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JOSÉ JOAQUIM RAMOS FILGUEIRAS
Phelipe Andrès210, em seu discurso de posse na Academia Maranhense de Letras em 23 de maio de 2013, assim se pronunciou acerca de seu antecessor: Iniciarei referindo-me ao meu antecessor imediato, José Joaquim Ramos Filgueiras, jornalista, orador fluente, professor, poeta, escritor, magistrado. Segundo Dona Zelinda Lima que o conheceu de perto e privou de sua amizade, cada passo de sua brilhante carreira fora conquistado com persistência nos estudos e dedicação incondicional ao trabalho. Nasceu o Dr. Filgueiras nesta cidade de São Luís, a 20 de abril de 1928. Seus pais, Isac Joaquim Filgueiras e Marieta Perdigão Ramos Filgueiras. Casado com Dona Magnólia Branco da Costa Fontoura Filgueiras, tornou-se Bacharel pela Faculdade de Direito de São Luís em dezembro de 1950. Foi promotor público entre os anos de 1952 e 1955, das Comarcas de Pastos Bons, Vitória do Mearim, Viana e Itapecuru-Mirim. Nestas sendas conheceu o Maranhão da frente pastoril, nas rotas de ocupação e conquista dos sertões, seguindo os caminhos do gado e das missões jesuíticas que aqui deixaram o rastro de sua missão evangelizadora. Um dia confessou ao acadêmico José Chagas, que o recebeu nesta Casa, haver adquirido desde menino, um grande fascínio pela leitura. Na infância morou em Teresina onde continuou estudos com professores particulares, desenvolvendo em seu precoce aprendizado o gosto pela leitura, e a vocação para escrever e falar fluentemente. Aos dez anos foi orador de sua turma por ser o que melhor se expressava verbalmente. Ainda em Teresina integrou o Grêmio Literário Da Costa e Silva e divulgava entre os piauienses, o grande bardo maranhense Gonçalves Dias, declamando de cor todo o I-Juca Pirama e o Canto do Piaga. “Sempre me perdi nas páginas dos livros” confessava ele. Das leituras juvenis dos contos dos Irmãos Grimm e do Almanaque do Reco-Reco, das aventuras do Tarzan, que povoaram as infâncias de muitos de nós, foi um salto para que, em plena adolescência passasse aos clássicos da literatura portuguesa, francesa e russa, impregnando-se de Eça de Queiroz, Emile Zola, Tosltoi e Dostoieviski. Anos depois já como Juiz em Grajaú, ele teria oportunidade de ler de uma só empreitada, os 36 volumes da obra de Balzac traduzida no Brasil. Teve ainda uma forte influência de Emile Zola através da obra Germinal que fala do drama terrível da exploração dos trabalhadores das minas de carvão na França. Segundo depoimento dele ao poeta Chagas: Daí lhe veio a ternura que passou a sentir pelos “trabalhadores nas minas subterrâneas, mas também pelos que estão em cima da terra, sem terra e passando fome.” Ao voltar de Teresina, terminado o ginásio, em plenos anos de 1940, fazia aqui o curso científico e foi convidado por um grupo de jovens maranhenses a participar da fundação de um centro literário. Vivia-se um período conturbado da história, com os abalos e as consequências da segunda guerra mundial. O impacto da primeira bomba atômica, revelando a apocalíptica força de destruição nas mãos do ser humano a um simples apertar de botões, causou profundos efeitos, em curto e longo prazo, nos corações e mentes. Para melhor entendermos o valor da obra de um homem são necessários a compreensão e conhecimento do contexto da sociedade e do tempo histórico em que viveu. Wassili Kandinski, advogado, poeta e sobretudo, artista plástico russo, expoente do movimento abstracionista do qual se tornara um dos grandes teóricos, tendo sido também um dos principais professores da Bauhauss, dizia que toda arte é filha de seu tempo.
209 MORAES, Jomar. PERFIS ACADEMICOS. 3 ed. São Luis: AML, 1993. 210 210 http://www.linomoreira.com/2013/05/posse-de-phelipe-andres-na-acade3mia.html
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E no tempo em que José Joaquim Filgueiras viveu os momentos de sua formação, grandes verdades e certezas eternas haviam sido demolidas e se tornaram pó, em segundos, como as cidades de Hiroshima e Nagasaki. No Brasil vivia-se o fim da era Vargas, o fim da ditadura getulista. Organizava-se a assembleia constituinte. Tudo contribuindo para que antigas convicções filosóficas e políticas caíssem por terra deixando um vazio. A São Luís, onde o então jovem Filgueiras arriscava seus primeiros passos na área do Direito e como intelectual, encontrava-se igualmente mergulhada em agudo período de crise. O clímax de uma longa fase de depressão econômica que se abatera sobre toda a região do meio-norte brasileiro trouxe como consequência a falência do pensamento crítico e o esvaziamento cultural. Filgueiras e sua geração viviam assim as terríveis desvantagens e o desafio de iniciar carreira e dar sentido a suas vidas em um dos momentos mais difíceis de nossa história. No plano cultural as atividades artísticas e literárias estavam igualmente imersas em marasmo, e o centro que fora a Atenas Brasileira dos meados do século dezenove tinha uma pulsação próxima da frequência zero, da estagnação, afetando inclusive o desempenho desta casa, presa que estava do imobilismo reinante. Pois foi como reação a esse ambiente desfavorável que surgiu o Grêmio Cultural Gonçalves Dias, liderado por Nascimento Morais Filho, recriando-se um ambiente para a realização de debates conferências e palestras. Abrindo-se novo púlpito para o exercício da oratória e palco para acaloradas e proveitosas discussões, declamações e apresentação de peças teatrais. Na mesma época outro grupo de jovens se reunia na famosa Movelaria Guanabara, na Rua do Sol. Este segundo grupo então era tido como mais avançado ainda. Criado com mais liberdade e franqueza para as novidades e transformações que começavam a surgir, ocupando vazios e preenchendo a carência de movimentos intelectuais. O fato é que, estes movimentos se constituíram em capítulo importante da história local de nossa literatura. Filgueiras se movimentava bem entre os dois grupos e deles participava indistintamente, tendo sido, como já vimos, um dos principais líderes e fundadores do primeiro. Este protagonismo, certamente contribuiu decisivamente para a sua formação já em andamento na faculdade de Direito. Ao mesmo tempo escrevia seus ensaios e poemas, exercitando à surdina sua vocação literária, pois não lhes creditando valor, ele mesmo a escondia de todos. Tempos depois se tornou professor de Direito da Universidade Estadual do Maranhão e alto dignitário das Cortes Maçônicas do Maranhão e do País. Suas qualidades de liderança, competência e inteireza no trato das causas públicas o levaram a ocupar por duas vezes a presidência da Associação dos Magistrados do Estado. Em 1965 foi promovido para a comarca de São Luís, quando assumiu a 7ª Vara Criminal da Capital. Elevado ao cargo de Desembargador atingiu o ápice de sua carreira ao ser eleito presidente do Tribunal de Justiça do Maranhão. Após sua passagem pelo comando, foi reconhecido por seus pares como competente e profícuo administrador daquela casa e honrado chefe do Poder Judiciário do Maranhão. Sob sua liderança, o Poder Judiciário experimentou sensíveis melhoras, e se modernizou. Realizaram-se obras de restauração de suas sedes espalhadas em todo o Estado. Houve sensível aumento da eficiência, atribuído às suas qualidades de liderança, baseadas no rigor da ética e do trabalho, que foram postas em prática com o vigor que caracterizava seu comportamento e também pelos mecanismos que criou, de premiação aos bons juízes, estimulando a meritocracia na carreira. O desembargador Filgueiras passou à história na relação dos homens de bem por seu caráter sem jaça e por isto foi detentor das mais altas comendas do Maranhão e do País. Foi por sua produção especificamente no campo das letras jurídicas um gigante, mas nunca deixou de lançar ao ser humano um olhar poético no cotidiano de suas experiências profissionais. Sem que ele próprio atribuísse relevância às suas letras poéticas, a Academia lhe reconheceu este mérito, que se manifesta com eloquência em seus livros publicados, Caminhantes e Pedra de
toque. Sabemos que outros três livros ficaram inéditos. E todos são testemunhos de sua sensibilidade e valor literário. Assim José Joaquim Ramos Filgueiras foi uma expressão dos homens que compartilham das letras jurídicas e literárias e bem representam uma tradição nesta casa, na mesma linha dos desembargadores que o precederam, Alfredo de Assis Castro, por sinal um dos fundadores da Academia e Barros e Vasconcelos, Henrique Costa Fernandes, Isac Ferreira, e estes que nos alegram e enriquecem com seu convívio fraternal: Milson Coutinho, Lourival Serejo, Alberto Tavares e nosso Juiz Federal Ney Bello Filho. Do manejo das leis e da convivência com os homens em seus momentos de maior fragilidade retirou o barro com que moldou as delicadas porcelanas do seu lirismo, com as quais plasmou estrofes vazadas em preocupações com a injustiça, que, como ele o sabia bem de perto e de dentro, muitas vezes se abate sobre os mais fracos e desprovidos. Deixemos pois que se cumpra neste momento a finalidade do ritual acadêmico e que o Desembargador José Filgueiras, meu brilhante antecessor imediato, volte a falar entre nós como imortal que se faz agora na minha voz hesitante. De seu próprio discurso de posse nesta casa retirei as palavras com as quais encerro esta parte de minha fala, neste texto apenas tangencialmente apologético. Aqui, no pretexto de registrar o impacto do momento em que recebeu a proposta de se candidatar, acaba por nos lançar uma reflexão bastante atual, em texto crítico sobre as contradições e dificuldades do ofício de julgar o próximo com a busca da verdade e total isenção. [...] Assim até hoje reverberam as palavras daquele a quem tenho, pela vossa vontade senhores acadêmicos a imensa responsabilidade de suceder. Parafraseando o Papa Francisco, direi: - Que Deus vos perdoe por isto meus confrades. Publicou em jornais e revistas maranhenses diversos trabalhos em prosa. Publicou o livro “Caminhantes” (Sioge 1986). Tem inéditos mais três livros de cunho poético. Ocupava a Cadeira de Nº 23 da Academia Maranhense de Letras.211 DISCURSO DE POSSE212 Na lida incessante com leis e códigos: nos dias sempre tormentosos de julgar semelhantes, às vezes iguais e pares: no manuseio de processos que, como diria Von Ihering, não passam de organismos destinados a multiplicar dificuldades na defesa dos direitos pleiteados; na dúvida cruciante sobre se somos nós juízes árbitros inúteis no combate inescrupuloso entre a competência e a ignorância; nas amargas reflexões sobre a lei ruim que é ótima quando a magistratura é boa e a lei ótima que é péssima quando a magistratura é má; no suspiro por aquele dolce far niente do ócio com dignidade, após 34 anos de autos empoeirados, de conflitos que toldam a alma, de esgotos por onde fluem dores e misérias incalculáveis, enodoando escritórios e gabinetes, esfumaçando audiências e às vezes, até tisnando decisões; escrevendo, vez por outra, versos despretensiosos, e sentenças, onde o que transborda da análise do factual e do legal, perece, quase sempre, nos limites da pedanteria, eis que subitamente o choque do desafio jamais esperado, sequer sonhado, para o ingresso no mais alto sodalício intelectual de minha terra.
211 http://jornalpequeno.com.br/2011/11/03/morre-o-desembargador-jose-joaquim-ramos-filgueiras/ http://www.1cn.com.br/2011/11/3/morre-o-desembargador-jose-joaquim-ramos-filgueiras-17849.htm 212 http://www.linomoreira.com/2013/05/posse-de-phelipe-andres-na-acade3mia.html