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LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ
CARLOS DE LIMA4 - MEMÓRIAS. São Luís, 1996
Este trecho das “Memórias” de Carlos de Lima foi encaminhado aos autores quando estavam elaborando trabalho de resgate da história do “Liceu Maranhense – memória, pesquisa, documentação”, ainda inédito. O Prof. Carlos foi convidado a falar aos alunos do Liceu, em evento comemorativo a mais um ano de sua fundação, naquele ano de 1996. Estava escrevendo suas memórias...
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“O LICEU “Ingressei no Liceu Maranhense em 1933, após ter levado uma surra de mamãe por ter tirado a nota sete em Matemática, nas provas de exame de admissão. Hoje, num ‘jogo de azar’... com 3, entra-se na Universidade. “O velho colégio funcionava na Rua Direita, no prédio ainda existente, que ia da Rua da Estrela à Rua do Giz, atualmente dividido para abrigar a Secretaria de Administração e uma repartição da Agricultura. “Relembrando-o agora, vejo-me galgando os degraus de cantaria da entrada, ao lado de Mário de Moraes Rego, nós ambos protegendo as cabeças com os braços, sob as biscas e os cascudos dos alunos veteranos. “De seus Diretores, lembro-me de Mata Roma, Helvídio Martins, Dr. Cordeiro (Dr. Bundinha). “Mata Roma chamou-me, um dia, e me disse: ‘- Vamos receber a visita de uma delegação do Liceu de Teresina. Vais fazer o discurso de saudação’. Comecei a pensar no assunto, a coordenar idéias, a alinhavar frases. Mas nada escrevi. “No dia da tal visita, ao cruzar comigo no corredor, interpelou-me : ‘Está pronto?’ Fiz um gesto afirmativo com a cabeça. ‘ - Traga-o ao meu gabinete, quero lê-lo.’ Criando coragem, respondi ’- Não o tenho escrito, está na minha cabeça.’ - Pois, então, não vais falar nada! “Fiquei triste. Os colegas solidarizaram-se comigo e me incentivaram à desobediência. “Na hora da recepção, não esperei mais e... mandei brasa. Não me lembro do que disse, sei que fui muito aplaudido, principalmente pelos colegas revoltados. Decerto minhas palavras não mereciam tão vibrantes palmas, mas foi a expressão da uma rebeldia e eu, o seu porta-voz. O professor visitante veio cumprimentar-me, Mata Roma falou depois, saudando o professor chefe da embaixada. “Quando os visitantes se retiraram, Mata Roma veio ao meu encontro, abraçou-me e disse: ‘- Um belo discurso, parabéns. Estás suspenso por dois dias! “(Cabe uma explicação do porque da minha escolha para orador oficial daquela solenidade): “As provas de Português constavam de duas partes: dissertação, valendo 70 pontos, e gramática, os 30 restantes. Na prova caiu como tema de dissertação, o Forte da Ponta d’Areia. Fiquei frio. A parte de Gramática eu não sabia. (Nunca soube) e o forte eu só conhecia de longe, da amurada da Avenida Beira-mar. Nunca havia ido à Ponta d’Areia que só se atingia, naquele tempo, de barco, ou na lancha do ‘Chocolate’, um mulato gordo e bundudo, cujo defeito nas pernas obrigava-no a andar desengonçado como um boneco de mola. “E agora, José? Olhei em volta e não achei quem me socorresse na gramática. A dissertação... como ‘soprar’ uma página inteira, pelo menos? Durante muito tempo fiquei olhando para o teto, com o lápis na boca, à espera de um milagre. E ele aconteceu. De-repente, chegou-me a inspiração e comecei”’- Oh! velho epônimo dos campos, por que permaneces de pé quando os teus coévos já tombaram?!’ E por aí fui, arrimado na citação de Afonso Arinos, numa embromação de grande estilo que me valeu os 70 pontos inteiros! “Numa visita que nos fez outro professor do Pedro II, do Rio de janeiro, Mata Roma, após ler-lhe essa minha composição, mandou que eu ficasse de pé, e apresentou-me com estas palavras: ‘- Este é o autor, Carlos de Lima. Inteligente, mas vagabuuuuuundo! e encompridava o adjetivo para dar mais ênfase à esculhambação. “Não se deduza daqui que o Mata Roma fosse mau. Ao contrário, tinha um grande coração, nós o adorávamos e ele gostava de nós. Em três ou quatro domingos reuniu-nos no quintal da casa do Sr. Bandeira, na rua dos Afogados, com a rua das Flores (atual Sindicato dos Bancários) para, de picaretas e enxadas nas mãos, construirmos uma quadra de vôlei e basquetebol, com o material que ele conseguiu pedindo aos seus amigos comerciantes. E todos trabalhavam alegres e felizes para alegra o mestre!
“Ali jogaram os times ‘Oito de Maio’, ‘Vera Cruz’, drible’ e outros mais, cujos nomes agora me escapam. Eu era muito ruim atleta e sempre mofava no banco de reservas, pois o técnico não tinha coragem de me escalar. Um dia, porém,. por premente necessidade, visto como os ‘cobras’ tinham sido eliminados por falhas, e como não havia mais ninguém, foi obrigado a me por na quadra. Por favor, acreditem, eu juro de pés juntos: perdíamos por um ponto, faltava pouco para acabar o jogo; no último minuto passaram-me a bola; lancei a ‘pedrada’ e ... fiz a cesta da vitória do ‘8 de maio’! “Eram craques desse tempo: Rubem Goulart, Paulino e José Carvalho, Gontran, Eurípedes Chaves, José Dourado e muitos outros. “No mirante dessa casa da rua dos Afogados deu-se um fato doloroso: um filho do Dr. Fontenele, Chefe de Polícia, matou, acidentalmente, com um tiro, o colega do Liceu, filho do Sr. bandeira; examinava o revólver, ou brincava com ele, quando a arma disparou mortalmente o amigo. “Foram meus colegas de Liceu, entre outros, José Chagas (não confundir com o poeta), Bernardino..., Celso Figueiredo (Banco do Brasil), Tácito Barreiros Martins (Banco do Brasil), Tasso Vieira, João Duailibe (engenheiro), Lisle Novais, Listênia Taboada, Celeste Vieira, Danúzio e Franklin da Costa, Colbert..., José Borgnhet (Nada a ver com o político), Ivar Madureira (médico), Elci Freitas, Paulo Castelo Branco, Alexandre Costa (senador), José Figueira (Não é o desembargador), por apelido ‘Carioca’, Pedro Ferreira, Jomar Roland Braga, Agderson Carvalho, Jorge Mota, Mário Rego, etc., etc. “José Chagas era um preto alto, sempre risonho, irmão do motorista de praça muito popular chamado ‘Vareta’. Nossa professora de Geografia era D. Zoé Cerveira, uma mulata enorme e meio estrábica. Severíssima. Nesse tempo faziamse duas provas parciais por ano e algumas argüições para notas mensais. Essas provas mensais eram sempre corrigidas em aula. Numa dessas correções, D. Zoé mostrou uma prova, pedindo que se identificasse o autor. Como mostrasse uma fisionomia alegre e acolhedora, o que era raro nela, o Zé Chagas, esperançoso de uma boa nota, apresentou-se. E D. Zoé, dirigindo-se à turma: ‘- Vejam o que esse imbecil escreveu: Os relevos da Europa como vêm no capítulo anterior... ’ Tudo copiado timtim por timtim do livro de Aroldo de Azevedo! “Mata Roma ensinava Português. Certo dia, discorria sobre as vantagens de recente reforma da língua, elogiando as novas regras que permitiam acentuar qualquer palavra, mesmo sem saber o significado dela. Lá atrás, o Adgerson Carvalho, péssimo aluno, rei da molecagem, ergueu a mão: ‘- Fale, disse o mestre.’. E ele, muito sério: ‘- Professor, por obséquio, acentue esta palavra: bolololocofto.’. ‘- Acentuo já, meu besta,’ e , abrindo a caderneta, pespegou-lhe um redondo zero e expulsou-o da sala. “De todos os companheiros ao que mais me ligava era o Danúzio Franklin de Oliveira Costa, o ‘Fenômeno’, irmão do grande ensaísta Franklin de Oliveira. De estatura meã, forte e feio, a cabeçorra valeu-lhe o apelido. Era calado, arredio, triste, e não sei se foi isso que nos aproximou. Gostávamos muito um do outro, eu lhe frequentava a casa, um sobrado, na ladeira da rua das Barrocas (Isaac Martins). Todas as vezes que nos encontrava, sempre juntos, sentenciava Mata Roma: ‘- Assinus assinum fricat, e traduzia: um burro coça o outro! “Uma única vez, em toda a minha vida, fui reprovado: no 4o. ano do ginásio e em Latim. Fui estudar nas férias com minha prima Marília, aluna distinta do “Santa Teresa’, para prestar exame de segunda época com o mesmo professor Arimatéa Cisne. “Por falar nele, vale a pena descrever-lhe a figura e o caráter: era alto, vermelho, gordo, o bigode cobrindo-lhe inteiramente a boca, a roupa sempre amarrotada, os bolsos cheios sei de quê, as pontas dos dedos escuras de nicotina, pois, além de fumar exageradamente, acendendo um cigarro no outro, chupava a bagana até não, poder segurá-la sem se queimar. Fora padre, tinha um simplicidade, uma candura, que beiravam a puerilidade, destes tipos desligados para quem tudo está bem. Não tolerava burrice. Contou-me o ‘Zé Careca’ (José Araújo, conselheiro do TCE) que, numa argüição de Matemática, o velho Arimatéa apertava-o, passando no quadro negro carroções, equações, que ele não conseguia resolver. Perguntou-lhe o professor, afinal, o que sabia? Respondeu o José: ‘- Eu só sei cousas difíceis, logaritmos, cálculo integral, etc.’ O velho mandou chamar a mulher: ‘- Iaiá, manda para cá todos os alunos que estiveram na casa (‘Colégio Cisne’, na rua de São João (13 de maio). Com a presença de todos, declarou: ‘Vocês estão diante de um gênio (e apontava o Zé Araújo), este homem sabe tudo, sabe mais do que eu, do que todo mundo! Não pode permanecer nesta escola. Dá baixa nele agora.’ Disse-me o Zé que só consentiu na sua permanência no Colégio Cisne por intervenção de uma pessoa muito importante, muito amiga de seu pai e do velho Arimatéa. “Aula de Latim: ‘- Seu Paulo (Paulo Castelo Branco, ou Paulo Pupupu, porque era gago), decline Ora orae. Paulo dizia apenas o começo das palavras deixando incompreensíveis as terminações, pois a verdade é que não sabia a declinação. Arimatéa não gostou daquela burla, mandou que repetisse. Ele gaguejou e repetiu sem melhor resultado. Arimatéa: ‘- Diga de novo’, ordenou, com a mão em concha no ouvido. ‘- Qui, qui, qui eu já disse e não di, di, digo mais!
“De outra feita, ensinava Português, voz passiva e voz ativa. ‘- Eu comi a galinha. Passe para a voz ativa, seu Paulo. ‘ - A ga, ga, galinha me, me, comeu!’ ‘- Meu filho, tu não lascas, tu não lascas mesmo nada!, respondeu o Arimatéa, esfregando a palma da mão direita no dorso da esquerda.
“Ainda a propósito, certa vez fui companheiro do velho mestre numa viagem a Ribamar [São José de Ribamar], no tempo das ‘lotações’, pequenas e muito desconfortáveis caminhonetes, que antecederam os ônibus. Viagem enjoada, demorada, com muitos ‘pregos’. Os radiadores antigos eram expostos e o do nosso carro tinha como rolha um pedaço de buriti mal talhada, que deixava escapar, a cada solavanco, na estrada esburacada, uma porção de água quente que vinha sobre nós pela abertura larga, outrora, houvera um pára-brisa. O chofer era um velho mal vestido, com uns óculos remendados com papel e barbante, um pobre coitado que tirava o sustento da família a ir e vir, todos os dias, naquele calhambeque. As reclamações eram muito grosseiras, a que ele, pacientemente, fazia ouvidos de mercador. O professor Arimatéa permanecia silencioso, alheio a todos aqueles percalços, chupando pachorrentamente, seu cigarrinho. À chegada, depois de horas e horas de percurso, todos os passageiros profundamente irritados, intimamente só desejavam bater no velho. O Arimatéa foi o primeiro a descer. Apertou a mão do motorista, abraçou-o carinhosamente e disse: ‘- Meu amigo, muito obrigado. Foi uma viagem excelente, muito obrigado !’. Depois disto ninguém teve coragem de dizer alguma coisa. “Outros professores do Liceu eram Milton Paraíso (Física), Jerônimo Viveiros (que me ensinou a gostar de História), Mário Soares (responsável por eu detestar Matemática até hoje) Flor de Lis Vieira Nina (História), Amaral de Matos (irmão do médico), professor de Matemática, Nascimento de Moraes (Geografia). Cometa compareceu uma única vez no semestre, para fazer prova. Chegou e perguntou: ‘- Qual é a matéria dada? ’. ‘-Professor, informamos, esta é a primeira aula! ’. ’- Então escrevam: dissertação: Fascismo e comunismo.’. A prova era de Geografia! O professor Braga ensinava inglês (Diziam os entendidos que não sabia inglês), mademoiselle Mariah, francês, Vicente Maia (inglês), Escrevia nos jornais muitos versos nesta língua), Maria Mendes (francês), Luís Gonzaga dos Reis (química). “Contava-se deste mestre a seguinte anedota: Gordo, corado e calvo (muito parecido com o comentarista esportivo Luis Mendes), sempre de terno branco, tinha um estranho sestro em três tempos: 1o.) um aperto com os cotovelos nas ilhargas, os braços dobrados como quem vai fazer cooper; 2o.) sungava, então, as calças com o auxílio da parte interna dos pulsos, à altura da cintura; 3o.) finalmente empalmava a genitália e dava-lhe um súbito puxão para cima. Uma vez, descrevendo a alambique, disse que se compunha de corcúbita, e comprimia a costelas, capitel (deu um aperto na cintura) e serpentina, no momento exato em que repuxava os ovos. “Foi no Liceu que conheci José Erasmo Dias, mais adiantado do que eu, inteligência brilhante, para quem todo mundo previa um futuro extraordinário. Infelizmente deixou-se vencer pela bebida... Fez muito, escreveu, discursou, foi deputado estadual; poderia, porém, chegar às culminâncias e não chegou. “O recreio fazia-se no pátio interno, onde briguei pela primeira vez. Conto: Nesse pátio jogava-se futebol com bolas de papel, pedras, apagadores de lousa, pedaços de pau, o que fosse. Os jogadores, em grande número, chocavam-se uns com os outros, chutava-se a esmo, para qualquer lado, apenas para gastar energias. Num desses lances, o pedaço de pau que chutei subiu demais e acertou a boca do Bernardino, um caboclo do interior, forte e zangado, que partiu para agredir-me. Instintivamente, em puro reflexo, dei-lhe um soco em cada olho, antes que pudesse atingir-me. Surpreso com a reação daquele fedelho magro, ele ficou por instantes meio atordoado, esfregando os olhos, enquanto os colegas entreviam e cobriam minha retirada para a sala de aula. Ele, porém, jurou-me, desafiou-me durante toda a semana, chamando-me covarde. Por mais que lhe pedisse desculpas, com este meu espírito cordato, explicando-lhe que tudo não passara de um acidente, que minha raiva momentânea se desfizera e não havia motivo para levar o desentendimento adiante, ele queria brigar. Afinal, convenceu-se e ficamos amigos e a última vez que o vi, já maduro, nos abraçamos, mas sem lembrar o ocorrido. “Lembro-me com saudade de muitos companheiros, como João Duailibe, hoje engenheiro, em São Paulo (irmão de Alfredo, Antonio e Alberto) cantando óperas, a plenos pulmões, em dueto com Tasso Vieira, este como soprano, aquele fazendo de tenor. “Os bedéis do Liceu eram Nerval Lebre Santiago, o Cunha e o Euclides, por apelido ‘Bentivi’, autor dos seguintes versos, estampados na porta do sanitário: “Jesus, Maria, José,/ santo Deus, quem nos acode?/ Helvídio Maia Martins/ a paciência nos fode/ é pior do que alastrim ceifando culhão de bode’, alusão à naturalidade piauiense do Diretor. Todos sabíamos de quem era a autoria, mas ninguém abriu o bico para denunciar o poeta. “Estes eram o Liceu e os colegas de meu tempo. Belo colégio, bons amigos, por onde andarão? Muitos, decerto, já se foram; de outros perdi o contato ... assim é a vida. Há anos, encontrei, casualmente, o Ivar Madureira, velho, grande cirurgião, no Hospital Moncorvo Filho, no Rio de janeiro. Alexandre Costa é senador da República e vem se recuperando de uma trombose. “Outro episódio ressurge do passado. No largo do Carmo, na esquina da Rua do Egito, havia o bar ‘Excelsior’, dos irmãos Lobão, dois velhos gordos e sanguíneos, um dos quais tinha um belo calombo sobre a têmpora direita, do tamanho de um limão grande. Era um estabelecimento chique, amplo, com três portas para a praça e outras tantas laterais. A rua do Egito era estreita e para alargá-la demoliram o bar e a ‘Farmácia Jesus’ e ergueram, na metade do espaço, o prédio modernoso da Caixa Econômica. Nós, eu e o inseparável Danízuo, costumávamos gritar: ‘- Bicho Feio’ para o motorneiro do bonde ‘Gonçalves Dias’, quando ele fazia parada defronte do bar. Gritávamos e saíamos correndo, escapulindo pela porta lateral, perseguidos pelo ofendido, que, no entanto, era obrigado a voltar ao seu
posto, frustrado. Certo dia, lanchávamos, despreocupadamente, caldo de cana e ‘engasga-gato’ (um bolo, espécie de manuê), quando vimos, aterrados, o ‘Bicho Feio’ interditando a única porta da garapeira, que ficava na rua de Nazaré, ao lado da ‘Casa Ribamar’, especialista em instrumentos musicais e de propriedade do Sr. Almeida, pai do radialista Marcos Vinicius, espaço hoje ocupado pelo Banco Nacional. Gelamos, os dois e, sem qualquer combinação prévia, pusemos os copos sobre o balcão e desabamos para a rua, conforme nos permitia o corredor estreito entre o balcão e a parede. Ele não conseguiu agarrar-nos, mas, na passagem, deu violentos murros em nossas cabeças e costas. “De outra vez, participei de nova molecagem, no largo dos Remédios. Festa de Nossa Senhora dos Remédios, no mês de outubro, que João Lisboa imortalizou e eu ainda alcancei bela e animada, com muitas barracas de comes-e-bebes, de sortes, de leilões, multidão de povo passeando, após a reza, enquanto muitos ficavam apenas apreciando o movimento, sentados nas cadeiras que o pai de Jaime Souza, o velho ‘Cu Suado’ colocava na calçada, desde a casa das Arches da Silva até a porta da igreja. Eram duas filas longas, as cadeiras amarradas umas às outras. Nessa noite, sobraram alguns metros de corda, que ficaram emboladas, no chão. No prédio junto à Escola Normal (atual sede da Reitora da UFMA), morava o português Joaquim Braga, cuja filha era noiva do Dr. Antônio Pires ferreira, médico maranhense, recém-chegado à cidade. Todas as noites ele visitava a noiva e deixava a ‘baratinha’branca, conversível, cujo pneu socorro ficava exposto na tampa da mala, estacionada à porta. Não sei de quem foi a idéia, se do Adgerson, do Franklin (‘Mata Virgem’), do Danúzio, do Mário Rego (‘Carrapatinho’), do Jorge Mota (‘Cara Cagada’). O certo é que eu fazia parte do grupo que formou uma parede junto ao automóvel para esconder o incumbido de amarrar a ponta da corda no estepe da ‘barata’. Aí fomos para a praça defronte para esperar o resultado. Quando o Pires Ferreira despediu-se da noiva e deu partida, as cadeiras saíram arrastadas pela rua, uma fila após a outra, enquanto o Souza corria atrás, desesperado, a barriga volumosa atrapelando as pernas curtinhas, as abas do paletó aberta ao vento, gritando-lhe que parasse. Foi um Deus nos acuda, alguns pouco que ainda estavam sentados foram ao chão, felizmente sem maiores consequências, dado o adiantado da hora, de reduzida frequência. “E foi nesse meu tempo de Liceu que conheci uma menina, aluna do Colégio Santa Teresa, que seria, pouco depois, a grande paixão de minha adolescência. O engraçado é que comecei a namorar uma sua amiga, a Naná (Natália), bonita, comunicativa, e que viria a casar-se com o jornalista e político Neiva Moreira, e acabei enfeitiçado por Benzinho Mota. Mas esta já é outra estória.”.