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RAFAEL CASTELLANI & JOÃO BATISTA FREIRE
RAFAEL CASTELLANI & JOÃO BATISTA FREIRE
Em textos anteriores abordamos as contribuições da Pedagogia da Rua para a educação e, sobretudo, debatemos o que a Rua tem a nos ensinar, para o bem ou para o mal, para uma prática que seja mais significativa e prazerosa para os meninos e meninas que praticam o futebol em nosso país. Como beneficiar-se da Pedagogia da Rua em aulas de Educação Física nas escolas, ou aulas de esporte em clubes e escolas de futebol, quando há impedimentos de aulas práticas provocados pela chuva ou, como ocorre atualmente, pela necessidade de isolamento social causada pela pandemia? Entre outras providências, podemos nos apropriar de uma extraordinária riqueza cultural da sociedade brasileira: nossa literatura, rica em textos sobre o esporte. Neste artigo, tomaremos como referência um de seus maiores expoentes: Luís Fernando Veríssimo. Veríssimo pincelou em prosa o Futebol de Rua. Nossa proposta para este texto é abordar a crônica de Luís Fernando Veríssimo sobre o Futebol de Rua, discutindo-a à luz da Pedagogia. Não apresentaremos a crônica em sua totalidade, mas trechos dela para estabelecer com eles um diálogo. Em uma aula de Educação Física na escola, em dias de chuva, se não podemos ocupar os espaços abertos (quadra, campo, pátio, ou até as praças e ruas, se necessário), o lugar, por vocação, da Educação Física, ficaríamos em sala, entre outras coisas, lendo as palavras do escritor gaúcho com nossos alunos e refletindo sobre elas. Por que nos causa tanto desassossego a chuva, quando temos um lugar abrigado para ler, escrever, contar histórias? Não somos “Veríssimos”, mas nós e nossos alunos vivemos nossas histórias, as que passaram e as que estão acontecendo. Sala de aula serve à Educação Física nessas ocasiões. Não é o nosso nicho, seguramente, e não é para a preferirmos ao espaço aberto, pois que o espaço aberto da Educação Física rompe com a arquitetura tradicional de salas e carteiras e poderia servir a uma revolução pedagógica. Não vamos à sala de aula por um motivo qualquer, mas vamos por Veríssimo! E, quando a chuva passar, certamente teremos muito gosto em sair da sala e bater nossa bola lá fora, riscando a quadra para que vire rua, e fazendo nossos pés correrem atrás de alguma coisa que role. Logo no início de sua crônica, Veríssimo diz: “…existe um tipo de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno”. A Rua, no seu significado mais amplo, coloca-nos em pleno exercício do desenvolvimento da criatividade, da vivência do lúdico e do próprio gesto motor. Jogadores criativos se desenvolvem no ambiente da Rua e não nos clubes onde, cada vez mais, são privados de se divertir e improvisar com as bolas nos pés. Ao ler com os alunos passagens como esta: “Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora”, começamos por aprender sobre a humildade, se visitamos a Rua. A Rua não tem compromisso com a educação formal, nem mesmo com formar para a vida, ela não se importa com o que vai acontecer no futuro. A pedagogia sim, é que deveria ser sábia o suficiente para ir à Rua aprender tudo o que ela tem a ensinar. Veríssimo se dedica, então, a descrever como seriam as “regras oficiais” do Futebol de Rua, caso elas existissem. Com alta dose de ironia, versa sobre a bola, as traves, o campo de jogo, o tempo das partidas, a formação dos times, o juiz, as interrupções, as penalidades, a tática, o intervalo, a justiça esportiva… cada “regra” traz inúmeros aprendizados do ponto de vista pedagógico, dentre os quais explicitaremos alguns. A bola é o elemento central de um jogo de futebol, certo? Errado! A bola oficial, para alguns, indispensável na escola ou nos clubes, é apenas um dos elementos que propiciam a materialização do jogo. Para Luís Fernando Veríssimo, “A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor”.Essa diversificação de objetos seria, ou não, fundamental para a construção de um maior e mais qualificado repertório motor? Na mesma passagem há outro aspecto importante, típico do Futebol de Rua: a disputa de forças e o modo como ela é resolvida. Se não há bola, mas há a merendeira do irmão menor, por que não chutá-la? Ao falar
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das traves, apesar de destacar que elas podem ser feitas com o que estiver às mãos (na maioria das vezes com chinelos ou tijolos), o cronista ironiza dizendo que podem também ser feitas com as merendeiras do irmão menor ou até mesmo com ele próprio. Se a bola vai para debaixo do carro, quem busca? O irmão menor. É isso mesmo; a Rua educa para o bem ou para o mal. Pode ser injusta, como na opressão sobre o irmão menor, sobre os mais fracos, mas deixa a lição de que há um jogo de forças em questão, que a Pedagogia da Rua tem que reconhecer e saber como tratar. A Rua nos apresenta cotidianamente uma disputa de forças que se traduz no espaço a ser utilizado para o jogo, na escolha dos times, nos equipamentos, nos acordos, enfim, em quase tudo que se refere ao Futebol de Rua. Já que no Futebol de Rua não há juiz, como se resolvem as discussões e discordâncias durante o jogo? Não raramente, como dito nesta crônica, “os casos de litígio serão resolvidos no tapa”. E os mais fracos, os menores, com frequência levam desvantagem. Isso tudo se relaciona à autogestão do jogo, que a Rua nos ensina. Chega a nos impressionar a dificuldade que nossos alunos de hoje apresentam quando se trata de jogar sem a presença de um professor ou de um árbitro à beira da quadra/campo. Quando Veríssimo descreve as diversas ocasiões em que os jogadores, na Rua, resolvem facilmente os litígios, como entram em acordo com facilidade, como tornam desnecessária a presença de um juiz, ele desvela uma sabedoria que deveria servir de exemplo aos que praticam as pedagogias oficiais. Outro aspecto que vale ser destacado na bela crônica de Veríssimo, é a Rua ser um espaço de todos, ainda que não livre das disputas que já mencionamos. “O número de jogadores em cada equipe varia, de um a 70 para cada lado”. Cabem todos, desde que o espaço permita. Cabem todos, mas não sem que, mais uma vez, a disputa de forças se manifeste. “Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque”. Como esperamos ter explicitado, a educação da Rua é tão rica, e, por outro lado, tão subaproveitada, quanto as possibilidades de sua apropriação no ensino e prática do futebol são imensas. E a nossa literatura, em crônicas, prosas e versos – Veríssimo é somente um exemplo dentre tantos outros que temos disponíveis , fortalece nosso entendimento acerca da importância da Rua, e daquilo que ela nos ensina para a prática do futebol nas escolas, clubes e “escolinhas”.
Rafael Castellani - Formado em 2005 no curso de licenciatura em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/ Rio Claro), Mestre em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), tem suas primeiras experiências acadêmicas circunscritas à Psicologia do Esporte e ao Futebol. Vinculado, desde o primeiro ano da graduação, a ambos os campos, buscou focar sua participação em grupos de estudos e pesquisas onde a relação entre eles fosse possível. Atualmente é diretor executivo do Centro Esportivo Virtual e coordenador de Projeto Social do Instituto Rhodia.
João Batista Freire - João Batista Freire é professor aposentado da Unicamp e referência nacional no ensino do futebol. Autor de diversos livros entre eles o "Pedagogia do Futebol".
CONSTRUÇÃO DE UMA ANTOLOGIA DE TEXTOS DESPORTIVOS DA CULTURA BRASILEIRA: PROPOSTA E CONTRIBUIÇÕES
LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Centro Federal de Educação Tecnológica do Maranhão
DELZUITE DANTAS BRITO VAZ Centro de Ensino Médio "Liceu Maranhense"
Resumo Através do resgate e do registro de manifestações culturais esportivas na literatura brasileira, procura-se reconstruir a história do esporte, do lazer e da educação física no Brasil. A exemplo do que acontece em França, Itália, Espanha e Portugal, propõem-se reunir textos literários da cultura brasileira, com o objetivo de reconstituir a trajetória do esporte em nosso país, com a construção de uma antologia brasileira de textos esportivos. Palavras-chave: Educação Física. Esportes. Literatura. História Abstract Through the rescue and the registration of sportive cultural manifestations in bra\ilian literature, one tries to reconstruct the history of sport, leisure and physical education in Brazil. From the example of what happens in France, Italy, Spain and Portugalit is proposed to gather in our country, with the construction of a brazilian anthology of sport texts. Key-words: Physical Education. Sports. Literature. History.
Introdução: Em 1994, o Ministério da Educação e do Desporto - MEC - constituiu Grupo de Trabalho (MEE/INDESP, 1996) para elaborar a aproximação conceitual de Esporte e Cultura, iniciando-se, no Brasil, uma discussão sobre “Esporte de Criação Nacional”. Com a identificação do problema conceitual, se fez necessário desenvolver a dissecação do título. No instante em que se separa a idéia “Esporte” de um lado e “Criação Nacional” de outro, percebe-se a possibilidade de um desdobramento fértil. Enquanto o “esporte” pode ser entendido como um jogo, uma brincadeira, uma dança, um ritual, etc., o atributo de “criação nacional” por sua vez, pode ser entendido como de “Criação Cultural”, ou com “Identidade Cultural” (SANTIN, 1996). SILVA (1987), ao levantar a questão da perda dos valores culturais e da identidade cultural, afirma que somos um povo mesclado pelas mais diversas influências raciais, cujos traços são refletidos nas mais variadas formas de expressão artística: “Neste aspecto, é importante relembrar que os jesuítas foram os primeiros a transformar os hábitos culturais dos nossos índios, obrigando-os, pelo processo de catequese, a aprenderem os hinos e os sermões da Igreja Católica e, justamente com isso, os falsos preceitos de pecado e moral. “Assim como os índios, nossos irmãos escravos, vindos da África, sofrendo sob as garras da opressão dos senhores de engenho, tiveram de fazer seus cultos e brincadeiras às escondidas, sob a ameaça dos chicotes. Em suma, a cultura ibérica, através dos portugueses, infiltrou-se e aculturou-se na nossa realidade, clima e vegetação. “Sobre a questão da perda dos valores culturais, é importante deixar claro que a nossa atitude passiva de receptores de outras culturas é histórico, pois até hoje guardamos o peso dessa herança advinda da colônia que parece ainda não ter passado...”. (p. 20-21)
Considera, ainda, que a perda da identidade cultural traz como conseqüência a minimização da criatividade popular, tornando, assim, a sociedade imitativa e caricaturista de valores culturais estrangeiros, com o que concordam DIECKERT; KURZ & BRODTMANN (1985) quando afirmam que no Brasil deve haver uma educação física brasileira e critica o modelo internacional do esporte corporal do povo brasileiro, que possui a capoeira como uma das maiores riquezas, além de outros jogos, danças e ritmos. DIECKERT (1987) destaca ainda o quanto é importante que essas manifestações sejam resgatadas, para não se transformarem em peças de museu. Da mesma forma, Manuel Sérgio VIEIRA E CUNHA (1985), ao analisar um tipo de esporte baseado na cultura, enfatiza o significado dos jogos tradicionais das diversas formas de desporto popular e ainda das pequenas agremiações locais, que cedem lugar ao imperialismo do desporto-instituição, reprodutor e multiplicador das “taras do ter”. Para SILVA (1987), a perda desses valores levou a sociedade a explorar o corpo dos cidadãos como se fosse objeto e não sujeito, imprimindo-lhe gestos e movimentos ginástico-desportivos padronizados, reduzindo o acesso às danças e aos jogos da lúdica popular e resultando na perda da ludicidade, que deve ser compreendida como o estado de espírito que dispõe o homem a ser alegre e brincar livremente. O primeiro grande impasse surge quando se pergunta o que se entende por esporte e por lazer, dada a abrangência dos termos. Deve-se entender como esporte apenas as atividades lúdicas praticadas sob a orientação da ciência e da técnica? Apesar do costume vigente de tratar o esporte, o jogo e o brinquedo como três categorias distintas de atividades, não restam dúvidas de que se pode unificá-las sob o manto da criação cultural, embora reflitam valores culturais diversificados (HUIZINGA, 1980; SILVA, 1987; SANTIN, 1996; DAMASCENO, 1997). O esporte, como tema literário, aparece pela primeira vez com Píndaro, embriagado pelos feitos atléticos dos campeões olímpicos: "Durante a realização dos Jogos, desaguavam em Olímpia tudo o que na Grécia havia de artístico, filosófico e desportivo. Os poetas escancaravam o que lhes medrava na alma, os sofistas dialogavam com auditórios eruditos e os atletas competiam entre sí. Enfim, arte, filosofia e desporto num conúbio que muito enriqueceu a literatura grega. Já Homero poetizara as corridas de carros, mas literatura centrada no desporto... foi Píndaro o primeiro" (VIEIRA E CUNHA & FEIO, s.d: 9).
Depois dele, muitos outros. "E no gaiato tagarelar das ruas de Atenas, o desporto nascia como verdadeiro fenômeno cultural". Virgílio, Horácio, Tíbulo, Propércio, em Roma; Dante e Petrarca, na Idade Média; Rebelais, Cervantes, Camões, Francisco de Quevedo, Jeronimo Mercurialis, Rousseau, na Idade Moderna. VIEIRA E CUNHA & FEIO (s.d.) justificam a feitura de uma antologia portuguesa de textos esportivos afirmando que o desporto, ao contrário do senso-comum que se tem dessa manifestação, não se resume a "uma atividade meramente corporal que, no setor da ciência, se confunde com a Medicina, no campo da convivência, com a expresso apaixonada da agressividade natural e manifestando o mais redondo desconhecimento pelo mundo da cultura" (p. 7). Afirmam ser o desporto uma pujante afirmação de cultura; uma síntese original de criação artística e de contemplação estética; um meio de educação e de comunicação de excepcional valia; e um "fenômeno social capaz de concorrer à Paz, à Saúde, à Tolerância, à Liberdade, à Dignidade Humana" (p. 8):
"Ainda integrado na luta pela compreensão do desporto, permitimo-nos recordar que a Cultura Física é uma Ciência do Homem e como tal deve ser analisada, estudada, praticada, difundida e... defendida! Daí que, ao nível da interdisciplinaridade com outros ramos do saber, não seja demasiado encarecer quanto à educação física e os desportos dialecticamente se relacionam, quer com as outras Ciências do Homem, quer com as Ciências da Natureza e as Ciências LógicoDedutivas..." (VIEIRA E CUNHA & FEIO, s.d.: 8).
Também na Literatura Brasileira é significativa a presença de escritores a evidenciarem uma simpatia pela prática desportiva. O objetivo deste estudo é o de, articulando-se o trabalho de investigação e o trabalho de resgate, recuperar e organizar fontes literárias e documentais, procurando reagrupá-las, tornando-as
A Atenas brasileira Na literatura dos viajantes, ABBEVILLE (1975:236) foi quem primeiro registrou, no Maranhão, as atividades dos primitivos habitantes da terra. Para esse autor é por não terem ambições materiais que os índios da Ilha do Maranhão têm na dança o primeiro e principal exercício; além da dança, têm como exercício a caça e a pesca. Já SPIX e MARTIUS afirmam serem os Jês hábeis nadadores, havendo o registro de serem também grandes corredores:"... timbiras de canela fina (corumecrãs)... famosos pela velocidade na corrida, esses índios enrolavam suas pernas com fios de algodão que acreditavam afinar-lhes as pernas e proporcionar-lhes leveza para correr..." (citados por CALDEIRA, 1991:77-78).
A literatura maranhense tem início com o surgimento da imprensa. RAMOS (1986), escrevendo sobre o seu aparecimento no Maranhão registra, no período colonial, que "... jornalista era o magnífico João Tavares com sua 'Informação das recreações do Rio Munin do Maranhão'...". No período imperial registra-se o aparecimento de inúmeros jornais políticos e literários, coletâneas de poesia e de peças teatrais, sendo publicados entre 1821 e 1860, 183 jornais (RAMOS, 1986, 1992), a grande maioria de caráter político. Os jornais com objetivo de recrear - de caráter literário, recreativo, científico e/ou instrutivo - foram: a "Folha Medicinal", de 1822; o "Minerva", de 1827; "A Bandarra", 1828. Apenas esses dois últimos, dos 21 jornais do período de 1821 a 1830 dedicaram-se a divulgar literatura. Alguns periódicos tiveram contribuições de Sotero dos Reis, Odorico Mendes, João Lisboa (RAMOS, 1986). RAMOS (1992) ainda registra o aparecimento em 1831, do "Atalaia dos Caiporas"; em 1839, do "O Recreio dos Maranhenses”; 1840, de "A Revista"; "O Jornal Maranhense" aparece em 1841. Periódico oficial, trazia como epígrafe uma frase de Tímon: "a verdadeira educação de um Povo livre faz-se nos jornais". De 1842, são o "Museu Maranhense", " O Publicador Maranhense"; de 1845, o "Jornal de Instrução e Recreio",. "O Almazém"; de 1846, "O Arquivo Maranhense", contando com Gonçalves Dias, ainda jovem e interessado em teatro, dentre seus colaboradores. Escreveu em seu primeiro número: "Fiéis ao nosso programa, o nosso fim continua a ser - a Instrução e o Recreio -..." (RAMOS, 1992: 121). De 1849, a "Revista Universal Maranhense”. O "Jornal de Tímon", publicado em fascículos de 1852 a 1854, foi, no dizer de Viveiros de Castro (citado por RAMOS, 1992), "revista literária, de publicação mensal, na qual João Francisco Lisboa conquistou muito justamente a nomeada de um dos primeiros prosadores da língua portuguesa" (p. 189). Ainda desse ano de 1852, "A Marmotinha". Nos anos seguintes aparece "A Violeta" (1853); "O Botão de Ouro" e "A Sentinela" (1854); de 1855 é o "Diário do Maranhão"; em sua edição de 23.10.1855, número 41, é informado que "tivemos a satisfação de ler um novo jornal recreativo intitulado "A Saudade", dedicado ao belo sexo maranhense". (RAMOS, 1991: 213). De 1857 é "A Estrela da Tarde"; de 1858, o "Jornal do Comércio. O "Verdadeiro Marmota", jornal literário, foi saudado, em 1860, nestes termos elogiosos: "reaparece este interessante jornal, depois de ter por algum tempo, pela indolência e lassidão, que geralmente ataca os jornais recreativos nesta província..." (citado por RAMOS, 1992:237). Em 1860, contando com uma população de 35 mil pessoas, São Luís tinha matriculado em suas escolas primárias 2 mil rapazes e 400 moças e no secundário, 180. Esses poucos números mostram que era muito reduzido o número de pessoas que acediam à leitura. O ensino primário havia se desenvolvido desde a independência. Em 1838 é inaugurado o "Liceu Maranhense", dirigido pelo famoso gramático Francisco Sotero dos Reis. O Liceu passou a substituir os preceptores dos filhos da burguesia comercial e da oligarquia rural (MÉRIAN, 1988). No entender de Dunshee de Abranches, a fundação desse colégio, logo seguido do colégio das Abranches, do Colégio do Dr. Perdigão e de tantos outros, contribuiu para com o progresso da educação mental da juventude, levando o Maranhão tornar-se, de fato e de direito, a Atenas brasileira.
Dois autores maranhenses Dunshee de Abranches João Dunshee de Abranches Moura nasceu à Rua do Sol, 141, em São Luís do Maranhão. Advogado, polimista, historiador, sociólogo, crítico, romancista, poeta, jornalista, parlamentar e internacionalista. Dentre
seus escritos, destaca-se a trilogia constituída pelo “A Setembrada”, “O Captiveiro”, e “A Esfinge do Grajaú” (GASPAR, 1993). Em “A Setembrada”, escrita sobre a forma de romance histórico, relata de forma viva e humana a face maranhense da Revolução Liberal de 1831. Publicado em 1933, confere uma atuação de primeiro plano a dois ascendentes seus: Garcia de Abranches, seu avô e Frederico Magno de Abranches, seu tio. Referindo-se ao Fidalgote, como era conhecido Frederico Magno, seu sobrinho relembra que: “... Os dois namorados [Frederico e Maricota Portinho] tiveram assim, momentos felizes de liberdade e de alegria, fazendo longos passeios pelos bosques, em companhia de Milhama, ou passando horas inteiras a jogar a péla de que o Fidalgote era perfeito campeão” (DUNSHEE DE ABRANCHES, 1970:31). GRIFI (1989), ao se referir aos jogos de bola, encontrou que Galeno, “o famoso médico grego”, recomendava tal prática para fins higiênicos e até mesmo escreveu um tratado específico sobre “o jogo da pequena bola”. Mas os jogos de bola, na Grécia, já aparecem nos poemas homéricos (p. 68). Mais adiante, afirma que nos séculos XIV, XV, e XVI destacou-se mais que os outros os jogos da bola, que se se fundiu às manifestações folclorísticas, no novo contexto das estruturas renascentistas: “Na França, particularmente, a bola (de dimensões maiores da normal), nascido no tardomedievo, como instrumento de contenda incruenta, torna-se momento lúdico e agonístico, aberto a todos. Os jogos mais conhecidos são a paume, o pallone, a soule, a crosse, aos quais seguiramse, na Itália, o calcio-fiorentino, o pallone al bracciale, a pallacorda, a palla al vento, a pallamaglio, o tamburello (...) A paume (jeu de paume) consiste em bater a bola com a mão e substituiu os ludus pilae cum palma romano; conhecido já no século XII foi jogado melhor no período sucessivo, até dar vida ao atual tênis. “ (p. 188).
O “O Captiveiro”, não é apenas um livro de memórias. Escrito em 1938 para comemorar o cinqüentenário da abolição da escravatura e o centenário da Balaiada, trava-se, na verdade de registros de acontecimentos políticos e sociais do Maranhão (GASPAR, 1993). Numa de suas passagens, descreve as lutas entre brasileiros (cabras) e portugueses (puças), republicanos e monarquistas, abolicionistas e negreiros, que para defenderem seus ideais, passam a criar periódicos e grêmios recreativos de múltiplas denominações para defesa de seus ideais. Dessa mania surge a "Arcadia Maranhense", e de uma sua dissidência, a "Aurora Litteraria". Para ridicularizar os membros desta última, aparece um jornaleco denominado "Aurora Boreal": "... só faltava fundar-se o Club dos Mortos. E justificou [Raymundo Frazão Cantanhede] tão original proposta dizendo que, se tal fizéssemos, iríamos além dos positivistas: ficaríamos mortos-vivos e assim seríamos governados por nós mesmos". (ABRANCHES, 1941:174). O Clube dos Mortos reunia-se no porão da casa dos Abranches, no início da Rua dos Remédios, conforme relata Dunshee de ABRANCHES (1941) em suas memórias: "E como não era assoalhado nem revestido de ladrilhos, os meus paes alli instalaram apparelhos de gymnastica e de força para exercícios physicos (...) E, não raras noites, esse grupo juvenil de improvisdos athletas e plumitivos patriotas acabava esquecendo os seus planos de conjuração e ia dansar na casa do Commandante Travassos ... Apezar de só ter uma filha, agasalhava na sua hospitaleira residência uma parentella basta e jovial, em que superabundava o sexo frágil. Não faltavam pianistas, violinistas, e cantores nesse grupo variegado de moças casadeiras e gentis. Os saraus ali se succediam desde as novenas de N. S. dos Remédios á véspera de Reis. Era que, todos os annos, a família Travassos armava um presépio. Os ensaios das Pastorinhas iniciavamse desde fins de Outubro; e, depois delles fatalmente seguiam-se dansas até á meia-noite...". (p. 187-188).
Nessa mesma obra, Dunshee de ABRANCHES (1941) lembra que o "Velho Figueiredo, o decano dos fígaros de São Luís" (p. 155), mantinha em sua barbearia - a princípio na Rua Formosa e depois mudada para o Largo do Carmo - um bilhar, onde "ahí que se reuniam os meninos do Lyceo depois das aulas, e, às vezes, achavam refúgio quando a polícia os expulsava do pátio do Convento do Carmo por motivos de vaias dadas aos presidentes da Província e outras autoridades civis e militares. Essas vaias era quasi diárias...". (p. 157).