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VESPASIANO RAMOS: ‘COISA ALGUMA & MAIS ALGUMA COISA

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POESIAS

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LOUVAÇÃO A NONATO SILVA OU CÂNTICO PELO SEU CENTENÁRIO

FERNANDO BRAGA

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[Barra do Corda-Ma, 13 de agosto de 1918 – Brasília-DF, 5 de novembro de 2014].

Diz Hermann Hesse, o genial autor de ‘O lobo da estepe’, o qual Franklin de Oliveira reputa o homem mais lúcido de nosso tempo, que “a eternidade da vida coexiste no que parece ser o seu fim”, a ministrar fundamentos teóricos às formas de convivência humana, inspirada na ideia essencial de uma razão idêntica e comum a todos os homens, sem recusar a ninguém suas desnorteantes lições. A bagagem humanista que Nonato Silva carrega, juntamente com sua cruz, sagrada pelo Cristo, não lhe vem da erudição, a qual é o saber dos outros; provém-lhe, sim, de enigmas sem chaves, talvez daquela condição da ‘kalokagatia platônica’ que nada mais é do que a perfeição moral, em que ele, distanciado subjetivamente dele mesmo, é uma dessas espécies raras, um desses seres diferenciados, frutificados pelo encontro filosófico do cristianismo com o mundo. E assim ele sempre se distancia daquele ‘topus’ de ingerência metafísica a chegar primeiro em sua ‘Via Crucis’, não importando se a ‘Compostela’, no ‘Caminho de Santiago’, ou se ao ‘Alto Alegre’, a cumprir as ‘Santas Estações’, e a vislumbrar lá de cima sua meiga e eterna Barra do Corda, solene entre vales, como se a benzerem-se com o sinal da cruz os rios Corda e Mearim, na magia feiticeira dos seus leitos naturais. Para Rener Maria Rilke “cantar é existir”, e Nonato Silva existe porque canta como nessa estrofe dedicada a ‘Primeira Missa oficial de Brasília’. Ouçamo-lo: “E palpitas, / em uma essência arquétipa, /sob o piscar das estrelas / que te iluminam / neste Planalto Central [...] E pisas a argila sagrada, / pelo ato religioso / que te afaga e alenta, / sem nada temer.” Ou ainda, em ‘Nasce uma nova Cidade’: “Remo e Rômulo viram-na criatura, / sob o signo histórico de Roma; / nasce a Cidade tão bela, rica e pura,/ tendo por língua viva seu idioma [...] Traços, linhas e curvas ela pura, / num elo verdejante, pleno aroma, / por florestal que a cobre e emoldura, / colar guardado em épica redoma.” E fecha os dois últimos tercetos à ‘Cidade que não sabe ser vencida’ [urbes nescia uinci]: “Linda, doce, coberta de carinhos, / visão deixa cair-lhe os dons da graça, / pontilhando de flores seus caminhos. / Constitui no Brasil uma família, / pela união da Vida que não passa, / esta donzela chama-se Brasília!” Se no ciclo bíblico de José, o ‘semibrasileiro’ Thomas Mann nos diz que “os subjugados ressurgirão, pois são os portadores da mensagem libertadora”, Raimundo Nonato Ribeiro da Silva, filho de José Ribeiro da Silva e de Maria Uchoa da Costa Ribeiro, traz em seu sangue a marca emblemática dos conquistadores, que o fez um misto orgânico de homem e aroeira, marco que simboliza os eleitos, nascido em Barra do Corda, em um 13 de agosto, dito aziago pelo supersticiosos, no ano de 1918, já no epílogo da Primeira Grande Guerra, é

ele, por isso e por muito mais, um dos mensageiros de signos e tantos livramentos, além de poeta, de camisa aberta e peito nu para o mundo; é ainda um aristocrata na arte de escrever, ensaísta, ficcionista, jornalista, gramático, filólogo e crítico de arte e de literatura, com licenciatura em Filosofia e bacharelato em Teologia Católica. Padre, como Vieira, Bernardes e Santa Rita Durão o foi, doutor simultaneamente em Direito Canônico e Civil, e também maestro, tendo publicado ao longo desse tempo que Deus lho presenteou como dádiva, esses trabalhos: ‘O Hífen dos Compostos Prefixais’, 1971; ‘No dia das Mães’, 1954; ‘História do Hino Nacional Brasileiro”, 1991; ‘Discurso Acadêmico’, 1994; ‘Filhos da Batina’, 2000; ‘Língua Brasileira’, 2000; ‘História da Ortografia da Língua Portuguesa’, 2003; ‘Sermões Selecionados’, volumes I e II, 2003 e 2004, além de grande contribuição esparsa em jornais e revistas; foi um dos criadores da Academia Barra-Cordense de Letras, instituição que tenho a honra de pertencer, onde fundei a Cadeira nº 26, patroneada por Pedro Braga Filho. Nonato Silva exerce a arte e a ciência como frêmito do pensamento e não apenas como litania do coração. E ele sabe, como sertanejo, e dos bons, que o nosso Guimarães Rosa na saga de ‘Grande Sertão: veredas’, um dia nos disse isso: “Deus é paciência, é alegria e coragem... e que o mundo, mundo é, enquanto Deus dura”. E eu apenas consigo, se consigo, dizer a Nonato Silva, o que Tolstoi disse a Górki, em ‘Lasnaia Poliana’: “Você tem um coração inteligente”. ----------------*Fernando Braga, in ‘Revista Comemorativa – Edição histórica da literatura de Barra do Corda’, agosto de 2013, com o título ‘Louvação a Nonato Silva ou cântico pelos seus 95 anos de idade’. N.A. Este texto apenas envelheceu cinco anos... O Canto hoje é dedicado ao Centenário do mestre Nonato Silva.

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