SNPs dentro de alguns genes previamente selecionados.
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FIGURA 19.6. Os fundamentos do projeto internacional HapMap.. Os SNPs são variações de uma base na sequência do DNA. Basta a presença de dois SNPs em um segmento de DNA para conseguir diferenciar três indivíduos.
Indivíduo 1. A...C...A...T...G...T T...G...T...A...C...A Indivíduo 2. A...C...A...G...G...T T...G...T ...C...C...A Indivíduo 3. G...C...A...T...G...T C...G...T...A...C...A
Considerando que as doenças devem ser estudadas no contexto evolutivo e histórico de uma população, em 1999 a empresa americana deCode obteve da Islândia, por US$ 200 milhões, a exclusividade para elaborar um gigantesco banco de dados incluindo os registros de saúde, as genealogias e os perfis de DNA de seus habitantes. Povoada há 1.000 anos pelos viquingues e com poucos contatos com outras populações, a Islândia (270.000 habitantes) conta com uma população homogênea especialmente apta para este tipo de estudos. O projeto suscitou controvérsia. Um acordo da deCode com a Hoffmann-La Roche visava identificar os genes responsáveis por várias doenças. No caso de serem obtidos resultados positivos, os habitantes de Islândia teriam direito, por cinco anos, à gratuidade nos medicamentos desenvolvidos. Em função dos problemas éticos e legais levantados oportunamente, a empresa enfrentou algumas dificuldades na construção de seu banco de dados de 140.000 islandeses. Apesar de ter descoberto uma dezena de alvos medicamentosos, entre os quais proteínas envolvidas em doença cardíaca, osteoporose e esquizofrenia, a empresa não obteve resultados suficientemente rápidos para satisfazer os seus investidores. Em bancarrota, a empresa acabou sendo vendida, em 2009, para a Saga Investments LLC e Illumina. Hoje, a nova deCode, chamada deCODEme, comercializa testes diagnósticos e estudos genômicos. Devido a impedimentos legais, os dados e as amostras biológicas não puderam ser vendidos e permanecem na Islândia. Existem outros projetos na mesma linha de investigação, tais como Estonian Genome (Estonia), Galileo Genomics (Canadá), Oxagen (Inglaterra), Rockefeller University (Micronésia), UK.Bank (Inglaterra). Wellcome Trust Case Control Consortium encontrou 24 associações a 7 doenças (Crohn, diabetes 1 e 2, doença cardiovascular, hipertensão, artrite reumatoide e transtorno bipolar). A FARMACOGENÉTICA Outra disciplina nova é a farmacogenética, que investiga, dentro da população, as diferenças genéticas que permitem prever diferentes respostas a um medicamento. As reações adversas são temidas tanto pelos consumidores como pelos médicos e a indústria farmacêutica, que se protege mediante bulas cuidadosamente redigidas. Só nos Estados Unidos, as reações adversas causam 100.000 mortes e 2 milhões de hospitalizações por ano.
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Os medicamentos passam por várias fases de estudos clínicos antes de chegar ao mercado. Contudo, nem todas as pessoas reagem igualmente a um medicamento, de modo que este pode resultar eficiente para uns e tóxico para outros. Por exemplo, aproximadamente 60% dos medicamentos são metabolizados por uma família de enzimas (citocromo P450). Algumas pessoas os degradam rapidamente, e outras não, dependendo de suas características enzimáticas individuais. Sabendo a qual dos dois grupos pertence um paciente, pode-se determinar qual a dose do anticoagulante que lhe deverá ser administrada, minimizando os efeitos adversos. Quando ocorrem em uma frequência baixa, as reações adversas a um medicamento podem ser detectadas unicamente a partir da terceira fase dos estudos clínicos, que envolvem entre 1.000 e 5.000 voluntários. Muitos medicamentos não conseguem superá-la, e houve casos em que tiveram que ser retirados do mercado, mesmo após serem comercializados. É o caso do Vioxx (Merck), um medicamento sumamente eficaz para a artrite e a dor, mas que aumentava o risco de ataques cardíacos e derrames, tendo que ser descontinuado em 2004. Associando marcadores genéticos a respostas diferenciais a medicamentos, pode-se dividir a população em subgrupos e oferecer um tratamento “personalizado”. Atualmente, antes de iniciar um tratamento de câncer de mama com a herceptina, deve-se realizar um teste genético na paciente para saber se o medicamento se ajusta, ou não, ao seu caso. Em pacientes HIV positivos, procura-se determinar a presença do alelo HLA-B*5701 antes de iniciar o tratamento com abacavir, porque os portadores desse alelo podem ser hipersensitivos ao medicamento. O desenvolvimento da farmacogenética dará aos pacientes mais chances de receber a medicação adequada, na dose certa. Por outro lado, as empresas farmacêuticas poderão escolher seus voluntários para os testes clínicos no subgrupo apropriado, evitando que um produto novo seja descartado por falta de resposta adequada. No futuro, em vez de um único produto campeão de vendas, as empresas farmacêuticas poderão oferecer medicamentos diferentes, cada um dos quais respondendo às expectativas de um tipo de consumidor. O CUSTO DOS NOVOS MEDICAMENTOS Estima-se que só 3% dos medicamentos desenvolvidos entre 1975 e 1999 foram dedicados ao tratamento de doenças tropicais, e a metade fora incentivada pela Organização Mundial da Saúde. Apesar das empresas farmacêuticas dedicarem algumas pesquisas às doenças negligenciadas dos países em desenvolvimento, ainda faltam medicamentos adequados. Do consumo mundial de medicamentos, 88% correspondem a um bloco de regiões formado por América do Norte (49%), Europa (28%) e Japão (11%). Como a população destes países está envelhecendo, os principais alvos para o desenvolvimento de medicamentos novos são as doenças cardiovasculares, o câncer, as alterações respiratórias assim como outras doenças que afetam a qualidade de vida (osteoporose, artrite, doenças de Parkinson e de Alzheimer). A maioria das grandes corporações está instalada nos Estados Unidos, onde, além de seu principal mercado, encontram uma legislação favorável. Na América Latina, o setor está dominado pelas empresas internacionais e, salvo algumas exceções analisadas previamente (Bio Sidus, ProBioMed, Heber Biotec), há poucos investimentos na pesquisa e no desenvolvimento de novos produtos. O custo dos medicamentos depende em grande parte dos investimentos da indústria farmacêutica na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos (US$ 800 milhões em 2002). O tempo e o custo de desenvolvimento de um medicamento dependem da duração dos testes clínicos e do uso da tecnologia (robótica, bioinformática, química combinatória, triagem de compostos biológicos em alta velocidade, biochips e microarrays). 243
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Para as grandes empresas farmacêuticas, uma medida do sucesso significa conseguir um medicamento que alcance um valor de vendas de US$ 1 bilhão (blockbusters), o que não é fácil. Em termos de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, qualquer doença que afete menos de 200.000 pessoas é desinteressante para a indústria, se esta não receber algumas compensações. Nos Estados Unidos, o Orphan Drug Act (1983) garante incentivos financeiros às empresas farmacêuticas que desenvolvam produtos para essas doenças. Também garante que, durante sete anos, nenhum medicamento equivalente será aprovado, a não ser que se trate de outro que lhe seja superior. Legislações equivalentes foram promulgadas em outros países (Japão, 1993; Austrália, 1998; Cingapura, 1999; União Europeia, 2000). Abre-se assim um campo no qual as empresas de biotecnologia se inserem com sucesso, já que os seus produtos visam doenças de origem genética, envolvendo alterações de receptores celulares, enzimas e proteínas estruturais. PATENTES E GENÉRICOS A patente sobre um medicamento confere à empresa que o desenvolveu o direito de exclusividade sobre sua comercialização durante vinte anos. Ao vencer a patente de um medicamento, este se torna de domínio público, podendo ser copiado e comercializado a um preço 30 a 50% menor. Isto porque, além de sustentar os custos de pesquisa e desenvolvimento de um medicamento, uma boa parte do orçamento das empresas farmacêuticas se dedica à propaganda e marketing de seus produtos. A partir do vencimento da patente, os medicamentos genéricos podem entrar no mercado. Estes são produtos que contêm o mesmo princípio ativo e a mesma dose que o medicamento de referência, assim como os mesmos efeitos terapêuticos. As grandes empresas farmacêuticas não descuidam do mercado global de medicamentos genéricos, que chega a US$ 169 bilhões. No entanto, a produção de genéricos é possível para qualquer empresa que domine as dificuldades tecnológicas do processo produtivo. Além de medicamentos de marca (inovadores), ou genéricos (com o mesmo princípio ativo e bioequivalente ao inovador), na América Latina se comercializam medicamentos similares, isto é, com o mesmo princípio ativo que o inovador, mas sem nenhuma garantia de bioequivalência. Estas cópias geralmente foram lançadas no mercado na falta de uma lei de patentes ou anteriormente a sua promulgação. Os genéricos são identificados mediante uma denominação comum internacional, mas, em alguns países, essa denominação é usada para os similares, confundindo o consumidor. Por enquanto, o Brasil é o único com a exigência legal de aprovação dos testes de bioequivalência para que um medicamento possa ser rotulado como genérico. A produção de sete antivirais genéricos para o tratamento de HIV/AIDS por Farmanguinhos, com igualdade de preço, e a preferência destes sobre os medicamentos de marca para sua compra e distribuição na rede pública de saúde representam para o Brasil uma economia de mais de US$ 400 milhões por ano. Em relação aos produtos biotecnológicos, proximamente estarão vencendo as patentes de várias moléculas: -interferon, insulina humana, hormônio de crescimento, vacina contra a hepatite B etc. Dado o custo que os novos medicamentos representam para os sistemas de saúde, cogita-se a produção de genéricos de várias proteínas terapêuticas. Ainda que os Estados Unidos se mostrem relutantes ao respeito, não se descarta que proximamente a União Europeia entre no mercado de biomoléculas genéricas. Admite-se que, em alguns casos, como situações de emergências nacionais, circunstâncias de extrema urgência e práticas anticompetitivas, o uso de uma patente sem a autorização do detentor do direito seja justificado.
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Esta salvaguarda se encontra no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS Agreement), da Organização Mundial do Comércio, vigente desde 1995. O artigo 31 assinala que o uso da patente sem autorização estaria justificado se tivessem sido feitos os esforços para sua utilização em condições comerciais razoáveis. Quando da ameaça terrorista de antraz, os Estados Unidos cogitaram quebrar a patente do antibiótico Cipro. Nos países em desenvolvimento, o acesso aos medicamentos é considerado um direito fundamental dos pacientes de HIV/AIDS, porém, apesar das longas discussões no marco da Organização Mundial de Comércio, milhões de pessoas morrem anualmente por falta desses medicamentos.
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20. BIOTECNOLOGIA E SAÚDE / OS TRATAMENTOS NOVOS A APROVAÇÃO DE UM TRATAMENTO EXPERIMENTAL Assim como um medicamento novo, um tratamento passa por várias etapas antes de se constituir em uma prática médica. Os estudos pré-clínicos de um tratamento experimental compreendem as pesquisas laboratoriais e a experimentação em animais, desenvolvidas em universidades ou empresas e financiadas com dinheiro público e/ou privado. Os resultados desses estudos são revisados, publicados e repetidos numerosas vezes pela comunidade científica, até que, em função da quantidade de informação reunida, pareça razoável estender o procedimento ao ser humano. Solicita-se então, por meio de um processo formal, autorização para dar início aos testes clínicos, que fornecerão informações sobre a segurança, a eficácia e os efeitos colaterais desse tratamento experimental. Os ensaios ou testes clínicos seguem desenhos experimentais rigorosos e controles severos, que garantem a confiabilidade dos estudos. Abrangem um número pequeno de participantes que deverão assinar previamente um termo de consentimento informado, no qual reconheçam estarem cientes das opções de tratamento e dos riscos, assim como de seus direitos e responsabilidades. Durante os testes clínicos, o tratamento experimental pode se revelar melhor ou pior que os já existentes. Se os resultados forem satisfatórios, será solicitada a aprovação da agência reguladora correspondente (FDA, US Food and Drug Administration, nos Estados Unidos; EMA, European Medical Agency, na União Europeia; ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no Brasil; ANMAT, Administración Nacional de medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica, na Argentina). Uma vez autorizado, o tratamento experimental passa a ser uma prática médica de uso geral. Mesmo assim, para monitorar efeitos negativos que só possam ser detectados em uma população de maior tamanho, o tratamento continuará a ser objeto de vigilância. AS TERAPIAS BIOLÓGICAS Os termos “terapia biológica” e “imunoterapia” se referem aos tratamentos que utilizam elementos do sistema imune no combate às doenças. As bases da imunoterapia foram estabelecidas na segunda metade do século XIX, com os experimentos de E. Von Behring e S. Kitasato. Estes extraíram soro com antitoxina diftérica de um animal infectado e o administraram em outro animal, inoculado previamente com toxina diftérica. Obtiveram assim uma imunidade imediata, apesar de passiva e de curta duração. Estabelecidos os princípios da soroterapia, esta constitui ainda hoje a principal arma de defesa disponível contra os venenos de cobras e outros animais peçonhentos. O progresso da engenharia genética permitiu a produção de proteínas recombinantes e, consequentemente, de novas terapêuticas. No paciente de câncer, por exemplo, a atividade imunológica é reforçada com citoquinas, moléculas moduladoras da comunicação celular, tais como o -interferon e a interleuquina IL-2. A produção de elementos sanguíneos, afetada pelos tratamentos quimioterápicos e/ou radioterápicos, é incrementada com fatores estimulantes do crescimento celular (CSF, eritropoietina). Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
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OS ANTICORPOS MONOCLONAIS A chegada da tecnologia de hibridomas despertou grandes esperanças, porque se tencionava que os anticorpos monoclonais cumprissem a função da mítica “bala mágica”, no reconhecimento do alvo. Contudo, o sucesso chegou antes no campo das análises clínicas que no âmbito terapêutico. Depois do muromonab CD3 (Orthoclone OK3), um anticorpo monoclonal que reduz a resposta imune, evitando a rejeição aos transplantes, passaram-se vários anos antes que algum outro produto recebesse a aprovação das agências reguladoras. A razão para o impasse era técnica. Produzidos com células de roedores, os anticorpos monoclonais eram reconhecidos como non-self pelos seres humanos, o que desencadeava a resposta imune. A modificação e, eventualmente, a substituição de partes da molécula murina gerou moléculas “quiméricas”, “humanizadas” e, mais tarde, “humanas”, em linhagens microbianas ou em animais transgênicos. Uma vez solucionado esse problema, os anticorpos monoclonais entraram no mercado. TABELA 20.1. Os 10 anticorpos monoclonais de uso terapêutico, líderes de venda em 2010. Adaptado de http://knol.google.com/k/krishan-maggon/top-ten-monoclonal-antibodies2010/3fy5eowy8suq3/143# NOME GENÉRICO (MARCA)
EMPRESAS
INDICAÇÕES
Infliximab (Remicade®)
Johnson & Johnson Merck Mitsubishi Tanabe
Artrite reumatoide Colite ulcerativa Doença de Crohn Psoríase Artrite psoriática Espondilose anquilosante
8.0
Bevacizumab (Avastin®)
Roche
Câncer de cólon
6.8
Rituximab (Rituxan®)
Roche
Linfoma não Hodgkins Artrite reumatoide
6.7
Adalimumab (Humira®)
Abbott
Artrite reumatoide Psoríase Artrite idiopática juvenil Artrite psoriática Espondilose anquilosante Doença de Crohn
6.5
Trastuzumab (Herceptin®)
Roche
Câncer de mama
5.5
Cetuximab (Erbitux®)
BMS Merck Serono
Câncer de cólon, cabeça e pescoço
3.2
Ranibizumab (Lucentis®)
Novartis Roche
Degeneração macular
3.1
Natalizumab (Tysabri®)
Biogen Idec Elan
Esclerose múltipla
1.75
Omalizumab (Xolair®)
Roche Novartis
Asma alérgica
1.1
Palivizumab (Synagis®)
Astra Zeneca
Vírus respiratório sincicial
1.0
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VENDAS (2010) Em US$ BILHÕES
BIOTECNOLOGIA 2011 / Capítulo 20: Biotecnologia e saúde - Tratamentos novos
Existem atualmente no mercado diversos produtos imunoterápicos para a prevenção de infecções virais, bloqueio de IgE (asma alérgico), inibição de inflamações (artrite reumatoide, doença de Crohn, psoríase), tratamento de esclerose múltipla e outras doenças autoimunes (lúpus), diversos tipos de câncer etc. Alguns estão associados a uma substância citotóxica (gemtuzumab ozogamicin – Mylotarg®, de Wyeth), ou a um radioisótopo (Y-ibritumomab tiuxetan – Zevalin®, de Spectrum Pharmaceuticals, Inc.). Outras aplicações poderão ser encontradas, especialmente na luta contra as doenças emergentes e o bioterrorismo. O anticorpo específico para o reconhecimento de um antígeno determinado seria selecionado rapidamente, em livrarias de anticorpos monoclonais preexistentes, por sistemas robotizados de alta eficiência. O mercado global dos novos anticorpos monoclonais de uso terapêutico está em crescimento, calculando-se que atinja US$ 79 bilhões em 2015. Dez anticorpos monoclonais são blockbusters, alcançando níveis de venda superiores a US$ 1 bilhão, em 2010 (Tabela 20.1). O principal entrave à popularização das terapias biológicas é o preço dos produtos. Consideremos o caso do trastuzumab (Herceptin®), que reconhece e inativa o receptor de um fator de crescimento, presente em algumas células tumorais. Trata-se do único anticorpo monoclonal eficiente no combate aos tumores sólidos. O custo anual do tratamento de um paciente com Herceptin® está estimado entre US$ 70.000 e US$ 100.000. O CÂNCER COMO DOENÇA GENÉTICA A palavra câncer designa um conjunto de mais de 100 doenças que podem se desenvolver em qualquer órgão do corpo e que afetam a uma pessoa em oito da população. As terapias biológicas são terapêuticas complementares aos tratamentos clássicos do câncer, que continuam sendo a cirurgia, a quimioterapia e a radioterapia. As células cancerosas são células que, evadindo os sinais de controle da divisão celular, se dividem indefinidamente sem se diferenciar. Com a perda de alguns receptores da membrana celular, essas células se separam das células vizinhas e se espalham pelo corpo. Aproximadamente 1% do genoma humano está relacionado com o desenvolvimento do câncer. Na transformação de uma célula normal em cancerosa, participam dois tipos de genes: os protooncogenes e os genes supressores de tumor. Os proto-oncogenes codificam proteínas que estimulam a divisão celular, inibindo a diferenciação e detendo a apoptose ou “suicídio” celular. A mutação que os transforma em oncogenes aumenta a síntese dessas proteínas, induzindo as células a se multiplicar indefinidamente. Os genes supressores de tumores, que estimulam a autodestruição das células que sofreram mutação, encontram-se alterados ou ausentes nas células cancerosas. As mutações geram “antígenos específicos do tumor”, como as proteínas anormais dos genes ras e p53, a elevação significativa da quantidade da enzima tirosinase ou a reaparição das proteínas oncofetais (alfafetoproteína e antígeno carcinoembriogênico). Alguns dos “antígenos específicos do tumor” se expressam exclusivamente no tumor de um único indivíduo, outros aparecem nas células tumorais dos indivíduos afetados por determinado tipo de tumor. Em genes não associados diretamente à formação tumoral, as mutações podem originar “antígenos associados ao tumor”, que são utilizados como biomarcadores. As mutações são ocasionadas por fatores ambientais (agentes químicos, radiação, vírus) ou genéticos (hereditários ou adquiridos ao longo da vida). Quase sempre ocorrem nas células somáticas, mas também acontecem nas células germinais. Algumas são pontuais, outras envolvem rearranjos cromossômicos. Várias são necessárias para que a célula adquira as características cancerosas. Embora o processo possa levar mais de 50 anos, as mutações herdadas (predisposição) possibilitarão um desenvolvimento prematuro do câncer (Figura 20.1). 249
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FIGURA 20.1. A transformação de uma célula normal em cancerosa por mutação (câncer de cólon).
Célula normal
1a mutação (gene APC)
2a mutação (gene ras)
3a mutação (gene DCC)
4a mutação (gene p53) Célula cancerosa
FIGURA 20.2. O tratamento com sipuleucel-T (Provenge®). A. Extração das células dendríticas
Leucoferese (3 horas) Células dendríticas
B. Incubação das células com Provenge®
2 a 3 dias Células dendríticas
Células dendríticas que incorporaram o antígeno tumoral PAP-GM-CSF
+ Provenge® (PAP-GM-CSF)
C. Reinfusão das células modificadas no paciente (3 vezes com 2 semanas de intervalo)
Estímulo da resposta das células-T contra o antígeno tumoral PAP-GM-CSF e, consequentemente, contra as células cancerosas
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AS VACINAS TERAPÊUTICAS As vacinas profiláticas são aplicadas em indivíduos saudáveis para prevenir doenças. Dentro dessa linha, existem vacinas contra alguns dos agentes virais que, sabidamente, estão relacionados com o desenvolvimento do câncer. Trata-se das vacinas contra o vírus da hepatite B (VHB), associado ao câncer de fígado, e contra o papilomavírus (VPH), responsável por 70% dos cânceres de útero (Gardasil®, de Merck; Cevarix®, de GlaxoSmithKline). Essas vacinas cumprem uma ação preventiva. Uma das primeiras terapias complementares do câncer, ainda usada atualmente, é a inoculação com a vacina BCG (bacilo de Calmette e Guérin), para estimular no paciente uma reação imunológica de tipo celular, que se estende às células cancerosas. As vacinas terapêuticas visam o tratamento dos indivíduos que já estão doentes. O objetivo é estimular diretamente a resposta imune do organismo, para que este possa eliminar as células cancerosas. Apesar da enorme quantidade de procedimentos possíveis, todos são experimentais. Uma possibilidade é a aplicação de vacinas de antígenos sintéticos, específicos ou associados ao tumor. Um dos principais problemas reside na escolha dos antígenos que deveriam entrar na composição da vacina, pois se alguns são comuns a vários tipos de células cancerosas, outros só aparecem em cânceres específicos. A vacina ideal teria que ser eficaz em qualquer paciente com um determinado tipo de câncer. As vacinas de vetores (vírus, DNA nu) conseguem uma resposta imunológica mais forte que as vacinas de antígenos. Vetores virais modificados poderiam infectar exclusivamente as células cancerosas, carregando moléculas moduladoras da resposta imune, ou enzimas capazes de transformar uma droga inativa em ativa. Outra estratégia seria a elaboração de vacinas de tumores, com células cancerosas enfraquecidas ou mortas. Provenientes do mesmo paciente ou de algum outro, essas células expressariam antígenos associados a um tumor, estimulando a resposta imune. Uma variante de vacina tumoral envolve o estímulo ex vivo das células imunes de modo a que estas expressem o antígeno (Figura 20.2). Essa estratégia deu origem à primeira vacina terapêutica (sipuleucel-T ou Provenge®, de Dendreon), contra o câncer de próstata hormonorefratário, autorizada pelo FDA, nos Estados Unidos, em 2010. O empreendimento demandou à empresa Dendreon um investimento de US $ 1 bilhão. O sipuleucel-T é uma proteína de fusão entre uma enzima específica das células prostáticas cancerosas (PAP, do inglês prostatic alcaline phosphatase) e um modulador da resposta imune (GMCSF, do inglês granulocytes and macrophages colony stimulating factor). O tratamento deve ser adaptado a cada paciente. Começa com a extração das células apresentadoras do antígeno do doente, segue com a incorporação in vitro dos antígenos tumorais e encerra-se com a reinfusão das células modificadas no paciente. No momento do lançamento, Dendreon estimava o preço de cada tratamento em US$ 93.000. Embora representem uma tecnologia promissora, dificilmente as vacinas terapêuticas poderão beneficiar um setor amplo da população, devido à complexidade tecnológica e aos custos de um tratamento personalizado.
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AS TERAPIAS GÊNICAS TERAPIAS SOMÁTICAS E GERMINAIS A terapia gênica visa alterar o funcionamento de um gene, mediante a introdução de DNA nas células de um paciente. Se o gene se expressar, o objetivo da terapia será o seu desligamento ou a inativação do produto. Se o gene não se expressar, a finalidade da terapia gênica será sua substituição por uma cópia funcional que sintetize a proteína faltante. Esta última pode ser uma enzima normal, uma molécula que torne a célula vulnerável ao ataque pelo sistema imune ou uma substância tóxica que desencadeie a apoptose de uma célula cancerosa. As terapias gênicas visam modificar as células somáticas de um indivíduo, sem pretender que essa alteração seja transmitida à geração seguinte (Figura 20.3). Assim como em um transplante é transferido um órgão ou um tecido, na terapia somática é transferido um gene e o efeito está limitado ao indivíduo que o recebe. Diferente da terapia somática, a terapia de células germinais visa a transmissão do gene à descendência. A terapia gênica de células germinais permitiria a eugenia através da seleção do “genótipo ideal”. Dentro desta ótica, quais seriam os caracteres considerados saudáveis? E por quem? A história do século XX, com sua sequência de horrores (esterilização de deficientes e doentes mentais nos Estados Unidos, persecuções na Alemanha nazista etc.), mostra que devem ser tomados todos os cuidados para impedir a discriminação genética e a implantação de uma sociedade arbitrária. A terapia gênica da linhagem germinativa não está permitida em nenhum país. OS ALTOS E BAIXOS DE UMA TECNOLOGIA De todas as novas biotecnologias, as terapias gênicas são as mais difíceis de avaliar porque, além de envolver aspectos científicos, éticos e religiosos, passaram por altos e baixos ao longo dos últimos 40 anos As primeiras experiências de terapia gênica para o tratamento ou a cura de uma doença, foram realizadas em 1980, por Martin Cline, nos Estados Unidos. Além de fracassar, essas tentativas despertaram uma reação contrária unânime, porque os estudos experimentais prévios eram insuficientes e sua realização não tinha sido devidamente autorizada pelo comitê de ética correspondente. O episódio motivou o estabelecimento de regras estritas para este tipo de tratamento. A primeira terapia gênica foi autorizada, nos Estados Unidos (1990), para o tratamento de dois casos de Imunodeficiência Severa Combinada (SCID, do inglês severe combined immunodeficiency), uma doença em que a falta da enzima ADA (desaminase de adenosina) bloqueia um caminho metabólico, causando o acúmulo de uma substância que destrói os linfócitos. As crianças com SCID, chamadas “crianças-bolha”, sofrem continuamente de infecções e têm uma expectativa de vida curta. O tratamento habitual contempla a administração de enzimas, mas os pacientes acabam desenvolvendo alergias aos componentes do produto injetado. Para essas crianças, a única perspectiva restante é um transplante de medula óssea, com a condição de encontrar um doador compatível. A terapia aprovada pelo FDA consistia na extração de linfócitos do sangue, sua modificação genética por transferência de um gene normal de ADA e a reinfusão dos linfócitos modificados na circulação sanguínea do paciente. Aplicou-se esse procedimento na menina Ashanty DeSilva e, mais tarde, em outra menina, Cynthia, que experimentaram uma melhora significativa.
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Porém, como os linfócitos têm um período de vida curto, o procedimento foi repetido periodicamente, durante dois anos. Algumas das células modificadas sobreviveram e produziram ADA, mas a quantidade era insuficiente e nenhuma das meninas pôde prescindir totalmente do tratamento enzimático. O problema persistiu em estudos posteriores e nenhum dos pacientes pôde abandonar o tratamento alternativo com a enzima, mesmo quando a modificação genética passou a ser realizada em células-tronco da medula ou de cordão umbilical. Uma tragédia esfriou o interesse pelas pesquisas nesta área. Em 1999, Jesse Gelsinger, um jovem de 18 anos afetado por uma deficiência de OTC (ornitina transcarbamilase), que se apresentara como voluntário para um tratamento de terapia gênica na Universidade da Pensilvânia, morreu de uma reação imunológica adversa ao vetor utilizado, que era um adenovírus. Em 2000, na França, a terapia gênica de uma variante de imunodeficiência (SCID-X1) pareceu alcançar sucesso em nove de dez crianças tratadas. Contudo, novamente uma tragédia aconteceu quando o vetor viral se inseriu em um lugar não esperado, inativando um gene supressor de tumor. Quatro das crianças desenvolveram leucemia e uma delas morreu. O fracasso mostrou que a terapia gênica ainda era uma tecnologia imperfeita, de difícil aplicação. Dois anos mais tarde, renovaram-se as esperanças dos pacientes de SCID e seus familiares devido ao descobrimento de uma nova técnica de remoção parcial da medula óssea, que favorece o desenvolvimento de células-tronco modificadas geneticamente. Por outro lado, limitou-se a participação nos estudos experimentais de SCID a crianças que nunca tivessem recebido o tratamento enzimático com ADA. A primeira criança tratada é Salsabil, uma menina palestina de dois anos de idade, que hoje cresce saudável.
FIGURA 20.3: O princípio da terapia gênica.
Cópias de um gene normal, previamente clonado em bactérias
Inserção em um vetor
Vírus
Lipossomo
Introdução do gene normal nas células de um indivíduo com uma doença genética
Pulmão
Músculo
Fígado
Cultivo de células (medula óssea) Reimplantação
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O ESTADO DA ARTE O campo das terapias gênicas conta hoje com numerosos estudos, em diferentes etapas de realização. As dificuldades são enormes, porque se trata de transferir um gene a uma determinada célula em certo tecido e conseguir que esse gene funcione adequadamente e de maneira duradoura. Os dois grandes gargalos ainda são a necessidade de vetores seguros e de procedimentos mais eficientes. Muitas pesquisas fracassam na última etapa dos testes clínicos. Dos numerosos estudos em vias de realização, aguardam-se resultados positivos em relação a síndromes genéticas (hemofilia, talassemia, Huntington, Duchenne, fibrose cística, SCID) e infecções virais (HIV/AIDS), além de avanços nos estudos sobre doenças cardiovasculares, oneurológicas e oncológicas. O sucesso poderia estar muito próximo, tanto em relação ao SCID como a outras duas doenças genéticas (amaurose congênita de Leber ou ALC, adrenoleucodistrofia ou ALD). Contudo, as três demandam a modificação genética ex vivo de células-tronco, o que significa um tratamento personalizado complexo. Estes empreendimentos para doenças de baixa frequência entram na categoria de tratamentos/medicamentos órfãos, garantindo incentivos financeiros às empresas farmacêuticas. No combate às doenças infecciosas como o HIV/AIDS, existem diversas linhas de pesquisa. Uma delas visa bloquear a replicação do vírus e a outra os receptores que o HIV usa para entrar no linfócito T. Nenhum desses estudos superou ainda a fase correspondente aos testes clínicos. O futuro das terapias gênicas é controverso. Do mesmo modo que em relação a qualquer tipo de terapia experimental, as objeções se centram na utilização de uma tecnologia ainda imperfeita, que envolve riscos e da qual se desconhecem os efeitos a longo prazo. Contudo, o grande número de pesquisas em andamento e de testes em fases I e II indicam que, em um futuro próximo, algumas das dificuldades encontradas poderão ser superadas. No momento, só existe um único produto comercial disponível no mercado, que foi desenvolvido e autorizado na China, em 2004. A Gendicina® (Shenzhen SiBiono GeneTech), é um adenovírus com o gene supressor de tumores p53, utilizado no tratamento do carcinoma de células escamosas de cabeça e pescoço. O progresso das terapias gênicas levanta também algumas inquietudes em relação ao esporte. Em 1998, uma equipe inteira de ciclistas foi eliminada do Tour de France devido ao uso indevido da eritropoietina, que aumenta o número de hemácias. Contudo, fraudes deste tipo não poderiam ser detectadas se o atleta fosse modificado geneticamente para aumentar naturalmente sua produção de eritropoietina. Em 2008, na Alemanha, um confuso caso de doping de atletas envolveu um treinador e um produto de terapia gênica em fase pré-clínica (Repoxygen, de Oxford Biomedica), que induz a liberação de eritropoietina em baixa concentração de oxigênio. AS PROMESSAS DO SILENCIAMENTO GÊNICO Ao longo dos últimos trinta anos descobriram-se vários mecanismos de silenciamento gênico, baseados nos diversos tipos de RNA e suas propriedades (Figura 20.4). As ribozimas são moléculas de RNA, com propriedades catalíticas, que cortam outras moléculas de RNA que apresentem em sua sequência alguns nucleotídeos complementares. Sua descoberta teve uma importância extraordinária, porque deu origem a uma teoria sobre os primórdios da vida, em um mundo de RNA.
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FIGURA 20.4: As tecnologias de silenciamento gênico.
A. As ribozimas
Ribozima RNA RNA clivado
B. O RNA anti-sense
Síntese de proteínas
Inibição da síntese proteica por RNA anti-sense Transcrição
DNA
Transcrição
Transcrição
RNA anti-sense
mRNA
mRNA Tradução
Não há tradução
C. O RNA interferente
Pequeno RNA interferente (siRNA)
mRNA
dsRNA (RNA de dois filamentos) Complexo enzimático
Clivagem do mRNA
Exterior
Membrana celular
Citoplasma
Fragmentos de RNA
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Numerosas pesquisas foram desenvolvidas em relação ao uso de ribozimas como agentes biológicos, seja para inativar um gene ou como inibidores da replicação do HIV em células infectadas. Apesar de laboratorialmente bem sucedidas, nenhum produto entrou até agora no mercado. Também trouxe grande expectativa a tecnologia anti-sense, que utiliza o mecanismo de transcrição para inativar um gene. Normalmente, o RNA transcrito é complementar a um dos filamentos de DNA. Colocando um promotor no outro filamento, a transcrição ocorrerá em sentido contrário e se formará um asRNA (anti-sense RNA). Sendo complementares, os dois RNAs sintetizados (sense e anti-sense) irão se associar, formando uma molécula de dois filamentos que não conseguirá se unir ao ribossomo ou será destruída por ribonucleases celulares. A tecnologia anti-sense deu origem ao tomate FlavSavr, que amadurece na planta sem amolecer, devido à inativação do gene da pectinase. Também deu bons resultados na supressão da síntese de etileno e na modificação da cor das flores. Em relação às terapias gênicas, a tecnologia anti-sense tornou possível o desenvolvimento de um medicamento para o tratamento de infecções oculares por citomegalovírus, em pacientes com HIV/AIDS. O formivirsen (Vitravene®, de Isis Pharmaceuticals) foi autorizado em 1998 pelo FDA, nos Estados Unidos. Atualmente, estariam sendo realizados testes clínicos de pelo menos uma dúzia de medicamentos, nenhum deles disponível antes de 2015. Outra tecnologia recente é a do RNA interferente (iRNA), originada também em descobrimentos de fisiologia vegetal. Em 1990, descobrira-se que, introduzindo um gene extra em petúnias, em vez de flores mais pigmentadas obtinham-se flores brancas. Casos semelhantes de cossupressão gênica também foram descritos no verme Caenorhabditis elegans e na mosca Drosophila melanogaster. Verificou-se mais tarde que bastam filamentos duplos de RNA com mais de 200 nucleotídeos para inativar a expressão gênica, uma vez realizada a transcrição. Fragmentados em pedaços menores (siRNA, do inglês small interfering RNA) e associados a um complexo enzimático, esses filamentos de RNA destroem qualquer mRNA transcrito com uma sequência parcialmente complementar. Acredita-se que a maquinaria celular envolvida no processo de interferência tenha surgido, evolutivamente, como uma forma de defesa contra os vírus de RNA duplo. Contudo, hoje essa maquinaria é um elemento importante na regulação da expressão dos genes. A tecnologia de RNA interferente (IRNA) constitui uma ferramenta de laboratório poderosa para se entender a função dos genes e a regulação da expressão gênica. As pesquisas laboratoriais têm dado informações valiosíssimas sobre genômica funcional. Também abriram novas perspectivas no tratamento de infecções virais e esclareceram diversos aspectos de várias doenças genéticas e neurológicas. Em relação ao câncer permitiram a inativação in vitro de moléculas associadas à patologia e à progressão da doença humana. O IRNA traz uma possibilidade nova de terapia para várias doenças. Considera-se que os tecidos que poderiam ser mais facilmente tratados seriam o olho, a pele, as membranas mucosas e os tumores locais. Se bem que ainda em fase clínica, os testes mais avançados correspondem ao tratamento da degeneração macular e da infecção pelo vírus respiratório sincicial. Antes de a tecnologia superar a fase experimental e chegar a ter uso clínico, diversos problemas terão que ser resolvidos. Os mais importantes são a introdução do ácido nucleico na célula e o controle de seu raio de ação, de modo a restringir a interferência à molécula-alvo. Apesar do sucesso alcançado nos estudos in vitro, a tecnologia do IRNA ainda precisa melhorar a eficiência, a segurança e a confiabilidade. Muitos estudos serão necessários antes que a tecnologia possa ser utilizada clinicamente.
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A MEDICINA REGENERATIVA OS TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS A primeira tentativa data de 1899, com o transplante de rim de um cachorro a outro. Desde então ficou óbvio que o fenômeno de rejeição era principal obstáculo aos transplantes de órgãos. Uma exceção é a córnea, cujo primeiro transplante bem sucedido se realizara em 1905. O primeiro transplante de coração, realizado pelo cirurgião Christian Barnard (África do Sul, 1967) teve uma repercussão enorme nos meios de comunicação. O mundo inteiro acompanhou os comunicados médicos emitidos em Cidade do Cabo, até a morte do paciente, 18 dias mais tarde. Durante vários anos os problemas de rejeição pareceram intransponíveis. Na década de 1980, além da melhoria das técnicas cirúrgicas e da caracterização dos antígenos dos tecidos, aparecem os primeiros medicamentos imunossupressores (ciclosporinas), e os transplantes se tornam rotineiros. Em centros médicos de todos os países são substituídos, com sucesso, diversos órgãos e tecidos: coração, rim, fígado, pulmão, intestino, timo, córneas, medula óssea, pele, pâncreas, válvulas cardíacas, veias etc. Alguns procedimentos são relativamente simples. No isotransplante, a transferência de um ovário ou de um rim é feita de um indivíduo a seu gêmeo idêntico. No autotransplante, substitui-se uma artéria coronária por uma safena do mesmo indivíduo, ou um fragmento de pele danificado por outro. Contudo, no alotransplante, em que um órgão é transferido a outro indivíduo, requer-se a supressão do sistema imune, para que o organismo possa aceitar uma parte “non-self”. Caso contrário o órgão será rejeitado e, também, o órgão poderá rejeitar o hospedeiro. À dificuldade em encontrar um doador compatível se soma a de encontrar doadores, já que o número de doações é muito menor do que seria necessário. Por isso uma alternativa seria o xenotransplante, isto é, a transferência de um órgão de um animal ao homem. Devido ao tamanho e a estrutura de seus órgãos, o porco parece o animal mais indicado. Já em 1902, ligou-se o rim de uma paciente a um porco, uma experiência que resultou fatal. Hoje é sabido que, devido à presença nas células suínas de -1-3 galactose, um tipo de molécula que não se encontra em primatas, ocorrerá um fenômeno de rejeição violento. a menos que se apliquem doses maciças de medicamentos imunossupressores. O encapsulado das células animais em uma matriz inerte que as isole e, ao mesmo tempo, deixe passar os nutrientes e produtos celulares, poderia evitar a rejeição. Este procedimento foi utilizado recentemente em pacientes diabéticos que receberam células suínas encapsuladas e passaram a secretar insulina. Também foi utilizado em uma centena de pacientes de câncer, para a secreção de moléculas que aliviassem a dor. Em 2002, duas empresas (PPL Therapeutics e Immerge Bio Therapeutics) anunciaram a clonagem de porcos em que o gene para a -1-3 galactose fora desativado por “knock out” duplo. Esses porcos poderiam vir a ser uma fonte de órgãos para um transplante temporário em seres humanos. No entanto, mesmo eliminando o perigo da rejeição aguda, ainda falta resolver como evitar o processo de rejeição que seria desencadeado, um pouco mais lentamente, pelas proteínas suínas. Existe, porém, uma objeção maior aos xenotransplantes, que é o risco de introduzir retrovírus de outras espécies em seres humanos, com resultados imprevisíveis.
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A ENGENHARIA DE TECIDOS Na interface da biologia celular, da medicina, da bioquímica e da bioengenharia, a engenharia de tecidos visa a substituição de órgãos e tecidos. Faz anos que o cultivo de pele in vitro é utilizado para reparar as lesões causadas por queimaduras. Um pequeno fragmento de pele, isolado do próprio paciente, é o bastante para formar em três semanas uma superfície 50 vezes maior. Amolda-se a nova pele a uma superfície biodegradável para evitar que rasgue quando aplicada no paciente. O procedimento se adapta ao tratamento de queimaduras e de lesões de difícil cicatrização. A “biomimética” consegue reparar in vivo o tecido ósseo, utilizando como molde um polímero, onde migram e se expandem as células regenerativas internas. A tecnologia se aplica na reparação de fraturas e de lesões causadas por doença periodontal, assim como a reconstrução da cartilagem das articulações. Recentemente, transplantou-se com sucesso uma traqueia, que fora construída com células-tronco do próprio paciente, cultivadas sobre um molde poroso. Este é o primeiro passo na construção in vitro de estruturas tridimensionais análogas aos órgãos. No momento, as estruturas mecânicas parecem mais fáceis de construir que órgãos complexos, como um rim ou um pulmão. TABELA 20.2. As características comparadas das células-tronco adultas e embrionárias CÉLULAS-TRONCO ADULTAS
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS
Pouquíssimas, difíceis de encontrar nos tecidos.
Trinta células, fáceis de encontrar em um embrião de 3 a 5 dias.
Diferenciam-se em um número limitado de tipos celulares.
Diferenciam-se em qualquer um dos 220 tipos celulares do organismo (pluripotentes).
Difíceis de cultivar no laboratório.
Fáceis de cultivar no laboratório.
Induzem rejeição se forem transplantadas em outra pessoa. Quando reintroduzidas na mesma pessoa, não induzem rejeição.
Induzem rejeição.
FIGURA 20.4. A clonagem terapêutica, uma forma de gerar células-tronco embrionárias com a informação genética do doador do núcleo. Paciente
Célula saudável
Transferência nuclear
Fusão celular
Ovócito
Infusão
Células-tronco diferenciadas
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Ovócito anucleado
Células-tronco recuperadas
Embrião
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AS TERAPIAS CELULARES As células-tronco multipotentes Células-tronco multipotentes são encontradas em tecidos adultos, onde proliferam por longos períodos de tempo, conservando a capacidade de se diferenciar em diferentes tipos celulares, em resposta a estímulos adequados (Tabela 20.2). São responsáveis pelo crescimento e a reparação dos tecidos. Sua presença em tecidos e órgãos explica o sucesso alcançado pelos transplantes de pele, de córnea e de medula óssea. Este último possibilita a regeneração dos elementos sanguíneos no tratamento de leucemias e de linfomas, de doenças hereditárias hematológicas e na recuperação dos pacientes que receberam quimioterapia. As células-tronco hematopoiéticas são encontradas em frequências baixíssimas na medula óssea e no sangue periférico. Embora não apresentem características morfológicas que as distingam das outras células, a presença de marcadores moleculares específicos na membrana permite separá-las e infundi-las mais tarde na mesma pessoa ou em outra que for compatível. Numerosos bancos de sangue, públicos e privados, oferecem um serviço de armazenamento de sangue de cordão umbilical que asseguraria a recuperação de células-tronco hematopoiéticas, em caso de necessidade. Como a probabilidade de uma pessoa vir a precisar de suas próprias células é baixíssima (1/100.000), a existência de grandes bancos públicos representa a garantia de encontrar doadores compatíveis. Pesquisas em andamento investigam a capacidade regenerativa das células-tronco adultas na cicatrização de queimaduras, na substituição de células da córnea, na regeneração de osso e cartilagem, no tratamento da artrite e na reparação de fraturas. Embora alguns aspectos relativos ao seu modo de ação não estejam totalmente esclarecidos, os primeiros ensaios clínicos são promissores. As células-tronco pluripotentes Devido às limitações na capacidade de diferenciação das células-tronco presentes nos tecidos adultos, muitos pesquisadores se interessaram pelas células-tronco embrionárias, capazes de se diferenciar em qualquer tipo de célula e muito mais fáceis de cultivar no laboratório (Tabela 20.2). Entender os mecanismos que controlam o crescimento e a diferenciação celular é um dos maiores desafios atuais, porque as células-tronco embrionárias representam a possibilidade de novos tratamentos de regeneração celular para doenças cardíacas, diabetes, lesões da medula espinhal, distrofia de Duchenne, cegueira, surdez e doença de Parkinson. Nenhum procedimento terapêutico com células-tronco embrionárias saiu do laboratório. Recentemente, foram iniciados, nos Estados Unidos, os primeiros testes clínicos para o tratamento de duas formas de cegueira por Advanced Cell Technology e para a regeneração da medula espinhal e de células danificadas por derrame cerebral, por Geron e ReNeuron respectivamente. Explica-se o grande entusiasmo despertado, em seu momento, pelas células-tronco embrionárias porque se esperava que permitissem criar linhagens celulares personalizadas, por transferência nuclear. Células-tronco embrionárias com a informação genética de um paciente regenerariam os órgãos lesionados, sem causar problemas de rejeição (Figura 20.4). As células também poderiam ser objeto de uma terapia gênica. O procedimento, denominado clonagem terapêutica, abriria possibilidades para o tratamento de doenças para as quais os recursos terapêuticos são escassos (Parkinson, Alzheimer, Duchenne etc.). Contudo, até serem estabelecidas as regulamentações pertinentes, a clonagem terapêutica ainda permanece no terreno experimental do laboratório. 259
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Em 2007, a controversa filosófica e moral sobre a clonagem terapêutica e o uso de embriões pareceu definitivamente superada. A inserção de alguns genes em células diferenciadas gerou as células-tronco iPSC (do inglês, induced pluripotent stem cells), com propriedades equivalentes às das células-tronco embrionárias. Com elas, desenvolve-se rapidamente a tecnologia de reprogramação celular, aumentando nosso conhecimento sobre o controle genético da diferenciação e abrindo uma nova senda para a implementação de testes, medicamentos e tratamentos novos. Aspectos polêmicos das células-tronco Na perspectiva de contar com células capazes de reconstruir qualquer tipo celular, nos últimos anos do século XX, vários núcleos de investigação tentaram obter linhagens de células-tronco embrionárias. As poucas existentes foram obtidas a partir de fetos abortados e de embriões supranumerários resultantes das fertilizações in vitro. Do ponto de vista técnico, essas linhagens eram cultivadas com soro bovino ou com fibroblastos de camundongo, portanto, não poderiam ter nenhuma aplicação clínica. Entre 2001 e 2009, nos Estados Unidos, não se outorgaram fundos públicos para pesquisas com novas linhagens de células-tronco embrionárias. Contudo, a iniciativa privada não sofreu nenhuma restrição, e cada estado pôde fixar suas regras. Paralelamente, vários países estabeleceram sua legislação, em função de considerações científicas, éticas e religiosas. Em 2005, pesquisadores sul-coreanos declararam ter construído, por transferência nuclear, 11 linhagens de células-tronco embrionárias de pacientes de diversas doenças. Apesar do notável entusiasmo levantado por estes trabalhos, pouco depois começaram a surgir dúvidas sobre a veracidade dos resultados divulgados, confirmando posteriormente os mesmos pesquisadores que essas linhagens nunca existiram. Por outro lado, nessas pesquisas teriam sido utilizados ovócitos de mulheres que trabalhavam no laboratório. O escândalo chamou a atenção sobre a fragilidade ética de algumas pesquisas científicas. Outro aspecto controverso é o uso dos embriões supranumerários das clínicas de fertilidade assistida, para a obtenção das linhagens de células-tronco embrionárias. Um setor da sociedade argumenta que a extração de células-tronco de embriões se realiza estritamente de 4 a 14 dias após a fecundação e que, depois de certo tempo de congelamento, os embriões não podem ser reimplantados com segurança. Em vez de eliminar esses embriões, seria melhor utilizá-los na pesquisa de novos tratamentos para doenças que, hoje, não têm cura. Em contraposição, outro setor considera que a vida começa com a fecundação e que as pesquisas desrespeitam o status legal e moral do embrião, considerando inadmissível que embriões sejam criados in vitro, com fins de pesquisa. Em uma terceira posição, encontram-se os que consideram as terapias celulares uma tecnologia promissora, mas que ainda precisa de muita pesquisa pré-clínica. Este grupo tende a postergar qualquer decisão até existirem mais evidências concretas sobre a tecnologia em si e os seus benefícios, pedindo mais tempo para reflexão. Em princípio, a descoberta das iPSC pareceria ter lhes dado razão. Finalmente, outro motivo de preocupação é a proliferação do turismo médico atrás das promessas de curas milagrosas. Recentemente, um garoto israelense com ataxia-telangiectasia desenvolveu um tumor cerebral depois de um tratamento com células-tronco fetais realizado na Rússia. Os estudos com marcadores celulares mostraram que, na origem do tumor, estavam as células implantadas. O desenvolvimento de um tratamento novo é um processo lento que se desenvolve em etapas bem definidas, com histórias de fracasso e de sucesso. Do laboratório até a prática médica, muitos pequenos passos são necessários.
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21. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos capítulos anteriores revisamos os fundamentos das biotecnologias e seu impacto na sociedade, destacando alguns exemplos de empreendimentos latino-americanos bem sucedidos: o desenvolvimento do setor agropecuário e da indústria de medicamentos da Argentina, a plataforma genômica e a produção de vacinas no Brasil, o alcance da biomineração no Chile, o sucesso da experiência de Cuba etc. Apesar das dificuldades econômicas e políticas, essas experiências foram possíveis porque se cumpriu a condição fundamental de contar com instituições competentes, uma massa crítica de pesquisadores e pessoal técnico treinado. Em alguns casos, estas existiam previamente, em outros, elas foram criadas. A biotecnologia é uma disciplina baseada no conhecimento. Em todos os seus níveis, a educação tem um rol fundamental na formação dos quadros profissionais e na difusão dos conhecimentos básicos indispensáveis, para avaliar adequadamente os benefícios dessa tecnologia e estabelecer as normas para sua utilização. No início do século XXI, em um momento histórico mundial de conflitos e mudanças sociais, várias são as incógnitas que nos cercam: o Como estimular o interesse das novas gerações pelo conhecimento científico e tecnológico? o Como impedir o aumento do distanciamento científico e tecnológico entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento? o Como serão afetados os rumos da pesquisa científica e tecnológica com a crise económica mundial? o Como a privatização da pesquisa científica e tecnológica irá alterar, através de um sistema de patentes, a transparência do processo de aquisição e divulgação do conhecimento? o Como passar da pesquisa científica ao desenvolvimento tecnológico de um produto ou de um serviço? o Como incubar e agrupar as empresas que estão dando os seus primeiros passos? o Como manter a comunicação e a transferência de conhecimentos entre os países em desenvolvimento? o Como evitar a manipulação da opinião pública? o Como assegurar que os benefícios das biotecnologias cheguem aos povos mais desfavorecidos? o Como conciliar a cultura de segurança e o desenvolvimento de novas tecnologias? o Como lidar com as pesquisas de uso duplo, que podem ser usadas tanto para o bem como para o mal? o Como inserir as novas tecnologias em um contexto que garanta o respeito aos princípios éticos fundamentais de nossa sociedade? Para estas perguntas não há uma única resposta. Discussão e consenso são fundamentais. Rio de Janeiro, dezembro de 2011.
Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
Maria Antonia Malajovich
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BIBLIOGRAFIA
CAPÍTULO 1 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.
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Maria Antonia Malajovich
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ÍNDICE REMISSIVO AAT (α-1-antitripsina), 176 Abbott, 215, 234, 240, 248, 280. Acetona, 3, 5, 6, 23, 24, 31, 59, 60, 109, 112. Ácido acético, 12, 24, 60, 109, 112. Ácido ascórbico (vitamina C), 70, 112, 113. Ácido cítrico, 5, 6, 7, 24, 26, 30, 59, 112, 187. Ácido glutâmico, 24, 49, 113. Ácido láctico, 6, 24, 31, 112-115, 179, 181, 185, 187. Ácido succínico, 112. Adalimumab, 248, 240 Advanced Cell Technology, 259. Afeganistão, 149. Affymetrix, 7, 215, 216. África do Sul, 6, 153, 161, 183, 257. Agenda 21, 125. Agilent, 215, 216, 285. AkzoNobel, 240. Alemanha, 57, 107, 109, 116, 121, 149, 163, 252, 254. Algodão Bollgard®, 158. Allergan, 240. Amflora®, 8, 127, 153, 163. Amgen, 95, 240. Angola, 193, 289 ANMAT, Administración Nacional de medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica, 247. ANVISA, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 247. Applied Biosystems, 215, 218, 280. AquaBounty, 173, 272. AquaGestión, 175. Aranesp, 240. ARG Natural Beef, 171. Argentina, 4, 57, 68, 107, 121, 122, 132, 144, 153, 161-163, 165, 171, 172, 174-176, 183, 197, 207, 221, 224, 232, 237, 240, 241, 247, 261, 263, 264, 272-277, 280, 282, 283, 287. Arroz Bt, 161. Arroz com vitamina A, ver Golden Rice. Aspartame®, 113, 188. Astra Zeneca, 229, 234. ATryn, 105, 176, 239. Austrália, 107, 136, 144, 156, 165, 183, 244, 267. Avastin®, ver bevacizumab. Aventis, 229, 237, 280. AviGenics, 176. Banting F., 237. BASF, 8, 110, 115, 127, 157. Basilea Pharmaceutica, 234. Bayer, 129, 159, 230. Berg P., 93 Betaseron, ver interferon. Bevacizumab, 8, 240, 248. Copyright © Maria Antonia Malajovich Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br)
Maria Antonia Malajovich BIO - Biotechnology Industry Organization, 2, 263, 272, 277, 281. Biobrás, 237. Biogen Idec, 240, 248. Biogénesis, 174. Biolixívia, 23, 136, 270, 271. Biomanguinhos - Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Fiocruz), 208, 284. Biomérieux, 216, 217, 281. Biomm, 237. Biopol, ver PHB. Biopulping, 126. BiosChile, 174. Biosidus, 107, 171, 176. BioSigma, 137. BiosteelTM, 172. Bolívia, 4, 163. Borlaug N., 152, 272. Botox, 40. Ver também toxina botulínica. Boyer H. & S. Cohen, 1, 6, 93, 95. Braden Copper Co., 136. Branca e Neve, 171. Brasil, 4, 6, 7, 27, 57, 68, 103, 109, 116-118, 121-123, 126, 127, 129, 132, 136, 142, 144, 146, 148, 149, 153, 155, 156, 158, 159, 161-163, 165, 169, 171, 172, 174-176, 183, 189, 193, 197, 207-209, 221, 223, 232, 237, 240, 241, 244, 247, 261. Braskem, 115. Bristol-Myers Squibb, 74. Butanol, 3, 5, 6, 23, 24, 31, 59, 60, 109, 111, 112. Calgene Inc., 191. Canadá, 109, 116, 122, 123, 151, 152, 161, 172, 173, 183, 190, 242, 271, 273, 284, Canola, 110, 115, 122, 140, 142, 143, 153, 157, 160, 164, 191, 192, 196, 273. Cargill, 160, 192. Carrefour, 193 Carson R., 128. Cartagena, Protocolo de de Biossegurança de, 150, 173. CDC - Center for Disease Control and Prevention, 210, 265, 281. Cefalexina, 110. Celera Inc., 7, 55, 90, 267, 268. Ceradase, ver glucocerebrosidase. Cerezyme, ver glucocerebrosidase. Cetus, Inc., 6, 88. Cetuximab , 248. Cevarix®, 251. CGIAR - Consultative Group on International Agricultural Research, 149, 189, 273, 275, 276. Chakrabarty, 6, 135. Chile, 4, 25, 57, 68, 121, 132, 136, 163, 173-175, 183, 207, 221, 232, 261, 269, 271, 272, 275, 277, 278, 280. China, 4, 5, 116, 121, 122, 139, 140, 144, 146, 149, 153, 159, 160, 161, 167, 173, 207, 209, 211, 213, 254. Chiron, 6, 240. CIAT- Centro Internacional de Agricultura Tropical, 149. CIMMYT - Centro Internacional para el Mejoramiento del Maíz y el Trigo, 149. CIP - Centro Internacional de la Papa, 149, 273. Cipro, 234, 245. Coca-Cola, 115. Codelco - Corporación Nacional del Cobre, 136, 137, 269. 294
BIOTECNOLOGIA 2011 / Índice remissivo Código de Nuremberg, 205. Collins P., 7. Colômbia, 4, 68, 144, 149, 163, 174, 221, 264, 268. Confédération Paysanne, 193. Conferência de Asilomar, 1, 6, 95, 275. Conferência de Rio de Janeiro, 156, 125 CONICET - Consejo de Investigaciones Científicas y Técnicas de la Argentina, 107, 263. Consórcio do Genoma Humano, 7. Convenção sobre a Diversidade Biológica, 148, 150, 232. Coreia, 159, 227. Costa Rica, 4, 23, 148, 163, 232. Cruz O., 209. CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, 103, 155, 159, 175, 273, 279. Cuba, 4, 28, 68, 76, 121, 129, 132,173, 174, 221, 240, 241, 261, 274, 286. Declaração de Alma-Ata, 231. deCode, 242, 282. Dendreon, 251. Dextranas, 24, 112, 113, 187. Dinamarca, 114, 121, 123, 133, 177, 266. Dipel®, 129, 158. Döbereiner J., 127. Dolly, 7, 104, 105, 170, 171. Dow Agro Sciences, 159, 162, 207. DSM Life Sciences Products, 110, 271. DuPont, 115, 162. Eagle H., 77. EFB - European Federation of Biotechnology, 2, 278. Eli Lilly, 6, 95, 229, 237, 240. EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 57, 127, 129, 149, 157, 159, 163, 171, 189, 266, 274. Enbrel, ver etarnecept. EOR – Enhanced oil recovery, 135. EPA - Environmental Protection Agency, 6, 163, 167, 265. Epogen, ver eritropoietina. Eprex, ver eritropoietina. Equador, 4. Erbitux®, ver cetuximab. Ereky K., 1, 5. Eritropoietina, 79, 238, 240, 241, 247, 254, 239, 240, 241, 244, 247. Eslovaquia, 163. Espanha, 4, 123, 136, 163, 164, 211. Estados Unidos, 6, 7, 23, 30, 57, 107, 109, 116, 118, 121-123, 129, 132, 134, 137, 149, 151, 152, 156, 159, 161, 163, 166, 171-173, 176, 179, 183, 190, 191, 193, 195, 197, 204, 206, 207, 210, 213, 223, 233, 242-245, 247, 251, 252, 256, 259, 260. Etanol, 3, 24, 26, 30, 59, 60, 61, 68, 81, 110-112, 115, 116-119, 122, 123, 131, 132, 179, 180, 181, 187, 268, 269. Etarnecept, 240. FAO - Food and Agriculture Organization, 143, 149, 157, 167, 190, 196, 254, 265, 269, 271, 274, 276, 278. FAP - Fundação Ataulfo de Paiva, 208, 283. Fapesp - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, 57, 119, 263, 269, 283. Farmanguinhos, 237, 241, 244. FASS - Federation of Animal Science Societies, 167. 295
Maria Antonia Malajovich Fator de estimulação de colônias de granulócitos (hg-CSF), 176, 238, 240, 250, 251. Fator IX, 105, 170, 171, 176, 238. FDA -US Food and Drug Administration, 6, 7, 163, 167, 173, 197, 247, 251, 252, 256, 277, 279, 285, 290. Feijão resistente à vírus, 161. Filipinas, 161. Fitase, 128, 160, 166, 167, 172. Fleischmann, C. & M., 179. Fleming A., H. Florey & E. Chain, 5, 233. Flores Colombianas S.A., 144. Florigene, 144, 274. Folistim, ver hormônio foliculo estimulante. França, 4, 5, 6, 57, 107, 116, 121, 147, 174, 209, 215, 253. Frankenfood, 193. Friends of Earth, 193. Fundação Oswaldo Cruz, 207, 275. Funed - Fundação Ezequiel Dias, 208. Future Harvest, 149. Gardasil®, 251. Gendicina®, 254. Gene Chip, 216, 268. Geneal, 171. Genencor, 7, 115. Genentech, 6, 95, 240. Genzyme, 240. Geron, 259. Gigantes Gênicos - Gene Giants, 161, 162. Glaxo, 207, 208, 229, 241, 251. GloFish, 8. Glucocerebrosidase, 238, 240. Golden Rice, 1, 160, 189, 192, 273. Goma xantana, 24, 112, 113, 135, 187. Granulócitos - Fator estimulante do crescimento de colônias G-CSF, 176, 238, 240, 250, 251. GRAS – Generally Recognized as Safe, 189, 190. Greenpeace, 193, 274, 278. Groupe Limagrain, 162. Grupo de Empresas Farmacêuticas Sidus, 107, 240, 284. GTC Biotherapeutics, 105, 176, 239. Guerra Mundial, Primeira, 5, 109, 110 Segunda, 93, 148, 166, 205, 223, 233. Haiti, 211. Heber Biotec, 241, 243. Hematech Inc., 176. Herceptin®, 240, 243, 248, 249. Ver também trastuzumab. Hoffman F., 230 Hoffmann-La Roche, 6, 88, 242. Honduras, 163. Hormônio de crescimento Animal, 7, 107, 172, 173, 176, 240. Humano, 6, 31, 97, 107, 172, 238, 240, 244. Hormônio foliculo estimulante, 238, 240. 296
BIOTECNOLOGIA 2011 / Índice remissivo Houwink E.H., 2. Humalin, ver insulina. Humalog, ver insulina. Humatrope, ver hormônio de crescimento. Humira®, ver adalimumab. Humulina®, 6. Ver também insulina. Hyundai, 115. IASA, 174. IBP - Instituto de Biotecnologia de las Plantas, 76, 263. Illumina, 90, 215, 242. ILSI - International Life Science Institute, 196, 273, 274, 278. Immerge Bio Therapeutics, 257. InBio - Instituto Nacional de Biodiversidad, 232, 285. Incyte, 215. Índia, 4, 5, 109, 116, 121, 139, 145, 146, 148, 153, 159, 161, 207, 209. Infliximab, 240, 241, 248. Inglaterra, 5, 6, 109, 156, 209, 242. Ver também Reino Unido. Instituto Butantan, 208, 284. Instituto Craig Venter, 8, 92. Instituto Finlay, 208, 241. Instituto Pasteur, 5, 6, 207, 208, 280. Instituto Roslin Insulina Humana, 1, 6, 31, 97, 105, 107, 176, 235, 236-240, 244, 257, 288. INTA - Instituto Nacional de Tecnologia agropecuária, 144, 232, 273, 274, 276. Interferon, 31, 78, 79, 176, 238, 239, 240, 241, 244, 247. Interferon, 31, 78, 79, 176, 238. IPB - Instituto de Pesquisas Biológicas, 208. IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, 125. Iraque, 149. ISAAA -International Service for the Aquisition of Agri-Biotech Applications, 161, 265, 270, 277. Isis Pharmaceuticals, 256. Israel, 23, 109, 113, 206. Iugoslávia, 210. IVB - Instituto Vital Brazil, 208. Japão, 107, 121, 156, 209, 213, 243, 244. Jeffreys A., 6, 85, 223. Jenner E., 5, 199, 209. Johnson & Johnson, 95, 229, 234, 240, 248. Kellogg’s, 160, 192. Kenecott Corporation, 136. Kirin, 240. Kyoto, Conferência de, 125. Protocolo de, 132, 133. Laboratório Bagó, 174. Laboratórios Denver Farma, 237. Laboratórios Santa Elena, 174. Lacks H., 78. Laverlam, 174. 297
Maria Antonia Malajovich Lenda e Glória da Embrapa, 171. Leveduras ECMo01 e ML01, 183 Liberty Link®, 157. Lucentis®, ver Ranibizumab. Malaui, 193. Mamirauá, 148, 274. Mark and Spencer, 193. McDonald’s, 115. MedImmune, 240. Mendel G., 5, 15, 18, 151. Merck, 207, 229, 232, 233, 234, 243, 248, 251, 286. Mercosul, 68. México, 4, 6, 57, 68, 121, 132, 136, 148, 149, 159, 163, 172, 174, 197, 209, 212, 232, 240, 241, 272, 273, 290. Milho Agrisure, 158. TM Genuity SmartStax , 159. Yieldgard®, 158. Milstein C. & G.J.F. Kohler, 6, 44. MIP - Manejo Integrado de Pragas, 128, 129. Mitsubishi Tanabe, 248. Mitsui Petrochemical Ind. Ltd., 74. Moçambique, 193. Monoglutamato de sódio, 3, 112, 187. Monsanto, 7, 157, 158, 159, 160, 167, 192, 275. Mullis K., 6, 88. Ñandubay, 171. Natalizumab, 248. NeoRecormon, ver eritropoietina. Neulasta, ver Granulócitos - Fator estimulante do crescimento de colônias G-CSF. Neupogen, ver Granulócitos - Fator estimulante do crescimento de colônias G-CSF. Neutropin, ver hormônio de crescimento. Night pearls, 177. NIH -National Institute of Health, 6, 95, 232, 265, 268, 283, 284, 286. Nippon Mining & Metals, 137. Nitto Denko Corp., 74. Noruega, 149, 173. Nova Zelândia, 165, 172, 173. Novartis, 193, 207, 229, 232, 234, 241, 248. Novo Nordisk, 237, 240, 266, 287. Novozyme, 114, 207, 279. Novulin, ver insulin. OECD -Organization for Economic Cooperation and Development, 2, 6, 196, 264, 270, 287. Omalizumab, 240. Oostvaarderplassen, 148. Organização Mundial de Comércio, 245. Origen Therapeutics, 176. Orphan Drug Act, 244. OTA – Office of Technology Assessment, 2. Oxford Biomedica, 254.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Índice remissivo Palivizumab, 240, 248. Pampa Mansa, 107. Panamá, 173. Papaias UH Rainbow e UH SunUp, 151, 191. Paquistan, 161. Paraguai, 4, 57, 161, 163, 174. Paris-Texas, 171. Pasteur L., 13, 183. PEG Íntron, 240. Pegasys Avonex, 240. Peru, 4, 68, 136, 140, 149, 159. Pfizer, 7, 229, 233, 234, 287. PHA - poli-hidroxialcanoatos (PHAs), 115, 132. Pharming BV, 176. PHB - poli-hidroxibutirato (PHB), 115. Pioneer Hi-Bred, 151, 273. PLA - polilactato, 115. Polly, 7, 105, 170, 171. Polônia, 148, 163. Porã e Potira, 171. Portugal, 163. PPL Therapeutics, 105, 171, 176, 257. Pró-alcool - Programa Nacional do Álcool, 6, 118. ProBioMed, 241, 243. Procrit, ver eritropoietina. Projeto Genoma, da cana, 119. humano, 55, 119. Prometea, 171. Proteção de Cultivares do Brasil, Serviço de, 146. Protopin, ver hormônio de crescimento. Provenge®, ver sipuleucel-T. Pusztai, A., 167, 195. Quorn, 187. RAC - Recombinant DNA Advisory Committee, 95. Ranibizumab, 240. Rebif, ver interferón. Recalcine, 175. Reino Unido, 7, 64, 107, 166, 167, 173, 174, 180, 192, 210. Remicade®, ver Infliximab. ReNeuron, 259. Repoxygen, 254. República Dominicana, 211. República Tcheca, 163. RHM - Ranks Hovis McDougall, 187. Rituxan®, ver rituximab. Rituximab, 240, 248. Roche, 6, 88, 90.240, 242, 248, 284, 288. Roosevelt F.D., 210. Roundup®, 157, 192. Ruanda, 149. 299
Maria Antonia Malajovich Rumanía, 163. Sabin A., 210. Saizen, ver hormônio de crescimento. Salk J., 210. Salmão AquAdvantageTM, 173, 272, 229. Samsung, 115. Sankyo, 240. Sanofi, 207, 208, 240, 290. Schering Plough, 95, 240. SCP - single cell protein, 166, 187. Serono, 240, 248. Serostim, ver hormônio de crescimento. Shenzhen SiBiono GeneTech, 254. Sipuleucel-T, 250, 251. Soja Cultivance®, 157. RoundupReady®, 157. Soymega™, 192. Vistive®, 160, 192, 197. Somália, 210. Sorona 3GT, 115. Southern E.M., 85. Sumitomo, 129. Suntori, 144. Svalbard, 149. Synagis®, ver Palivizumab. Syngenta, 158, 162, 163. Syntex Corporation, 6. Tambo farmacéutico, 107, 176, 240. Taxol, 74, 231. Tecnovax S.A., 175. Tecnovax, 175. Tecpar - Instituto de Tecnologia do Paraná, 208, 284. Thuricida®, 158. Tomate FlavSavr®, 7, 191, 256. Tour de France, 254. Toxina botulínica, 31, 240. TransOva, 176. Trastuzumab, 240, 248, 249. TRIPS Agreement, 245 Turfal, 127. Tysabri®, ver natalizumab. UNEP - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, 148, 270. União Europeia, 8, 116, 118, 122, 144, 163, 167, 193, 197, 244, 247. Uruguai, 4, 57, 68, 121, 132, 161, 163, 174, 221. USDA - US Department of Agriculture, 163, 197, 232, 270.
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BIOTECNOLOGIA 2011 / Índice remissivo Vacina BCG – bacilo de Calmette e Guérin, 202, 208, 251, 283. Sabin (OPV), 202, 210, 211. Salk (IPV), 202, 206, 210. DIVA - differentiating infected from vaccinated animals, 175. Vallée, 174. Vavilov N.I., 147, 148. Vectobac®, 158. Vectorcontrol, 129. VECTRO - Instituto para Preparações Virais, 210. Venezuela, 4, 221, 233. Vitamina A - -caroteno, 1, 25, 113.141, 160, 189, 191, 192. Vitamina B12 - cianocobalamina, 112, 113. Vitamina B2 – riboflavina, 70, 110, 112, 113. Vitória, 171. Vitrogen, 171. Von Behring E. & S. Kitasato, 247. Watson J. & Crick F., 1, 5, 47. Weizmann Ch., 5, 109. WHO - World Health Organization, 167, 190, 196, 199, 207, 231, 280, 291. World Trade Center, 213, 224. Wyeth, 207, 240, 249. Xolair®, ver Omalizumab. Zâmbia, 193. Zimbábue, 193.
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Maria Antonia Malajovich
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ORT - ORGANIZAÇÃO, RECONSTRUÇÃO E TRABALHO - é uma instituição educacional de origem judaica que se dedica ao ensino e treinamento tecnológico. Atua hoje em mais de 50 países e suas escolas são frequentadas anualmente por cerca de 300.000 alunos. Sem fins lucrativos, concentra seus esforços em permitir o acesso a uma educação de elevado nível ao maior contingente possível de alunos, sem restrições de qualquer espécie. Maior organização não governamental de ensino e treinamento tecnológico do mundo, o ORT desenvolve pesquisas educacionais e coloca seu conhecimento técnico à disposição de governos, indústrias e outras instituições de ensino. Desde sua fundação em 1880, um dos principais objetivos do ORT foi ajudar a ajudar-se, levando à independência e à autossuficiência. E alcançou-o oferecendo educação e treinamento às pessoas para ajudarlhes a ganhar seu sustento com dignidade. Maria Antonia Malajovich é bióloga, com Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade de Buenos Aires, mestrado e doutorado em Genética pela UFRJ (Brasil). Foi bolsista da CAPES e CNPq (Brasil), do Ministério das Relações Exteriores da França, de World ORT e da Universidade das Nações Unidas (UNUBIOLAC). Ao longo de mais de vinte anos dedicados ao ensino científico e tecnológico, ministrou cursos de Biotecnologia em vários países latino-americanos (Argentina, Brasil, Peru, Uruguai, Venezuela). Desempenhase, desde 1992, como Professora e Coordenadora de Ciências e de Biotecnologia no Instituto de Tecnologia ORT do Rio de Janeiro. Conta com vários artigos sobre o tema, e livros publicados no Brasil e na Argentina. Em 2008 recebeu o prêmio Beatrice Wand-Polak, outorgado por World ORT aos Professores que se destacam no desenvolvimento de novos programas, materiais e tecnologias educacionais. Fundou o site Biotecnologia: ensino e divulgação (www.bteduc.bio.br). Em 2011, foi homenageada pelo Dia do Biólogo, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, em reconhecimento à sua dedicação em defesa da Biodiversidade e do Meio Ambiente. Integra a direção científica da Associação Nacional de Biossegurança.
BIOTECNOLOGIA 2011 - MARIA ANTONIA MALAJOVICH Edições BIBLIOTECA MAX FEFFER do INSTITUTO DE TECNOLOGIA ORT do Rio de Janeiro Rua Dona Mariana 213 – Rio de Janeiro, 22280-020 – RJ - Brasil Tel.: (5521)2539-1842; FAX: (5521)2286-91 http://www.ort.org.br