(The Lady and the Dragon)
Regan Forest
Ela era prisioneira da mágica atração por esse homem! Para a professora Katherine Glenn, dragões e príncipes encantados eram pura lenda. Até ir visitar Michael Reese, no castelo dele, no País de Gales, onde a realidade se misturava com a fantasia. Eles haviam se correspondido durante quatro anos. Só que agora, estranhamente, Michael não se lembrava do que escrevera nas cartas. E ele não era o idoso senhor que Katherine esperava encontrar, mas um jovem forte e ardente, com ferimentos deixados pelo ataque de um dragão! Por causa do amor e da sensualidade de Michael, ela precisava descobrir os segredos desse homem... Mas temia a lenda de que o dragão jamais deixaria que uma mulher habitasse o castelo! Digitalização: Tinna Revisão: Gracielle Formatação: Raquel
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O Beijo do Dragão
Regan Forest
Copyright © 1991 by Regan Forest Publicado originalmente em 1991 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer outra semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: THE LADY AND THE DRAGON Tradução: José Batista de Carvalho Copyright para a língua portuguesa: 1994 CIRCULO DO LIVRO LTDA. EDITORA NOVA CULTURAL Uma divisão do Círculo do Livro Ltda. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 99 andar. CEP 01410-901 - São Paulo - SP - Brasil Fotocomposição: Círculo do Livro Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
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CAPÍTULO I — Você não pode deixar que essa mulher, venha até aqui — disse Michael, no úmido cômodo localizado no alto da torre do castelo. — Pode ser perigoso. Enquanto falava ele envolveu com uma tira de pano curativo no braço e fez uma careta de dor. — Perigoso por quê? — inquiriu o pai dele, enquanto se servia de outra dose de uísque. — Por causa de um dragão de mil anos? Acha que sou um velho senil? Eu sabia que você não estava querendo muito conhecer Katherine, mas não imaginei que inventaria histórias para amedrontá-la. As fracas lâmpadas elétricas vacilavam, apagando-se e acendendo-se. Michael também se serviu do uísque. — Eu não lhe falei no ataque por causa do seu problema no coração. Achei que já estava tenso demais com a proximidade da visita de Katherine. — Bobagem. Aposto que você feriu o braço numa caixa de ferramentas ou tropeçando na escada. — Bem que eu gostaria de saber o que machucou meu braço — disse o rapaz, sentando-se no sofá e repousando os pés no velho baú. Uma vez acomodado, ele tomou um bom gole da bebida. — Alguma coisa está perambulando pelo castelo à noite. Enquanto não soubermos o que é, ou quem é não acho prudente recebermos a visita de uma mulher, menos ainda essa tal. Ela deve ser do tipo que morre de medo de uma aranha... Quanto mais de um dragão com garras afiadas. Michael Thomas, pai, sacudiu a cabeça branca. — Katherine e eu nos conhecemos justamente por causa do dragão... E é esse também o motivo da visita dela. É uma especialista em dragões, droga! Com cuidado, Mike desenrolou a manga da camisa de lã e, flexionou o braço várias vezes, procurando acostumar-se à dor. Depois, olhou bem nos olhos do pai, tão azuis quanto os dele. — Especialista em dragões mitológicos, papai. O daqui não tem nada de mito. Você não devia tê-la enganado com aquelas histórias. — Ela já sabia das lendas muito antes de começarmos a nos corresponder. Está certo que contei o que vem acontecendo no castelo e... — Se aquilo não foi um engodo, então não sei o que foi. Não quero nenhuma velhota bisbilhotando por aqui. Nosso trato está desfeito. O pai dele arregalou os olhos. — Agora é tarde, porque na semana que vem ela estará chegando. — Assumir a identidade de outra pessoa é contra os meus princípios. Eu estava com a cabeça cheia de uísque e você acabou se aproveitando para me convencer a participar dessa charada estúpida. Por alguns instantes a corrente elétrica se tornou mais forte, iluminando as duas tapeçarias penduradas na parede de pedra. Eram cenas de caça, em cores já
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desbotadas, mostrando cavalos em disparada, um veado assustado, homens vestidos de lã e couro, cães da raça spaniel, talvez ancestrais dos dois spanierls que atualmente viviam no castelo. Ali onde eles estavam, na torre avançada do castelo medieval, havia luz e o fogo queimava na lareira, mas todo o resto da antiga fortaleza permanecia vazio, frio e inabitável. Tudo dormia nas sombras de sua história sangrenta, abrigando entre seus muitos fantasmas o do dragão, o mais temido de todos. Parando na porta em arco que se abria no final da escura escada da torre, os dois springers spaniels sacudiram o corpo para livrar-se das gotas de chuva. O cachorro de pêlo preto e branco, Talbot, acomodou-se no tapete perto do fogo, enquanto Pembroke, uma cadela amarronzada e com manchas brancas, ia repousar a cabeça no colo de Michael. — Ainda está chovendo — observou Mike. — Não mude de assunto —atalhou Thomas. — Essa... Essa charada, como você chama, talvez seja o último favor que lhe peço antes de morrer. Katherine acha que sou bem mais novo. Se ela descobrir que sou um velho, não suportarei a humilhação. — Você a iludiu deliberadamente., — Nunca pensei que ela realmente viria até aqui! Veja... Sei que não deveria tê-la iludido, mas agora é tarde demais. Só quero que você se faça passar por mim durante alguns dias... Acho que não é pedir muito. Se ela realmente precisar de proteção no castelo, você poderá ser muito mais eficiente nisso do que eu. Mike empurrou a cabeça da cadela, que tentava enfiar a língua no copo de uísque. — Não há dúvida de que essa solteirona está apaixonada por você... Ou melhor, por mim! Só que eu não sou nada do que ela espera encontrar. Percebendo que havia conseguido o que queria, o velho abriu um sorriso. — Pelos comentários que ouço, filho, você é exatamente o que toda mulher espera encontrar. Mike fez uma cara de descrença. — Onde ouviu esses comentários? — Na aldeia, é claro. As moças do lugar estão todas de olho em você, e não finja que não reparou nisso. O jovem e bonito milionário americano que é dono de um castelo. — Então é isso o que elas pensam? Pois sim... Mas o que é que Katherine pensa que nós somos? — Ela não pensa nada de nós, mas sim de você — corrigiu-o Thomas. — Katherine nem sabe da minha existência. Por favor, Mike. Tenho que salvar a pele e dependo de você. — Sua pele é mais dura do que a de um elefante. — Não no que se refere à Katherine, porque um homem tem que ter orgulho. Não posso desapontá-la. Ela vai descobrir que é mais velha do que você... Isto é, do que eu, mas saberei lidar com esse fato. — Ora, para você vai ser muito fácil — ironizou Mike. — Afinal de contas, serei eu o sacrificado.
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Pembroke afastou-se do mais jovem dos donos e foi deitar-se no tapete, com o nariz a poucos centímetros do de Talbot. Mike soltou um gemido por causa da dor no braço. — Alguma coisa me, arranhou na escuridão da escada da torre e logo depois eu senti um desagradável cheiro de enxofre. Essa mulher não pode vir aqui à noite. — Está bem, está bem. Seja como for, ela não deve mesmo estar pretendendo se instalar aqui. Deixei claro que as nossas instalações são muito precárias. Por alguns instantes Mike ficou olhando para o chão, pensativo. — Não gosto nada desse seu plano. Está tecendo uma teia complicada e perversa, Sr. Thomas. — Katherine saberá se defender — ponderou o pai dele, mordendo o cachimbo apagado. Mike entregou os pontos. Não gostava nada daquilo, mas cumpriria o ridículo compromisso que havia assumido. — Ela não vai ficar por muito tempo — garantiu o velho Michael. — Por quanto tempo, exatamente? — Ela pretende passar quatro semanas no País de Gales, mas a permanência conosco dependerá da... Bem, isso irá depender da nossa hospitalidade. — Em outras palavras, dependerá de mim — concluiu Mike, que já estava de mau humor por causa do braço machucado. — Não vou agüentar servir de guia turístico para uma solteirona durante um mês inteirinho! Thomas mostrou um sorriso forçado. — Você dará conta direitinho do recado. Poderá prosseguir com seu trabalho e, quando estiver ocupado, eu estarei aqui para bancar o anfitrião. Nesse meio tempo, temos um servicinho de detetive: descobrir quem está rondando o castelo fingindo-se de dragão... E por quê. Acho bom você ir ao médico para examinar esse braço. — Se alguém da cidade vir às marcas de garras no meu braço, vamos ter confusão. Temos que resolver isso sozinhos, papai. Passei um antiinflamatório no ferimento e estou com a vacina antitetânica em dia. Não há necessidade de criar pânico e é melhor não darmos à impressão de que somos mais loucos do que as pessoas já pensam. Thomas foi até o pequeno compartimento que servia de cozinha. Pegando quatro ovos numa caixa de papelão, quebrou-os dentro de uma vasilha. Quinze minutos mais tarde, levou para a mesa uma omelete recém-preparada, que dividiu com o filho. — Seja paciente com Katherine — pediu o velho, quando a refeição já estava terminada. — Mostre-lhe tudo por aí, seja educado e tome cuidado para que ela não role escada abaixo. — então ele assobiou para a cadela. — Venha, Pembroke. Vamos ver como está o tempo lá fora. Balançando o rabo, Pembroke seguiu o dono pela estreita escada da torre. O facho da lanterna portátil que Thomas carregava refletia-se nas antigas paredes de pedra e a voz dele ecoava de uma forma lúgubre pela escada em espiral da mais velha das torres, uma das duas que haviam resistido de pé aos ataques sofridos pelo castelo ao longo dos séculos. As torres externas e alguns dos muros tinham sido reconstruídos muito tempo antes, alguns apenas para serem outra vez destruídos.
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Lá fora o tempo passava, mas Mike tinha a impressão de que, no interior do castelo, ainda era possível ouvir à noite o eco das pisadas, fossem de humanos ou não. A última carta dele chegou num dia chuvoso de maio. Aquilo assustou Katherine, mas no bom sentido. À noite, quando a chuva ainda açoitava os vidros da janela do quarto, ela voltou a abrir a carta para relê-la. Querida Katherine: Finalmente, depois de todos esses anos, teremos a chance de nos conhecer. A notícia me surpreendeu. Não imaginava que você realmente viria de uma distância tão grande. Gostaria de acreditar que está em mim o poder de atraí-la, mas atualmente já a conheço bem, Katherine querida. Na verdade essa atração é exercida por ela, a fera que habita este covil desde bem antes de mim. No entanto, mesmo que o sanguinário dragão tente afastá-la do castelo, eu darei o melhor de mim para que se sinta bem-vinda. Katherine sorriu. Emocionada, olhou para a fotografia emoldurada perto do abajur, mostrando um homem sentado numa canoa que deslizava por um rio. Surpreendido por um fotógrafo desconhecido, ele segurava os remos e olhava para cima. Era um homem bonito, dono de um sorriso travesso, cabelos pretos e olhos muito azuis. — Michael, agora você está parecendo mais um galés do que um americano — murmurou Katherine. — Eu nem sei quem você realmente é, mas lhe dedico muito afeição... Muita... Com um ar sonhador no rosto, o queixo apoiado na palma da mão e os cabelos castanhos produzindo sombras em cima da mesa, ela ficou estudando aquela foto. A camisa de mangas curtas que ele usava, aberta na frente, mostrava o peito robusto. Os braços eram igualmente musculosos e as coxas nuas apareciam por cima da borda da canoa. As feições não apareciam com muita clareza, mas dava para ver que eram de um homem bonito. Michael não dissera quando aquela foto tinha sido tirada, mas devia ser de anos antes de ele ter ido para a Grã-Bretanha. Na ocasião, parecia ter perto de trinta anos, o que a levava a concluir que atualmente ele deveria ter uns cinqüenta. Que tipo de homem resolveria viver num castelo mal-assombrado? O tipo de homem que agradava a ela. Depois de se corresponder com ele durante quatro anos, Katherine acabou descobrindo que Michael Reese a fascinava mais do que qualquer outro homem. E a carta tinha ainda uma observação, rapidamente rabiscado: P.S. Não quero assustá-la, querida Katherine, mas apenas que esteja preparada. O dragão está aqui e é muito real. Ouvi-o respirando nos corredores e vi as sombras das enormes asas. Como naturalmente você não suportará o cheiro dessa fera sanguinária, não irá querer dormir no castelo. Não há nada pior do que o hálito de um dragão. Será que ele estava querendo deixá-la tão assustada que acabasse desistindo de ir? Podia também querer atiçar a curiosidade dela, para que fosse o mais rapidamente passível. Logo aquelas frases musicais seriam audíveis. Logo o misterioso homem das cartas estaria tão perto que ela poderia tocá-lo... Katherine adorava o verão, mas agora estava mais contente do que nunca com a chegada da nova estação. As flores brotavam em todos os canteiros de Allendale, espalhando uma fragrância que era o anúncio de que as portas da escola iriam se fechar, permitindo que ela partisse... Pudesse se transformar em outra pessoa. E Katherine queria se transformar numa mulher que ninguém em sua cidade natal jamais houvesse conhecido... Nem mesmo a irmã.
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Aproximadamente um quilômetro e meio separavam a casa de Katherine na cidade da suntuosa mansão de Rosalind, nas cercanias do Country Club, o que proporcionava uma agradável caminhada. Agradável até ela alcançar o jardim na frente da casa da irmã, um grotesco zoológico de animais que não eram animais, mas sim árvores podadas para imitar a forma de criaturas... Bem, era assim o mundo de Rosalind. Vestindo um conjunto branco de short e blusa com uma tulipa amarela enfeitando o bolso, além de um chapéu de palha de abas largas com fita amarela, Rosalind estava ajoelhada numa almofada, cuidadosamente podando um arbusto com uma tesoura de jardim. — Bom dia, Roz. — Oh, Kathy! Eu não a vi chegando! Veio a pé? — A manhã está ótima para uma caminhada. O que está fazendo com esse pobre arbusto? A irmã dela levantou-se e examinou o próprio trabalho. — Quero dar estilo... — Mais um dos seus crimes contra a natureza. O que havia de errado com o estilo natural da planta? Agora está parecendo mais uma salamandra vertical. — O quê?! — exclamou Rosalind, colocando o tesourão de lado e tirando vagarosamente as luvas floridas. — Kath, meu bem, o inverno deve ter feito muito mal a você. Trancada naquela sala de aulas, não pôde respirar oxigênio suficiente. Qualquer um pode ver que este arbusto ficou com o desenho de uma borboleta. Bem, vamos entrar que o sol está esquentando. — Ainda tem café? — Claro. Eu estava mesmo esperando a sua visita, já que o período escolar terminou ontem. Esta manhã comentei com Rusty que já era hora de a velha Kath sair do casulo. Na espaçosa cozinha decorada em branco e amarelo-claro, Katherine sentou-se à mesa e olhou pela janela que dava para floridos canteiros. — Onde estão as crianças? Rosalind tirou cuidadosamente o chapéu e examinou a própria figura no vidro do forno embutido. — Foram para as aulas de piano e dança que sempre têm aos sábados — ela respondeu, colocando ó bule de café sobre a mesa com tampo de vidro e sentando-se. — Essa blusa é nova? — Comprei-a para a viagem. O sorriso de Rosalind desapareceu instantaneamente. — Sua viagem... Ò sumiço que resolve tomar todas as férias. Por que não fica por aqui? Será a primeira vez que passamos férias sem mamãe. E eu tenho tanto o que fazer... O clube de jardinagem, as reuniões de caridade, as atividades das crianças. Durante as férias elas não me dão sossego. Podia ficar pelo menos desta vez para me ajudar. Preciso de você, Kathy. — Você precisa é de uma babá. — Isso não é justo!
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— Roz, o que não é justo é você querer que eu fique em Allendale para servir de babá. Tenho a minha vida, sabia? Rosalind tirou dos cabelos a presilha cravejada de pérolas e colocou-a sobre a mesa. — Ah, tem a sua vida! Mas que vida, afinal? Essas férias passadas em segredo? A cidade inteira sempre comenta... Você some e só reaparece no outono. É muito esquisito e eu não gosto nada disso. Nunca gostei. Calmamente, Katherine pôs-se a misturar creme ao café. — Nós já esgotamos esse assunto, Roz. Não me interessa se o meu estilo de vida agrada ou não às outras pessoas. — Pois seu estilo de vida cria muitos embaraços para mim! Katherine fixou os olhos azuis na irmã. — Essa é muito boa! Eu tenho uma irmã que passa a vida podando arbustos para dar a eles as formas mais absurdas, e você vem me dizer que eu lhe causo embaraços? — Você não está falando sério, não é? E não foi nada simpática! Sabe que tenho muito orgulho dos meus talentos em topiaria. — Sim, sim, eu sei. Então, você tem as suas plantas e eu tenho as minhas férias. Não vamos nos importar com o que os outros pensam. — Eu me importo com o que os outros pensam. Tento manter uma postura social que se espera dos Glenn... apesar do que se comenta sobre as viagens da minha irmã. Naquele momento Katherine contemplava o arco-íris que se formava no esguicho de água que regava o gramado. Os raios do sol atravessavam o vidro da janela, proporcionando um delicioso calor. Verão, a estação dos sonhos... — Está bem, Rozzie. Desta vez vou lhe contar para onde estarei indo. Bonnie, a moça da agência de viagens, acabaria mesmo espalhando para a cidade inteira. Estou de partida para o País de Gales. — Para o País de Gales? Na Grã-Bretanha? Ah, sim, mas é claro! É por isso que ultimamente esteve tão ocupada em pesquisar a mitologia britânica e o folclore medieval. — Ultimamente? Venho estudando isso há dez anos. Rosalind apertou os olhos e apontou o dedo para o nariz da irmã. — Espere aí... País de Gales! Um castelo galés! Você vinha se correspondendo com aquele americano excêntrico que comprou um castelo no País de Gales! Ele por acaso tem alguma coisa a ver com isso? — Tem tudo a ver com isso, e o castelo dele está impregnado de mitologia. Conta a lenda que um dragão habitou durante séculos a antiga fortaleza. Diz-se também que, ainda hoje, nas noites escuras, a fera passeia pelos salões do castelo. Michael me contou nas cartas que as pessoas do lugar acreditam nisso e há quem garanta ter visto o dragão. Ele próprio afirma que ouviu barulhos estranhos e sentiu o cheiro do bicho. Não é fascinante? Rosalind engasgou-se com o café. — Meu Deus! Você enlouqueceu de vez! Se seus colegas da faculdade souberem disso, vão exigir sua demissão, — Não seja ridícula. Sou uma professora de História e farei uma viagem de pesquisa.
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— Pesquisa? Sei, sei... E quem é esse Michael que mora no covil de um dragão? Acho bom tomar cuidado, Kath. Só um louco iria viver num castelo em ruínas para sentir o cheiro de dragões. Katherine riu alto. — O castelo está em ruínas, sim, mas Michael trabalha como um louco para transformá-lo num hotel. Só que tem enfrentado alguns contratempos, como a saúde. Se não me engano, ele partiu dos Estados Unidos para se livrar do stress. — Como você teve notícia desse homem? — Escrevi para um escritório da cidade mais próxima do castelo, porque a lenda desse dragão é bem conhecida. Alguém de lá entregou minha carta ao novo dono do castelo e ele me escreveu perguntando o que eu sabia sobre a lenda. Desde então temos nos correspondido. Nós somos... amigos. Até trocamos algumas fotografias. Ele é tão simpático quanto rico. Assim sendo, não sei por que você está reclamando. — Simpático e rico? — repetiu Rosalind, relaxando um pouco. — E tem um castelo... Bem, acho que é direito de toda mulher ser um pouco curiosa. Quantos anos ele tem? — Não tenho certeza, mas deve ter uns cinqüenta. Pelo menos é o que deduzo da foto que me mandou e dos comentários que faz sobre a vida... — Ah, sim... E já foi casado? — É viúvo. Mas escute aqui, Roz. Não estou indo para lá pensando em... — Pois deveria. Meu Deus, Kath! Você vai fazer trinta e seis anos! É a solteirona mais notória da cidade! — Ah, não! Outra vez esse assunto? Rosalind inclinou-se para frente e olhou nos olhos da irmã. — Vou ser bem franca com você, Kath. Sempre imaginei que suas férias eram passadas na companhia de algum homem casado e muito conhecido. — Pois não podia estar mais enganada. Rosalind fez uma cara de menina amuada. — Esse café está com um cheiro horrível! Chamam isso de creme de laranja com rum? Argh! — Então ela empurrou a xícara. — É claro que existe um homem. Que outro motivo você teria para manter em segredo o que faz nas suas escapadas periódicas? — Talvez minhas atividades não sejam recomendáveis para uma professora secundária de uma pequena cidade. — Uma colônia de nudismo! Eu sabia! Você sempre volta bronzeada! — Não seja ridícula! — O que é então? — Rosalind tomou outro gole da xícara, pareceu lembrar-se do creme de laranja com rum e fez uma careta dramática. — Por favor, Kath! Sou sua irmã! — Quer que eu lhe diga que fico cavalgando elefantes amestrados num circo? — Prefiro que me diga a verdade. — E ser eu disse que é essa a verdade? O lábio inferior da mais jovem dás duas mulheres começou a tremer. — Por que me detesta tanto, Kath?
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Katherine reparou que a irmã estava mesmo a ponto de se debulhar em lágrimas. A imagem refletida no vidro da janela era mais uma prova de como elas duas eram parecidas. Os mesmos cabelos castanhos, as feições delicadas, os olhos claros... Katherine lembrou-se de quando elas eram pequenas e brincavam de servir chá às bonecas. Jamais se esqueceria do choro desconsolado de Roz quando a tampa do bule caiu no chão, quebrando-se. Atualmente, o ciúme de Rosalind pelas peças de porcelana que tinha era o mesmo da infância. Sempre fora muito apegada a coisas materiais, um traço de caráter que Katherine não tinha. Por outro lado, num aspecto Roz tinha toda razão: nada mais natural que duas irmãs serem confidentes. A mãe delas havia morrido è não havia motivo para existir segredo entre elas duas. Katherine abriu a bolsa e ficou remexendo até encontrar uma foto, que entregou à irmã. Rosalind conteve a respiração. A sorridente figura que, vestindo um faiscante maio prateado, acenava encarrapitada na cabeça de um elefante era Katherine. — Mas... O que é isso? Katherine entregou várias outras fotos, que Rosalind examinou com ar de perplexidade. Numa delas via-se uma bela e esbelta Katherine, numa roupa colante corde-rosa, equilibrando-se em cima de dois cavalos brancos que trotavam lado a lado. Outra mostrava uma Katherine cheia de sensualidade, num sumaríssimo traje preto de duas peças, comandando no centro do picadeiro a apresentação de pequenos cães amestrados. — Meu Deus! Oh, meu Deus! Mas essa é você! E isso parece... Um circo! Como fez essas fotos? — Há uma porção delas. Essas fotos são o registro do que andei fazendo em muitas férias de verão. Rosalind fez uma expressão apalermada. — Eu... Não estou entendendo. Katherine levantou-se, levou a xícara vazia para a pia e pegou um copo de água no filtro. — Você se lembra de Tony... O meu namorado da faculdade? — Eu nem me lembrava mais de Tony. Ele morreu há tanto tempo. — Não faz tanto tempo assim — discordou Katherine, recostando-se no balcão da cozinha. — A família de Tony tinha um circo, o que nunca contei a você ou a mamãe. Sabia que vocês duas desaprovariam a minha intenção de me casar com um homem que consideravam um joão-ninguém. No verão em que ele morreu eu estava no circo. Estava lá no dia em que caiu uma chuvarada enquanto tentávamos armar a cobertura de lona. Um dos mastros de sustentação caiu por cima de Tony e... Bem, eu era muito amiga de Gina, irmã dele, e a família me convidou para voltar no ano seguinte, e no seguinte. — Katherine sorriu. — Comecei a ajudar no treinamento dos cachorros, depois no dos cavalos. Você sabe qual seria a reação das bondosas pessoas de Allendale se soubessem disso, Rozzie. Para começar, eu seria despedida da escola. E você teria que ouvir chacotas, tanto quanto eu. Por isso nunca lhe contei nada. Até hoje. Até que percebi que, guardando segredo, dava a impressão de que não gostava de você. Desculpe. Eu devia ter contado... Mas achei que seria um choque muito grande para mamãe. Rosalind ficou olhando para a irmã, boquiaberta. Depois, abaixou os olhos outra vez para as fotos e começou a rir. — Mas... Isso é verdade mesmo? Então quer dizer que Tony... Ah, o velho Tony! Você estava viajando com ele, no circo? Você? A recatada Katherine, sempre vestida com 10
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roupas discretas, os cabelos presos e eternamente envolvida com assuntos históricos? Eu mal posso acreditar! E olhe só para você nesse maio brilhante! Está linda! Minha irmã é linda, lindíssima! Você... Enganou todo o mundo! Ah, eu vou morrer! Quero água... Correndo para a pia, Rosalind aceitou o copo de água pela metade que Katherine ainda segurava. Então se pôs a rir de uma forma descontrolada, dobrando-se para frente e apoiando-se no balcão da pia. — Mas isso é loucura, Kath! Se as pessoas daqui soubessem... Katherine também começou a rir. — Não imaginei que você receberia tão bem a notícia. —Se eu recebo bem? Estou achando... Demais! Na crise de riso, Rosalind se apoiou no braço da irmã e as duas caíram juntas no chão, rindo como há muitos anos não riam. Era como se, numa espécie de mágica, houvessem voltado à infância. Depois de algum tempo, as duas sentadas no chão, Rosalind respirou fundo. — Mas que loucura, Kathy! Elefantes de verdade. E agora é um dragão. — Deitando-se no chão, ela agitou os braços. — Não, não, agora é um homem! Estranho, excêntrico... Talvez o homem mais perigoso que você jamais conheceu! — Mas eu o conheço, minha cautelosa irmã — contrapôs Katherine, enxugando os olhos molhados por causa do riso. — Ele é um homem culto, versado em literatura. É sofisticado... Um cavalheiro. E pode acreditar que me tem no mais alto conceito. Adorou a minha foto... Pelo menos, foi o que garantiu. Nós estamos... Bem, estamos achando incrível essa nossa amizade. É uma coisa recíproca. Eu conheço Michael muitíssimo bem. Apenas ainda não tive a oportunidade de vê-lo.
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CAPÍTULO II O castelo de Aawn se escondia por trás de numerosas colinas. Só foi possível ver algum sinal dele quando o veículo atingiu um ponto em que a estrada começava a descer para a aldeia de Llanhafod. Os campos se abriam e... Lá estava a enorme fortaleza, com suas quatro torres escuras apontando para o céu acinzentado. Nem as fotos e nem mesmo as fantasias haviam preparado Katherine para aquela primeira visão do castelo de Aawn. Todos os outros cinco passageiros soltaram exclamações e máquinas fotográficas começaram a ser disparadas. O motorista diminuiu a velocidade do microônibus. Katherine abriu o vidro da janela e sentiu no rosto a névoa úmida. À medida que eles se aproximavam, as torres redondas pareciam ainda mais altas e as paredes mostravam de forma mais clara os sinais das batalhas travadas em épocas passadas. Nas torres viam-se fendas estreitas e alongadas que serviam de janelas. A fortaleza medieval não tinha mesmo um ar hospitaleiro. Pelo contrário, havia sido construída numa época sombria justamente para manter os inimigos à distância. Há muito tempo um perverso dragão entrara ali. Para nunca mais sair. A estrada seguiu o curso de um riacho que, finalmente, fez uma curva e passou por baixo de uma ponte. Bem ali havia uma bifurcação, dando início a uma estrada íngreme e pedregosa que serpenteava na direção do castelo. O castelo do dragão pensou Katherine. Segundo a lenda, ninguém jamais havia passado três noites consecutivas na torre de sentinela, construída por cima do covil do monstro. Quem se arriscasse a ficar uma terceira noite acabava desaparecendo sem deixar vestígio e, pelas estreitas janelas da torre, viam-se chamas queimando no interior, como tochas acesas. Nem Michael se arriscava a dormir ali. — Estamos no ponto do nosso caminho mais próximo do castelo de Aawn — informou o motorista. A voz do homem trouxe Katherine de volta ao século VINTE. Aawn estava bem ali, misterioso é real. — Espere! — ela pediu. — Pare, por favor. Preciso descer aqui. O motorista parou o microônibus e olhou para trás. — Mas a vila fica a três quilômetros daqui, moça, e pelo jeito vai cair uma boa chuva. A distância até o castelo é bem maior do que parece. Além disso, é propriedade privada. Katherine sentiu-se alvo dos olhares, dos outros passageiros. — O homem que mora em Aawn... Sr. Michael Reese, é amigo meu. Ele esperava a minha chegada na vila há dois dias. Como não pude avisá-lo por telefone, caminharei até lá. — Então ele bateu com a mão na mochila. — E estou levando um guarda-chuva. O motorista abriu a porta e desceu. — Nesse caso, quer que deixe sua bagagem na casa da Sra. Mills? Imagino que ela também aguarde a sua chegada. — Ah, sim, obrigada. Certamente arranjarei uma carona para a cidade. Por favor, diga a Sra. Mills que à noite estarei lá.
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De pé na ponte de madeira, Katherine ficou olhando enquanto o microônibus descia para o vale. Quando não ouviu mais o barulho do motor, viu-se cercada pelos sons da natureza: o cantarolar do riacho, o vento assobiando nos galhos altos das árvores. Bem na frente dela desenhava-se a silhueta de Aawn, um castelo que resistia às intempéries e aos séculos. — Finalmente, cá estou eu — ela murmurou. Colocando a mochila nas costas, Katherine saiu andando pela tortuosa estrada, achando deliciosa a brisa que lhe batia no rosto. Estava prestes a entrar no covil do dragão. Mais excitante ainda era saber que aquele era também o esconderijo de um homem misterioso e fascinante, o atual dono do castelo... O homem das cartas. Uma escura formação de árvores à esquerda da construção circundava um pequeno lago. Quando o caminho ficava alto, ela podia ver o reflexo das torres na superfície calma e escura da água. A vista mais parecia uma pintura, ou o cenário de um filme. Por trás do castelo, a paisagem compunha-se de altas e recortadas colinas. Para Katherine, era difícil pensar que aquele cenário e aquele momento eram reais. Ela não havia imaginado a emoção que a simples visão da fortaleza medieval provocaria. Por cima de um fosso pantanoso havia uma ponte fixa de madeira, no lugar onde antes devia ter existido uma ponte levadiça. A água ali era suficiente para satisfazer um par de patos, que se movimentavam preguiçosamente entre a vegetação do pântano. Nos dois lados da ponte viam-se as ruínas das torres externas. Katherine conhecia em detalhes a planta do castelo, por fotos e desenhos que havia recebido de Michael. Com a respiração contida, atravessou a ponte. Logo estava diante da alta torre de sentinela. No castelo em si, outras torres e os muros guarnecidos por ameias apresentavam diferentes estados de conservação, em geral precários. Olhando para cima, Katherine pensou em Michael acomodado num dos salões do castelo, como um lorde britânico. Na imaginação dela, ele vestia um paletó de lã xadrez, tirava baforadas de um cachimbo e lia um livro de páginas amareladas sentado perto da lareira. Também o viu sentado a uma escrivaninha de madeira trabalhada, escrevendo para ela. A entrada principal do castelo, em arco, agora estava totalmente aberta, mas antes houvera ali uma grade levadiça de ferro. Por cima da entrada viam-se as guaritas de onde outrora os guardas disparavam suas flechas contra quem tentasse uma invasão. Logo adiante estava o pátio interno, uma vasta extensão de grama verde. Trêmula de excitação, Katherine postou-se no centro do pátio e fez um giro completo sobre si própria, bem devagar. Nas extremidades da construção erguiam-se as quatro torres redondas, entre as quais se localizavam incontáveis salões. Partes das alas norte e oeste estavam em ruínas, bem como as duas torres do fundo. As duas da frente, porém, assim como a torre de sentinela, apresentavam-se notavelmente bem conservadas. Como Michael havia relatado em detalhes os trabalhos de restauração que vinham se realizando, Katherine surpreendeu-se por não ver ali uma frenética atividade. A um canto viam-se tábuas e materiais de construção diversos. De um instante para outro ela se deu conta de que não estava sozinha. Um enorme spaniel preto e branco apareceu no pátio e passou a correr em volta dela, como se quisesse dar as boas-vindas. — Onde estão todos? —perguntou Katherine. — Lá em cima?
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Nesse instante começou a chover e ela correu para buscar abrigo, seguida pelo cachorro. Passando pela areada de pedra que dava entrada ao castelo, eles chegaram a uma escada em espiral que tanto ia para cima como para baixo. — Você deve ser do comitê de recepção— disse Katherine, sorrindo para o cão. — Portanto, tem que me ensinar o caminho. O spaniel continuou balançando o rabo e ela estendeu a mão para tocar pela primeira vez no castelo, como se quisesse se certificar de que ele era de verdade. A parede de pedra era incrivelmente fria. Cautelosamente e grata por ter a companhia do cachorro, Katherine espiou para cima, seguindo com os olhos os degraus da escada. Não viu mais que a fraca luminosidade que se infiltrava pelas estreitas fendas na parede. Para baixo havia apenas um poço de escuridão. Pelos relatos de Michael, devia ser aquele o covil do terrível dragão. O barulho da chuva lá fora se misturava com outros que vinham do interior da torre. Pareciam batidas de martelo, além do som distante de vozes. Katherine sentiu que o cachorro batia na perna dela com o rabo peludo. Quando olhou para baixo, viu que ele segurava entre os dentes uma lanterna portátil que havia pegado em algum lugar. — Você é mesmo um cachorro capaz de ler pensamentos — ela comentou, pegando a lanterna, para logo em seguida reparar que a um canto estavam três outras iguais àquela. — Obrigada. O cachorro seguiu na frente e ela começou a subir a escada, que parecia perigosa apesar da luz da lanterna. As vozes foram se tornando mais altas, bem como ficavam mais fortes as batidas do coração de Katherine. Durante quatro anos ela havia se perguntado como seria o homem das cartas. Agora, mais alguns passos-e... No andar seguinte o cachorro fez uma pausa e ficou esperando. Ofegante, Katherine parou ao lado dele, olhando através de uma larga porta em arco que dava para um espaçoso cômodo de teto alto. Dez ou doze homens trabalhavam ali, serrando madeira, batendo pregos ou fazendo outras tarefas ligadas à restauração do prédio. O cheiro de pó de serra misturava-se com o de mofo, que devia ser comum em todo o castelo. A luminosidade naquele salão circular era surpreendente depois da escuridão que ela havia atravessado. Sem dúvida era o Grande Salão, o mais espaçoso de todo o castelo e onde se realizavam os banquetes da época medieval. Ao fundo via-se uma lareira de proporções gigantescas. Nas cartas, Michael dissera que o Grande Salão seria transformado em sala de estar e de jantar. Envolvidos no trabalho, nenhum daqueles homens reparou na presença de Katherine, que se aproximou alguns passos. Um dos operários, um rapaz de compleição atlética, vestindo calça jeans e camiseta cinzenta ensopada de suor, tinha uma bandagem envolvendo a parte alta do braço direito. Trabalhava sozinho na colocação de uma vidraça. O nicho da janela ficava a noventa centímetros do chão e tinha pelo menos um metro e meio de profundidade, que era a largura da parede. Naquele momento o rapaz tentava entrar no nicho, segurando a vidraça. A chuva penetrava pela janela, deixando ensopado e escorregadio o parapeito. O rapaz encontrava dificuldade no que fazia por causa do braço machucado. Suando muito, ele desistiu de encaixar a vidraça na janela e começou a recuar, de joelhos. Acabou escorregando na pedra lisa e, no esforço para equilibrar o que segurava, bateu com o braço machucado contra a parede. Katherine havia se aproximado para observar a cena e o operário sentiu a presença de alguém às suas costas.
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— Não fique aí parado, seu idiota! — ele gritou, sem olhar para trás. — Não vê que a vidraça está escorregando? Ajude-me aqui antes que ela caia e se espatife! Katherine estendeu as mãos e segurou na moldura, mas o conjunto pesava muito e ela precisou usar um dos joelhos para suportar o peso. —Mas que diabo está... — começou o rapaz, interrompendo o que dizia quando olhou para baixo e viu o anel que brilhava numa das delicadas mãos femininas. — Não estou agüentando! — protestou Katherine. — Faça alguma coisa! Recuperando-se do espanto, o rapaz conseguiu apoiar a moldura no parapeito da janela e, com cuidado, plantou um dos pés no chão. Controlada a situação, colocou a mão direita por cima da bandagem do braço e fez uma expressão de dor. Meu Deus pensou Katherine, ao ver pela primeira vez o belo rosto daquele homem. Ninguém me disse que os gauleses eram bonitos assim. — Você... Machucou o braço: — ela disse, apenas constatando o óbvio. O olhar dele era tão intenso que Katherine recuou um passo, como se buscasse proteção ao lado do cachorro. Mas por que ele não dizia nada? Será que a dor o havia deixado sem condições de falar? — Katherine? — perguntou o rapaz, finalmente, numa voz grave que ecoou pelo salão. — Sim, sou Katherine — ela respondeu, depois de ficar com a boca meio aberta por alguns instantes. — Michael Reese lhe disse que... Que eu estava para chegar? Um sorriso, a princípio cauteloso, foi tomando conta do rosto do galés, que estendeu a mão. — Bem-vinda a Aawn, Katherine. Eu sou Michael. Katherine não conseguiu esconder o espanto. — Michael? — O que houve? — ele inquiriu. — Você está pálida. Ficou desapontada comigo? Michael? Aquele jovem parecia ter saído de um comercial de televisão que anunciasse a marca de cerveja que os homens de verdade deveriam consumir. A apertada calça jeans realçava as formas de um corpo de atleta. “Os sedosos cabelos eram muito pretos e os olhos eram” tão azuis quanto o céu. Além disso, aquele sorriso era simplesmente encantador. Não era possível! Aquele rapaz não podia ser Michael e só podia estar brincando com ela! Por outro lado, ele realmente se parecia com o homem da foto. E só agora ela se dava conta de que, na verdade, não tinha nenhum motivo para achar que Michael Reese era um homem de meia-idade. — Você está atrasada dois dias! — ele voltou a falar. — O meu avião se atrasou e acabei perdendo uma conexão — explicou-se Katherine. — Você ficou esperando por mim durante muito tempo? — Esperei o suficiente para provocar comentários de algumas línguas ferinas na taverna. Como chegou aqui? — Pedi ao motorista do microônibus que me deixasse na bifurcação da estrada. Não resisti a... A vir logo até aqui. Michael inclinou-se para frente e afagou a cabeça do cachorro.
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— Desculpe pelo meu jeito de falar ainda há pouco. A vidraça estava escorregando e eu não percebi que era você que... Katherine sorriu. — É claro que não percebeu. Seu braço está muito machucado? Dando a impressão de que não ouvira a pergunta, o rapaz ficou olhando para ela como se estivesse numa espécie de transe. Depois de percorrer com os olhos todo o corpo dela, pareceu ficar embaraçado. — Sua foto não lhe faz justiça — ele disse, com um sorriso nervoso. — A sua também não. — A minha? — espantou-se Michael. — Aquele instantâneo que me mandou. — Ah, sim... É claro! Katherine achou que ele não deveria ter mais de vinte e quatro anos. Como ela podia ter-se enganado tanto? Na foto que havia mandado a ele estava sentada à mesa de trabalho, na escola. Vestia um discreto blazer cinza, estava de óculos e tinha os cabelos presos atrás da cabeça. Havia escolhido aquela foto porque, afinal de contas, em quase todas as cartas ele se dizia impressionado com o fato de ela ser uma professora que se dedicava às pesquisas históricas. Ele também sempre dera a impressão de ser um cientista. Na verdade, meio cientista, meio poeta, porque escrevia cartas cheias de romantismo. Mas era espantoso que fosse... Aquele homem! — Peço desculpas pela minha reação — pediu Michael, com sinceridade na voz. — Acho que não estava... Preparado. Você é muito mais bonita do que parece ser na foto. Croeso i Gymru, Katherine. Em galés isso significa bem-vinda. — Obrigada, Michael. — Mas por que estamos parados neste lugar empoeirado? Ah, mas que anfitrião sou eu! A sua chegada deveria ser saudada por trombetas e um grande banquete! Mas, infelizmente, só posso lhe oferecer uma dose de uísque ou um vinho francês... No questionável conforto da torre, lá em cima. — Então ele sorriu e fez um gesto indicando o caminho. — Venha. Katherine seguiu o facho da lanterna dele pela escada da torre. Na frente dos dois ia o cachorro. No patamar seguinte, Michael parou e acendeu uma lâmpada, resmungando alguma coisa sobre a necessidade de iluminar toda a escada. Depois disso eles entraram num compartimento semicircular esparsamente ocupado por móveis em madeira e couro. Tapeçarias pendiam da parede de pedra e havia ali tanto lâmpadas elétricas quanto a querosene. Katherine olhou em volta, fascinada. Pelo menos ali tudo era como ela havia imaginado. A prateleira de livros na parede, a mesa com cópias heliográficas de plantas do castelo, a enorme lareira... — Isto aqui é fabuloso, Michael! Imagine só! Um apartamento tão aconchegante em meio à frieza de uma velha torre. — Mas no inverno faz um frio danado, pode acreditar. Isto aqui é muito úmido. Durante um bom tempo tive crises de claustrofobia por causa da falta de janelas decentes. Depois, procurei me convencer de que, se os antigos ocupantes do castelo
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suportavam isso, eu também deveria ser capaz de suportar. — Michael fez um gesto indicando o sofá. — Sente-se. Não está cansada da viagem? — Não sei — ela respondeu, sentando-se e colocando a mochila no chão de pedra. — Estou excitada demais para saber. Michael... Eu achava que sabia exatamente como era Aawn, pelas fotos e pelos desenhos que você me mandou. Mas na verdade eu não sabia. Não podia prever como seria estar aqui... Aqui dentro. — Katherine esfregou os braços, como se estivesse com frio. — Este castelo é tão... Sinistro. — É o castelo mais sinistro que eu conheço — concordou Michael. — Por várias vezes já me perguntei o motivo disso, mas nunca encontrei a resposta. Durante vários segundos eles ficaram se olhando, sérios. — Aawn é mal-assombrado, não é? — perguntou Katherine, falando devagar. — Você sabia disso antes de vir... Ou será que não acreditava? — Não da forma como acredito agora. Aqui dentro existe um... Uma sensação... Michael sorriu, mas sem muito entusiasmo. — O castelo está à sua disposição, Kathy. Explore-o como quiser menos alguns locais que eu indicarei e que são muito perigosos. — Quais são esses locais perigosos? — A escada entre os dois últimos andares é muito traiçoeira, mesmo com o corrimão que mandamos instalar. E tudo que fica no nível do calabouço é escuro demais. Você tem que me prometer que não se arriscará naquela escuridão. Na torre de sentinela, nunca vá abaixo do nível do chão. E tome muito cuidado com os degraus das outras torres, especialmente a do sul. — Então ele caminhou para a cozinha. — O que vai querer beber? —O vinho, por favor. Estou curiosa sobre uma coisa, Michael... Na última carta você escreveu alguma coisa sobre atividades recentes do dragão. — O que foi que eu escrevi? — Não se lembra mais? Mike retornou com duas taças e uma garrafa de vinho tinto, que serviu com formalidade. Parecia estar com a mão trêmula, talvez por causa do ferimento no braço. Katherine não pôde deixar de pensar que conhecê-la talvez fosse um tanto constrangedor para ele. E tudo levava a crer que Michael estava tentando esconder alguma coisa que o perturbava. Servido o vinho, ele cocou a ponta do queixo. — Tenho que admitir que minha memória seja uma lástima. Não me lembro mesmo do que lhe escrevi na última carta... Isto é, sobre o dragão. — Você disse que havia sentido o cheiro da respiração dele. Disse também que às vezes ouvia as batidas das garras dele nas pedras e que achava perigoso isso tudo. Pensei que talvez estivesse brincando, embora me parecesse improvável uma brincadeira sobre o nosso dragão. Segurando a taça de vinho, Michael sentou-se numa cadeira de frente para ela. — O nosso dragão, Kathy, não é a fera meio inofensiva que você conhece das lendas. Bem que eu gostaria de estar brincando. A princípio pensei em não lhe revelar a verdade, pelo menos não toda a verdade, mas depois concluí que talvez isso fosse perigoso para você. Alguma coisa vem circulando pelo castelo à noite... Ou alguém.
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Katherine tentou entender o significado do que acabava de ouvir. — Agora você parece que está quase... Falando sério. — Infelizmente, o que eu disse é absolutamente sério. —Então não estava brincando na carta! Eu pensei também que talvez você estivesse querendo que eu ficasse assustada e resolvesse não vir. Foi isso? — Talvez. — E ainda está com essa intenção? Michael tomou um gole do vinho. Era evidente que aquele assunto o deixava ainda mais nervoso. — Agora minha intenção não é assustá-la, mas adverti-la. Não quero que nada de mal lhe aconteça, Kathy. Ele a chamava de Kathy, enquanto nas cartas escrevia invariavelmente Katherine. Aquilo era uma prova definitiva de que ela não era mulher que ele havia esperado encontrar. Na certa havia imaginado alguém mais jovem. Não, porque ela dissera à idade que tinha. Michael, por sua vez, jamais falara na própria idade. Será que havia escondido isso deliberadamente? A verdade era que sempre se mostrara interessado no que ela sabia das lendas medievais. Nenhum jovem como aquele se interessaria por uma solteirona de trinta e seis anos, a não ser intelectualmente. Mas por que nas cartas ele era tão romântico? Mesmo de longe, parecia querer seduzi-la. Sim, porque isso havia acontecido, e uma mulher nunca se engana sobre algo assim. Michael sempre escrevia frases de bom gosto, mas às vezes com inesperada ousadia. Por que tinha feito isso? — O motorista do microônibus ficou de dizer a Sra. Mills onde estou — disse Katherine, quebrando o silêncio. — Ótimo. Dizer alguma coisa a Sra. Mills é o mesmo que dizer a cada uma das pessoas da aldeia. Ela é uma mulher de bom coração e a melhor cozinheira do lugar, mas são também os olhos, os ouvidos e a boca de Llanhafod. Acho que você se sentirá bem na casa dela, mas tome cuidado com o que disser. Katherine olhou nos olhos dele. — Está se referindo ao dragão? — Sim. Os habitantes da aldeia dizem acreditar na lenda do dragão, mas bem poucos de fato acreditam. Estão acostumados com histórias centenárias sobre fantasmas. Os operários que trabalham aqui andaram espalhando uns boatos, o que despertou a curiosidade de algumas pessoas. Isso está me deixando nervoso. Não quero que este lugar seja invadido por exterminadores de dragões. — Talvez histórias assim sirvam para atrair os turistas que você quer. — Certo, desde que sejam apenas histórias e ninguém acabe morrendo, ou seja, comido pela fera.
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CAPÍTULO III As costas de Katherine soou uma voz grave e límpida. — Droga de chuva! Mas estas trutas estão umas maravilhas, Mike! Outra vez Talbot nos proporciona um belo jantar. Um cachorro de pêlo marrom com malhas brancas, que, se não fosse pela cor, seria igualzinho ao spaniel que Katherine já conhecia, entrou correndo e ficou olhando com curiosidade para a desconhecida. — A moça chegou da América — anunciou Michael. Katherine voltou-se. Um homem de barba e cabelos brancos, com bem mais de sessenta anos, colocou uma vasilha com peixes sobre a mesa e olhou para ela como se estivesse diante de uma miragem. — Esta é Katherine Glenn — apresentou Michael. — Katherine, meu pai. Os amigos o chamam de Thomas. Passado o espanto, Thomas Reese finalmente sorriu. — Bem-vinda a Aawn! Perdoe não apertar sua mão, Katherine, porque acabei de limpar os peixes. Como chegou aqui? Eu estava na margem do lago, mas não ouvi barulho de carro, nada... Bem, o que importa é que está aqui. Então, quer dizer que veio de tão longe só para conhecer as nossas ruínas? Michael me disse que você é fascinada pelo dragão que mora conosco. — Sim, o dragão de vocês me fascina — confirmou Katherine, quase dizendo que também estava fascinada pelo filho daquele homem. — E, pelo que já estive vendo, cada centímetro quadrado deste castelo está repleto de fascínio. Os olhos azuis de Thomas Reese fixaram-se nela. — Minha cara, se ao longo dos séculos Aawn foi perdendo sua mágica, você acaba de trazê-la de volta. Mas me dê licença por um instante, por favor. Preciso pôr o peixe no gelo e lavar as mãos. Katherine pegou a taça de vinho. O velho tinha sido tão eloqüente em sua fala quanto Michael costumava ser nas cartas. — Há quanto tempo o seu pai está aqui? — Papai? — chamou Michael, elevando a voz na direção da cozinha. — Há quanto tempo está aqui? Houve uma pequena pausa antes que Thomas respondesse. — Já nem me lembro direito, meu Deus! Por aqui o tempo se arrasta... Mas já se passaram vários meses. Eu vim visitar Mike e acabei sucumbindo ao encanto do lugar, Katherine. Retomando da cozinha, Thomas serviu-se de uma dose de uísque. — Este castelo é mais exigente do que qualquer esposa, pode acreditar. As necessidades dele são infindáveis. Precisa de encanamento para água, tábuas de assoalho, reboco... Mas não está com frio, Katherine? Quando chove, a temperatura cai tanto que os ossos chegam a doer. Acenda o fogo para a nossa hóspede, Mike.
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O rapaz ajoelhou-se diante da lareira e foi arrumando as achas que logo estariam queimando. — Espero que o cheiro de uma cadela molhada não a aborreça, Kathy — ele disse, olhando rapidamente para trás. — A propósito, esse monte de pêlo molhado é Pembroke. — E aquele é Talbot — acrescentou Thomas, fazendo um gesto na direção do cachorro branco e preto e entregando a Katherine mais uma taça de vinho. — São spaniels ingleses da mais pura estirpe. O aprimoramento da raça desses animais tem sido uma tradição por aqui há muitas gerações. Talbot leva muito a sério sua responsabilidade de tomar conta do castelo, mas o mesmo não se pode dizer de Pembroke. Ela prefere correr atrás de coelhos pelas colinas e assustar as rãs que vivem às margens do lago. Mas faz tempo que você chegou? Mike já lhe mostrou alguma coisa? — Cheguei ainda há pouco — respondeu Katherine. — E acabei interrompendo o trabalho dele, pelo que peço desculpas. Michael parecia não perceber que ela havia se apaixonado por Aawn muito antes de chegar ali. Como podia não ter deduzido isso das cartas dela? Como podia não saber que, na mesma medida, ela havia se apaixonado por ele? Aquele castelo, com todos os seus terríveis mistérios, era como um velho amigo. Michael, porém, era um total desconhecido. Mesmo assim, parecia ser um homem gentil. Os olhares dele eram intensos, mas não desagradáveis. Na verdade, os dois anfitriões faziam tudo para que ela se sentisse à vontade. — Teremos trutas para o jantar — anunciou Thomas. — Você ficará naturalmente. — Ainda não estive na aldeia. Como é bem perto daqui, pensei em pedir uma carona até a casa da Sra. Mills. Ela deve estar me esperando para o jantar. Gostaria que mantivesse o seu convite, mas para uma outra ocasião. — Claro. Terei imenso prazer em recebê-la para o jantar qualquer dia desses, embora você vá descobrir que minha comida não pode competir com a da Sra. Mills. Aquela altura o fogo já queimava na lareira e Michael foi sentar-se outra vez na cadeira. — Não tenho queixas da sua comida, papai. É interessante como os nossos valores mudam. Tempos atrás, se alguém dissesse que um dia estaríamos cozinhando, trazendo água em baldes aqui para cima... — Não é sempre que precisamos trazer baldes de água para cá — interrompeu-o o velho. — Às vezes o sistema hidráulico funciona. Às vezes o gerador funciona. E Deus está sorrindo para nós, porque neste preciso momento ele está funcionando. Às vezes pára de chover... E as colinas se cobrem de flores. Katherine sorriu. — Eu invejo vocês dois. — Por quê? — inquiriu Michael. — Vocês têm a coragem de viver um sonho. No século atual, este castelo é mais sonho do que realidade. Vocês tiveram a coragem de transformá-lo num projeto de... De meio de subsistência. — Coragem não é bem a palavra — discordou Thomas. — Acho que loucura define melhor. Michael pôs-se de pé.
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— Loucura foi o que já passou. Quer ver o resto do castelo, Katherine? Ou prefere deixar para depois que os operários forem embora? — Prefiro esperar. Na certa você quer retornar ao trabalho... O vidro da janela. Espero que o braço não esteja doendo. Thomas tinha dado início ao demorado processo de acender o cachimbo. Quando ouviu aquilo ele parou, segurando o fósforo ainda apagado. — O braço está lhe causando problemas, filho? — Apenas me obriga a trabalhar mais devagar. Ainda não lhe agradeci pela ajuda que me deu Kathy. Se você não estivesse lá, o vidro fatalmente teria caído. — Talvez você devesse me dar alguma coisa para fazer. Eu aprendo depressa e estou acostumada a trabalhar com as mãos. — Meu Deus! — exclamou Thomas, fingindo-se horrorizado. — Em Aawn não costumamos submeter os hóspedes a trabalhos forçados. — Especialmente quando se trata da nossa primeira e mais distinta hóspede — acrescentou o mais jovem dos anfitriões, lançando ao pai um olhar estranho e cujo significado Katherine não soube interpretar. Michael estava bebendo ferozmente, já devendo estar na terceira ou quarta taça de vinho. Katherine reparou que a postura autoconfiante dele era intercalada por instantes de insegurança e nervosismo. E evidentemente aquilo era causado pela presença dela. — Eu gosto de trabalhar — insistiu Katherine, em tom de desafio. Embora eles viessem se correspondendo há quatro anos, só recentemente Michael começara a falar nas reformas. Pelo que ela podia ver agora, as obras deviam ter começado há poucas semanas. Mas por que não antes? Questões burocráticas? Problemas financeiros? Ou teria sido por causa da tal doença que ele havia mencionado, sem se aprofundar no assunto... Assim como agora não queria falar no braço machucado? — O braço está doendo muito, Mike? — insistiu Thomas, como se soubesse o que ela estava pensando. — Nem pergunte — respondeu Michael, voltando a se sentar, encostando a cabeça no espaldar da cadeira e fechando os olhos. — Você não me parece bem — observou Katherine. — Posso pegar uma carona com os operários quando eles estiverem voltando para a aldeia. — Bobagem — ele descartou, sem abrir os olhos. — Por aqui seu acompanhante sou eu. Portanto, tenho a obrigação de levá-la de carro. Isso passará em dez minutos. Não se preocupe, eu estou bem. A essa altura Thomas tirava generosas baforadas do cachimbo. —Há muito que ver por aqui, Katherine. Mas essa chuva não pára! Boa parte do castelo fica exposta à fúria dos elementos. O dia hoje só serve mesmo para que se saboreie um bom vinho ao pé da lareira. — Mas Michael estava muito ocupado antes da minha chegada. — Michael tirou folga pelo resto do dia — rebateu o próprio Michael. — É uma ocasião especial, o dia em que Katherine se materializou, em carne e osso. — Então ele abriu os olhos. — Ela não se parece com a foto, não é, papai? — Bem... Não exatamente.
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— É claro que me pareço! — protestou Katherine. — Não, nem um pouco — insistiu Michael. — Você é uma surpresa completa, Kathy. — Dizendo isso ele fez uma careta. — Acho que um dia você ainda vai me odiar. Katherine não entendeu aquela profecia. — Por que eu o odiaria? Thomas pigarreou e Michael apenas encolheu os ombros. — Não preste atenção ao que eu digo. Sou um idiota. Mas o que estava acontecendo com ele? Seria aquilo por causa do vinho? Fosse o que fosse algo estranho estava acontecendo. — A surpresa aqui é você, caro Michael — declarou Katherine. — Eu? Por quê? Ele só podia estar fingindo não saber. — Bem, digamos que, em carne e osso, você é bem diferente de como se apresenta no conteúdo de envelopes aéreos. — Mas todas as pessoas não são assim? — ele perguntou, enquanto pegava mais vinho. — Isto é... Quem consegue descrever no papel exatamente o que é? Você, por exemplo... Droga! Eu estava esperando uma velhota. — então ele olhou para o pai, outra vez com uma expressão esquisita. — Não estou certo, papai? Como poderia saber que se tratava de uma linda mulher? Ninguém me disse isso. — Ouça Mike — disse Thomas. — O que eu sugiro... Desde que você se mantenha sóbrio o suficiente para dirigir, é que dê uma passada no hospital depois de deixar Katherine em Llanhafod. — Para quê? Mas que inferno! Nós já discutimos isso e eu deixei bem claro: nada de médico. Katherine ficou olhando alternadamente para pai e filho. — O que... Está havendo? — Não é nada sério — respondeu Michael. — Dias atrás eu machuquei o braço e o ferimento infeccionou. — Pude ver que, enquanto trabalhava, você procurava proteger o braço — pronunciou-se Katherine. — Acho que não custa nada deixar que o médico dê uma olhada. — Bobagem! Está tudo bem, —Não seja tolo — censurou Thomas. — O que custa ir até o hospital, se você vai mesmo à aldeia? — Posso dar uma olhada? — ofereceu-se Katherine. — Tenho experiência em primeiros socorros e entendo alguma coisa de infecções. Michael ficou em dúvida. — Entende mesmo? — Costumo passar minhas férias viajando com um grupo de artistas. Cabem a mim as tarefas de enfermagem e pode acreditar que sempre me saí bem; Se a infecção não for muito séria, sei como tratá-la. Também saberei dizer se o caso exige atendimento médico urgente. Por que está resistindo tanto?
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Por alguns instantes Michael ficou olhando para o pai. Depois, voltou-se outra vez para ela. — É um ferimento feio e eu não quero submetê-la a isso. — Pois eu acho que devia — opinou Thomas. — Katherine não vai sair por aí comentando nada. Agora que eu a... Que nós a conhecemos, acho que ela tem o direito de saber o que está acontecendo aqui, para sua própria segurança. Por mais alguns segundos Michael continuou olhando para o pai. Depois fez um ar de submissão. — Vou aceitar sua palavra de que entende alguma coisa de enfermagem. Se acabar desmaiando, terei que, carregá-la, o que será ainda pior para o meu braço machucado. Katherine fez uma cara de censura e aproximou-se dele, começando a tirar com cuidado a tira de pano que envolvia o ferimento. — Como foi que se machucou? Nenhum dos dois homens respondeu. Por alguns instantes, o único som que se ouvia era o crepitar da lenha que queimava na lareira. Quando tirou toda a bandagem Katherine sentiu um aperto no estômago. Não havia um ferimento, mas sim três. Apesar da casca que se formara por cima de cada um deles, toda a região estava inchada e vermelha. — Esses ferimentos... — Levantando a cabeça, Katherine respirou fundo. — Estão parecendo cortes feitos por garras gigantescas! Os olhos dela foram de Michael para Thomas, mas os dois homens continuaram calados. — Como foi que você se machucou? — ela repetiu, olhando outra vez para Michael e mais parecendo estar dando uma ordem. Depois de mais alguns instantes de hesitação, ele resolveu falar. — Acho que você precisa mesmo saber, já que estará circulando pelo castelo. Fui atacado no escuro por alguém que não consegui ver. — Alguém ou alguma coisa — aparteou Thomas. Katherine arregalou os olhos. — Alguma coisa o atacou... No escuro? — Naquela noite havia um cheiro muito forte de enxofre na torre de sentinela e eu resolvi ir até lá para investigar. Já havia acontecido antes... O cheiro, uns sons estranhos, mas eu não havia descoberto nada. Dessa vez, a coisa assustou o cachorro, arrancou a lanterna da minha mão e machucou meu braço. Talbot estava comigo, mas achou melhor não sair em perseguição. Os cachorros não suportam o cheiro de enxofre. Logo depois ouvi um som como um vento forte num túnel e pisadas fortes, mas só isso. O velho Talbot encontrou minha lanterna. Ele tem mania de abocanhar lanternas portáteis. Quando pude iluminar o lugar, vi que havia muito sangue espalhado pelo chão. Katherine ficou olhando para ele, muda e horrorizada. Michael cerrou os punhos. — Droga, Kathy! Foi você quem pediu. Eu não queria contar, mas é bom que você saiba os perigos que estará correndo se for às partes subterrâneas do castelo. Quando Katherine conseguiu falar foi com a voz entrecortada.
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— Você me escreveu falando no cheiro e... E em sons de asas batendo e garras arranhando o chão. Eu achei que... Que só podia ser imaginação, como... Como fantasmas, coisas que algumas pessoas vêem e outras não. — Como assombrações normais? — O que, exatamente, são assombrações normais, Michael? — O que você acabou de descrever. Cheiros, sons, sombras esquisitas... Fantasmas cuja existência não pode ser provada porque só algumas pessoas vêem. Meu braço é uma prova de que neste castelo existe alguma coisa além de um espírito etéreo. Essa coisa é maldosa e suas extravagâncias estão fugindo ao controle. Katherine olhou novamente os ferimentos no braço dele. — É, fugiram mesmo ao controle. Esses cortes são profundos. Você está precisando de um antibiótico para combater a infecção. — Mas que explicação eu posso dar no hospital? — ele perguntou, soltando um gemido quando ela apertou a região entre os cortes. — Dói muito, não é? — Um bocado. Katherine pegou os óculos na bolsa e colocou-os para examinar mais de perto os ferimentos. — Eu poderia desinfetar a área, mas não adiantaria muito porque a infecção já está num estágio avançado. Você deve estar sentindo quentura no braço. Está vendo essas estrias avermelhadas? Em poucas palavras, são sinais de perigo. Você não tem escolha, Michael. Precisa de atendimento médico. Michael torceu o braço para ver melhor o local ferido. — Pela manhã essas estrias não estavam aí. — E está sentindo quentura no braço? — perguntou Thomas, ao que o filho respondeu balançando afirmativamente a cabeça. — Então é melhor dar ouvidos à moça. Se perguntarem no hospital o que aconteceu, conte alguma história plausível. — O quê, por exemplo? Que os cachorros cresceram demais e eu não posso mais brincar com eles? Katherine deu de ombros. — Eles não poderão refutar o que você disser. — Se acharem que estou mentindo, isso espalhará uma onda de comentários. A crença por aqui é dê que o dragão de Aawn tem estado quieto desde o tempo em que comia gente com regularidade, mas diz à lenda que, um dia ele voltará a atacar. — Parece que isso já está acontecendo — comentou Katherine. — Tenha sido ou não o dragão, o fato é que você está precisando de uma boa dose de antibiótico, e urgentemente. Do contrário, correrá sério perigo. — Com cuidado ela recolocou a bandagem sobre o ferimento. — Quem pode tê-lo atacado na torre de sentinela? Se eu não estivesse olhando para isso, acharia que você estava brincando comigo... — E comigo que alguém está brincando, e isso não me agrada.— rebateu Michael. — Mas vou descobrir quem ou o que me atacou, de uma forma ou de outra. — Então ele suspirou profundamente. — E você acaba de chegar... Não queria que fosse embora assim tão depressa. 24
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— Ora, não seja tolo! — exclamou Katherine. — Parece até que eu estou pensando em ir embora amanhã. Minha intenção é ficar hospedada na casa da Sra. Mills. E acho que devemos ir agora mesmo. — Esse dragão já está interferindo na sua visita — lamentou Thomas, levantandose. — Fera desgraçada! — Naturalmente o senhor não acredita que um animal seria capaz de fazer isso, não é? Os olhos claros de Thomas ficaram sombreados. — Dragões não existem, mas alguma coisa está querendo se passar por um deles. — Que coisa mais bizarra! Michael desapareceu por alguns minutos e reapareceu abotoando os punhos de uma camisa de mangas compridas. Pouco depois, enfiou-se numa jaqueta de tecido impermeável. — Você e as tais estrias me convenceram. Vamos resolver logo isso. — À porta, ele segurou na mão de Katherine. — É melhor você se apoiar em mim até se acostumar com os degraus da torre. Daqui até lá embaixo é uma queda e tanto. A mão dele era firme e calorosa, proporcionando uma sensação de segurança. Aquilo era uma boa coisa, porque em todos os outros aspectos não estava ali o amigo que ela havia imaginado. Mas o encanto do castelo a envolvia e ela se sentia em casa. Solitária, mas em casa. Eram sensações conflitantes, na certa fruto de uma mente cansada demais para pensar. Foi disso que Katherine procurou se convencer enquanto descia os degraus da escada, segurando firmemente na mão do jovem cujos ferimentos davam toda a impressão de terem sido causados pelas garras do dragão que habitava o castelo. A caminhonete de Michael sacolejava na estrada lamacenta. A chuva açoitava os vidros e o limpador de pára-brisa entoava sua música monótona. — Você não teria tomado sozinho à decisão de ir ao médico, não é? — perguntou Katherine. — Isto é... Teria percebido que a infecção estava piorando? — Acho que sim. O pó de serra não ajudou em nada. — E não está sentindo mais nada? Um choque assim não deve ter sido nada bom para o seu coração. — Meu coração? — Desculpe por eu estar falando nisso, mas é que... Bem, como o assunto é sua saúde... Fiquei muito preocupada quando você esteve hospitalizado, no ano passado. Você não falou claramente no motivo da hospitalização, mas deduzi que era um problema de coração. O trauma que costuma se seguir a um ataque físico como o que você sofreu sempre agrava as lesões cardíacas. — Não tenho nenhum problema cardíaco — reagiu Michael, com excessiva ênfase, para logo voltar a falar com mais brandura. — Pode acreditar que meu coração funciona direitinho. — Isso é muito bom — comemorou Katherine, achando que talvez ele não quisesse comentar o assunto. — E é claro que você está com ótima aparência. Deve ser o maravilhoso ar do País de Gales. — Sim, deve ser o ar...
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Katherine olhou para o homem que segurava o volante. Mesmo que tivesse um problema no coração, era evidente que uma pessoa tão jovem não iria gostar de falar nisso. Bem, podia ter sido uma pneumonia... Afinal de contas, devia fazer muito frio no castelo durante o inverno, coisa que ele havia comentado nas cartas. A propósito disso, ela não conseguia imaginá-lo sentado a uma escrivaninha escrevendo para ela... Falando na doença ou em qualquer outro assunto. — Seu pai é um homem adorável, mas foi uma surpresa para mim. Você nunca mencionou o fato de que ele morava em Aawn. — Ah, não? Bem, ele... Está lá. — O que está havendo, Michael? Você parece que está... Constrangido. Tem certeza de que está bem? — Talvez eu esteja com um pouco de febre. — Por causa da infecção? Queira Deus que não seja isso! — Então ela encostou a mão na testa dele. — Não parece estar com febre. — Acho que está começando. Hoje não estou na minha... Na minha melhor forma. Até peço desculpa por isso. Você deve estar exausta depois de uma viagem tão longa. A caminhonete passou por um buraco e Michael reduziu a marcha. Katherine reparou que, ao fazer aquilo, ele contraía os músculos do rosto. — Acho que a fadiga deve ser comuns a nós dois — ela comentou. — Seu braço deve doer toda vez que você tem que mudar de marcha, não é? Quer que eu dirija? Michael olhou para ela e sorriu. — Para dirigir esta caminhonete é preciso ter um pouco mais de força do que as mulheres costumam ter. Mas não se preocupe. Dentro de mais alguns minutos estaremos lá. Katherine olhou para fora e viu que a colina por onde eles passavam estava pontilhada de carneiros. Logo em seguida ela aprumou o corpo, dominada pelo espanto. — Aqueles carneiros têm o rabo comprido e espesso! — São carneiros monteses do País de Gales — informou Michael. Katherine continuou olhando com interesse. Depois de algum tempo, voltou-se outra vez para ele. — Michael, o que acha que o atacou no castelo? — Imagino que tenha sido um homem armado com alguma coisa de três pontas, uma espécie de ancinho. — E o cheiro de enxofre? E os barulhos? — Segundo a lenda, isso sempre existiu no castelo. Certamente existe desde que eu cheguei lá, mas ultimamente tenho a impressão de que está sendo simulado por alguém. O cheiro é forte demais e os barulhos são exageradamente altos. O que não imagino é o motivo que alguém teria para fazer isso. — O pessoal do lugar tem algum ressentimento por você ter comprado o castelo? — Algumas pessoas podem ter, mas tenho certeza de que a maioria aprova o nosso esforço de restauração. Um hotel funcionando aqui será muito bom para a aldeia. Katherine não escondeu o espanto.
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——Como é que você pode falar com tanta naturalidade de uma coisa tão... Tão absurda? — Estou tentando não deixá-la mais alarmado do que é preciso. — Mas por que não devo ficar mais alarmada do que você? Michael demorou algum tempo para responder. — Bem, eu... Preciso protegê-la. Katherine sorriu. — Ah, entendo. Existe um perigo no castelo, porque uma lenda se materializou. Você é o cavaleiro que vai enfrentar o dragão para proteger... Foi Michael quem concluiu a frase. — Para proteger sua amada. Katherine sentiu um arrepio. Lembrava-se de ter lido aquelas mesmas palavras em algum lugar. Que mágica poderia existir naquele lugar, levando as pessoas a acreditarem em lendas? O erudito cavalheiro de antes agora se transformava no bravo cavaleiro andante. E ela era a amada daquele paladino.
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CAPÍTULO IV Os telhados cinzentos da aldeia apareceram no centro do ninho verde formado pelas árvores. Entre as casas sobressaía a torre de pedra da igreja. Aproximando-se, eles puderam ver as ruas curtas e curvas. Uma ponte de madeira sobre o riacho saía diretamente na rua principal. Era uma rua larga, com lojas nos dois lados. Placas coloridas penduravam-se na fachada das pequenas lojas. Havia uma padaria, um açougue, uma alfaiataria, uma loja de roupas prontas, uma quitanda, uma agência dos correios. Muitos daqueles prédios eram pintados em preto e branco, no estilo inglês, e nenhum tinha mais do que dois andares. A cinzenta torre do sino da igreja dominava a cidade, como vinha fazendo há séculos. — É uma linda aldeia... Exatamente como você descreveu — comentou Katherine. — A propósito, Michael... Nas cartas você nunca me chamou de Kathy. A caminhonete agora se deslocava bem devagar. — Isso era porque eu ainda não a tinha visto. Agora sei que chamá-la de Kathy é mais apropriado. Assim como para mim Mike é mais apropriado do que Michael. — Mas por que sempre assinava as cartas como Michael? Concordo que Mike é mais adequado para você. — Você diz isso de um jeito estranho. Não estou correspondendo à sua expectativa? — De jeito nenhum. Aquilo o deixou meio tenso. — Está desapontada? Katherine tentou sorrir. — Não... É só que... Eu achava que você era mais velho. Eles agora estavam no coração da aldeia, bem na metade da rua onde se concentrava todo o comércio. O tráfego de veículos não era intenso, mas havia muitas pessoas circulando por ali. Michael parou para que um pedestre atravessasse na frente dá caminhonete. — Sou mais velho do que pareço. Eu também, pensou Katherine. Em menos de três minutos eles atravessaram o centro comercial da cidade. Michael entrou numa rua transversal e parou na frente de uma casa de dois andares com uma placa onde se lia: Hospedaria. — Seu alojamento, minha senhora— ele anunciou. — Obrigada — disse Katherine. — Então, você vai consultar o médico? — Vou direto ao hospital, onde sempre tem um médico de plantão — respondeu. Michael, descendo para abrir a porta para ela. — Mas não fale sobre isso com a Sra. Mills. O que se comenta com ela logo se espalha pela cidade inteira. — Depois disso ele consultou o relógio. — Você chegou a tempo de pegar o jantar. Amanhã pela manhã virei apanhá-la. Qual será a melhor hora? Por volta das onze? — Acho que posso arranjar transporte. Assim você não precisará... — Não será nenhum incômodo.
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Dirigindo-se à entrada da casa, Michael abriu a porta sem bater. Logo apareceu para recebê-los uma mulher rechonchuda vestindo saia de lã escura e suéter cor-de-rosa. Cabelos ondulados, já bem grisalhos, emolduravam aquele rosto oval e simpático. — Mike Reese! — ela exclamou, estendendo a mão e abrindo um largo sorriso. — Esperava que você trouxesse a minha hóspede antes da hora do chá. — Nós nos atrasamos. Sra. Mills, esta é Katherine Glenn. — Bem-vinda Katherine. O motorista do microônibus me deu o recado avisando que você tinha ido fazer uma visita ao castelo. Ele me disse também que você já conhecia este belo rapaz aqui. — Katherine e eu somos velhos amigos — disse Michael. A gorducha mulher ficou olhando com curiosidade para um e outro. Katherine perguntou-se que pensamentos poderiam estar por trás daqueles espertos olhos negros. — Michael, meu rapaz, por que não fica para jantar conosco? — convidou a Sra. Mills, cujo sorriso parecia permanente. — Obrigado, mas hoje não posso. Tenho uma porção de coisas para fazer. Mesmo assim, espero que o convite se mantenha de pé. — Dito isso ele rumou para a porta. — Até amanhã, Katherine. Antes de sair ele se voltou e, por alguns instantes, eles ficaram se olhando nos olhos. Outra vez Katherine sentiu o magnetismo que havia naqueles olhos. Michael transpirava uma sensualidade como ela jamais vira em nenhum outro homem. E o pior era que ele parecia saber disso. — Amanhã — repetiu Michael. Depois disso ele sorriu para a dona da hospedaria e partiu. — Esse rapaz nunca fica aqui mais do que uns poucos minutos— lamentou a Sra. Mills. — Também, trabalha como um condenado. Seja como for, eu admiro os homens ambiciosos. Mas venha, minha filha. Vou lhe mostrar o seu quarto. Se quiser, pode até tomar um banho antes do jantar. — Enquanto falava ela começou a subir a escada. — O que achou de Aawn? É uma construção resistente, como todo castelo medieval. As duas torres mais antigas nunca sofreram nenhum dano, mesmo depois de todos os ataques sofridos pelo castelo, e ninguém sabe o motivo disso. Diz à lenda que o motivo é o dragão e que o castelo é encantado. No andar de cima ela abriu uma porta e Katherine entrou num agradável quarto pintado de cor-de-rosa. Havia duas camas de solteiro cobertas por floridos acolchoados. Pelas paredes viam-se quadros pintados em aquarela. A bagagem de Katherine, deixada ali pelo motorista, estava colocada ao lado do armário de mogno. Da janela tinha-se uma bela vista das verdejantes colinas. Ao longe, as montanhas eram o pano de fundo das sinistras torres de Aawn. O pequeno lago era como um espelho refletindo sol de fim de tarde. De um instante para outro, o cansaço da viagem e a carga emocional daquela primeira hora no castelo tomaram conta de Katherine. — Acho que vou desistir do jantar — ela disse à dona da hospedaria. — Fiquei muitas horas no avião, sem falar na viagem de Manchester até aqui. Duvido que consiga ficar mais uma hora acordada. A Sra. Mills sorriu. — Está certo. Quando acordar, você certamente irá querer um café da manhã bem reforçado. Às nove horas ainda será muito cedo?
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— Não, não, é uma boa hora. — Espero que se sinta bem aqui. Se precisar de alguma coisa, é só me chamar. Em geral meus hóspedes são turistas que ficam poucos dias. Por isso, é muito bom ter alguém que ficará a estação inteira, além de ser uma pessoa interessada na história local. Se não me engano, o castelo de Aawn foi construído no século dezessete. Katherine sabia que o castelo era de bem antes, mas preferiu não dizer nada, enquanto a mulher continuava a falar como um rádio que ninguém se lembrasse de desligar. Então ela se sentou na poltrona perto da janela, esforçando-se para prestar atenção no que ouvia. — Bem, procure descansar — recomendou a Sra. Mills, num carregado sotaque galés. - E, mais uma vez, seja bem-vinda. Quinze minutos mais tarde Katherine já havia tomado banho e estava na cama, olhando para o teto de pintura creme. Embora estivesse cansada, encontrava dificuldade para dormir. Na verdade, a mente dela funcionava como um redemoinho. Michael... Mas quem era Michael? Certamente não podia ser o homem que ela achava conhecer depois de quatro anos de correspondência. A princípio as cartas que eles trocavam versavam apenas sobre as lendas e a história do antigo castelo. Com o passar do tempo, porém, começaram a abordar outros assuntos. Katherine falava nas pesquisas que fazia, nos livros que lia, nas apresentações de dança da sobrinha e nas noites de inverno, quando ficava corrigindo provas dos alunos ou vendo filmes em videocassete. Michael escrevia sobre as mudanças de estação e as migrações dos pássaros, às vezes falando em gaivotas que, tendo se afastado do oceano, acabavam encontrando o pequeno lago. Falava também nas noites de solidão que passava ao pé da lareira, cercado por geladas paredes de pedra. Evidentemente cada um deles havia deixado de revelar muita coisa. Acima de tudo, faltara... Franqueza. Ela agora nem entendia por que não havia falado no circo. Afinal de contas, era um mundo que adorava... A poeira levantada no picadeiro, o rugido dos tigres, o caminhar vagaroso dos elefantes, os gritos excitados das crianças. Revelando aspectos do lado jovem de si própria, talvez houvesse incentivado Michael a fazer o mesmo. Na verdade, eles haviam jogado um jogo estúpido, cada um revelando apenas o que achava interessar ao outro. Katherine não se conformava com o erro monumental que havia cometido. O homem que conhecera naquele dia falava de um jeito que não tinha nada a ver com o que escrevia nas cartas. E havia uma dúvida praticamente insolúvel: teria ela criado uma imagem que não existia na realidade... Ou ele deliberadamente a havia enganado? Nas cartas Michael a chamava de cara Katherine, mas agora a tratava por Kathy... Nada estava certo... Nada a não ser os olhos de Michael quando se fixavam nela. Aqueles olhos pareciam querer arrancar todos os segredos dela. Por outro lado, a brincadeira que ele fizera sobre o cavaleiro andante enfrentando o dragão em defesa da amada tinha muito a ver com o velho e romântico Michael. Na ocasião ela havia sentido o coração bater mais depressa. A escuridão foi tomando conta do quarto e Katherine suspirou. Aquelas não seriam as férias com que havia sonhado tanto. Como se isso não bastasse, havia uma fera que exalava cheiro de enxofre, circulava à noite pelo castelo e tentava matar Michael...
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Terminando o café da manhã um pouco antes das dez, Katherine ficou com uma hora para conhecer a pequena Llanhafod antes que Michael chegasse para apanhá-la. A manhã estava fresca e calma, com o sol brilhando por entre os grupamentos de nuvens que se espalhavam pelo céu da Grã-Bretanha. Katherine caminhou pela calçada da rua principal, olhando as vitrines e escutando o musical linguajar galés. Enquanto isso pensava em Michael Reese. Segundo o que dizia uma das cartas, a esposa de Michael havia morrido antes que ele fosse morar no castelo. Tão jovem e já viúvo! Ele não podia ter mais de vinte anos ao comprar o castelo, quatro anos antes. A esposa, portanto, devia ser uma adolescente! Michael falara naquilo apenas uma vez, sem nunca comentar nada mais do próprio passado. Pensando bem, ele não tinha idade para ter um passado... Katherine entrou numa pequena loja que vendia cartões-postais. A atendente, uma jovem de rosto sardento, sorriu por trás do balcão. — Bom dia. — Bom dia — respondeu Katherine, pegando alguns postais, na maioria dos quais aparecia o castelo. — Você esteve lá ontem? — perguntou a moça, apontando para os cartõespostais. — No castelo? — Sim, só por algum tempo. — É a amiga americana de Mike Reese? Katherine sorriu. — Sim, mas como você sabe disso? — Por aqui as novidades se espalham como o vento. Ontem à noite Mike a trouxe para a aldeia. Katherine procurou manter o sorriso. Aquilo parecia ser um jogo e ela resolveu também fazer um lance. — Você também é amiga de Mike? — Num certo sentido — respondeu a garota. — Todos o conhecem, é claro. — Por que é claro? — Ele realmente se destaca, por ser americano solteiro e tão... Ah, você sabe! Katherine esforçou-se para não rir, porque a moça havia corado fortemente. Ah, sim, sem dúvida ele era tão... Sem que ela fizesse outra pergunta, a garota deu mais informações. — As pessoas daqui implicam com ele por ser o dono do castelo. — E o fato de ele ser dono do castelo tem alguma coisa a ver com... O interesse das pessoas em Mike? — Claro. Todos ficam de olho nele. — Então a moça se debruçou sobre o balcão e fez um ar de cumplicidade. — Melhor dizendo: algumas pessoas. Mas, já que é amiga de Mike, fico feliz em lhe dar as boas-vindas a Llanhafod. Meu nome é Cadi Morgan. — Sou Katherine Glenn. Katherine consultou o relógio. Mike devia estar chegando para apanhá-la e não se passaria uma hora antes que Cadi ficasse sabendo disso. Mike era muito observado naquela cidade, certamente... E pelas mulheres.
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A Sra. Mills varria a sala de estar enquanto um coral cantava no aparelho de som. — A senhora sabe onde posso alugar uma bicicleta? — perguntou Katherine, aproximando-se. A mulher interrompeu o que fazia. — É claro que posso lhe arranjar uma bicicleta. Para quando vai querer? — Para amanhã. Hoje tenho carona, mas não quero que Mike se sinta na obrigação de ser meu chofer. Além disso, gosto de pedalar. — Vou providenciar. Você saiu para conhecer a aldeia? — Sim, dei uma caminhada. Conheci Cadi Morgan... Ela já sabia que eu havia chegado ontem, com Mike. A Sra. Mills riu, pegou a vassoura e continuou o trabalho. — Cadi é apenas uma das donzelas disponível na cidade. Logo você perceberá... Estão todas com os olhos voltados na direção do seu amigo Michael. — Eu já estava começando a imaginar isso. — Mas ninguém pode culpá-las, não acha? Katherine recostou-se no batente da porta. — E como é que Mike reage à idéia de ser... Caçado? Ele assume o papel de fidalgo do lugar? Alguma garota já obteve os favores do senhor do castelo de Aawn? — Ah, não. Ele é um bocado reservado, difícil de agarrar. Dizem que Michael Reese já foi casado. É verdade? Cautelosa, Katherine preferiu responder com uma evasiva. — Ele nunca fala sobre o próprio passado. — Sim, sem dúvida... Mas já que você é uma velha amiga... Katherine olhou pela janela. — A caminhonete está chegando. — ela disse, interrompendo a outra. — Fui convidada para jantar no castelo. Portanto, esta noite chegarei tarde. Pendurando a bolsa no ombro, Katherine despediu-se e saiu. Era Thomas quem estava ali para levá-la, não Mike. Contornando o veículo, ele abriu a porta para Katherine, desculpou-se por ter que conduzi-la numa caminhonete e disse que ela estava tão linda quanto aquela manhã de sol. Thomas Reese era um cavalheiro de muita classe... O tipo de homem que ela havia esperado encontrar no lugar do filho dele. — Mike está trabalhando naquelas janelas desde que amanheceu o dia — ele informou, enquanto a caminhonete transitava pela rua principal. — Como está o braço dele? — Hoje ele terá que voltar ao hospital para tomar outra injeção. Eu não me preocupo com as lamentações de Mike. O problema é quando ele sofre calado. Pode acreditar que ele está bem... Esta manhã tem se lamentado desde que saiu da cama. — Será que o trabalho não será prejudicial? — Mesmo que fosse ele não para. Aquele menino é um obsessivo. Trabalha às vezes quinze ou dezesseis horas por dia, sete dias por semana. O vidro estava abaixado e Katherine respirou o ar puro da manhã de verão.
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—Então deve ter sido difícil para ele, quando ficou hospitalizado, ficar um bom tempo sem trabalhar. Thomas fechou o semblante e deu a impressão de que se concentrava em dirigir a caminhonete. Certamente aquilo não exigia tanta atenção, pois eles já haviam saído da cidade. — Acha que é bom para Mike trabalhar tanto, Thomas? — insistiu Katherine. — Sei que não é da minha conta, mas ele me escreveu dizendo que tinha uns problemas de saúde. — Ele... Está bem — respondeu o velho, sem olhar para ela e com evidente desconforto. — Ele está bem. Katherine ficou intrigada. Por que Thomas reagia daquela forma a uma simples pergunta sobre a saúde do filho? No dia anterior, o assunto havia provocado em Mike à mesma reação. Desde a chegada ela suspeitava de que aqueles dois guardavam algum segredo. Teria alguma coisa a ver com a saúde de Michael? Ou seria algo relacionado com a criatura que perambulava pelo castelo no escuro da noite? Mike estava trabalhando no mesmo local do dia anterior. Os operários também estavam ocupados e a conversa deles se misturava com os barulhos que faziam, tendo como fundo a canção popular que saía de um pequeno toca-fitas portátil. Às vezes um dos homens perguntava alguma coisa e Mike não respondia logo. Nessas ocasiões, alguém comentava que ele estava no mundo da lua, pensando na mulher que havia chegado ao castelo no dia anterior, e uma gargalhada se espalhava pelo grupo. Aqueles homens tinham razão. Mike estava com o pensamento tão ocupado pela mulher que havia chegado ao castelo no dia anterior que só conseguia se concentrar em outra coisa por poucos minutos. Não se lembrava de ter conhecido outra mulher como aquela. O jeito como ela ria o sorriso, a graça com que se movia o raciocínio rápido... Katherine Glenn era o tipo de mulher com quem ele sempre havia sonhado, sem nunca ter tido a sorte de encontrar. Resumindo: era a surpresa da vida dele. Enquanto ele se ocupava em colocar as vidraças nas janelas, a mente de Mike era dominada por um misto de alegria e tristeza. Até aquela fase da vida ele havia se envolvido apenas com garotas que se faziam passar por mulheres, mesmo depois de se divorciar de Jenny. E sempre era alguém querendo encontrar um lugar arrumado... De preferência cheio de conforto. Katherine, ao contrário, era uma mulher que sabia criar o próprio espaço. Mike tinha certeza disso, embora conhecesse muito pouco da vida dela. Devia ter lido aquelas cartas, atendendo ao pedido do pai! Até aquele momento ele não havia se dado conta de como tinha uma vida vazia. Dois anos já se haviam passado desde que, divorciando-se de Jenny e demitindo-se do trabalho, ele fora morar com o pai no castelo. A princípio não entendia como Thomas conseguia viver em condições tão precárias, mas logo também sucumbiu ao fascínio de Aawn. Não só era dele a idéia de transformar o castelo em hotel, como também os recursos financeiros para esse fim. Dois anos antes ele tinha uma casa num dos melhores bairros de Chicago, dois carros na garagem e um emprego altamente remunerado, além de uma esposa cujas únicas preocupações eram as festas elegantes e os últimos lançamentos da moda. Aquilo era exatamente o oposto da vida com que ele sempre havia sonhado. Era um casamento sem sonhos. Os sonhos de Jenny e os dele eram absolutamente diversos.
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E agora, ao conhecê-lo, Katherine dava claros sinais de desapontamento... Embora desse a impressão de gostar da aparência dele. Mas para agradar àquela mulher seria preciso, bem mais do que a simples beleza física. Os olhos dela eram maliciosos e misteriosos, tão profundos que seria impossível ler qualquer coisa ali. Mas ele se vira naqueles olhos, em momentos em que ela parecia perdida na lembrança de algum segredo... Mike queria descobrir os segredos daquela mulher. A tarde já ia pela metade quando Mike finalmente desceu do Grande Salão. Katherine estava sentada num banco do pátio, brincando com os cachorros, e levantou a cabeça quando ele apareceu na larga porta em arco. — Finalmente consegui colocar os vidros na janela — anunciou Mike. — Papai me disse que você estava aqui. Katherine sorriu. — Thomas insistia em ser meu guia turístico e nós quase brigamos. Finalmente ele desistiu, deixando que Talbot fizesse esse trabalho. — As pernas de papai estão fracas, mas ele não quer reconhecer que já não é tão forte como um dia foi. — Enquanto falava Mike pegou uma mangueira num canteiro ali perto e pôs-se a lavar o pó de serra das mãos. — Sinto muito por ter ficado preso ao trabalho durante tanto tempo. Precisava adiantar as tarefas mais pesadas, já que no fim de semana os operários não estarão aqui para ajudar. — Não precisa se desculpar. A última coisa que eu quero é me transformar num inconveniente para você. Tive um dia maravilhoso, Mike. Explorar Aawn era uma coisa com que eu vinha sonhando há tempos. — Espero que o castelo tenha correspondido às suas expectativas. — Eu nem poderia imaginar o que estou descobrindo aqui... Uma lenda viva. Já estou começando a imaginar labaredas saindo da caverna do dragão. Também ouço vozes pelos corredores. — Há vozes nos corredores, as vozes dos fantasmas. Só que nem todos conseguem ouvi-las. Katherine conteve a respiração, percebendo que ele falava sério. — Mas por que... Você e eu conseguimos ouvi-las? — Porque você e eu sabemos que os mistérios e os horrores são partes integrantes do castelo. O coração de Katherine começou a bater mais rapidamente. — Mesmo com todos esses horrores, você ama Aawn, não é, Mike? — É sim. E mais ainda porque ele fala comigo. O castelo não quer ser um envoltório morto de coisas do passado. Você também sente isso, Kathy, esse respeito pela alma do castelo, e assim os espíritos daqui estabelecem comunicação. Enquanto dizia aquilo Mike tirou a camiseta e continuou a se borrifar com a água da mangueira, tomando cuidado para não encharcar o curativo do ferimento. Katherine ficou olhando, fascinada. Os braços e o peito dele eram musculosos como os de um nadador campeão. As gotas de água refletiam os raios de sol, realçando os contornos daquele corpo perfeito.
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— Estou vendo que o curativo de agora foi feito por um profissional — ela se apressou em dizer, mais para ter algo em que concentrar o pensamento. — Seu braço está melhor? — Vou ter que voltar ao hospital hoje para tomar outra injeção de antibiótico. Quase não estou podendo me sentar por causa da última. Tive que dormir de barriga para baixo e isso me deixou com dor no pescoço. — Você teria escrito para mim sobre isso... O ataque e o ferimento no braço? Mike franziu a testa e desligou a mangueira. — É claro que teria — ele respondeu, aparentemente sem muita convicção. — Que explicação você deu no hospital? — Disse que tinha caído sobre vidro quebrado. Duvido que o médico tenha acreditado, mas ele não perguntou mais nada. Bem, estou indo para lá agora. Se quiser ir comigo, não vou demorar nada no hospital. Depois posso lhe mostrar a região em volta do castelo. Será um passeio divertido e voltaremos antes do jantar. — Acho uma boa idéia, mas talvez seu pai queira ajuda na cozinha. — Que nada. Ele cozinha todas as noites e adora isso. Três pessoas para jantar não dão mais trabalho do que duas. Katherine sorriu e abriu os braços. — Nesse caso, não tenho como recusar o seu convite. Minutos mais tarde eles estavam na caminhonete em movimento. — Você sabia que é objeto de comentários na aldeia? — perguntou Katherine. — Sim, eu sabia. Mas você acabou de chegar. Como pode já estar sabendo de mexericos? — Como poderia não saber? Até a balconista da papelaria, Cadi Morgan, sabia que você me trouxe para a cidade ontem. — Imagino que todas as cidades pequenas são assim. — Certamente. E uma pessoa originária de outra cultura é sempre notada, especialmente tratando-se de um solteiro bonito e disponível. Mike ficou olhando fixamente para a estrada. — Pelo menos a qualificação de solteiro é irrefutável — ele comentou evasivo. — Tanto quanto a de bonito. Mike sorriu com malícia. — Nesse caso, a de disponível não está correta. — É mesmo? Mas por que você não está disponível? Não deve ser porque está ocupado demais na restauração do castelo. — Já não é uma boa razão? Ele estava brincando e Katherine resolveu levar o assunto a sério. — Os castelos duram mil anos foram construídos por reis e nobres e são mantidos por homens comuns que querem preservá-los. Os castelos resistem por muito, muito tempo. Os homens não. Mike pigarreou antes de dar a resposta.
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— Minha obsessão por esse projeto é apenas parte do meu motivo para não procurar uma esposa. O motivo principal é que já tentei isso. Já fui casado, mas acabou. Não tenho nenhuma vontade de experimentar outra vez algo parecido. Katherine achou surpreendente aquela súbita franqueza. — Em tudo que me escreveu, você falou muito pouco de sua esposa — ela lembrou. — Eu concluí que, por ter sido uma perda dolorosa, você não quisesse falar no assunto. Concluí também que a amava muito. Olhando para ele Katherine achou que havia pintado um retrato muito fiel da situação, porque a expressão de Mike era de sofrimento. — Ouça Kathy, eu... Eu não posso... — Então ele bateu com o punho esquerdo cerrado no volante do furgão. — Diabo! Eu não posso continuar com isso! Katherine estendeu a mão e tocou no braço dele. — Está bem! É normal sentir raiva ou ressentimento em relação a uma pessoa amada que morreu e nos deixou. Isso faz parte do processo de assimilação dá perda. Mike resmungou alguma coisa ininteligível. — Por favor — ele disse, logo em seguida. — Eu não sou... —Eu compreendo — interrompeu-o Katherine. — Não vamos mais falar na sua esposa. Nesse instante eles alcançaram à parte da estrada onde começava a descida para a cidade. Katherine voltou os olhos para a paisagem e eles ficaram em silêncio até que a caminhonete parou na frente do hospital.
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CAPÍTULO V Katherine ficou esperando na recepção do que parecia ser o menor hospital do mundo. Pensava em Mike, o que a deixava deprimida. Queria perguntar de que havia morrido a mulher dele, mas nenhum homem gostaria de responder a uma pergunta assim. Pensando naquilo, Katherine começou a entender por que Mike passava noites escrevendo para ela cartas cheias de profundas reflexões. Outro homem na idade dele gastaria esse tempo na companhia de uma das lindas garotas da cidade... Certamente na crença de que a juventude é uma coisa perene. Mas Mike via mais longe. Por isso, falava sério ao dizer que tinha mais idade do que aparentava. Talvez o velho Michael, amigo dela, estivesse enfim se mostrando. Quinze minutos depois de ter entrado ele retomou, com um curativo novo por baixo da camisa. — Como está o braço? — perguntou Katherine, já no lado de fora do hospital. — Melhor. Você tinha razão, Kathy. Eu teria sérias complicações se não tivesse vindo aqui ontem. Está sendo muito boa comigo. Logo que pus os olhos em você, disse a mim mesmo: Essa moça será boa comigo. — Sim, é claro. Mike sorriu e abriu a porta da caminhonete para que ela entrasse. — Quer mesmo saber o que eu pensei? — Não sei se quero. Mike só respondeu à própria pergunta quando já estava sentado diante do volante. — Eu achei que você era bonita. — Mas eu não sou bonita. — Acha isso porque tem problemas na vista. Eu, ao contrário, tenho a visão perfeita. Katherine o achava perfeito não só no que se referia à visão. Havia se acostumado à forma civilizada com que ele a cortejava, mas agora precisava tomar cuidados. Galanteios vindos de um homem tão cheio de sensualidade poderiam derrubar as mais sólidas defesas. Katherine se perguntava se ele tinha consciência do efeito que produzia nas mulheres. Tudo levava a crer que sim, e se fosse perguntado talvez até admitisse isso. Ela precisava mesmo se resguardar. Ali não era mais a solteirona de Allendale. Fora do casulo em que se escondia durante o inverno, sentia-se livre! Mike dirigiu pelos campos do País de Gales, por estradas estreitas, atravessando aldeias e fazendas. Mostrava a paisagem, pronunciando sem dificuldade os nomes em galés. A certa altura eles pararam à beira da estrada e caminharam até o meio de uma ponte para observar dois cisnes que nadavam calmamente no rio. — E eu não trouxe a minha câmera — lamentou-se Katherine, debruçando-se no parapeito da velha ponte de pedra.
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— Os cisnes estão sempre aí. Qualquer dia desses viremos aqui para fazer um piquenique. Já estou até nos vendo lá embaixo, na margem do rio, comendo pão fresco e bebendo vinho. Katherine imaginou a cena. A relva devia ser macia embaixo das árvores e flores silvestres brotavam por todos os lados. — Você gosta da paz mais do que qualquer outra coisa, não é? — ela perguntou. Seria difícil interpretar o olhar de Mike, Mas Katherine viu nos olhos dele algo que vinha de dentro do coração. — Sim, eu gosto da paz. Na América ganhei muito dinheiro, mas aquela atividade frenética estava me deixando maluco. Sinto pena dos que ainda estão por lá, presos àquela loucura. — Mike mostrou um sorriso triste. — Meus amigos de Chicago me acusavam de ser um incorrigível caçador de sonhos, um escapista. Isso é deplorável, não acha? Olhe só para a beleza deste lugar, procure sentir o silêncio. Nada no mundo me induziria a voltar. — Você se afastou do carnaval para viver no mundo de verdade. — Sim, é isso, Kathy. Já reparou como são poucas as pessoas que percebem isso? — Provavelmente não. Vivo tão longe da agitação que só consigo imaginar. Mas fico me perguntando como pessoas sensíveis conseguem suportar a agitação das grandes cidades. — Algumas não conseguem. Existe uma atração irresistível por... Por... — Pela natureza? Mike fechou os olhos. — Exatamente. Você conhece essa atração. — Sim, conheço. Mike abriu um sorriso. — Eu adivinhei seus sentimentos pela natureza. Tenho a sensação de que sei muitas coisas sobre você. Era uma estranha observação, principalmente vindo de um homem que há anos lia as cartas dela. — É claro que sabe muitas coisas sobre mim — murmurou Katherine. Mike não tirava os olhos da água que escorria lá embaixo, tranqüilamente. — Está se referindo às cartas? Katherine fez um ar de desagrado. — Vejo certa amargura quando você se refere às cartas que trocamos. Às vezes também parece que se esqueceu do que eu disse, ou mesmo do que você disse. Mike suspirou profundamente. — Prefiro pensar que acabamos de nos conhecer. Nós dois já admitimos que não somos o que cada um esperava do outro. E agora eu quero conhecê-la... Como se você não tivesse passado. Isso faz sentido? — Acho que sim. Venho me perguntando por que você pessoalmente é tão diferente do que é nas cartas. Isso é frustrante. Será que intencionalmente quis me iludir? — Não — respondeu Mike. — E você... Quis me iludir intencionalmente? Katherine aprumou o corpo. — Por que pergunta isso?
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Mike deu de ombros, encostando o braço no dela no parapeito da ponte. — Eu a imaginava uma mulher sem graça e... Mais velha. — Dizendo isso ele sorriu. — O mesmo que você pensou de mim. Nós dois parecemos um par de aves raras, tentando esconder a cor da plumagem. Sugiro que nós... Comecemos daqui. Você concorda? Katherine fez que sim com um gesto de cabeça. O que ele dizia fazia certo sentido. — Nós estávamos comentando a paz que a natureza proporciona — voltou a falar Mike. — Para mim essa é a melhor parte da vida. Não espero ter uma vida fantástica no castelo transformado em hotel, mas ele servirá para morar... Se eu conseguir inaugurá-lo. O projeto é bem complicado, mas gosto muito dele. Quantos homens são donos de um castelo? Acho que sou o sujeito mais sortudo do mundo. Katherine sorriu com uma expressão sonhadora enquanto observava o casal de cisnes roçando o pescoço. Era um gracioso gesto de amor. Silenciosamente, Mike colocou a mão por cima da dela. Katherine achou que talvez estivesse sonhando, mas reparou que a mão dele estava levemente trêmula. Por que a mão dele tremia? E por que o coração dela batia de forma tão descontrolada? Mike continuava olhando os galhos das árvores que tremulavam além da margem do rio. — A sua vinda me deixou feliz, Kathy — ele murmurou. — Você diz isso que se fosse algo que não estivesse esperando. — Estou mais feliz do que imaginava que ficaria. — Eu também. — É mesmo? — perguntou Mike, continuando a acariciar a mão dela. — Mas não teve muita sorte na tentativa de esconder o espanto na primeira vez que me viu. — Para falar a verdade, você também não. — Tem razão... Bem, aqui estamos nós. Não podia haver nada mais simples do que a carícia que ele continuava a fazer, mas Katherine sentia um arrepio se espalhando pelo corpo. — Sim, aqui estamos nós — ela murmurou. O jantar foi um acontecimento cordial... Uma refeição feita na torre onde, nos últimos séculos, damas e cavalheiro comiam trutas frescas do lago e legumes da horta do castelo. Depois do café e do licor irlandês, Thomas acendeu o cachimbo e pôs-se a falar de poesia. — Você gosta mesmo de poesia, Mike? — perguntou Katherine. Mike estava relaxado no sofá perto do fogo. — Gosto, sim. — E também gosta de declamar?— Ah, isso não. — Pois eu acho que gosta. Você sempre fez citações de poemas em suas cartas. — Agora você me pegou. Sou mesmo uma fraude. — Não dê ouvidos a ele, Katherine — intrometeu-se Thomas. — Na certa não quer que eu saiba que também falava em poesia nas cartas para você. Muitas noites nós dois ficamos aqui, falando de poesia e literatura. Um dos preferidos dele é Walt Whitman.
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— Folhas da Relva? Eu adoro Folhas da Relva. Nas cartas você mal falou em Walt Whitman, Mike. Thomas riu. — Os segredos estão sendo desvendados. Mike chafurda em Whitman como um porco no chiqueiro. Venha cá, rapaz, e recite alguns versos para nós. Faça isso por Katherine. — Não estou com disposição. — Mas sempre esteve... Nas cartas — atiçou Katherine. — Está vendo? — voltou à carga Thomas. — Quer que a moça pense que era tudo fingimento? Mike fuzilou o pai com os olhos, algo que Katherine não conseguiu entender. Continuava com os olhos fixos em Thomas quando se levantou para pegar o livro em cima da mesa. Quando começou a ler, numa voz grave e pausada, foi como se estivesse cometendo um ato de vingança. Sou eu, mulher, que estou abrindo caminho. Sou inflexível, mordaz, vigoroso, teimoso, mas a amo. Não a firo mais do que é necessário. Despejo a substância que dará origem a filhos e filhas adequados a esses Estados, pressiono devagar com músculo rude, abraço-me afetuosamente, não dou ouvidos a súplicas, ouso não me retirar até que deposito tudo o que há tanto tempo tem guardado dentro de mim. Através de você deságua os represados rios de mim mesmo. Em você guardo mil anos vindouros... Katherine ficou boquiaberta. Aquele poema, já carregado de erotismo, ficava ainda mais sensual na interpretação de Mike. A entonação dele devia ser exatamente a que o poeta havia imaginado para aqueles versos. — Bem, não faltou crueza — comentou Thomas, olhando fixamente para o filho. — Você pediu Walt e acabou de ouvi-lo — rebateu Mike. — Devo pedir desculpas, Kathy? — Não — ela respondeu, externamente mostrando absoluto controle. — Acho notável essa passagem. Mike riu. — Está vendo, papai? Kathy também gosta dos versos do maior poeta do mundo. — Admito que gosto muito do trabalho de Whitman — declarou Katherine, sem entender por que Mike parecia querer desafiar o pai. — Alguma vez na vida você já pescou Katherine? — perguntou Thomas, de chofre, como se quisesse mudar de assunto. — Só quando era menina. Meu pai costumava me lavar. — Eu pesco todas as manhãs, sempre que o tempo permite. Por que não me acompanha? Mike não larga mesmo o trabalho. — Se eu fosse pescar, não seria para pegar peixes — pronunciou-se Mike. — Pescar é enfadonho demais. Seja como for, amanhã pretendo largar o trabalho para mostrar a Kathy o calabouço de Aawn. — Então ele apoiou os pés numa mesinha de
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madeira que havia na frente do sofá. — Vou levá-la ao covil do dragão, nos subterrâneos do castelo. Sabia que é uma caverna natural? Rapidamente Thomas tirou o cachimbo da boca para falar. — É claro que você falou nisso a ela nas cartas. Mike olhou para Katherine. — Falei? Katherine apertou os olhos. — Por que finge não se lembrar? Mike deu de ombros. — Quando ouvi falar na caverna pela primeira vez, achei que era obra do homem, um túnel para fuga em caso de cerco ao castelo. Mas não é isso. Trata-se de uma caverna natural, com entrada na parte mais baixa da torre de sentinela. Os antigos devem tê-la usado como depósito ou mesmo como calabouço, embora tenham construído bem perto um formidável calabouço. Amanhã eu a levarei até lá, se não tiver medo de entrar no covil da fera. — Mas foi para isso que eu vim de tão longe! — Eu sei, eu sei. Prometo levá-la. Vai pescar pela manhã? — Claro. Deve ser divertido. — Então, combinado — disse Thomas. —Irei buscá-la pela manhã na hospedaria. — Não será preciso. Resolvi alugar uma bicicleta. — Mas que idéia Katherine! Pedalar até aqui a deixará extenuada. Katherine riu. — Estou acostumada a exercício extenuantes, que são muito bons para a saúde. A que horas pretende começar? — O melhor período para pescar é entre oito da manhã e meio-dia. — Pois bem, estarei aqui. Enquanto a levava para a aldeia, na caminhonete, Mike não prestava muita atenção nos assuntos que eles conversavam. Estava curioso sobre a vida particular de Katherine, coisas sobre as quais ela não havia se referido nas cartas a Thomas nem conversava agora, com ele. Uma mulher tão atraente na certa tinha admiradores, homens apaixonados... Ou, pior, certo homem. Mesmo assim, e pelo que o pai dele havia revelado, as raízes de um romance haviam germinado na correspondência entre eles dois. Alguma coisa em Thomas a havia atraído... O amor pela poesia, à sofisticação, o prazer que ele sentia nas pequenas coisas da vida, a inclinação para a aventura. Subitamente Mike foi tomado pelo ciúme... De todos os homens que conheciam ou haviam conhecido Kathy. Tinha ciúme do pai, porque Katherine estava ali para conhecer Thomas. Ela teria toda razão se ficasse enfurecida quando descobrisse que Mike era um impostor. Quando eles chegaram à hospedaria, Mike ficou esperando enquanto Katherine se informava com a Sra. Mills sobre o aluguel da bicicleta. Na verdade uma bicicleta de cinco marchas já estava lá, limpa e polida, esperando na varanda dos fundos. Quando eles se despediram, Katherine apertou a mão estendida por Mike e outra vez ficou arrepiada, como já acontecera na ponte. Além disso havia a intensidade daquele olhar, aquele sorriso onde ela identificava os mais diferentes significados...
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— Até amanhã — despediu-se Mike. — E não se preocupe como o que irá acontecer... Estou me referindo à caverna. Eu estarei lá com você. Quando Mike retomou Thomas ainda estava acordado, lendo perto do fogo. — Graças a você, acho que tivemos poesia de sobra por uma noite — comentou o velho. — Não agüentei mais suas provocações e suas mentiras para Kathy. —E, para defendê-la, resolveu ler alguma coisa erótica. — Talvez eu não devesse ter feito isso — concedeu Mike. — Mas a questão é que Kathy não tem nada da melindrosa que você e eu pensamos. — Quanto a isso você tem toda razão. Ela é muito mais vibrante do que eu havia imaginado. Mike começou a mexer nas gavetas da escrivaninha. — Onde estão as cartas dela? Quero lê-las. Thomas ergueu as sobrancelhas, espantado. — As cartas? Eu insisti para que as lesse antes da chegada dela, mas você nem ligou. Por que agora... Encontrando um maço de cartas numa das gavetas, Mike levou-as para o sofá. — E que fico sempre me atrapalhando, já que nunca sei o que você disse a ela. Kathy acha que minha mulher morreu. E, pior do que isso pensa que passei o último inverno internado num hospital. — Ela tem mesmo que pensar isso, porque foi o que leu nas minhas cartas — ponderou Thomas, mordendo o cachimbo. Mike resmungou um palavrão, pegou uma das cartas e começou a ler. O conteúdo era só de notícias, sem nada pessoal. Katherine falava das primeiras flores que haviam brotado na primavera. Mike quase a podia ver no meio de um jardim, usando um vestido leve e com os cabelos ao vento. Na imaginação dele, ela estendia a mão para colher um lilás e inspirava profundamente a fragrância da flor. Então ele ergueu a cabeça. — Essa brincadeira já foi longe demais, papai. Está ficando até ridículo. Vou contar tudo a ela. Thomas pôs-se de pé no mesmo instante. — Não pode fazer isso! — Não será fácil, mas é melhor do que continuarmos com essa mentira estúpida. O rosto do velho pareceu dominado pelo pânico. — Mike, você não pode me trair desse jeito. Mike jogou a carta em cima do sofá. — Mas pense na situação dela, papai. — Katherine não ficará aqui por muito tempo. Logo irá embora, levando apenas lembranças. Pense só como ela ficará embaraçada se você contar tudo agora. Quanto a mim... Não suportarei a humilhação. — Olhando para o filho, a expressão do velho era de súplica. — A humilhação me matará, Mike. Eu não teria coragem de olhar no rosto dela. Não faça isso, por favor. Mike soltou uma praga.
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— Então, por que diabo me meteu nessa história? Ah, papai! Você e seu falso orgulho! — Falso orgulho? — espantou-se Thomas. — E isso mesmo o que você pensa? — Exatamente. Foi isso que nos jogou os três nessa situação absurda. Não posso suportar isso. — Pois vai ter que suportar, pelo bem de todos nós. Se você contar a verdade, Katherine se sentirá uma perfeita idiota. Ficará tão enraivecida que talvez resolva ir embora imediatamente. Ou será que é isso o que você quer? — Não! Não é o que eu quero. Thomas recolocou o cachimbo entre os dentes. — Não pensei mesmo que você quisesse, porque tenho reparado como você olha para ela. E é claro que ela também reparou nisso. A vida de ermitão não tem sido boa para você, meu rapaz. A raiva crescia em Mike. Raramente ele se enfurecia com o pai, mas era o que estava acontecendo naquela ocasião. Thomas era um manipulador de grande perícia. Embora soubesse disso, raramente Mike resistia às artimanhas do pai. Nunca sabia o que argumentar contra os irrefutáveis argumentos que Thomas apresentava... Naturalmente em benefício próprio. Era bem o que acontecia naquela situação. Thomas sofreria muito se Katherine descobrisse que vinha se correspondendo com um velho. Mike não conhecia ninguém que lutasse tanto contra o envelhecimento quanto o pai dele. — Sou um homem acabado — lamentou-se Thomas. Mike levantou-se e pôs-se a caminhar de um lado para outro. — Na certa você vai-me chantagear com o argumento de que poderá sofrer um ataque do coração se Katherine descobrir a verdade... — É isso pode mesmo acontecer, porque será a maior indignidade da minha vida. — Fantástico! E ouço isso do meu próprio pai, que sempre se esmerou em me ensinar a importância da verdade! Papai... Não posso continuar mentindo para ela. — Escute aqui — disse o velho, num tom de voz que Mike não se lembrava de ter ouvido. —Você não está entendendo. Essa história com Katherine também tem sido difícil para mim, muito difícil. Sabia que sua mãe foi à única mulher que eu jamais amei? Foi à única mulher com quem saí em toda a minha vida. Nós nos casamos muito cedo e vivemos sozinhos, só eu e ela, durante catorze anos. Foram catorze anos antes que você nascesse! Durante todos esses anos, sua mãe era a minha vida e eu era a vida dela. Isso não era bom. As cartas de Katherine me tiraram um pouco da solidão, satisfizeram algumas das minhas necessidades. Sei que não é cômodo para você o que está acontecendo, mas peço que seja tolerante. Permita que eu preserve o meu orgulho, Mike. Por favor. Mike sempre soubera do devotamento que os pais dele nutriam um pelo outro. Desde que ficara viúvo e passara a viver isolado no castelo, a única mulher na vida de Thomas era Katherine. Aquilo era um sonho, mas ele não queria mais a realidade. E era exatamente isso o que suplicava naquele momento. Mike, porém, sentia-se lesado. — Jamais o perdoarei por me envolver nisso, além de ludibriar Kathy. Thomas estendeu a mão e apertou o ombro do filho, um gesto de afeição que fazia desde quando Mike era menino.
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— Não estou pedindo o seu perdão, meu rapaz. Só quero a sua compreensão, o que certamente terei. Agora, que tal uma dose de conhaque antes de irmos para a cama? — Não, obrigado. Não estou com disposição para beber. Essa história toda me deixou péssimo. Acho que vou continuar a ler essas cartas. Thomas sorriu e, com as mãos trêmulas, pegou para si próprio uma dose de conhaque. — É compreensível. Se eu fosse jovem e acabasse de conhecer a srta. Katherine Glenn, também iria querer conhecê-la melhor. Mike não teve o que contrapor. Engolindo a raiva, abaixou os olhos e começou a ler. — Nós dois não somos tão diferentes quanto você gosta de pensar — observou o pai dele, enquanto caminhava vagarosamente pelo cômodo. Naquele instante, Pembroke e Talbot, que estavam cochilando no tapete, ergueram a cabeça e ficaram cheirando o ar. Mike levantou os olhos da carta que havia começado a ler. — Enxofre — ele identificou, levantando-se e vestindo uma jaqueta. — Por que estamos sentindo cheiro de enxofre aqui em cima? Vou dar uma olhada. — Talvez seja melhor não ir — recomendou Thomas. — Lembre-se do que aconteceu na última vez. Mike abotoou a jaqueta e pegou a faca de caça numa prateleira. — Não pretendo me aproximar do calabouço — ele mentiu. — Só quero dar uma olhada. O cheiro de enxofre da toca do dragão já era meio normal, mas não no resto do castelo. Não vou permitir que nenhum fedorento fantasma, ser humano, ou seja, lá o que for, tente me assustar dentro da minha própria casa. — Mesmo assim, acho que devemos ter cuidado — ponderou Thomas, preocupado. Mike pegou a lanterna portátil, com ar de determinação. — Isso só pode ser brincadeira. Nunca encontramos nada além desse cheiro e de uns poucos sons produzidos pelos fantasmas. Mas fantasmas não fazem mal a ninguém. — À porta, com Talbot ao lado, ele se voltou para o pai. — Na certa não encontrarei nada e acabarei lixando um dos balcões lá de baixo para descarregar a frustração. Será uma noite divertidíssima, como sempre. Dito isso ele começou a descer a escada. O cheiro de enxofre raramente alcançava a torre. Era no calabouço, com seu teto alto e seu labirinto, onde em geral se encontravam os sinais do dragão. À medida que Mike ia descendo, o cheiro se tomava ainda mais forte, vindo das partes mais baixas da torre de sentinela. Desde o ataque que havia sofrido, ele tinha certeza de que um ser humano estava entrando ali para se fazer passar pelo dragão. Aquilo precisava acabar! Mike saiu no pátio e sentiu o ar da noite. O céu estava pontilhado de estrelas e a lua crescente despejava sua luminosidade sobre as torres. O castelo absorvia a escuridão como um predador noturno. Era um insaciável bebedor de escuridão, trancado para o século atual, que via nele apenas uma curiosidade e uma lembrança do passado. No silêncio da noite o castelo se lembrava de épocas mais barulhentas, os fantasmas se lembravam... Era à noite, em meio ao silêncio, que o castelo outra vez se enchia de vida...
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Determinado a descobrir os segredos que havia ali, armado apenas com uma faca e seguido pelo cachorro, Mike penetrou no escuro covil do dragão.
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CAPÍTULO VI A fascinação de Katherine por castelos e dragões havia começado na infância, quando ela ouvia histórias contadas pela mãe. Aprendendo a ler, adquiriu o hábito de pegar livros na biblioteca da cidade, que levava para casa e lia repetidas vezes. Havia sempre princesas naquelas histórias, bem como cavaleiros andantes em suas reluzentes armaduras combatendo dragões que soltavam fogo pela boca. Sonhando acordada, Katherine se via como princesa. O cavaleiro que lhe jurara amor eterno tinha um leão vermelho por brasão e carregava o lenço da amada perto do coração. Entrando para a universidade ela aprendeu a importâncias das lendas na formação da cultura e do caráter dos povos. Estudou as superstições e sua influência nas sociedades antigas e modernas, chegando à conclusão de que, na maioria das nações, era impossível determinar a fronteira entre a história e a lenda, já que as duas coisas estavam intimamente associadas. Em sua tese de graduação, Katherine conseguiu convencer a banca examinadora de que houve tempo na história da Inglaterra em que era aceitável acreditar-se em dragões. O pai dela sempre a ridicularizava por ter um temperamento amalucado e pouco prático, definindo-a como uma sonhadora incorrigível. Katherine reconhecia que, de fato, muitas vezes se deixava mergulhar num mundo de fantasias, embora não visse mal nenhum nisso. Apenas para se proteger do ridículo, guardava para si própria aqueles sonhos. Por isso também mantinha em segredo as viagens que fazia nas férias com o circo, o que para ela era como sonhar acordada. Allendale era uma cidade pequena demais para entender um comportamento pouco convencional por parte de uma de suas respeitadíssimas educadoras. Naquela manhã, indo de bicicleta de Llanhafod para o castelo de Aawn, Katherine lembrava-se daqueles sonhos. O vermelho e o amarelo das bandeiras presas às lanças, o sol refletindo-se nas armaduras prateadas. A ponte levadiça abaixava-se para dar entrada ao cavaleiro, que montava um cavalo em cuja peiteira via-se o brasão do leão vermelho. Era o cavaleiro dela, o castelo dela... Aquelas lembranças a fizeram sorrir. Aproximando-se dos muros de Aawn, Katherine encostou a bicicleta perto do portão e foi procurar por Thomas perto da água do lago, mas foi recebida apenas pelos pássaros e por dois esquilos que fugiram assustados. Na verdade Thomas estava no pátio, conversando com um dos trabalhadores. Os cachorros brincavam por ali, sem que os dois homens lhes dessem atenção. Ao notar a aproximação dela, o pai de Mike interrompeu a conversa e atravessou o gramado para recebê-la. Katherine não precisou chegar muito perto para ver que havia preocupação no rosto dele. — O que foi Thomas? Algo errado? — É bem possível, Katherine. Mike não apareceu para o café da manhã e a cama dele continua arrumada, indicando que ninguém dormiu lá. Como a caminhonete e o carro estão aqui, ele deve estar em alguma parte do castelo. Katherine lembrou-se das marcas de garras no braço de Mike e sentiu o coração disparado. — A cama dele continua arrumada? Bem, ele próprio pode ter...
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— Não, Mike nunca se deu ao trabalho de arrumar a cama pela manhã. Sou eu que faço isso, e a cama estava exatamente como a deixei ontem. O medo começou a tomar conta de Katherine. — Oh, Thomas! Onde Mike pode estar? Você o viu depois que ele retornou da aldeia, ontem à noite? — Sim, nós conversamos durante algum tempo, até que ele sentiu o cheiro de enxofre. Então, pegou uma faca e, acompanhado por Talbot, foi dar uma olhada. O cachorro está bem, como você pode ver, mas estou muito preocupado com esse sumiço de Mike. — Você pediu aos operários que procurassem por ele? — Ainda não. Estou adiando isso, na esperança de que Mike apareça. Não quero que nenhum boato se espalhe pela aldeia, o que o deixaria furioso; Mas pelo jeito não tenho opção. Precisamos organizar a busca, mas é melhor que eu não participe dela. Nessas horas um velho entrevado só serve para... Thomas parou subitamente de falar e ficou olhando para a entrada do castelo. Katherine girou o corpo. Naquele instante Mike atravessava o portão. Estava com uma mancha de sujeira na testa e tinha uma expressão estranha no rosto. Parecia meio tonto. Aliviados, Thomas e Katherine correram na direção dele. — Mike! — exclamou o velho. — Onde, diabos, você andou? — O quê? Que horas são? — Quase nove da manhã, Deus do céu! Você não apareceu para o café da manhã e... Eu fiquei muito preocupado, filho! Mike passou a mão na testa, como se sentisse dor. — Perdi a noção do tempo. Thomas e Katherine se entreolharam. — Você não parece normal nem fala de um jeito normal — avaliou Thomas, colocando a mão no ombro do filho. — O que, exatamente aconteceu? — Eu estava cavoucando em volta do castelo — respondeu Mike, numa voz muito fraca. — E encontrou alguma coisa? — Estava preparado para enfrentar as garras... Mas não aconteceu nada. Não existe nada... Humano lá embaixo. — Dizendo isso ele pigarreou. — Desculpe minha falta de educação, Kathy. Eu nem lhe desejei bom dia. Por que vocês não estão pescando? Antes de responder, Katherine trocou um rápido olhar com Thomas. — Depois de ter sofrido um ataque na semana passada e ficar hoje várias horas desaparecido, você ainda pergunta? Mike massageou a nuca e movimentou a cabeça em círculos. — Eu queria que a desgraça da coisa voltasse a atacar. Desta vez estaria preparado. Thomas abriu os braços, frustrado.
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— Está com o miolo mole, Mike. Sua aparência é a de quem atravessou se arrastando um campo de batalha. Quer dizer, então, que passou a noite inteira perambulando em volta do castelo? — Isso — respondeu Mike, simplesmente. — Sobrou alguma coisa do café da manhã para mim? Estou morto de fome. — Fazendo uma pausa, ele olhou alternadamente para Thomas e Katherine. — Hei! Por que estão com essas caras? Bem que vocês dois podiam ir para o lago pescar o nosso jantar. Vou comer alguma coisa, tomar um banho e pegar no serviço. As palavras de Mike eram controladas, mas o mesmo não acontecia com a expressão e o olhar. Ele olhava para Katherine de um jeito que a deixou amedrontada. Alguma coisa havia acontecido naquela noite, porque Mike parecia realmente perturbado. Pelo estado de sujeira das roupas dele, era como se houvesse rolado no chão. Ainda massageando a nuca ele caminhou para o castelo enquanto os dois ficavam no gramado, olhando um para o outro, boquiabertos. — Não é esse o comportamento normal de Mike — pronunciou-se Thomas. — Ele parece exausto. — E traumatizado. Mas não podemos fazer nada até que ele resolva falar sobre o assunto. Katherine ficou pensativa. — Ele ficou em algum ponto do castelo a noite toda e perdeu a noção do tempo. Como isso é possível? — Vamos dar a Mike algum tempo para se recuperar. Depois começaremos o interrogatório. Nesse meio tempo, vamos pescar. Quando eles retornaram do lago, duas horas mais tarde, Thomas sugeriu que Katherine subisse ao apartamento da torre para comer um sanduíche e tomar um suco. Enquanto isso ele limparia os peixes que haviam conseguido pegar. No caminho ela parou no Grande Salão, onde o som de serrote e martelo ecoava nas paredes de pedra. Parando à porta, correu os olhos pelo local, mas Mike não estava lá. Foi encontrá-lo um andar acima, nos cômodos de habitação, sentado no sofá e com a cabeça enterrada nas mãos. Na mesa à frente dele estava um copo de água. Mike estaria totalmente parado se não fosse pelo movimento dos ombros largos, que marcavam o ritmo da respiração. O medo que Katherine havia sentido no pátio voltou a dominá-la. — Mike? — ela chamou, aproximando-se cautelosamente. Quando ele ergueu a cabeça, os cabelos caíram-lhe sobre os olhos. — Você está bem, Mike? — Estou cansado demais para trabalhar. — Não é surpreendente, já que passou a noite em claro. Você está parecendo um zumbi. Esteve agindo como um zumbi? Mike afastou os cabelos dos olhos e bebeu toda a água que havia no copo. — Quer mais? — ofereceu Katherine. Mike aceitou com um gesto de cabeça e ela pegou o copo, que encheu com a água de uma garrafa que encontrou na cozinha.
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— Obrigado — ele agradeceu, quando recebeu o copo de volta. Katherine ficou observando enquanto ele bebia. — Onde está papai? — ele perguntou. — Foi limpar o peixe? — Foi sim. Mike colocou o copo sobre a mesa e respirou fundo. — Então, é melhor que eu lhe conte Kathy. Ontem à noite eu vi o dragão. Há um dragão na caverna. Bem devagar Katherine foi se sentando no sofá ao lado dele. Sentia o coração tão acelerado que não quis dizer nada, como medo de deixá-lo ainda mais perturbado. — É um dragão pequeno — disse Mike. — E está morto. Mas é um dragão, quanto a isso não há dúvida. Na caverna existe uma área em que eu nunca tinha estado até ontem à noite. Encontrei nesse local um esqueleto muito bem conservado. Há um dragão fossilizado lá embaixo. Com os olhos arregalados, Katherine não quis acreditar no que ouvia. — Isso é impossível! — Mas está lá... A coisa mais espantosa que eu já vi. — Mas na realidade nunca existiu nenhum dragão! Eles são imaginários! — O daqui não é imaginário. Katherine achou que precisava trazê-lo de volta à razão. — Não pode ser! Na certa é de algum... Animal. — Com asas? — Ah, não! Asas? — O crânio e as pernas são de um réptil. Depois de ter feito dois cursos de biologia em laboratório na faculdade, não sou totalmente ignorante nesse assunto. Sem perceber, Katherine cravou as unhas no braço dele. — E... Qual o tamanho? — Uns três metros de comprimento. A envergadura das asas... Bem, não dá para calcular direito. Kathy, você vai acabar tirando sangue do meu braço. Katherine olhava fixamente para ele. — O que está dizendo é impossível. Tem consciência disso, não tem? — É claro que sim. Sei que essa coisa não se parece com nenhum réptil existente. Ai! Solte o meu braço! Relutante, Katherine fez o que ele pedia e Mike prosseguiu. — Esses ossos não são da era cretácea... Não pertencem a um dinossauro que viveu há setenta e cinco milhões de anos, disso eu tenho certeza. Você faz idéia do que isso significa, se a coisa é real? — Não pode ser... Simplesmente não pode — gaguejou Katherine. — Repito a pergunta: se for verdade, faz idéia do que isso significa? — Significa que os dragões são reais — ela respondeu num fio de voz. — E que a lenda também é verdadeira.
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— Ora, Mike! Não pode querer que eu acredite nisso! É uma conclusão ridícula! — Eu sei, mas sei também o que está lá embaixo. Passei a noite inteira me arrastando na caverna, procurando pelo chão... Tentando encontrar alguma coisa feita pelo homem, outro osso, qualquer coisa. Mas não encontrei mais nada. Acho que estava confuso demais para pensar racionalmente. Katherine também não conseguia pensar direito. — É aterrorizador pensar nas implicações disso tudo — ela declarou. — Ou no que acontecerá se a informação se espalhar. — Você não vai conseguir manter segredo! Mike tocou na mão dela. — Precisamos descobrir o que é aquela coisa, mas não quero que isto aqui se transforme num circo. Você entende de dragões. O que sabe sobre os ossos desses bichos? — Eles não têm ossos. São seres mitológicos de várias partes do mundo, mas principalmente da Inglaterra. Os dragões do Extremo Oriente eram bem diferentes dos do Ocidente. Tinham outra aparência, outro temperamento. Alguns estudiosos acreditam que o conceito de dragão chegou a Roma vindo da China, quando se iniciaram os contatos comerciais, e depois se espalhou pelo norte da Europa. Outros acham que o mito se inspirou em animais verdadeiros que eram vistos ou imaginados e que as histórias surgiram a partir de relatos cheios de exageros. Eu acho mais aceitável à segunda linha de pensamento. A meu ver, os conceitos britânicos se originaram na própria GrãBretanha, embora saibamos que houve influência romana. As histórias remontam a uma época em que a escrita engatinhava por aqui. Lembra-se de Beowulf, o poema épico anglo-saxão? Escrito por volta do século dez para relatar a invasão da Inglaterra pelos dinamarqueses, ele está repleto de mitos e lendas. — As primeiras histórias foram escritas por pessoas que não podiam ter notícia de dinossauros. — Definitivamente não. Você tem que me mostrar esse dragão! — De preferência antes que papai saiba do que acabei de lhe contar. Não quero que ele fique tenso além do necessário, porque não está com o coração em condições muito boas. Portanto, acho que você deveria ver o esqueleto e dizer que é de uma vaca morta. Katherine levantou-se. — Vamos, então, Mostre-me essa vaca que morreu na caverna e que tem grandes asas nas costas. Mike começou a trocar as pilhas de duas lanternas portáteis. — Você ficou mesmo rastejando na caverna a noite toda? — perguntou Katherine, enquanto ele trabalhava. — Na maior parte do tempo eu me sentei e fiquei olhando a escuridão. Desliguei a lanterna e fiquei lá, no silêncio total. Acabei perdendo a noção do tempo. Deixei que a caverna me engolisse e tentei imaginar que ser vivente teria, em alguma época, vivido ali. Quando saí, não sabia se era dia ou noite. Bem, agora as lanternas estão com pilha nova. Vamos. No térreo do castelo eles se encontraram com Thomas, que carregava uma panela de peixe limpo. Mike parou e admirou o fruto da pesca.
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— Prometi a Kathy que a levaria numa perigosa excursão — ele disse ao pai. — Depois subiremos para comer alguma coisa. — Por quanto tempo ainda vai manter o suspense sobre o que viu ontem à noite? — resmungou Thomas. — Encontrei uma ossada de animal na caverna. São ossos antigos, provavelmente fossilizados. Passei a noite procurando outros. Quando voltarmos contarei os detalhes. O velho abriu a boca de espanto e eles se afastaram, deixando-o ali parado. Finalmente chegaram à entrada da torre do dragão. A escada estava às escuras e o assobio do vento nas altas janelas pareciam gritos de fantasmas. No dia anterior Katherine fora ao alto da torre para contemplar a paisagem lá de cima. Agora iria ao subterrâneo. Seguindo Mike, não fazia nenhum barulho para não perturbar os ecos e estava grata por segurar firmemente na mão dele. — Chegamos ao calabouço — anunciou Mike. Eles estavam num corredor muito escuro, com paredes e teto de pedra. O silêncio era profundo como a eternidade. Katherine sentiu um arrepio ao pensar nas pobres almas que haviam sido condenadas àquele calabouço. Devia ser a morte em vida... Mais ou menos na metade do corredor Mike iluminou o chão. — Manchas de sangue. Fui atacado aqui. E aqui... — Então ele movimentou o facho da lanterna. — Este sangue pingado não é meu. Não estive neste ponto. E Talbot nem arranhou o atacante. Katherine achou que devia dizer alguma coisa para aliviar a tensão. — Talvez o valente Talbot tenha atingido mortalmente a coisa, que se afastou para morrer em outro lugar, transformando-se na ossada que você encontrou. Mike apertou a mão dela. — Admiro uma mulher que consegue brincar mesmo quando está tremendo. — Eu não estou com medo, não de um monte de ossos secos. Estou tremendo de excitação. — O fosso do calabouço é bem ali — informou Mike, mudando a direção da luz da lanterna. Katherine seguiu o facho de luz e viu um buraco escuro com barras de ferro na beirada. — Parece ser um buraco muito fundo! — O fosso é a característica principal do calabouço — disse Mike. —Você consegue imaginar uma pessoa sendo atirada aí dentro para nunca mais ser vista com vida? Uma corda era abaixada e retirada, sempre que necessário, mas nem mesmo um rato era capaz de escalar essas paredes. Jogava-se comida para os cativos, mas ninguém resistia muito tempo ao frio e à umidade. Uma vez eu trouxe uma corda e fui até lá embaixo para dar uma olhada nos rabiscos e desenhos feitos nas paredes pelos prisioneiros. — Que coisa horrível, Mike! — O fato de a caverna nunca ter sido usada como prisão me fez pensar que talvez ela tivesse uma passagem para a parte externa do castelo. No entanto, se essa passagem realmente existe ninguém jamais a encontrou.
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A entrada da caverna ficava a uns doze metros do fosso. Eles tiveram que se abaixar para passar pela baixa e apertada abertura. Lá dentro, porém, o teto tinha uns quatro ou cinco metros de altura. Katherine correu a luz da lanterna pelas formações de pedra. — Uma caverna seca! — Seca o suficiente para preservar ossos. Neste momento você está no coração do covil do dragão. Mike dirigiu-se para a direita e rastejou para penetrar numa outra caverna ligada àquela, depois em outra. Com o coração palpitando freneticamente, Katherine o seguia. Finalmente ele parou e iluminou o solo da caverna. Katherine conteve a respiração. O esqueleto estava bem diante dela... O corpo, a cabeça e as asas. Os finos ossos de uma das asas estavam empilhados no chão, mas a outra continuava no lugar. — Eu... Não posso acreditar! — ela murmurou. — Os ossos das asas são ocos, como os dos pássaros. Os do corpo são sólidos. — Garras... — constatou Katherine, ajoelhando-se. — Examine as presas — disse Mike, tocando com a ponta do dedo num dos dentes do esqueleto. — E o crânio. O maxilar lembra o de um jacaré, mas a parte alta do crânio se assemelha mais à de um lagarto. Que comprimento você calcula? Três metros e meio? Quatro? Este animal devia pesar pelo menos cento e cinqüenta quilos. Uma criatura de cento e cinqüenta quilos, com pernas fortes, presas e asas. — Um dragão — murmurou Katherine, mal movimentando a boca. Mike passou a mão em volta da cintura dela. — Você está trêmula! — Estou a ponto de desmoronar! Mike, se um animal como este realmente existiu, como pode nunca ter sido encontrado? — Chamaremos peritos para examinar, mas discretamente. Não podemos deixar que isso chegue ao conhecimento público. — Existe alguma coisa aqui embaixo, Mike! — disse Katherine, agarrando o braço dele. — Alguma coisa viva. Você está sentindo, não está? — Sim — ele respondeu, em voz baixa. — Muitas vezes sinto isso. Movimentando-se no escuro, Katherine chegou-se mais para perto dele. — Mas o que é? É a coisa que o atacou? — Não. O que me atacou veio de fora, não era um fantasma. O que você está sentindo é o dragão de verdade... Ou o fantasma dele. Eu nunca sei a diferença. Mas sei que ele está aqui. — Não sei como lidar com isso, Mike! — declarou Katherine, tremendo de uma forma descontrolada. — Estou apavorada! Mike envolveu-a num abraço cheio de calor e proteção. Katherine repousou o rosto no ombro dele jamais havia imaginado que encontraria tanta segurança nos braços de um homem. — Existe alguma coisa aqui! — ela voltou a falar. — Como esse cheiro pode ter entrado na caverna? E de onde vem?
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— É a respiração do dragão—disse Mike, afagando os cabelos dela. — Vou tirá-la daqui. No entanto ele não saiu do lugar. Em vez disso, apertou-a contra o peito e beijou-a na testa. Quando Katherine ergueu a cabeça, surpresa sentiu nas pálpebras o roçar dos lábios dele, que murmuravam o nome dela. Logo depois Mike passou a beijá-la na face e, finalmente, na boca. Foi um beijo leve, cheio de ternura, mas que espalhou em Katherine uma onda de paixão como ela jamais havia experimentado. Aquele homem era ao mesmo tempo a força e a fraqueza dela.
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CAPÍTULO VII Saindo do calabouço medieval, eles apertaram os olhos para acostumá-los à luz. — Você está bem, Kathy? — perguntou Mike. — Sim — ela mentiu. — E você? Mike sorriu e passou o braço por cima do ombro dela, enquanto eles caminhavam pelo pátio gramado. — Não precisa ter medo quando estiver comigo. Não deixarei que nada de mal lhe aconteça. Katherine viu que havia sinceridade naquelas palavras. Ainda estava confusa, sentindo nos lábios o calor do beijo. Na torre do castelo, Thomas havia preparado café e sanduíches, além de um suco de laranja e um prato de doces. Sentados os três em volta da pesada mesa de carvalho, Mike relatou ao pai, o mais calmamente que pôde a notável descoberta que tinha feito. Rapidamente Thomas compreendeu a situação. — A primeira evidência, em todo o mundo, de um dragão de verdade? Não vai demorar para que repórteres dos quatro cantos do planeta invadam este lugar como um enxame de marimbondos! Da noite para o dia, o castelo estará valendo milhões de dólares. — Isso não pode acontecer — descartou Mike. — Vim para cá porque queria viver em paz. Publicidade é a última coisa que quero. Não podemos dizer uma única palavra sobre isso, a quem quer que seja. — Mas não é possível manter segredo sobre uma descoberta como essa Mike — argumentou Katherine. — Precisamos saber o que é aquela coisa. — Temos que trazer até aqui um perito — opinou Thomas. — Precisamos ter a opinião de um paleontólogo. —Isso pode ser perigoso — resistiu Mike. Katherine achou que devia apoiar a sugestão do velho. — Talvez não. Um cientista consciencioso saberá guardar segredo. Thomas abriu um sorriso. — Um antigo colega meu de Birmingham atualmente trabalha na universidade de Oxford. Lester tem muitos amigos na comunidade científica. Certamente saberá nos indicar o melhor caminho a seguir. Vou ligar para ele. Dizendo isso ele se levantou e vestiu um suéter. — Está para cair uma chuvarada — previu Katherine. — Acho melhor eu deixar a bicicleta aqui e pegar uma carona com você até a aldeia. — Você não pode ir embora — disse Mike. — Não agora. Preciso da sua companhia. — Fique, Katherine — apoiou o pai dele. — Faça companhia ao rapaz. Tenho outras coisas para fazer na aldeia e acho que vou demorar. Prometo que mais tarde lhe
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darei uma carona. — Soltando uma risadinha, ele pegou uma capa impermeável no cabide perto da porta. — Lester e eu não conversamos há uns vinte anos. Quando eu disser que temos aqui um dragão, ele achará que estou ligando de algum asilo para pessoas caducas. Depois disso ele começou a descer a escada, ainda rindo. — Obrigado por ficar — agradeceu Mike. — Eu pensei mesmo em ficar. Não queria que você ficasse sozinho, pensando na descoberta. — Eu também não — disse Mike, levantando-se. — Vou acender o fogo que está esfriando. Quando Katherine terminou de lavar a louça do almoço, o fogo já queimava na lareira e Mike estava espichado no sofá, olhando para as chamas. — Seus olhos parecem de vidro — ela comentou. — Quer um pouco de café? Ou prefere alguma coisa mais forte? — Não quero nada, obrigado. Sente-se aqui ao meu lado. — Quando Katherine aceitou a sugestão, ele apertou a mão dela. — Sei que já disse isso antes, mas fico contente por você estar aqui. Especialmente agora. — Eu também. — Você trouxe a beleza para este castelo escuro, Kathy. Sabe qual foi à última vez em que houve beleza na minha vida? Já havia me esquecido disso até que vi o brilho dos seus cabelos, até tocar em você. Quando a beijei lá embaixo, no calabouço, não foi nada planejado. — Eu sei. Não consigo entendê-lo, Mike. Por que se priva da companhia das mulheres? É um homem atraente e todas as garotas da aldeia querem chamar a sua atenção. — Isso é apenas um jogo que elas fazem. Já passei da idade própria para esse tipo de brincadeira. Katherine percebia a solidão dele, mas era algo que não podia entender. Como um homem desejado por tantas mulheres podia ser solitário? — Algumas delas são bem bonitas — ela lembrou. — Você mesmo disse que sentia falta da beleza... — Eu sentia falta de um pouco mais do que beleza. Companheirismo, aquela sensação de que é bom estar com uma outra pessoa. Não consigo mais tolerar o ritual dessas coisas, o namoro, as dissimulações... Você deve saber o que eu quero dizer. E aposto que sente a mesma coisa. — Sim, eu entendo o que você quer dizer. Mike recostou-se no sofá e fechou os olhos. — Às vezes você me proporciona muita paz — ele declarou, com voz preguiçosa. — E conforto. — Bem, afinal de contas nós nos conhecemos há quatro anos. — Nós não nos conhecíamos — murmurou Mike, ainda com os olhos fechados. — Por carta não é a mesma coisa. — Por que me escrevia? Agora que o conheço, não acho que seja do tipo que gosta de escrever cartas.
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— Não vamos conversar sobre as cartas. Fale-me de você. — Eu já falei, nas cartas. — Não, falou apenas em parte. Existe um outro lado que você não mostrou. Por exemplo... Deixou algum namorado em Allendale? — Não. Minha irmã mais nova caçoa de mim dizendo que eu sou uma solteirona. — Uma o quê? — perguntou Mike, rindo, mas sem abrir os olhos. — Você já sabia disso por meio das minhas cartas. O calor do fogo o está deixando com sono, Mike. Por que não descansa um pouco? — Seria muita falta de educação fazer isso na frente de uma visitante. — Ora, não seja bobo. Eu não me incomodo. Estou muito bem aqui, perto do fogo, e há muito que ler. — Não quero dormir. Mike foi escorregando as costas até deitar a cabeça no colo de Katherine. Depois, esticou as pernas para apoiá-las no braço do sofá e suspirou. Minutos mais tarde estava profundamente adormecido. Katherine sorriu enquanto olhava para ele. A claridade do fogo tornava ainda mais belo aquele semblante. Afastando uma mecha de cabelo da testa dele, ela encostou ali a mão. Mike nem se mexeu. Tocar Mike era diferente de tocar qualquer outro homem, Mas Katherine não sabia por quê. Não faça isso comigo, Michael! Ela queria gritar. No entanto, permaneceu em silêncio, agora acariciando o braço dele e sentindo o curativo por baixo da camisa. Aquilo a fez lembrar-se de que, embora eles houvessem encontrado apenas um esqueleto, havia algo bem vivo naquele castelo... Mike continuava a dormir no colo dela, como se estivesse fazendo a coisa mais natural do mundo. Com cuidado para não acordá-lo, Katherine acendeu o abajur na mesinha ao lado do sofá e pegou uma das muitas revistas que havia ali. Mesmo adormecido, Mike percebeu o movimento e agarrou a mão dela. Para Katherine aquele gesto inconsciente era ainda mais íntimo do que o beijo, Mike segurava firmemente a mão dela e não parecia disposto a soltá-la. Por quê? Com a esposa morta, ele precisava do conforto que só uma mulher saberia proporcionar. Será que a havia beijado pelo mesmo motivo? Não, no instante do beijo ela estava apavorada e a intenção dele tinha sido confortá-la, embora àqueles gestos despertassem nela emoções há muito tempo sufocadas. Não faça isso comigo, Michael! Mesmo fazendo aquela súplica silenciosa, Katherine usava a mão livre para acariciar, com dedos trêmulos, o queixo e os lábios dele. Uma hora e meia mais tarde os dois cachorros apareceram à porta, seguidos por Thomas, que carregava uma sacola de compras da mercearia. As sobrancelhas grisalhas do velho ergueram-se quando ele viu que Mike dormia com a cabeça no colo da visitante, segurando a mão dela contra a face. Katherine ergueu os olhos da revista e sorriu. Thomas balançou a cabeça e rumou para a cozinha, levando o que havia trazido. Os cachorros, sempre interessados em comida, prontamente o seguiram.
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Momentos mais tarde ele retornou com dois copos de cerveja, um dos quais entregou a Katherine. — Não posso acreditar no que estou vendo — declarou Thomas, rindo. — Isso é espantoso. Pembroke, sempre alegre, abanava o rabo ininterruptamente. Depois de encostar o nariz no rosto do homem adormecido, passou a lamber os locais que havia cheirado. Mike levou um susto e soltou a mão de Katherine. Abrindo os olhos, olhou para Thomas, de pé por trás da cadela e agora rindo com vontade. — Acho que adormeci — ele murmurou, esfregando os olhos e sentando-se. — Dormiu mesmo — confirmou Katherine. Mike ajeitou os cabelos com a mão direita. — Desculpe Kathy. — Você estava cansadíssimo — ela o absolveu, oferecendo o copo de cerveja, que ele aceitou e bebeu quase todo. — E você, Thomas? Entrou em contato com seu amigo de Oxford? — Ah, foi engraçadíssimo! Há muitos anos que não me divertia tanto. Um paleontólogo já está a caminho e chegará aqui amanhã. Mike levantou-se e foi atiçar o fogo. — Se ele ficar alguns dias aqui, é melhor que durma no castelo, não na aldeia. Cederemos o seu quarto a ele, papai, e você dormirá comigo. Espero que tenha explicado as condições da caverna, porque para entrar lá é preciso ter certa disposição física. — É claro que expliquei, e Lester quis mesmo todos os detalhes. Ele já apelidou a nossa criatura de Alegre Loucura de Reese. Não é um nome humilhante para um dragão? — Então não acreditou em você. — É claro que não — respondeu Thomas, acendendo o cachimbo. — Lester é um cientista. E é também um homem muito curioso, o que faz dele um bom cientista. Katherine levantou-se e foi até a janela, de onde se tinha uma vista do lago e das colinas. — Parece que vem mesmo uma tempestade por aí — ela comentou. Thomas sentou-se, fumando. — Droga de tempestade! Tem chovido forte há mais de um mês e a estrada está esburacada. Eu quase fiquei preso num buraco quando estava vindo para cá. — Talvez eu devesse ter ido logo para a aldeia com você. — Por que não passa a noite aqui, Katherine? Minha cama tem um ótimo colchão, está com lençóis limpos e, como Mike disse, posso dormir no quarto dele. — Ótima idéia — aprovou Mike, ainda ajoelhando diante da lareira. — Assim você estará aqui quando o paleontólogo chegar, de manhã cedo. Hoje à noite, jantaremos perto do fogo e contaremos histórias de dragões. Afastando-se da janela, Katherine foi se sentar no chão, perto de Mike. — Mas você vai ter que sair da sua cama, Thomas. Não me sinto bem em... — Bobagem. Para mim não faz diferença onde vou descansar meus velhos ossos.
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— Bem, se tem certeza... Para mim é uma forma perfeita de passar uma noite chuvosa. — Quase perfeita — murmurou Mike, apenas para que ela ouvisse. Havia um brilho naqueles olhos azuis que Katherine via pela primeira vez. Alguma coisa havia mudado entre eles dois nas últimas horas, desde o beijo na caverna do dragão. — Sei de algo bem mais perfeito para uma noite chuvosa — cochichou Mike, roçando a perna na dela. Apesar da proximidade do fogo, Katherine sentiu um arrepio que se espalhou pelo corpo todo. Não um, mas dois cientistas apareceram antes das sete horas manhã seguinte. Haviam partido da Inglaterra num avião particular e alugado um carro tão logo o tempo permitira. Logo se evidenciou o ceticismo daqueles dois, algo que não fizeram questão de esconder. Katherine preferiu não ir junto quando Mike levou os dois homens à caverna. Lá embaixo havia pouco espaço para movimentação, principalmente no local onde se encontrava a ossada do dragão. A espera foi demorada. Katherine e Thomas ficaram no ensolarado gramado do pátio, praticando o jogo de atirar ferradura. Em uma hora inteira ela conseguiu acertar a estaca apenas uma vez. Finalmente desistiu e os dois foram jogar bola com os cachorros. A manhã estava fresca depois da tempestade da noite anterior e o céu era absolutamente azul. Os pássaros que tinham ninho na cobertura do castelo enchiam o ar de um alegre barulho. Quando os três homens retornaram, duas horas mais tarde, carregando lanternas e pequenas malas de instrumentos, limonada e sanduíches esperavam por eles numa mesa posta ao ar livre. — É desconcertante — disse um deles, chamado Paul. — O esqueleto é de um réptil de três metros e meio de comprimento, um indivíduo pesado. O crânio não se parece com nada que eu já tenha visto. As asas são como as das aves modernas, mas não de uma espécie européia. Os ossos, parecem fossilizados, mas não uniformemente. Vamos precisar de exames de laboratório. — Nada faz sentido — disse Darby, o outro cientista. — Se aquilo é uma brincadeira, foi feita por gente com conhecimentos de paleontologia. — E dinheiro de sobra para investir — acrescentou Paul. Darby, um homem pequeno e que usava óculos, cocou o queixo. — Aqueles ossos são de um réptil, quanto a isso não há dúvida. E pelo menos alguns são fósseis. — Uma brincadeira? — questionou Mike. — Num lugar como aquele? Eu só fiz a descoberta por acaso. Thomas achou que também devia opinar. — Qualquer um que entenda de paleontologia sabe que uma brincadeira assim seria desmascarada pela moderna tecnologia. Paul, que cultivava uma vistosa barba ruiva, bebeu sofregamente o segundo copo de limonada. — Eu também acho. Bem, fizemos todos os registros da posição, das condições da caverna, anotamos tudo antes da remoção da ossada. Queremos transportar o espécime
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inteiro. Levaremos horas para fazer tudo direitinho, mas tem que ser assim, porque o esqueleto precisa ser reconstruído exatamente como foi encontrado. — É a coisa mais esquisita que eu já vi — declarou Darby. — Acho que devo mencionar outras coisas esquisitas que andam acontecendo na torre de sentinela — voltou a falar Mike. — Às vezes sentimos cheiro de enxofre. Em geral é fraco, mas pode ser tão forte que deixa uma pessoa tonta. Além disso, há uns barulhos inexplicáveis. Um deles se parece com o som que a lenda atribui às garras do dragão batendo no chão de pedra; Outro, menos freqüente, lembra asas batendo. — De acordo com as histórias, isso vem acontecendo no castelo há séculos — acrescentou Katherine. Os cientistas olharam para eles dois com tal perplexidade que Mike teve que rir. — Para ser honesto, já que está sendo levantada a possibilidade de que tudo não passe de brincadeira, devo dizer que, cerca de uma semana atrás, meu braço foi arranhado no escuro, perto da entrada do calabouço... Por alguém que queria que os ferimentos parecessem ter sido produzidos por três unhas afiadas e grandes. — Alguém? Quem? — Não consegui ver. Alguma coisa arrancou a lanterna da minha mão. Na ocasião o cheiro de enxofre estava muito forte. Acho que meu cachorro atingiu o atacante, porque ficaram manchas de sangue no local. É possível analisar sangue seco? — Naturalmente — respondeu o cientista barbado. — Providenciaremos isso também. Você tem razão, porque isso tudo está parecendo muito teatral, para dizer o mínimo. Seu braço ficou muito machucado? . — Um bocado. Os cortes infeccionaram. — Isso tudo é muito suspeito — pronunciou-se Darby. — Fez muito bem em ficar calado sobre a descoberta, Sr. Reese. Katherine voltou a encher o copo do sedento paleontólogo. — Sabem de uma coisa, cavalheiros? — ela inquiriu, com jovialidade. —O castelo de Aawn tem sido habitado por um dragão há mais de oito séculos. Por que vocês cientistas sempre querem tirar a graça de tudo? No dia seguinte os paleontólogos partiram levando os ossos do dragão. Ao se despedirem, prometeram mandar os resultados dos exames de laboratório o mais rapidamente possível. Logo em seguida Mike foi à aldeia para examinar o braço no hospital. Depois, rumou para a casa de Maggie Mills, chegando lá quando Katherine terminava de tomar o café da manhã. Dez minutos mais tarde a Sra. Mills ocupou-se em seus afazeres, deixando a hóspede a sós com o visitante. — Agora só nos resta esperar para saber se o nosso dragão é mesmo um dragão — disse Mike. — Isso me deixa nervoso. Resolvi tirar uma folga para passar a manhã com você. De um instante para outro, senti necessidade de me divertir. Quando vi o céu azul, decidi que faríamos um piquenique. — É tudo o que eu quero no mundo — alegrou-se Katherine. — Então, vamos comprar comida para levar. — Já fiz isso. Deixei uma lista na padaria quando estava indo para o hospital e peguei tudo quando vinha para cá. Temos sanduíches de pão fresco, frutas e bolo. Eu trouxe também uma garrafa de vinho. Está tudo pronto.
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— Quanta eficiência! — elogiou Katherine, enquanto eles caminhavam para a saída. — E como está o seu braço? — Bem melhor, obrigado. Vim no carro porque papai foi com a caminhonete levar os cientistas e o dragão ao aeroporto. Infelizmente o carro não é lá essas coisas. Já não me interesso muito por veículos, depois de passar anos envolvido quase exclusivamente com eles. Instantes mais tarde eles atravessavam a tranqüila aldeia. — Deve ter sido duro para você deixar para trás sua antiga vida — comentou Katherine. — Estava querendo dizer que seu trabalho tinha alguma coisa a ver com carros? — Eu era projetista. Criei um carro elétrico tão barato que os magnatas do petróleo me ofereceram milhões de dólares pelo projeto, só para destruí-lo. A indústria automobilística também se envolveu e, como todas as idas é vindas, percebi que o carro jamais seria produzido em série. Foi uma desilusão total. Por essa época o resto da minha vida estava uma droga e a pressão do trabalho refletia-se negativamente na minha saúde. Então, resolvi mandar tudo às favas. Vendi o projeto pelo dinheiro que me ofereceram que não era pouco, vendi também a casa e vim morar no mundo de verdade. — Mas, como resultado, tornou-se um homem muito rico. — Pode acreditar que, para fazer o que estou tentando, um homem tem mesmo que ser rico. Quando terminarmos a restauração do castelo, serei pobre outra vez. Mas estarei feliz. — Você nunca me escreveu sobre isso — lembrou-se Katherine. — Na realidade, nunca explicou por que resolveu vir morar no País de Gales. Disse apenas que havia se retirado do mundo dos negócios por se sentir estressado. Agora eles haviam deixado à aldeia para trás e trafegavam entre colinas verdejantes. — Mas isso é compreensível — ela prosseguiu. — Se queria se desligar do passado, você não iria mesmo falar sobre o assunto nas cartas. Por falar nisso, saiba que escreve muito bem. Sempre achei que você devia tentar a ficção. — No momento estou totalmente envolvido em ficção — disse Mike, malhumorado. — Como assim? — Ora, não ligue para o que eu disse. Você me vê como uma pessoa honesta, franca, algo que eu não sou. Sou uma fraude. Como homem sou uma mentira desprezível. Katherine olhou para ele, espantada. Mike estava pálido. — Mas do que está falando, afinal? Mike suspirou incapaz de olhar para ela. — Droga! Eu... Não posso... Não sou o que você esperava... Você tinha outras impressões e eu sei que... — Está falando de falsas impressões? Sim, você é diferente do que eu esperava. Achava que você era mais... Mais ocioso, um homem realmente aposentado. Suas ambições para o castelo, que agora percebo serem muito fortes, nem me ocorreram. E você me parecia... Mais velho do que é. Eu o imaginei na idade madura, certamente não um homem de vinte e poucos anos. — Já estou quase com trinta anos. Tenho vinte e oito.
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— É mesmo? Pois não parece. — Não devo ter mais do que um ou dois anos a menos do que você. — Com vinte e oito, você é quase oito anos mais jovem do que eu. — Verdade? Então errei ainda mais do que você. Katherine apressou-se em mudar de assunto. —Será que os cisnes estarão no rio? — Pode crer. Eu até trouxe um pão a mais para alimentá-los. Vinte e oito anos pensou Katherine. Será que ele estava falando a verdade? Devia estar, porque dificilmente um homem mais jovem teria um passado como aquele... Uma esposa morta e uma carreira de projetista industrial que o deixara milionário. Mike abriu o cobertor embaixo de uma frondosa árvore. A sombra que se espalhava na relva mal se movia, já que não havia vento. O sol se coava por entre as copas altas, produzindo desenhos no chão. Os cisnes movimentavam-se preguiçosamente na água, perto da margem do rio. No alto, os pássaros produziam o fundo musical daquela belíssima manhã de verão. Katherine sentou-se no cobertor, esticou as pernas e apoiou-se nos cotovelos. Depois olhou para cima, expondo o rosto ao sol. — Que delícia — ela murmurou. — jamais esquecerei este lugar... Este dia... — Ou o homem que está ao seu lado? Diga que não me esquecerá, Kathy. — Como eu poderia? Como poderei esquecê-lo? Bem devagar, Mike correu os dedos pelo braço dela. — São momentos como este que uma pessoa quer que durem para sempre. Assim sendo, não existiria a possibilidade de esquecê-los. — Nós não nos lembramos de dias, ou mesmo de horas — disse Katherine, num tom meigo. — O que permanece na lembrança são os momentos. — Este momento... O brilho nos olhos azuis de Mike a deixou trêmula. Depois foram os lábios dele, a princípio apenas roçando, como no doce beijo trocado na escuridão da caverna. Mas logo aquela ternura desapareceu. Os dois pareciam possuídos de uma sede que precisava ser urgentemente saciada.
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CAPÍTULO VIII Flutuando nas sensações daquele beijo, Katherine quase não sentia o chão embaixo deles. Sentia-se perdida no homem que a abraçava. O tempo passava num redemoinho, produzindo a ilusão de que ela e Mike já tinham estado naquele local, muito tempo antes, séculos antes. Era como o conhecesse há centenas de séculos e durante esse longo tempo nada ali houvesse mudado... o murmúrio do rio, o deslizar dos cisnes na água, as borboletas amarelas ou as flores silvestres das mais diferentes cores. Katherine agora estava inteiramente deitada na relva, com ele por cima, apoiado nos cotovelos. — Você é linda. Quando estou perto de você, sinto vontade de tocá-la. Preciso ter muita disciplina para não fazer isso, o que está me deixando louco. — Eu não compreendo... Nós dois — murmurou Katherine, olhando nos olhos dele. — O que está se passando entre nós dois é algo que vem acontecendo neste mundo há bastante tempo... Paixão entre um homem e uma mulher. —Mas nós somos... Muito diferentes Michael. — Certamente. Mas o que há de errado nisso? — Então ele cobriu um dos seios dela com a mão, por cima da blusa. — Seu coração está batendo tão depressa quanto o meu. Isso nós temos em comum. Katherine ficou parada, olhando para ele, os cabelos espalhados na relva. Mike não afastou a mão do seio dela, movimentando os dedos com a leveza de uma pluma. — Não a estou assustando, não é? — Acho que não — ela mentiu. — Ah, estou, sim. Sou impulsivo demais, embora não queira. Não consigo me controlar. Tenho consciência de uma sensação medonha e transitória, porque sei que o tempo não pára... A sensação de que você acabará escorrendo por entre meus dedos. — Mas isso... Só complicará a situação — ponderou Katherine, com tristeza na voz. Mike suspirou. — Não consigo pensar racionalmente. Talvez seja melhor nem pensar. No primeiro instante em que a vi, percebi que teria problemas. Todo o meu sistema nervoso entrou em alerta. Katherine estendeu a mão e acariciou o rosto dele. Aqueles olhos... Como eram sedutores! — Mike... — ela murmurou, agora segurando o rosto dele com as duas mãos, sem querer acreditar que um homem como aquele dizia palavras de amor para ela... E com sinceridade. Outra vez Mike abaixou a cabeça para beijá-la, com tal intensidade que a convenceu de que aquele era o primeiro beijo da vida dela. A mão dele continuava a acariciar os seios dela, sempre com indescritível ternura. Depois passou a afagar os cabelos. Todo o corpo de Katherine vibrava, como se estivesse sendo despertado de um
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prolongado sono por uma onda de eletricidade. Ao mesmo tempo ela se sentia fraca mole de desejo... Desejo por ele. Não pode ser! Gritou uma voz na mente de Katherine. Num impulso, ela se sentou. — Mike! O que está fazendo? Mike afastou uma folha seca dos cabelos dela. — Eu diria que nós estamos... Nos conhecendo melhor. Katherine engoliu em seco e virou o rosto. — Que tipo de conhecimento mútuo está planejando para nós? O sorriso que apareceu no rosto dele era o mais terno que ela jamais vira. — Não estou planejando nada, doçura. Apenas sigo os meus impulsos. Mas posso me refrear. A última coisa que quero é ameaçá-la. Se fiz isso, peço perdão. — Você queria descobrir quais seriam as minhas... Minhas reações aos seus... Impulsos... — Queria. E queria que você própria descobrisse. — Enquanto falava ele traçava com a ponta do dedo o contorno dos lábios dela. — Agora nós dois sabemos. — Você está me deixando confusa. — Ótimo. Isso significa que não está presa a idéias preconceituosas. — Você é muito convencido, sabia? — acusou Katherine, com um leve sorriso. Mike sentou-se, abaixou a cabeça e começou a mexer na grama. — É isso o que pareço? Não agora, Kathy, e não com você. É que resta muito pouco tempo, droga! Como posso saber o que fazer quando resta tão pouco tempo? Katherine fechou os olhos. Era muito fácil saber o que ele estava pensando. O difícil era acreditar no que estava acontecendo. — Ainda ficarei três semanas no País de Gales. Mike sorriu. — Ah, sim. Por que não consigo olhar para o lado alegre dá coisa, assim como você faz? Aceitaremos os fatos naturais de cada dia, sem discussão. Doçura existe muita confusão nos seus olhos. Sei que as coisas estão indo depressa... Nunca fui um sujeito paciente quando... Quando quero alguma coisa. — Talvez eu também seja assim — respondeu Katherine. — Mas o que há de errado nisso? É algo que torna a vida mais excitante! Que tal abrirmos aquela garrafa de vinho? — Claro — concordou Mike, abaixando a cabeça para beijar as pálpebras dela. Katherine suspirou. O melhor seria viver a beleza de cada momento, tentando esquecer que os dias que eles passassem juntos estariam limitados ao prazo das férias dela. Aquele dia... O dia deles foi mais um sonho do que realidade. Eles colheram flores nas margens do rio e alimentaram os cisnes e patos. Enquanto comiam o lanche, viram um esquilo que apareceu por trás de um tronco caído para ficar mexendo a cabeça de um jeito engraçado. Tudo era motivo para que Mike a beijasse e declarasse que havia perdido o coração de forma irremediável. Não havia nada que tornasse aquele dia parecido com qualquer outro da vida dela.
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O informe dos paleontólogos foi ao mesmo tempo surpreendente e desapontador. Foi Katherine quem abriu o envelope desdobrou a comprida carta datilografada de três páginas. — Felizmente eles escreveram de uma forma que leigos como nós possamos entender — ela comentou, dando inicio à leitura. — Os ossos pertencem a um lagarto da atualidade que habita a Indonésia, o komodo. O crânio é uma adulteração. Parte do maxilar e alguns dentes foram identificados como sendo do crocodilo australiano. Quanto aos ossos das asas, pertencem a uma espécie de abutre da África. Katherine ergueu a cabeça. — Vocês acreditam nisso? — Uma brincadeira! — exclamou Mike. — A coisa toda é apenas uma brincadeira! — Um réptil com mais de três metros de comprimento? — inquiriu Thomas. — Como pode ser? — espantou-se Katherine. — Eu vi komodo no Zoológico da Califórnia. Numa palavra, eles são repelentes... e comem animais grandes, inclusive pessoas humanas. Você tinha razão, Mike. O relatório diz que o peso aproximado do animal era de cento e cinqüenta quilos. Um réptil do Oriente? Alguém realmente... — Nesse ponto ela concentrou a atenção num dos trechos da carta, que segurava com mãos trêmulas. — O relatório continua: Alguns ossos são fósseis cuidadosamente colocados entre os outros. Isso resultou em algum tipo de processo químico que faz com que, a olho nu, todos pareçam fósseis. — Diabo! — praguejou Mike, com os dentes trincados. — Alguém se deu ao trabalho de fazer um dragão morto! — Trabalho e despesa — acrescentou Katherine, agitando a carta. — Eles dizem aqui que o trabalho de busca dos ossos e montagem do esqueleto deve ter custado por volta de cinqüenta mil dólares. É trabalho de entendidos. — Mas por quê? — perguntou Thomas, acendendo o cachimbo. — Para expulsá-los daqui — arriscou Katherine. — O quê? Como um monte de ossos? — Para convencê-los de que os dragões existem mesmo. — Asneira! — descartou Thomas. — Dragões de verdade? Não pode ser. Mike pegou a carta da mão de Katherine e terminou a leitura, em silêncio. — A análise do sangue ainda não ficou pronta — ele informou, passando as costas da mão pela testa. — Acho que devemos concluir que quem quer que tenha chegado a esse ponto fará qualquer coisa, não importa o trabalho que dê ou o dinheiro que custe, para simular a presença de um dragão vivo aqui no castelo. — Até mesmo atacando você — acrescentou Katherine. Mike apertou os olhos. — Eu vou pegá-los — ele jurou. — Pretendo descobrir quem fez isso e por quê! Katherine achava um tanto forçada a conclusão de que se tratava de uma brincadeira. Na caverna havia sentido a presença de alguma coisa não humana, fantasmagórica. E Mike também sabia disso. Ele era sincero ao dizer que o dragão ainda se escondia no castelo, como uma alma penada. — Vocês viram alguém rondando o castelo? — perguntou Katherine. — Seria possível algum engraçadinho entrar aqui sem ser visto? Mike cocou a cabeça. 64
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— Não consigo imaginar. Todas as entradas do castelo partem do pátio, e vindo de fora só se chega ao pátio pelo portão... Não existe outra forma de entrar. — Então ele socou a mão. — Sinto vontade de matar o desgraçado que fez isso! Alguém invadiu meu castelo... Fez gracinhas com o meu dragão! — Seu dragão? — espantou-se o pai dele. — Sim, meu! Meu e de Kathy! Preciso sair para dar vazão há um pouco dessa frustração. Não quer dar um passeio de carro, Kathy? — Claro. Onde? — Nas colinas. É lá que consigo pensar. A caminhonete sacolejava numa estrada que era pouco mais que uma trilha. Quando eles atingiram o platô de uma colina, Mike parou, desceu é foi abrir a porta para Katherine. Durante algum tempo eles ficaram contemplando a vista da aldeia e das torres do castelo de Aawn. — Preciso correr — disse Mike. — Você se incomoda de ficar esperando por mim durante alguns minutos? — É claro que não... Mike saiu correndo e Katherine ficou olhando até que ele desapareceu por trás de uma pequena colina. Depois disso ela se pôs a caminhar, sentindo o vento nos cabelos e o sol no rosto. Contemplando a paisagem, nem viu quando Mike retornou para abraçá-la por trás, quinze minutos mais tarde. Durante algum tempo eles ficaram imóveis. Os únicos sons eram a respiração dele, alterada pela corrida, e o vento agitando os galhos das árvores. Depois eles se beijaram, docemente, demoradamente... Com os olhos fechados, Katherine continuou a sentir o gosto dos lábios dele mesmo quando Mike afastou a cabeça. — Você está afetando o meu trabalho e o meu sono — ele a acusou. — Não consigo pensar em outra coisa que não seja você. Responda-me, adorável mulher: consegue dormir tão profundamente quanto conseguia antes de me conhecer? — Essa é uma pergunta incriminadora. — Ah! Não seria incriminadora se a resposta não fosse uma confissão de culpa! Devo concluir que você pensa em mim à noite. — Sim. Mas que outra mulher, na situação dela, conseguiria não pensar nele? — Foi o que pensei. Ou melhor, era o que eu queria. Katherine não conseguiria negar o que Mike produzia nela... Nem para si própria nem para ele. Via-se incapaz de analisar os próprios sentimentos quando estava perto dele e sentia o contado daqueles lábios, daquele corpo vibrante. Murmurado por Mike, o nome dela dançava ao vento. — Katherine... Katherine... Você está se tomando a minha obsessão. Então eles se beijaram cheios de ânsia, explorando com a língua a boca um do outro. Não era um beijo terno, como os anteriores, mas sim uma busca desesperada e urgente. — Kathy... Diga que me quer. — Eu o quero...
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Aquelas palavras foram ditas numa voz que nem ela própria reconheceu. A resposta de Mike foi num tom igualmente rouco. — Minha querida... Esse vento é frio demais para acariciar o seu corpo. Só eu posso fazer isso, porque sou mais carinhoso que o vento. E também só eu posso aquecêla. O chão aqui é duro e dentro de uma hora a temperatura começará a cair. Deixe que eu a leve para o conforto da minha cama. Katherine olhou nos olhos dele. Será que amava aquele homem? Se o amor era aquele calor nas entranhas, uma vontade incontrolável de se misturar ao corpo dele... Então o amava. Mike abraçou-a com força. — Os seus olhos dizem que sim. — O que o seu pai não vai pensar se eu... Se nós... Mike demorou alguns instantes para responder. — Ele pensará que nós dois estamos profundamente apaixonados um pelo outro, no que terá toda razão. Katherine buscou outras justificativas. — Não quero que Thomas pense mal de mim, mas naturalmente ele sabe que não acabamos de nos conhecer. Isto é, nós nos correspondemos há anos e eu vim até aqui por sua causa. Seu pai sabe de tudo isso. Ele não é do tipo antiquado... Ou é? — Eu... Acho que não. — O que há de errado? O seu pai... — Meu pai me compreende muito bem. Ele sabe que nunca levei nenhuma outra mulher ao castelo... Não para minha cama... E tem muito respeito por você. Passe a noite comigo. Quando o castelo estiver em silêncio e ele estiver dormindo, nós iremos nos deitar. A noite será nossa. Naquela tarde Katherine ajudou Mike com o trabalho no Grande Salão, feliz por poder contribuir para a realização do sonho dele. A instalação dos vidros nas janelas já estava completada. Enquanto os operários cuidavam da instalação elétrica, Mike fixava um armário na parede do local onde seria a cozinha. Katherine ajudou a lixar os módulos do armário, varrendo depois o pó que se acumulou no assoalho de pedra. Para o jantar Thomas preparou uma deliciosa carne de porco assada, decorada com batatas tenras e cebola frita. Durante a refeição Mike não parou de olhar para Katherine, com uma expressão cheia de promessas. Thomas não deixou de reparar naquilo, embora não fizesse qualquer comentário. Quanto a Katherine, inteiramente dominada pela energia sexual que enchia o ambiente, precisava se esforçar para manter a compostura diante de Thomas. Finalmente o pai de Mike bocejou discretamente. — Estes ossos velhos já tiveram o suficiente para um dia. Então você ficará aqui mais uma noite, Katherine querida? É o que deve fazer, mesmo. Bem, está ficando tarde e eu vou me acomodar no quarto de Mike. Katherine sentiu que estava com as faces muito vermelhas. Abriu a boca para falar, embora não soubesse o que iria dizer, mas foi Mike quem se pronunciou. — Pode dormir no seu quarto, papai — ele disse, com naturalidade. — Se Kathy resolveu ficar, há espaço para ela lá em cima.
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Thomas bateu o cachimbo emborcado no cinzeiro. Depois, olhou alternadamente para eles dois, com uma expressão que Katherine não soube interpretar. Parecia sentir uma melancolia que a deixou constrangida. — Bem... — ele disse, deixando a palavra no ar. Depois de pigarrear, reiniciou a frase. — Bem, então boa noite. — Boa noite, Thomas — respondeu Katherine, com meiguice. O velho sorriu para ela e olhou para o filho, que estava sentado no chão com as costas apoiadas nos joelhos de Katherine. Os olhos de Thomas pareciam transmitir uma advertência. Mike sustentou o olhar dele, sem dizer nada, e colocou os braços em cima das pernas dela, como se quisesse protegê-la. Depois que o velho se retirou, ele se levantou e pegou na prateleira perto da lareira uma garrafa de vinho branco. Na escada em espiral o frio era ainda mais intenso, por causa do vento que penetrava pelas estreitas janelas. A certa altura Katherine parou. — Está ouvindo alguma coisa? — O vento — respondeu Mike. — Não, alguma outra coisa. Achei ter ouvido um leve estalido. Agora sumiu, mas tive a sensação de que não estávamos sozinhos. Foi à mesma sensação que tive no calabouço! — Deve ser o dragão — disse Mike. — O fantasma? O fantasma do dragão? — Ele não vai machucá-la, meu bem. O barulho deve ter sido o vento derrubando alguma coisa, ou talvez os pássaros lá na cobertura. Katherine apertou o braço dele. — Agora você está querendo ser condescendente comigo! E não respondeu à minha pergunta. Não quer admitir que exista alguma coisa aqui, quando nós dois sabemos que existe! Acha que é o fantasma do dragão? Paralisada, ela ficou escutando as batidas quase inaudíveis. — Mike... O que foi que você viu neste castelo. Mike pigarreou. — Você escolheu o pior lugar possível para me fazer essa pergunta, não acha? Espera que eu diga que com mais um passo na escada iremos encontrar a morte, que existe um fantasma nesta torre? Mike parecia querer falar com naturalidade, mas havia alguma coisa na voz dele que dava a impressão de que um fantasma de fato estava ali. — Eu não teria medo do fantasma — disse Katherine. Mike segurou na mão dela e retomou a subida rumo ao apartamento dele. — Você já está com medo. Quem não estaria? O vento continuava a soprar. — Está frio — queixou-se Katherine. — Logo teremos o calor da lareira — prometeu Mike. No andar seguinte, bem perto da escada havia uma porta tão baixa que era necessário abaixar-se para transpô-la. Mike caminhou até lá, abriu a pesada porta e fez um gesto para que ela entrasse. No interior do cômodo, estendeu a mão para acender a luz.
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Katherine conteve a respiração à primeira visão do apartamento de Mike. No centro, pendurada por correntes nas vigas do teto, havia uma enorme cama redonda coberta de peles e meia dúzia de travesseiros. Duas mesas redondas também se penduravam em correntes. Numa das mesas viam-se dois rádios e, na outra, um tocafitas portátil e uma câmera. Uma lareira exatamente igual à do andar térreo dominava uma parede que formava um semicírculo. Não havia cadeiras, mas apenas dois bancos de madeira colocados perto da lareira. Mike foi direto para a lareira e começou a arrumar a lenha que seria queimada. — Que quarto! — exclamou Katherine. — Gostou? Eu precisava mobiliá-lo e fiz isso da forma mais fácil. Só precisei de uma chapa de compensado, uma boa serra, uma furadeira e as correntes. Gosto do efeito medieval. — Com uma cama redonda? — caçoou Katherine. — Não foi de propósito. Antes ela era quadrada, mas eu vivia esbarrando nos cantos e resolvi arredondá-la. E acho até que ficou com uma aparência melhor. Tem um ar muito romântico, não acha? Você é a primeira mulher que vem aqui. — Verdade? Àquela altura Mike já havia acendido a lareira. — Pode acreditar — ele garantiu, levantando-se e abraçando-a. — Você está tremendo. Ainda está muito frio, mas daqui a pouco o fogo aquecerá todo o quarto. Venha cá que eu apressarei esse processo. Dizendo isso Mike ergueu a cobertura de couro da cama. Katherine tirou os sapatos e acomodou-se por baixo das cobertas, no que foi seguida por ele. O movimento deles fez com que a cama começasse a balançar, pendurada pelas correntes. Katherine deixou-se abraçar, —Ah... — murmurou Mike. —Daqui a pouquinho estará perfeito. Depois de tirar o suéter e a camisa, ele se sentou para livrar-se das meias. Enquanto voltava à posição de antes, aproveitou para passar na perna dela o pé descalço. Finalmente, tirou a calça jeans e ajudou Katherine a se despir. Quando os dois estavam nus, ele voltou a abraçá-la suspirando de prazer. — Agora está perfeito! A sensação dos corpos se tocando, enlaçados por baixo das macias cobertas de couro, era nova para Katherine. A cama se movimentava levemente, fazendo ranger as correntes. Naquele instante nada no mundo poderia tocá-los. Eles pertenciam inteiramente um ao outro. As mãos de Mike percorreram o caminho entre as costas e as nádegas dela, puxando-a contra si. A pele dele estava quente e o corpo era sólido e musculoso. As mãos eram ternas, agora acariciando os seios dela. Enquanto isso Katherine explorava com as mãos as formas do corpo dele, percorrendo o peito largo e descendo até as coxas musculosas. Mike deitou-se de costas. — Toque-me — ele pediu. Katherine atendeu ao pedido. Mike fechou os olhos, submetendo-se ao feitiço das mãos dela e gemendo de prazer. A certa altura, segurou com as duas mãos num dos seios dela e passou a sugá-lo com ânsia.
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Depois eles se beijaram demoradamente, mas sem dar descanso às mãos. As carícias de Mike foram se tornando mais e mais atrevidas, fazendo com que Katherine pronunciasse palavras que nem ela entendia. Finalmente ele se posicionou entre as coxas dela e penetrou-a. E foi uma penetração sem dor, porque Katherine estava totalmente pronta. Serpenteando o corpo, ela jogou a cabeça para trás e soltou um demorado gemido. Minutos mais tarde eles estavam deitados lado a lado, extenuados pelo orgasmo. Mike ergueu a parte de cima do corpo e olhou para ela, com um sorriso sonhador. — Você é a mulher mais linda que eu já conheci — ele murmurou. — Nunca senti nada tão profundo por outra pessoa.
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CAPÍTULO IX Determinado a controlar sua própria vida, seu mundo e seu destino, Mike via-se diante de circunstâncias que estavam além de sua vontade, como se o caminho a seguir estivesse coberto de rosas e espinhos. Katherine era a rosa. Delicada e linda, ela era a flor selvagem que inesperadamente havia aparecido da penumbra. Ele não sabia dizer de onde ou por que ela havia chegado, mas sabia que não permaneceria. Katherine devia ser feliz com o tipo de vida que havia escolhido. Vivia cercada de intelectuais, na companhia de velhos amigos e num lar com todos os confortos do mundo moderno. O lar de Mike era uma fria fortaleza medieval... Onde habitava um dragão. Mesmo que ela resolvesse ficar, ele não sabia se o dragão toleraria a presença da nova habitante. Uma das mais conhecidas lendas do castelo de Aawn referia-se ao ciúme da fera pelas esposas dos amos. Ao longo dos séculos o castelo havia atraído guerreiros, homens selvagens que queriam provar seu valor não se dobrando diante do monstro que habitava o lugar. As mulheres fugiam apavoradas. O fantasma do dragão era uma coisa, enquanto o esqueleto colocado ali por alguém era outra bem diferente. Mike nem mais conseguia se concentrar no trabalho, enfurecido que estava com a confirmação de que o esqueleto encontrado na caverna do dragão era uma brincadeira de mau gosto. Ele estava colocando tubos e conexões hidráulicas numa plataforma de madeira que seria içada pelo lado externo do castelo, uma forma mais prática de carregar materiais pesados do que transportá-los pela perigosa escada, quando sentiu um leve cheiro de enxofre vindo da torre de sentinela. A respiração do dragão havia sido sentida à luz do dia apenas uma vez antes, logo depois da lua cheia. Era o caso daquele dia. O dragão ou alguém que queria se passar pela fera estava na torre. Armado de uma lanterna portátil e de um facão, Mike marchou para a torre, seguido pelos cães. Eles pareciam perceber a raiva do dono, o que lhes atiçava o instinto de caçadores. Certamente por isso, adiantaram-se e, quando Mike entrou no calabouço, já não eram mais vistos. Subitamente um uivo agudo quebrou o silêncio, sendo seguido por ferozes latidos. Mike partiu para frente pela apertada passagem. Encontrou os cães na entrada da caverna, latindo com se estivessem enlouquecidos. Nenhum ser vivente foi revelado pelo facho de luz que ele correu por todos os lados. Pembroke soltava ganidos de lamento. Dirigindo para a cadela a luz da lanterna, Mike viu que ela estava ferida na parte alta da perna dianteira. Ajoelhando-se, ele constatou que o ferimento não era muito profundo, embora sangrasse muito. A aparência era de um corte produzido por faca. Talbot continuava latindo para uma presença invisível escondida na caverna. — Venha, Talbot! Vamos subir! Ainda latindo, o cachorro virou-se e obedeceu ao dono. Pembroke andava mancando. Quando chegou ao pé da escada em espiral, Mike colocou a lanterna no chão para carregar a cadela nos braços, o que significava que
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teriam de continuar sem luz. Foi uma subida penosa, já que ele tinha que tatear cuidadosamente em cada degrau com o pé, mas finalmente apareceu a luz do dia. Felizmente nenhum dos operários estava por ali e Mike não precisou dar explicações sobre o ferimento da cadela. Thomas estava na sala de estar pintando um armário antigo quando ele apareceu carregando a cadela. A essa altura estava com a camisa ensopada de sangue. — Meu Deus! — exclamou o velho, pondo-se de pé. — O que aconteceu? — O dragão, outra vez... Juntos os dois examinaram e desinfetaram o ferimento. — Achei que ela ia precisar levar uns pontos — disse Mike. — Mas parece que o ferimento cicatrizará bem, desde que o mantenhamos limpo. — Dizendo isso ele afagou a cabeça branca da cadela. — Está tudo bem, garota. Você vai ficar boa. Deve estar tremendo mais de medo do que de dor. Por que é que cachorro não fala? — Essa história de dragão está indo longe demais — pronunciou-se Thomas. — Eu vou pegá-lo, papai. Arrastarei esse sujeito para fora nem que precise usar granadas! Thomas continuava a aplicar anti-séptico no ferimento de Pembroke, que Mike segurava no colo. — Quando você perde a paciência acaba perdendo também o bom senso, meu filho. Acho que já chegou à hora de chamarmos a polícia. — Se fizermos isso, tudo chegará ao conhecimento público. Os tablóides de Londres farão o maior barulho. — Talvez não tenhamos outra escolha — persistiu o pai dele. Mike cerrou os punhos. — Inferno! Thomas sentou-se no chão forrado de jornais e retomou a pintura do armário. — Nós acreditávamos que essa... Criatura ficaria confinada ao calabouço, mas suponha que isso não aconteça. O castelo inteiro pode estar ao alcance dela. E se alguém acabar ferido, ou mesmo morto? — Deve estar se referindo a Katherine, que anda sozinha por todos os cantos do castelo. Concordo que isso pode ser perigoso. Vou falar com ela sobre o assunto. Thomas ficou em silêncio e Mike sentou-se no chão para alisar a cabeça da cadela ferida. Passou-se mais de um minuto antes que o pai dele voltasse a falar. — Por falar em Katherine, Mike... Que diabo você pensa que está fazendo? — Eu fiquei me perguntando se você nunca ia me questionar. — Ah, é? Sabia muito bem que eu o questionaria. Há dias venha suspeitando de que você e Katherine sentem atração um pelo outro, mas não esperava que chegassem ao ponto de dormirem juntos. Já tinha visto o efeito do seu charme sobre as mulheres, mas acreditava que seria suficientemente cavalheiro para não usá-la para atrair uma mulher como Katherine. Francamente, Mike, não sei como pôde fazer isso. Uma sombra cobriu os olhos de Mike. — Pelo jeito como você fala, parece até que estou me aproveitando dela. Pois não estou. Nunca me senti tão atraído por uma mulher em toda a minha vida.
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Thomas engoliu em seco. — E parece que ela sente a mesma coisa. — Você não aprova, não é? A princípio achei que podia ser um problema para você, por ela ser a sua... Correspondente, digamos assim, mas acredito que o conheço bem. Você também está enamorado por Kathy, papai? — Antes que ela chegasse eu pensei que estava, mas acabei descobrindo que Katherine não é o tipo de mulher para mim. E isso não tem nada a ver com a diferença da idade. Ela tem uma vivacidade que eu não conhecia algo de selvagem que foge às convenções. Não havia nenhum sinal disso nas cartas dela. E existe a mesma coisa em você, o que, imagino, serve para atraí-los. Mike olhou sério para o pai. — Tenho tentado entender esse caráter selvagem de Katherine. Então você também reparou? O que pode ser? — Pelo que ela me escreveu, fiquei sabendo que foi criada por pais abastados numa pequena cidade onde o pai era respeitado por todos. Assim sendo, deve ter sido incutida nela a crença de que é importante ter o respeito da comunidade. — Thomas deu mais algumas pinceladas no armário e pôs o pincel no solvente. — Imagino que Katherine tenha sido uma moça de comportamento exemplar, embora interiormente não desse a menor importância para o que os outros pensavam. O caráter selvagem não foi notado. Apenas ocasionalmente vem à tona. — Então ele riu. — Isso não lhe lembra ninguém? Mike não riu. Estava concentrado nas comparações que o pai fazia entre ele próprio e Katherine. — Sim. Precisei encontrar um lugar onde pudesse ser eu próprio. Aqui, há ocasiões em que Kathy quer se soltar, papai, mas outras vezes parece... Querer voltar. — Mas o que você quer? Ela encontrou um estranho absoluto. Não sabe o que fazer com você. Mike sentiu o impacto daquela verdade. Eles dois tinham feito uma sujeira com ela. Várias vezes ele havia pensado em revelar a verdade, contendo-se ao pensar na tristeza que certamente veria nos olhos do pai, que sofreria com a humilhação. — O pior é viver com a mentira, papai. Você está me pedindo mais do que tem direito. Thomas ficou com um ar de contrição. Depois, respirou fundo e assumiu uma postura de desafio. —No ponto a que chegamos não há retorno. Contar tudo a ela agora seria uma estupidez. Katherine o detestaria por ter deixado a coisa ir tão longe. E também não consigo ver o que há de tão horrível em deixar as coisas como estão. Se ela fica feliz achando que foi você quem escreveu as cartas, qual é o problema? — Isso é errado como o diabo e você sabe muito bem. — Mas não vai machucar. —Eu não tenho... Tanta certeza disso. Thomas limpava as mãos numa estopa embebida em solvente. — Nunca pensei que seria esse o resultado, mas agora não tem mais jeito. O que pretende fazer? Vai encarar o namoro de vocês como uma brincadeira de verão que terminará quando ela for embora? Mike abaixou a cabeça.
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— Acho que sim. Não posso pedir que ela fique... — Concordo. E acho que ela não ficaria mesmo. Katherine é dedicada ao trabalho. Provavelmente existe algum homem na vida dela, embora nas cartas nunca tenha tocado no assunto. Um homem que usa terno para ir trabalhar todos os dias e manda a ela flores que paga com o cartão de crédito, cujo número sabe de cor. — Se está querendo me deixar deprimido, pode crer que está conseguindo. — Estou sendo apenas realista — argumentou Thomas, tirando o cachimbo do bolso. — Katherine tem um traço de temperamento selvagem, mas leva a vida que escolheu que não podia ser mais diferente da sua. Bem, acho que não há nada de errado em se divertir no verão. Pelo intervalo que houve na chegada das cartas no verão passado, acho que ela anda tendo um divertimento parecido. Daqui a uma semana estará indo embora. Mike ficou ainda mais abatido. — Eu gosto muito dela e não estou apenas querendo me divertir. Quando ela partir, já sei que ficarei de péssimo humor. Você vai ter que suportar isso durante várias semanas. —Não conte com a minha simpatia, porque a culpa é sua. Devia ter contido sua luxúria. Eu não culpo Katherine, mas culpo você, inteiramente. Ela provavelmente vai se lembrar disso como a parte romântica da aventura num castelo medieval do País de Gales. Se você sentiu atração por ela, devia ter procurado se resguardar. “Nesse instante a campainha tocou e Mike se levantou”. — Está esperando alguma entrega? — ele perguntou, olhando para o pai. — Sim. Pedi que trouxessem carne e queijos. Pembroke, que em geral seguia Mike, balançou o rabo em protesto pelo afastamento dele, mas continuou com a cabeça deitada no chão. — Voltarei daqui a pouco, garota — ele prometeu. Não era o entregador da mercearia. Minutos mais tarde Mike retornou com um envelope. — É o resultado do exame de laboratório — ele disse, rasgando o papel do invólucro. Depois de ler em silêncio, Mike ficou parado, com um ar de preocupação no semblante. — E então? — perguntou Thomas, impaciente. — Eles analisaram a amostra de sangue colhida no local onde eu fui atacado. É o sangue de um réptil. — Fique comigo pelo tempo que resta de suas férias — pediu Mike a Katherine, depois do jantar no pequeno restaurante anexo à taverna da aldeia. — Não consigo suportar a idéia de ficar no castelo e você aqui na aldeia. O que me diz? — Isso tornará a separação ainda mais difícil — ela ponderou. — Mesmo assim, estou ouvindo um sim apenas não pronunciado. Katherine sorriu. — Não posso desistir do prazer só porque ele não vai durar. Nada dura para sempre.
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— Exatamente o que eu penso. Temos que viver cada dia pelo prazer em si. Mas uma coisa mudou. Quando estiver no castelo, por favor, não ande sozinha. Terá que andar comigo, porque não quero vê-la atacada como Pembroke e eu já fomos. Esta é a nova lei baixada pelo senhor do castelo. — Alguma coisa precisa ser feita em relação ao dragão — disse Katherine, esvaziando a taça de vinho. — Sangue de réptil? Como pode ser? — Outra brincadeira, talvez. Mas será que alguém adivinharia que nós mandaríamos analisar o sangue? Acho difícil. — Mas, se não for isso, chega-se à conclusão de que você tem um grande e perigoso réptil morando no calabouço. Mike balançou a cabeça. — Acho que vou projetar uma armadilha para dragão. — Pois eu acho que você está em perigo, Mike — advertiu Katherine. — Alguém quer vê-lo fora de Aawn. O garçom levou a torta de chocolate que Mike havia pedido e café para Katherine. — O que alguém iria ganhar com a minha saída de Aawn? — ele inquiriu. — Os antigos proprietários talvez o queiram de volta. Quem eram eles? — Dois empresários de Londres. Se eles não tinham dinheiro para manter o castelo na época, dificilmente terão agora para pagar o que vou pedir, depois de todas as reformas que já fiz. Droga! Não consigo ver um motivo. — Por que alguém colocaria o esqueleto lá? Há muitas coisas... Inexplicáveis... — Bem, temos que considerar que o dragão pode estar recebendo a culpa por proezas que não realizou. Katherine ficou em silêncio e ele limpou os lábios no guardanapo. — Vamos embora. Quero tê-la outra vez na minha cama. Vamos fazer amor à noite inteirinha, até amanhecer o dia. Mike pagou a conta e eles saíram — Já que vou ficar com você, preciso pegar umas coisas na hospedaria — disse Katherine, quando eles já estavam na calçada. — Por que não fecha logo a conta? Katherine olhou nos olhos dele, que brilhavam intensamente. Por carta, Mike tinha dito que o castelo não tinha acomodações apropriadas para ela. No entanto, ela não poderia imaginar acomodações melhores que a espaçosa cama pendurada por correntes perto da lareira. — Está bem — ela concordou. — Direi à Sra. Mills que passarei o resto das férias no castelo. Você não vai se incomodar com os mexericos? — Não ligo a mínima para o que falarem. Katherine piscou o olho. — Desde que não falem do seu dragão. Pouco antes de meia-noite, Katherine mexeu-se na cama e viu que Mike não estava ali. Aquilo era surpreendente, já que ele havia cochilado logo depois de terem feito amor. Sentando-se na cama, ela se enrolou na coberta. Mike estava sentado no chão, ao pé do fogo.
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— Pensei que você estivesse dormindo — disse Katherine. — Não consegui dormir direito. — Nem eu. Em que está pensando? — Em você. Quero fazer outra vez. Com você não consigo me satisfazer, meu bem. — Então por que não ficou na cama para me convencer disso? Já reparei que tem formas bem imaginativas para chamar minha atenção. Mike jogou mais uma acha de lenha no fogo. — Reparou, é? Pois tome cuidado. — Em que mais está pensando? Numa armadilha para dragão? — Não quero me arriscar a perder meus cachorros e estou pensando numa forma de bloquear a entrada do calabouço. Mas não consigo esquecer a idéia de que a caverna pode ter uma ligação com o lado de fora do castelo. Se eu ao menos soubesse como o intruso está entrando, já seria um bom começo. — Ele é esperto. Está aguardando que você tente alguma coisa. Mike levantou-se. A silhueta dele contra o clarão do fogo parecia a de uma estátua. — Mas quem quer falar sobre isso agora? Amanhã pensarei na armadilha para dragão. Depois de acariciar demoradamente os cabelos dela, olhando-a nos olhos, ele passou a beijá-la nas partes mais sensíveis do corpo. Katherine contorcia-se, totalmente submetida ao desejo. — Mike... — ela murmurou, com as mãos nos cabelos dele. — Apenas deixe que eu a ame. —ele sugeriu, com os lábios encostados no ouvido dela. — Deixe-me levá-la para aquele lugar especial... O nosso lugar especial... Katherine tremia de desejo pelo corpo que a cobria. Mike cumpriu a promessa de levá-la a um lugar repleto dos mais estonteantes prazeres.
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CAPÍTULO X Pembroke já conseguia subir e descer a escada. Não mancava mais, embora ainda não se mostrasse disposta a perseguir coelhos ou dar corridas mais vigorosas. Talvez por isso não acompanhou Katherine e Talbot, que foram passear nos arredores do castelo. Mike, não tendo chegado a lugar nenhum em seu plano de construir uma armadilha, tinha ido trabalhar logo depois do café da manhã. Thomas, para alívio de Katherine, fora de carro até a aldeia para se desincumbir de algumas tarefas. Naquela manhã ela queria ficar sozinha. Como não havia vento, a água do lago estava calma, refletindo os raios do sol. Nos galhos das árvores os pássaros entoavam seu alegre cantar. Katherine seguiu pela margem. Brotavam samambaias e flores silvestres em abundância. Uma das colinas terminava bem no lago e, com as costas voltadas para o castelo, ela começou a subir a arborizada encosta. Lá de cima tinha a vista de um profundo e estreito vale, no lado oposto. Katherine parou à sombra de um arbusto para contemplar a beleza dos campos gauleses. Quando ela se sentou num tronco caído para descansar, o cachorro chegou-se bem para perto, quase pedindo para ser acariciado. Nesse instante ouviu-se um barulho e um vulto vermelho quebrou o verde da natureza. Uma figura humana apareceu no meio das árvores, como se houvesse surgido por mágica. Espantada, Katherine segurou no pescoço do cachorro para que ele continuasse em silêncio e manteve-se imóvel, protegida pela sombra das árvores. Ficou observando o movimento da figura humana, que desceu a colina até desaparecer no vale. Instantes mais tarde ouviu o barulho do motor de um carro. Não sabia que havia uma estrada naquele vale. — Como é que alguém pode aparecer assim, do nada? — perguntou Katherine, olhando para o cachorro. Logo depois ela se pôs de pé. — Venha amigão. Vamos até lá! A vegetação era densa, apesar das grandes pedras que havia por ali. Calcular o local onde o homem havia aparecido pela primeira vez era um tanto difícil por causa da distância. Katherine foi percorrendo a área em grandes círculos, seguida pelo cachorro, que encostava o nariz no chão querendo sentir o cheiro de um ser humano, mas mesmo com a ajuda dele a busca se mostrou inútil. Só depois de anotar mentalmente todas as características daquele lugar, principalmente a forma dos arbustos e das rochas, Katherine resolveu voltar. Outra vez no alto da colina, olhou para os fundos do castelo. Um arroio corria do lago na direção das torres ocidentais, percorrendo o caminho onde muito tempo antes estava o fosso do castelo. Katherine correu e atravessou o riacho equilibrando-se nas pedras que afloravam da água. O cachorro a seguiu pelo mesmo caminho, sem a menor dificuldade. Minutos mais tarde eles alcançavam o pátio interno do castelo. Havia operário ali, colocando pranchas na plataforma que seria içada para o andar de cima. Mike estava entre eles. Katherine teve que esperar até que as pranchas fossem puxadas pela corda até o Grande Salão. — Como foi a caminhada? — perguntou Mike. — Tenho algo para lhe contar, Mike. 76
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Eles se sentaram num banco de pedra na outra extremidade do pátio e Mike limpou o suor da testa. Katherine respirou fundo antes de falar. — Não tenho certeza, mas acho que você estava certo sobre a existência de uma outra saída na caverna. Talvez eu tenha descoberto onde ela fica. Mike arregalou os olhos. — Está falando sério? — Totalmente. Acho que a passagem vai até a encosta da primeira colina ao norte, com a saída dando para aquele pequeno vale. Mike aprumou o corpo, tenso. — Então você encontrou ali a saída? Como isso é possível, Kathy? Estive naquela colina uma centena de vezes. — Não, eu não encontrei a saída. Procurei mas não encontrei. Mas quando estava lá, descansando com Talbot num pequeno bosque, subitamente vi um homem na encosta da colina. Ele não havia descido do topo nem vinha de baixo. Tenho certeza disso, porque olhava para todos os lados, contemplando a paisagem. Ele simplesmente apareceu ali, como por encanto. A única possibilidade aceitável é que tenha saído do chão. — Talvez você estivesse com o sol no rosto, meu bem. Aquela encosta é bem escarpada. — Eu sei o que vi. O homem usava calça jeans e camisa vermelha. Desceu a encosta e subiu um pouco no outro lado do vale. Depois disso ouvi o barulho do motor de um carro. Existe uma estrada por ali? — Não estrada de verdade, mas existem várias trilhas nas colinas — respondeu Mike, cocando a cabeça. — Naturalmente, se houvesse uma entrada externa para a caverna do castelo, nós teríamos sido informados. Alguém deveria saber disso. — Parece que alguém sabe disso. — Mas eu teria sido informado, porque as pessoas de Llanhafod saberiam. A distância entre o castelo e o local que você descreveu corresponde praticamente à de dois quarteirões. — Não é uma coisa incomum para uma caverna, ou pelo menos corredores de uma caverna. Você deve saber disso. — Sim, mas mesmo assim... — Mike segurou na mão dela. — Kathy, se você estiver certa sobre isso, muita coisa se explicará. — Se conseguíssemos encontrar a saída... A vegetação naquela encosta é densa, mas guardei bem o lugar. — Vamos até lá — decidiu Mike. Instantes mais tarde eles atravessavam o riacho. — Tem certeza de que não foi vista pelo tal sujeito? — ele perguntou. — Certeza absoluta. Estava escondida entre árvores e arbustos. Talbot passou na frente deles e foi o primeiro a chegar ao alto da colina. Minutos mais tarde, os três desceram a encosta do outro lado, até que Katherine parou. — É aqui. Mike olhou em volta. — Todas essas pedras e esses arbustos... Parece pouco provável.
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Durante uma hora eles procuraram em vão. Finalmente, Katherine sentou-se numa pedra para descansar. Dez minutos mais tarde Mike chegou para sentar-se no chão aos pés dela. Talbot também se aproximou, querendo atenção. — Estou começando a duvidar dos meus próprios olhos — resmungou Katherine. — Se fosse fácil encontrar a entrada para a caverna, isso já seria do conhecimento de todos — argumentou Mike, com os cotovelos apoiados nos joelhos. Durante alguns minutos eles ficaram em silêncio. O vento praticamente não soprava e os galhos das árvores pareciam imóveis. Katherine pousou a mão no ombro de Mike e fechou os olhos. Depois de alguns instantes, sentiu que ele ficava tenso. — Olhe para as folhas daquelas plantas rasteiras, Kathy. Katherine abriu os olhos e dirigiu-os para o ponto que ele indicava, à esquerda. — Nada está se movendo, nenhum galho de árvore, mas aquelas ervas estão tremulando! No mesmo instante os dois se puseram de pé. Mike investigou a área em volta de uma grande pedra, onde a vegetação rasteira balançava-se levemente. — Existe uma estranha corrente de ar... — ele murmurou intrigado. — É fraca, mas existe. Quando ele encostou as duas mãos na pedra e empurrou com força, ela se moveu e descobriu uma abertura no chão de mais ou menos sessenta centímetros de diâmetro. —Olhe só! — gritou Mike. — Meu Deus! — exclamou Katherine. — É aqui! Mas veja como a entrada é estreita! Um homem não conseguiria entrar por aí! — Eu certamente não conseguiria. O sujeito que você viu deve ser bem pequeno. — Não consegui ver direito, mas só pode ser. O buraco deve ter ficado aberto enquanto ele estava aí dentro. Seria impossível empurrar a pedra lá de baixo. Ajoelhado no chão, Mike espiou para dentro. — Vê alguma coisa? — perguntou Katherine, chegando mais perto. — Não, está muito escuro, mas deve ir bem longe porque sai ar daí. Na verdade, Kathy, há pequenas cavernas em toda essa área e quase todas foram cobertas para proteger o gado. Ninguém que encontrasse esse estreito buraco imaginaria que se trata de uma comprida passagem subterrânea. Katherine olhou para o topo da colina colocada entre eles e o castelo e sentiu um calafrio. — Apenas pensar que esse túnel percorre toda essa distância já assusta! — Mas só pode ser isso. Ninguém entraria aqui sem saber aonde vai dar, porque as cavernas são sempre perigosas. — Mike levantou-se e abraçou-a. — Você é uma preciosidade, meu amor! E assim que o nosso dragão de mentira entra no castelo. Nós o descobrimos! Não precisamos de nenhuma outra armadilha. — Se bloquearmos esta passagem, ele só poderá sair atravessando o pátio do castelo — concluiu Katherine, beijando a face de Mike. — Se der certo, você não precisará mais enfrentar na escuridão nenhum maníaco armado de objetos cortantes. — Organizaremos uma operação muito simples. Alguém ficará no alto da colina para ver a aproximação de qualquer pessoa. Quando a sentinela fizer um sinal, saberemos no castelo que o dragão está chegando. Com a passagem daqui bloqueada, 78
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só precisaremos ficar esperando na saída do calabouço. Mas que sorte! Eu sabia que você me traria sorte, Kathy! Percebi isso no instante em que a vi! — É claro que percebeu — respondeu Katherine, sorrindo. — Esse plano parece quase simples demais. — As boas armadilhas em geral são assim — teorizou Mike, enquanto recolocava a pedra por cima do buraco. — O nosso monstro não deve ser muito grande, já que consegue entrar por aí. Estou tentando me lembrar de quem são os baixinhos que moram na vila. Há vários deles, mas nunca suspeitei de nenhum. — É bem possível que ele pretenda vir esta noite — sugeriu Katherine. — Se esteve na caverna esta tarde, provavelmente planeja voltar mais tarde. Mike sorriu com satisfação. — Agora nós o pegamos. Bem, vamos voltar para pôr nosso plano em ação. De mãos dadas, eles começaram a subir a encosta da colina. — Vamos precisar de alguma ajuda — pronunciou-se Katherine. — Você não vai poder estar em dois ou três lugares ao mesmo tempo. O que acha exatamente que vai acontecer quando o cretino sair da torre de sentinela? Espero que não uma batalha. Crimes foram cometidos aqui. Não acho que você deva enfrentar sozinho um sujeito assim. A polícia existe para isso. — Está querendo me tirar o prazer da desforra? Quero esse sujeito todinho para mim, só por cinco minutos. — Mike, a coisa é séria — ela lembrou preocupada. — Seja razoável e não se arrisque além do necessário. Você terá que comunicar o fato às autoridades e quebrar o silêncio sobre o que vem acontecendo no castelo. — É eu sei. Submeto-me ao seu bom senso. — Afetuosamente ele acariciou a mão dela. — Já é hora de ter uma conversa com a polícia de Llanhafod. Quando eles alcançaram o topo da colina, Mike fez uma expressão marota. — Mas até que não seria muito arriscado dar uns cascudos num sujeito tão pequeno que consegue passar por aquele buraco. No fim da tarde Katherine estava fazendo o papel de sentinela da colina quando Mike retomou da aldeia. Subindo a encosta do lado do castelo, sem os cachorros, que tinham ficado confinados ao apartamento, ele foi se juntar a ela. — Falar com a polícia foi muito divertido — disse Mike, mal-humorado. — Se o seu gozador não aparecer esta noite, provavelmente eles me internarão num asilo para loucos. Katherine olhou para ele com ar de desânimo. — Não acreditaram em você? Mas pelo menos vão ajudar? — Mandaram dois homens. Logo que virmos alguém entrando no buraco, você descerá para alertar a polícia enquanto eu colocarei a pedra por cima da entrada. Pode ser uma longa espera, mas mais cedo ou mais tarde o sujeito terá que aparecer no pátio, já que ficará com a única outra saída bloqueada. Katherine fez uma careta. — Ainda não sabemos o motivo de quem anda fazendo essas gracinhas.
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— Logo saberemos — profetizou Mike, nervoso. — Só não gosto da espera, uma coisa com que não sei lidar muito bem. Converse comigo, Kathy. Fale-me mais de você. Sei muito pouco da sua vida. — Depois de quatro anos de correspondência? — Estive relendo as suas cartas. Há sempre um intervalo -no verão e, quanto as cartas recomeçam a chegar, você diz que andou viajando. Em geral as pessoas gostam de falar das viagens, mas você nunca fez isso, a não ser para fazer alguns comentários sobre certa cidade ou reclamar do tempo chuvoso. Katherine já estava com os olhos se acostumando à penumbra do fim de tarde. Mike estava bem perto, com a coxa e o ombro encostados nela. — Pode parecer tolice, mas eu sempre pensei nas minhas férias como um segredo só meu. Guardar o segredo acabou se tornando um hábito, eu acho. Tenho feito isso há tanto tempo que nunca me ocorreu revelá-lo. — Nem mesmo com... — Mike hesitou. — Nem mesmo com alguém distante? — A questão não era à distância, mas você. Eu sempre fiz uma idéia errada de você. Sempre o relacionei à minha vida acadêmica e não queria desiludi-lo. Bem... Desilusão talvez não seja a palavra. O que eu não queria era chocá-lo. Mike fez um ar de súplica. — Choque-me, Katherine, por favor. — Está bem, já que insiste. Nos últimos doze anos tenho acompanhado um circo em seu circuito de verão. Por alguns instantes Mike ficou boquiaberto. — Eu duvidava que você me deixasse chocado, mas foi o que aconteceu. Tem certeza de que não está inventando isso só para me divertir? Katherine riu. — O circo pertencia a uma família que conheço desde a época da faculdade. Fechou ao final da última temporada, por problemas financeiros. Assim sendo, meus dias de artista circense estão terminados. Ou melhor, pensei que estavam... Até vir para cá. Antes eu domava elefantes, cavalos e cachorros. Agora talvez tenha que domar um dragão. — Então... Você se apresentava? — Claro! Todos nós nos apresentávamos. Em geral eu trabalhava com os animais, mas também fiz números de palhaço. — Eu daria a vida para ver isso. — O quê? O palhaço? Você não me reconheceria. — Não só o palhaço, mas tudo. Katherine olhou para ele com uma expressão alegre. — Seria divertido sorrir para você do centro do picadeiro. — Eu não acredito! — exclamou Mike, olhando para ela. — É claro que acredita. — Sim, eu acredito.
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Com um meio sorriso, Mike acariciou o rosto dela. Às colinas permaneciam em silêncio. A noite parecia ansiosa para cair sobre a região. Mike ficou com o olhar distante. — Eu me lembro de ter ido a um circo quando era menino. Foi à primeira vez em que vi elefantes. Lindas mulheres em roupas sumárias estavam montadas na cabeça dos elefantes, acenando para a platéia. Fiquei apavorado. E agora imagino uma daquelas mulheres sendo você! Também andava em elefantes? — Ah, sim — respondeu Katherine, rindo. — Duvido que exista uma sensação igual à de se sentar na cabeça de um elefante. É como estar flutuando num céu cinzento, em meio a nuvens carregadas. Algum dia ainda descobrirei onde estão os elefantes com quem me apresentei. Certamente irei visitá-los. É claro que eles se lembrarão de mim. Sempre se lembravam quando eu aparecia lá no início do verão. Tínhamos alegres reencontros e tristes despedidas. — Katherine passou a falar num tom muito baixo. — Às vezes parece que cada dádiva de alegria da vida tem sua contrapartida de tristeza. —É isso mesmo — apoiou Mike. — E você é uma mulher notável. Percebi isso no instante em que a conheci. Katherine riu. — Estou perdendo a conta das percepções que teve no instante em que me conheceu. —Nunca me esquecerei daquele momento enquanto viver. Foi o mais memorável da minha vida. —Também foi inesquecível para mim. —murmurou Katherine. Nesse instante Mike aprumou o corpo e apertou o braço dela. — Eles estão aqui, Kathy! Três figuras apareceram no lado oposto do vale. Vestindo roupas escuras, desciam a encosta com a naturalidade de carneiros da montanha. — São três! — cochichou Katherine. — E se um deles ficar aqui tomando conta da entrada? — Nesse caso terei que dar conta dele. Ora, não precisa fazer essa cara de horror! Não pretendo matar ninguém. — Só quero que... Tome cuidado — ela recomendou. Em silêncio eles ficaram observando os três homens que atravessavam o vale e começavam a subir. Finalmente os desconhecidos pararam, empurraram a grande pedra e desapareceram na entrada da caverna. Mike levantou-se e estendeu a mão para Katherine. — Pode ser uma longa espera até que eles resolvam sair para me enfrentar. Voltaremos a nos ver no castelo. Katherine ficou observando enquanto ele caminhava no meio das sombras, rumando para o ponto onde as três silhuetas haviam desaparecido. Subitamente o crepúsculo parecia trazer um frio ainda maior. Mike agora também era uma silhueta, empurrando uma pedra com o ombro para cobrir a entrada da caverna. Espertamente ele havia rolado até ali uma pedra bem maior do que a que os três intrusos haviam retirado de cima do buraco. Então Katherine lembrou-se da tarefa que deveria desempenhar. Virando-se, saiu correndo de volta ao castelo.
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Um carro da polícia estava parado no pátio interno. Dois homens uniformizados estavam de pé perto da torre de sentinela, fumando e conversando. Quando viram a chegada de Katherine, caminharam na direção dela. — Poucos minutos atrás três homens entraram pelo buraco na colina — ela informou. — Mike está colocando uma pedra grande em cima do buraco. Logo ele estará aqui. — Nesse caso, só podemos esperar — concluiu o mais alto dos homens. — Acho bom procurar um lugar seguro, moça. Katherine sentiu uma gota de chuva no nariz e olhou para o céu carregado de nuvens. No instante em que ergueu a cabeça, viu uma chama avermelhada numa das estreitas janelas da torre. Espantada, ela conteve a respiração. O clarão vermelho desapareceu como havia surgido. Não podia ser uma lanterna portátil, porque tinha a vermelhidão de uma chama. Considerando a distância do buraco na colina até o castelo, além da dificuldade do deslocamento num túnel que devia ser bem estreito, era impossível que um daqueles homens houvesse alcançado a torre em tão pouco tempo. Mas alguma coisa estava lá em cima. Com o coração em disparada, Katherine procurou se lembrar das lendas. Uma das mais antigas dizia que o clarão das chamas que o dragão expelia pelas narinas podia ser visto através das janelas da torre do castelo, enquanto o mostro se movimentava pela escada em espiral à noite. Fosse o que fosse Katherine sabia que aquele era o segredo mais antigo do castelo... Algo que ela não teria visto se não devesse ver. Era assim que funcionava a mágica. E, já que era mágica, ela não estava com medo. Os três homens que agora se arrastavam pelo túnel poderiam machucá-la, como haviam machucado Mike, mas o fantasma do dragão não a machucaria. Vagarosamente ela foi se afastando dos dois policiais. Em instantes Mike estaria dentro dos muros do castelo e exigiria que ela fosse ficar com Thomas para não correr perigo. Ela precisava se apressar... Sem ser vista, Katherine esgueirou-se nas sombras e penetrou na torre proibida. Não se ouvia nenhum barulho na torre de sentinela. Lá embaixo, três homens rastejavam pelo túnel rumo ao castelo. Teriam os antigos inimigos entrado da mesma forma? Mesmo que tivessem, não se aventurariam nos cômodos mais altos do castelo, pois seriam impiedosamente massacrados na apertada escada. Katherine hesitou apenas por alguns instantes antes de pegar uma das lanternas que ficavam no vestíbulo e voltar-se para a escada em espiral. Agora aqueles degraus já, eram conhecidos dela. Com o coração acelerado, mas as pernas firmes começou a subida, levada por uma força ainda maior do que o medo. O vento soprava pelas estreitas janelas e ela se apoiava na parede curvada para se equilibrar. Instantes mais tarde soaram os estalidos, as lendárias batidas das garras do monstro contra o chão de pedra. A princípio eram batidas tão leves que ela mal ouvia. O som se tornou mais forte e Katherine foi subindo. Pensou que, mesmo que quisesse, não conseguiria retomar. A escada alcançou um dos patamares, talvez aquele onde brilhara a luz avermelhada. Subitamente o som do vento sofreu uma mudança. Não era mais um uivo
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choroso, mas sim suspiros de uma respiração pesada. A fria torre foi tomada por ondas de calor. Katherine ficou paralisada quando uma enorme sombra se moveu por trás dela. Tremendo de excitação e pavor, ela dirigiu o facho da lanterna para a parede. A sombra flutuava ali... A silhueta de uma gigante e alada criatura! Com a respiração contida, Katherine forçou-se a girar sobre os próprios calcanhares. Sufocando um grito, ela quase perdeu o equilíbrio. Lá eslava o dragão de Aawn, olhando para baixo através de brilhantes olhos de cristal.
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CAPÍTULO XI A grande cabeça do monstro estava a pelo menos três metros do chão. À luz da lanterna de Katherine, a cor dele ia do verde à alfazema, passando pelo carmim. A boca estava fechada e os dois olhos, que não piscavam, brilhavam como pedras preciosas iluminadas pelo luar. Incrédula, ela se viu estudando a expressão do dragão. Não havia no rosto dele nenhuma maldade, mas sim um majestoso ar de sabedoria. A não ser pelas narinas, que se dilatavam, e pelas asas, que tremulavam, a enorme figura estava parada, como se não quisesse assustá-la com qualquer movimento que fizesse. Curiosa para saber se estava diante de um fantasma ou de uma criatura real, Katherine não resistiu ao impulso de estender a mão na direção do monstro. Estranhamente, a fria torre de pedra foi tomada pelo calor que emanou do dragão, o que ela pôde sentir na palma da mão. Como o calor poderia partir de um fantasma? Mas, tivesse ou não calor, aquilo só podia ser um fantasma. As enormes patas de três dedos voltaram a bater no chão de pedra e o monstro começou a recuar, mas tão subitamente como havia surgido, desapareceu. Katherine ficou imóvel, olhando fixamente para o círculo escuro no centro do qual um brilho dourado ia vagarosamente se desfazendo. Ela não sentia medo, mas apenas o espanto e uma excitação semelhante à de estar no meio de uma chuva de gelo num dia de calor sufocante. Havia realmente um dragão no castelo de Michael! E Michael acreditaria nisso? Ou será que já sabia? Embora o monstro não estivesse mais à vista, Katherine continuava sentindo a presença dele. Pouco depois, enquanto descia os degraus com a lanterna acesa, experimentava uma sensação de calma. A torre estava silenciosa, mas não vazia. Em algum lugar da escuridão estava o dragão. Perto dos últimos degraus ela ouviu gritos, passos pesados e respiração ofegante. Uma perseguição. Mike estava perseguindo alguém, e era na escada que aquilo acontecia. Trincando os dentes para superar o medo, Katherine viu quando a figura de um homem apareceu no caminho ascendente. Dirigindo a luz da lanterna para os olhos do desconhecido, ela o assustou de tal forma que ele recuou e perdeu o equilíbrio, indo cair em cima de Mike, que vinha logo atrás e prontamente o agarrou. Um dos policiais também vinha no encalço do fugitivo, com as algemas preparadas. Mike, que tinha praticamente o dobro do tamanho do intruso, soltou o homem agora imobilizado nas mãos do policial e olhou para cima, espantado. — Kathy! Você estava na torre? Katherine ficou olhando para ele. — Eu estava... Na torre... Mike não parava de olhar para ela enquanto o policial arrastava o cativo para fora. Surpreendentemente, ele nem havia se preocupado em saber a identidade do prisioneiro. — Eu teria tido um trabalho danado para agarrar aquele pilantra se você não o houvesse obrigado a parar. 84
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Katherine desceu cinco degraus e chegou perto dele. — Quem são eles, Mike? Vocês pegaram os outros? — São garotos! — ele respondeu, com incredulidade. — E os outros dois são meninas! Você acredita nisso? — Mas que fantástico! — Eu logo o reconheci esse que tentou fugir como um dos garotos da aldeia. As garotas se entregaram sem resistência. Eles foram contratados... Pegando na mão dela ele a levou para o pátio, no instante em que os policiais conduziam os três cativos para o carro. — Quem os contratou? — perguntou Katherine. Mike encolheu os ombros. — Eles estão com medo de falar. — Mas você deve ter alguma idéia. — Tudo o que posso fazer é pensar nos meus inimigos. Fiz alguns inimigos, tanto na vida pessoal quanto no trabalho, mas não consigo imaginar quem teria todo esse trabalho para me atingir. — Qual desses inimigos tem algum conhecimento do castelo? Mike cocou o queixo. — Certas informações podem ser obtidas com facilidade, assim como os garotos da cidade podem ser comprados. Katherine olhou para ele, perguntando-se o que no passado de Mike poderia ter despertado tanta ira que levasse alguém a fazer uma loucura como aquela. — Acha que pode ser um grupo de ambientalistas enraivecidos por você ter vendido aos magnatas do petróleo o seu projeto de carro não poluente? — Eles não seriam tão estúpidos. O carro não chegaria a ser produzido, mesmo que eu não vendesse o projeto. Havia muita gente entre mim e o produto final. Ainda não temos absolutamente nenhuma pista, Kathy. — Mas certamente os adolescentes falarão a policia, para não assumirem sozinhos a culpa. — É o que veremos. Não acredito que esses garotos tenham sido capazes de colocar o esqueleto na caverna. Aquilo foi coisa de perito... Minha idéia é a de que a brincadeira já vem de algum tempo. Talvez a garotada só tenha entrado agora na história. Katherine olhou para ele. — Você tem um palpite, não tem? Mike passou a mão pelos cabelos. Agora eles caminhavam vagarosamente pelo pátio. O carro da polícia não estava mais ali. Os policiais haviam demonstrado pressa em ir embora, preferindo interrogar os adolescentes na delegacia. — Conte-me o que acha ser a possibilidade mais provável — insistiu Katherine. Mike encolheu os ombros. — Parece loucura, mas o que estava acontecendo aqui também era uma coisa muito louca. Eu estive pensando... Na minha ex-mulher. Pelo que fiquei sabendo, ela perdeu muito dinheiro no último ano. Perder não é bem a palavra... Foi ludibriada por um homem que se fez passar por um rico solteirão apaixonado por ela. Ele não era nem rico nem solteiro. Além disso, ela se ressente do fato de eu ser dono de um castelo. — Mike
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sorriu, — Em geral as pessoas pensam em castelos como mansões repletas de luxos indescritíveis, não é isso? Fui informado pelo meu advogado de que ela tenta de todas as formas me arrancar mais dinheiro, imagino que é a única pessoa que esperaria obter algum benefício se eu vendesse esta monstruosidade. Kathy... Por que está olhando para mim desse jeito? Estou falando de uma hipótese, uma simples teoria. Katherine estava com os olhos arregalados. — Ex-mulher? Mike, você disse que sua esposa estava morta! Mike apressou-se em se defender. — Eu nunca disse que... — Disse, sim! Você me escreveu dizendo isso. Até comentou detalhes. Mike hesitou. — Talvez você tenha me interpretado mal. Katherine queria olhar nos olhos dele, o que era impossível por causa da escuridão. — Será? Em que parte? Mike tossiu de uma forma evidentemente forçada. — Foi uma separação cheia de amargura. Sempre penso naquela parte da minha vida como uma morte. Não me lembro do que escrevi na carta, mas não menti deliberadamente para você. Desculpe. Já devia ter esclarecido tudo. — Outra vez ele passou a mão pelos cabelos. — Ela é muito criativa quando se trata de dinheiro. Não consigo pensar em outra pessoa que tivesse um bom motivo. Katherine agora o via por um outro ângulo. Será que Mike havia pensado que a Katherine de Allendale pensaria mal dele se soubesse que tinha tido uma separação cheia de amargura. Talvez. Antes ele a imaginava uma mulher muito conservadora. Só que agora não era possível ter certeza sobre nada do que ele havia escrito. Mike parou de andar e voltou-se para ela. — Nós... Podemos falar nisso, se você quiser. — O que mais não sei sobre você? Mike cocou a cabeça. — Você sabe da minha vida, Kathy. A faculdade, um bom emprego, um casamento fracassado, minha decisão de largar tudo e vir para cá. É só isso. Katherine sorriu, lembrando-se de como havia escondido tantas, coisas dele. Na verdade, Mike não devia nenhuma explicação. — Não estou querendo julgá-lo, Mike, Talvez eu tenha interpretado mal...: —Isso agora não tem importância — ele respondeu, pegando na mão dela. — Conte-me o que aconteceu na torre. Eu vi alguma coisa nos seus olhos? O que estava querendo me dizer? Katherine sentiu o coração em disparada e chegou mais perto para se apoiar nele. — Mike, sabe o que havia realmente na torre? Mike olhou para ela sem responder, meio sorrindo, meio preocupado. Katherine estava a ponto de explodir de excitação e impaciência. — E então? Sabe ou não sabe? — Sei.
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O coração dela quase saiu pela boca. — Meu Deus, Mike! — Você o viu? — ele perguntou, com a voz meio trêmula. — Sim, eu vi o dragão! Por que não me disse que ele estava lá? — Eu lhe disse. — Mas deu a impressão de que se tratava de um... Fantasma. — Mas é um fantasma. — Ah, é? Mike, se alguém mais visse uma coisa como aquela... — Ninguém mais o viu — ele a interrompeu. — Eu não tinha como saber que você também o veria. Katherine mordeu o lábio. — Quantas vezes você o viu? — Apenas uma vez, na noite em que encontrei os ossos. Várias vezes já havia sentido a presença dele. Mas foi só depois que você chegou que a coisa realmente apareceu na minha frente. Não foi só o esqueleto que me manteve na caverna a noite toda. Mesmo sem perguntar a opinião um do outro, eles foram entrando no castelo. — Você se assustou? — perguntou Katherine. — A princípio, é claro que sim. Mas quando olhei no rosto do monstro vi que não havia nenhuma maldade ali. O semblante era até... amigável, por incrível que pareça. — E também parece ter muita sabedoria — acrescentou Katherine. — Passado o primeiro choque, eu também não tive medo, mas não vou contar isso a ninguém. Mike passou a mão pelas costas e pela nuca dela. — Ótimo. Eu esperava mesmo que você não contasse, para o nosso bem. Em Allendale, por exemplo, acho que ninguém vai entender. Será nosso segredo. Sem qualquer notícia da polícia, Mike tirou folga pelo resto da semana para mostrar a Katherine, nos dias de férias que ainda restavam a ela, a terra que havia adotado como lar. Eles passearam por antigas cidades e enormes castelos construídos no reinado de Eduardo I. Visitaram balneários atulhados de veranistas e percorreram de carro regiões antes devastadas pela atividade de mineração, agora outra vez verdejantes com o fechamento das minas. Caminharam também pelas praias selvagens da península de Gower, onde os pastos verdes chegavam bem perto das areias brancas banhadas pelo mar. Quando eles retomaram a Aawn, o velho castelo pareceu um lar para Katherine. Os compridos corredores, os grandes salões em processo de restauração, o vento uivando nas apertadas janelas... Aawn havia se tomado parte da vida dela para sempre. Talvez ninguém além de Mike conseguisse entender isso. Ele também era parte da antiga fortaleza, tanto quanto outros que em séculos passados haviam habitado o lugar. Os antigos haviam defendido Aawn; Mike o restaurava. Talvez apenas os que habitassem aquele lugar poderiam entender os espantosos segredos do castelo. Mas Katherine também entendia. Thomas tinha novidades quando eles voltaram. Na privacidade do apartamento, o velho serviu a cada um uma taça de vinho branco e começou a dar as novas notícias.
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— Enquanto vocês estavam fora, a polícia descobriu quem contratou os três dragõezinhos. O nome é Henry Boyle, sócio de um antigo proprietário de Aawn. Eles são de Londres. Mike esperou pacientemente enquanto o pai dele procedia ao ritual de acender o cachimbo. Katherine, sentada na beirada da cadeira, sentia-se aliviada por saber que aquela confusão toda não tinha nada a ver com o passado de Mike. — Eles tinham feito um grande investimento aqui — continuou Thomas, tirando baforadas do cachimbo enquanto falava. — Tentavam arranjar mais dinheiro quando o castelo foi vendido em leilão judicial para cobrir as dívidas. O tal Boyle associou-se ao outro no final do processo e parece ter sido o inspirador da violência. As garotas entraram na história apenas por causa da recompensa em dinheiro. O rapazinho, que pelo jeito é o encrenqueiro da aldeia, admitiu ter atacado você e a cadela, tentando dizer que não foi intencional. Até o sangue do réptil estava no esquema. A intenção era nos afugentar daqui pelo medo. Mike serviu-se de outra dose de vinho. — Os idiotas gastaram cinqüenta mil dólares naquele trambolho quando não tinham dinheiro nem para pagar a hipoteca do castelo. Por quê? Thomas riu; — Eles atuam no ramo de entretenimentos. Estavam mais interessados em explorar comercialmente o lugar do que em restaurá-lo. — E provavelmente subestimaram os custos da restauração — conjecturou Mike. — Aliás, isso também aconteceu conosco. — Sem dúvida. Em todo caso, eles queriam de volta os ossos do dragão, já que nós não havíamos fugido de medo. É claro que, se isso houvesse acontecido, a publicidade que resultaria reavivaria as lendas que envolvem o castelo. Foi tudo muito bem planejado. — Na verdade foi uma estupidez sem tamanho — resmungou Mike. — Já foi aberto um processo criminal contra eles? — Sim, e os garotos estão cooperando. Mike olhou para Katherine. — Você está muito quieta aí, Kathy. Em que está pensando? — No dragão — ela respondeu, calmamente, embora estivesse com os olhos brilhando. — Nas histórias do dragão livrando-se dos que não quer em seus domínios. Aqueles homens não sabem a sorte que tiveram por o plano deles não ter dado certo. Eles não pertencem a este lugar. Mike ficou olhando demoradamente para ela. Katherine havia mudado desde que vira o dragão, tanto quanto ele. Falava do castelo como se fosse um ser vivente. Ela também havia descoberto a alma de Aawn. Depois que Thomas terminou de contar tudo, Katherine e Mike saíram de mãos dadas para um passeio ao crepúsculo. Talbot e Pembroke corriam à volta deles, felizes com o retomo dos bons amigos. A lua crescente brilhava por cima das colinas. Na calma da noite que caía, eles até podiam ouvir o barulho do riacho que corria ali perto. Katherine havia se acostumado ao castelo e a seus arredores. Acostumara-se ao delicioso cheiro dos bosques, aos ecos nos corredores de pedra do castelo, ao vento que uivava na escada da torre... E a ter Mike ao lado dela à noite, sentir a respiração dele, o toque daquelas mãos fortes e quentes. Sentia-se em casa, muito mais do que se sentia em Allendale. Sentia-se parte de um mundo que a maior parte das pessoas não conseguiria entender.
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No dia seguinte tudo estaria terminado. — Vai haver um julgamento? — ela perguntou, quando eles já retornavam ao castelo. — Acho que sim — respondeu Mime. — Não me importo muito com isso. Só quero que esses sujeitos não me perturbem. Não tenho tempo para vingança e tudo o que quero é seguir com minha vidinha sem complicações. — Você é muito bom em encerrar capítulos, não é? Mike apertou a mão dela. — Nem sempre. Agora, por exemplo, queria que as circunstâncias fossem diferentes... Isto é, entre nós dois. Queria... Ter alguma coisa para oferecer. Só que não tenho. Não tenho nada além destas ruínas. Katherine não sabia se ele estava querendo respeitar os sentimentos dela ou deixá-la ainda pior. Mike deixara claro desde o início que a ligação deles era apenas temporária. A princípio ela sentia a mesma coisa, principalmente por causa da diferença de idade entre eles. Agora, achava que isso teria importância apenas para as outras pessoas. E Mike? Será que dava alguma importância a isso? Certamente ele se esqueceria dela tão logo terminasse o verão. Naquela noite, deitada na cama suspensa por correntes e sentindo o calor da lareira, Katherine se abraçou com força a Mike. — O dia de amanhã será o mais longo de todos — ela murmurou. — Também vou sentir saudade — declarou Mike, acariciando o rosto dela. — Mais do que consigo dizer. Talvez um dia você volte. — É... Talvez. Mike aconchegou-a e beijou o pescoço dela. Depois eles se beijaram demoradamente. — Kathy... Só mais uma vez vamos fingir que não existirá amanhã. Existe apenas esta noite. Beije-me... Faça amor comigo...
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CAPÍTULO XII A alvorada chegou em forma de melancolia. Antes mesmo de estar totalmente acordada, Katherine sentiu os olhos cheios de lágrimas. Quando os abriu, viu que Mike estava acordado e a observava. Inclinando a cabeça, ele a beijou nos olhos. — Não chore doçura. Não suporto vê-la chorar. — Então não estou chorando. Com a ponta dos dedos Mike acariciou a face dela. — Gostaria que você não precisasse ir. — Mas eu preciso. Mike usou o polegar para afastar uma lágrima que havia escorrido até o queixo dela. — O período que passamos juntos foi o mais feliz da minha vida, Kathy. — Então foi bom... Nós termos nos conhecido. — Não totalmente bom. Eu ficarei triste depois que você partir, embora não inteiramente sozinho. Seu espírito sempre estará neste castelo, lembrando-me do verão mais doce da minha vida. Katherine sentia um aperto muito grande no peito. — Assim você vai me fazer chorar mesmo e só quero me lembrar das vezes em que rimos juntos. O coração dela não sabia por que estavam se despedindo, mas a mente entendia muito bem. Eles eram duas pessoas de mundos opostos, estilos de vida conflitantes, sonhos diferentes. Mas para ficar em Aawn Katherine renunciaria sem pestanejar ao próprio estilo de vida. Naquele instante tomou a decisão de, no ano seguinte, sair de Allendale para sempre. Depois daquelas férias, Allendale seria um lugar enfadonho demais para suportar. Durante um bom tempo eles ficaram abraçados em silêncio, entristecidos pelos próprios pensamentos. Aquela manhã, embora mal houvesse começado, já fazia parte das lembranças. — Que horas são? — perguntou Katherine. — Oito e meia. — Preciso me levantar para tomar banho. — A que horas tem que estar na aldeia para pegar o microônibus? — Não preciso ir até a aldeia. Deixei um recado para que o motorista do microônibus para me pegasse aqui perto, às nove e meia. — Então falta apenas uma hora! — Eu sei! — respondeu Katherine, levantando-se e rumando para o banheiro.
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No andar de baixo, Thomas já esperava por eles. — Preparei o café da manhã — ele disse, quando os dois desceram. — Ah, Thomas, não vai dar tempo! — lamentou Katherine, beijando-o na face. — Mas obrigada assim mesmo. Obrigada por tudo. Os olhos claros do velho eram a expressão da tristeza. — Então você vai embora, deixando o nosso velho castelo tão vazio quanto os nossos corações. Incapaz de falar por causa do nó na garganta, Katherine segurou nas duas mãos do bom amigo. — Tenho uma coisa para você — disse Thomas, entregando a ela um livro sobre a história de Aawn que os três costumavam ler à noite, ao pé da lareira. Nas cartas, Mike sempre fazia citações daquele livro. — Mas esse livro pertence ao castelo, Thomas — ela protestou. — Eu não poderia... — Consegui um outro exemplar. Numa aldeia chamada Hay-on-Wye, perto da fronteira com a Inglaterra, há mais livros usados do que em qualquer outro lugar do mundo. Escrevi para uma livraria de lá e eles me arranjaram o livro. Mandaram pelo correio. Este é seu, portanto. Por favor, aceite como uma lembrança. — Obrigada — agradeceu Katherine, tocada. — Guardarei como um tesouro. Mike permanecia num silêncio tristonho. Pegando a bagagem de Katherine, levou tudo para baixo e colocou no bagageiro da caminhonete. Os dois cachorros, percebendo a despedida, seguiram o veículo até o entroncamento da estrada, onde eles desceram para esperar o microônibus... — Kathy... — murmurou Mike. Contendo as lágrimas, ela ergueu os olhos para ele. Mike demorou a falar. Parecendo escolher as palavras, abriu a boca várias vezes, mas sem emitir nenhum som. — Seja feliz — ele disse, finalmente. — Você também. Quando eles viram a aproximação do microônibus, Katherine afagou o pescoço dos cachorros. Mike estava com lágrimas nos olhos quando a tomou nos braços para beijá-la. Ao longe o castelo permanecia num silêncio soturno, guardando seus segredos. O som do motor que se aproximava parecia mil vezes mais alto do que realmente era. Mike apertoua com força e, como as palavras não saíam, voltou a beijá-la. O microônibus parou a poucos metros de onde eles estavam. Katherine sentiu o olhar dos outros passageiros, mas naquele momento só importava a terrível certeza de que nunca mais voltaria a ver Mike. O motorista abriu a porta e começou a pegar as malas. Katherine entrou no veículo, quase sem sentir onde estava pisando. O motor voltou a funcionar e o microônibus pôs-se em movimento. Katherine voltou à cabeça e, através da cortina de lágrimas, olhou para trás. Vestindo a mesma calça jeans apertada que usara no dia em que eles haviam se conhecido, Mike estava de pé no meio
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da estrada. Imóveis, os dois cachorros permaneciam ao lado dele... Eram três silhuetas cinzentas na manhã que ameaçava chuva. Mike voltou-se depois que o microônibus desapareceu por trás de uma colina e limpou os olhos na barra do suéter. Sentia o coração apertado e fraqueza nos membros. Uma forte dor de cabeça começava a perturbá-lo. Thomas esperava-o para o café da manhã, mas ele não queria nem olhar no rosto do pai. Não queria ter que conversar sobre Katherine. Pelo menos não ainda. Era preciso deixar o tempo passar. Thomas, no entanto, estava impaciente. Duas horas depois de Mike ter ido trabalhar no grande salão, ele foi procurá-lo. — Você se esqueceu do café da manhã e do almoço — disse o velho, colocando a mão no ombro do filho. Mike não respondeu, mas parou de olhar para as tábuas com que trabalhava. —Preparei café e uns sanduíches. — insistiu Thomas. — Venha. Quero conversar com você. — Será que pode esperar papai? — Não, não posso. Mike não quis discutir, talvez por causa da dor de cabeça. Afastou o cabelo dos olhos e seguiu o pai pelo corredor. No apartamento, tomou de uma vez só três aspirinas. Depois ocupou o seu lugar à mesa e pegou a xícara de café fumegante que o velho serviu. Finalmente Thomas deu início ao diálogo. — Então você deixou que ela fosse embora. — Não tive escolha, papai. As férias dela terminaram. Kathy precisava voltar para casa. — Sei... Então Katherine está a caminho do aeroporto de Manchester, enquanto você fica aqui na sua torre, com esse ar de quem está mais morto do que vivo. — Estou com uma dor de cabeça danada. — Está é arranjando dor de cabeça para mim — resmungou o velho, estendendo o prato de sanduíches para o filho, que recusou balançando a cabeça. — Eu não compreendo. Nenhum homem em sã consciência deixaria aquela mulher ir embora. — Por favor, papai. No momento não estou com disposição para discutir. — Pois vai discutir, queira ou não queira. Tenho observado vocês dois. Em toda a minha vida, nunca vi duas pessoas mais compatíveis ou que parecessem mais felizes juntas. Mike levantou a cabeça. — Tenha compaixão, papai, por favor. — Não, serei implacável. Quero saber por que você a deixou ir embora. — Porque Katherine não é da minha classe. — Classe? Você é Michael Thomas Reese Júnior! Tem classe para dar e vender! Herdou classe! Ah, sim, às vezes você é um pouco casca-grossa, mas isso se deve à sua juventude. E acho que foi justamente isso que atraiu Katherine. — Não quero falar sobre isso.
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— Eu não perguntei se você queria ou não queria. Mike olhou de frente para o pai. — Olhe aqui: Kathy nem mesmo sabe quem eu sou graças a você. Você e aquela mentira estúpida. Acho que devia ficar feliz por ela ter ido embora antes de descobrir que eu não sou você. E isso o que ela ainda pensa. — É difícil acreditar que ela ainda pense isso... — Pois pode acreditar. Kathy nunca imaginaria que nós mentiríamos para ela. O que acha que ela pensaria de mim se descobrisse que sou uma fraude? E acabaria descobrindo, se ficasse mais tempo aqui. Eu não estava agüentando mais e fatalmente revelaria a verdade. Seria doloroso para ela... E para mim também. — Você nunca conseguirá me convencer de que deixou que ela partisse apenas para proteger a nossa mentira. Eu o conheço há muito tempo, filho. O garoto que criei não parava diante de nada para conseguir o que queria... E a restauração deste castelo é uma prova disso. Estou tentando descobrir, se interpretei erroneamente as suas intenções, o que raramente me acontece. Quero saber se você permitiu que ela fosse embora por covardia, por estupidez ou simplesmente porque não a queria. Mike desviou o olhar. Outra vez Thomas recorria àquela irritante mania de tirar conclusões eliminando possibilidades. — Você fala como se eu tivesse escolha. Kathy não ficaria aqui. O que tenho eu para oferecer a ela? Um castelo frio e em ruínas, um pouco além do fim do mundo. — Então é isso — concluiu Thomas, pegando o cachimbo. — Sim, basicamente é isso. Um homem tem que ter amor-próprio. — Imagino que você ache que ela seria mais feliz com... Digamos... Uma versão mais jovem de mim. — Nem por um segundo. Ela morreria de tédio com uma versão mais jovem de você. — É claro que morreria. Katherine é uma mulher vibrante demais para se satisfazer com um sujeitinho dócil e do tipo erudito... Que, no entanto seria o mais adequado para ela. Provavelmente é por isso que nunca se casou. O que ela quer meu caro rapaz, não são champanhe e rosas. Katherine quer aventura e, acima de tudo, um homem determinado e viril. — Como você pode supor que sabe o que Katherine quer? — É precisamente isso o que você está fazendo... Supõe saber o que ela quer! Mike tomou um gole do café, agora meio morno, e colocou a xícara sobre o pires. — Um homem determinado e viril, é? Espero que não esteja me tomando como referência. Ela veio para cá achando que eu era um doente. — É uma pena Katherine não poder ver como neste momento você parece doente — lamentou Thomas, espalhando fumaça sobre a mesa. — Mas vamos parar de contornar a questão, que isso já está me cansando. Eu tive tempo de sobra para observar vocês dois. Está apaixonado por ela? — Não é essa a questão. — É claro que é essa a questão! Um homem apaixonado não pode deixar a mulher amada ir embora, assim sem mais nem menos. Tem que pedir que ela fique para que, juntos, os dois construam uma vida comum. Você pediu que ela ficasse?
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— Não, porque não quis deixá-la na desconfortável posição de me rejeitar. Kathy não se ligaria a um sujeito como eu... E agora sou eu quem já está ficando cansado desse assunto. — Como pode saber qual seria a resposta dela, se não perguntou? — Porque ela evidentemente me rejeitaria. Thomas riu sem vontade. — É claro! Katherine está voltando para um mundo onde imperam os bens materiais. Ah, a boa vida! Agenda eletrônica, videocassete, forno autolimpante... E um carro do ano na garagem. É preciso não esquecer as reuniões dos vigilantes do peso, para contrabalançar os fins de semana no Country Club. Jogo de bridge às terças-feiras, golfe às quintas. É tudo o que uma mulher pode querer certo? — Pare com isso, papai, por favor. — Está bem, eu vou parar. Mas tinha que dizer o que penso. Se você quer abrir mão do amor de Katherine, não há nada que eu possa fazer. Vai comer ou não? — Não. Minha dor de cabeça está dez vezes mais forte do que quando me sentei aqui. Acho que vou subir para me deitar um pouco. Mike não conseguiu se acalmar na cama, que tinha o perfume de Katherine. Ainda havia ali até o calor do corpo dela. Quando ele fechava os olhos era como se ela estivesse ali, ao alcance da mão. Cada instante que eles haviam partilhado passou pela mente de Mike. Ele via os olhos dela, o sorriso, o riso franco. Sentia o calor da mão dela na dele enquanto caminhavam pela margem do lago. Agora ela estava voltando para o mundo onde imperavam os bens materiais, de acordo com as palavras frias e sarcásticas de Thomas. Oh, bom Deus! Não a doce Kathy. Ela não tinha nada da ex-esposa de Mike. Em geral as mulheres queriam uma vida de conforto, mas Kathy não dava valor a isso. Ela buscava mais... Muito mais. Kathy queria desafios, mágica. Ela própria havia declarado isso a Mike. E ele pudera ver como a visão do dragão a afetara, constatara como ela aceitava o que ninguém mais conseguia ver. O dragão, o monstruoso fantasma que perambulava pelo castelo, havia se mostrado a ela. Apenas para Mike... E para ela! Que prova maior poderia haver de que Kathy pertencia àquele lugar? E como ele fora incapaz de perceber isso? Mike sentou-se na cama. Katherine praticamente tinha dito a ele o que queria, mas ele não havia escutado. Mike olhou no relógio. Ainda não eram três horas. Se ele se apressasse, talvez chegasse ao aeroporto de Manchester antes da partida do avião. Rapidamente ele vestiu uma calça jeans limpa e um suéter de lã. Depois de descer correndo a escada em espiral, parou à porta do apartamento apenas o tempo suficiente para comunicar ao pai que estava de saída. — Se eu encontrar alguém que me leve de avião até Manchester, talvez chegue lá antes da partida do jato. Chegarei em cima da hora, mas acho que dará tempo. Mike levou trinta minutos na esburacada estrada até alcançar o campo de aviação local. Nenhum piloto estava imediatamente disponível e ele teve que esperar, tomando café, andando de um lado para outro e praguejando contra si mesmo. Quando finalmente o monomotor levantou vôo, o piloto garantiu que eles chegariam a Manchester por volta das seis horas.
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Foi o que aconteceu, mas o pequeno avião teve que pousar na pista do aeroclube, que ficava a uma boa distância do aeroporto internacional. Quando Mike chegou de táxi e correu para o terminal de embarque internacional, os portões já estavam fechados e o jato taxiava na pista de decolagem. Respirando com dificuldade por causa da corrida, Mike ficou olhando, com uma aglomeração de pessoas às costas, enquanto o majestoso Boeing tomava posição para levantar vôo. Instantes mais tarde o jato estava em pleno ar. Mike sentiu-se engolido pela multidão. Os sons do aeroporto eram como marteladas torturantes na mente dele. Quase havia conseguido, mas quase não era o bastante. Katherine havia partido.
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CAPÍTULO XIII Usando um conjunto esporte de linho branco e uma faixa verde de seda na cintura, Rosalind acenou excitada e correu para abraçar Katherine. — Oh, Kath! É maravilhoso você estar de volta! Chegou bem a tempo para a festa do meu jardim! Katherine retribuiu o abraço da irmã. — Bem a tempo? Mas a festa será daqui a algumas semanas. — Tivemos que antecipá-la por causa da agenda do prefeito. Será no próximo sábado. Tenho apenas três dias para cuidar dos últimos detalhes. Mas você parece cansada, Kath! Como foi a aventura? Você não me escreveu e eu quase perdi o sono de tanta curiosidade. Como é ele... O seu senhor do castelo? — Ele foi... Uma surpresa. — Katherine acertou o “passo com o da irmã e elas seguiram para o terminal de bagagem”. — Como estão Rusty e as crianças? Está tudo bem? — Está mudando de assunto de propósito? Quero saber de tudo. Será que podemos passar lá em casa para que você veja ó meu vestido para a festa? Katherine sorriu. — Ah, Roz, tenha caridade. Olhe só as minhas olheiras. Estou exausta. Terei sorte se conseguir descansar um pouco antes da festinha das plantas. Rosalind mostrou-se ofendida. — Está chamando o que será o evento social do ano em Allendale, a festa do meu jardim, de festinha das plantas? — Desculpe — pediu Katherine, meio aérea. — Acho que não sou mais eu mesma. Verei seu vestido amanhã, quando acordar. No momento só consigo pensar numa xícara de chá e na minha deliciosa cama. Rosalind apontou para a esteira rolante onde as malas dela deveriam aparecer. — Agora me conte sobre esse excêntrico milionário com quem você vinha se correspondendo. Como é ele? E excêntrico demais? — Na vida real ele não é nada do que parecia ser nas cartas, mas é muito... Simpático. Para lhe dizer a verdade, Roz, eu prefiro falar de Mike Reese mais tarde, quando tivermos tempo para conversar. Rosalind ajeitou a faixa na cintura. — Espere só até ver as flores que encomendei Kath! E as esculturas de gelo, além de oito caixas de champanhe. A festa custará a Rusty uma fortuna, mas é ele quem insiste para que tudo seja da melhor qualidade. Você sabia que no próximo ano Rusty concorrerá à vaga no Senado pelo nosso Estado, não sabia? Dois congressistas estarão aqui no sábado e todas as mulheres da cidade só falam no vestido que irão usar. Por falar nisso, Kath, você já pensou no que... — Arranjarei alguma coisa. — Você sempre diz isso — comentou Rosalind, em tom de repreensão.
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— Não se preocupe com isso — insistiu Katherine. — Eu arranjarei... Alguma coisa. Nada mudava mesmo em Allendale. Todo final de verão Katherine voltava para valores que não eram os dela e sempre se fazia a mesma pergunta: por que continuava morando em, Allendale? Naquele verão, o primeiro depois da morte da mãe, ela já se fizera àquela pergunta incontáveis vezes. Por muitos anos, e já que Rosalind sempre estava sempre ocupada, era ela o apoio emocional da mãe viúva. Mas agora sabia a resposta para a pergunta: continuava morando em Allendale apenas porque ainda não havia encontrado um lugar onde se sentisse inteiramente bem. Havia, certamente, um outro motivo. O trabalho, além de ser interessante, era muito bem remunerado. Por sorte, nos Estados Unidos a dedicação dos professores era recompensada com bons salários. E Katherine tinha muito orgulho daquela profissão, porque sabia que um grande país só se forja com a disseminação do conhecimento. Mas ela estava sempre inquieta em Allendale, uma sensação que a acompanhava em todos os lugares. Era como se estivesse numa busca perene de algo que não conseguia encontrar, uma mágica... Sim, era isso! Mas agora a busca havia terminado, porque a mágica do castelo de Aawn permaneceria para sempre no coração dela. Katherine despertou numa brilhante manhã de agosto, com o sol coando-se pelas venezianas. A dor da saudade de Mike era insuportável. Ela ainda o via de pé no meio da estrada, ladeado pelos cachorros. Tinha sido quase impossível refrear a vontade de saltar do microônibus e correr para os braços dele. Como a vida podia mudar tão completamente, e de forma tão rápida? O telefone tocou. Só podia ser Roz. Olhando para o relógio, Katherine viu que ainda eram oito e quinze. Então ela se levantou, marchou para o banheiro e entrou embaixo do chuveiro, deixando que o telefone tocasse. Algum tempo mais tarde, embrulhada num roupão atoalhado e com os cabelos molhados, ficou parada diante do armário aberto, olhando o compartimento onde pendurava os melhores vestidos, tentando chegar a uma decisão. Aquilo foi como uma espécie de tortura auto-induzida. Um por um ela foi tirando os vestidos do armário, cada um dos quais tinha suas lembranças da vida social de Allendale. Um por um ela os foi jogando no chão, enraivecida, — Como pude usar esses vestidos? — espantou-se Katherine, enraivecida. — Quem foi à desmiolada que escolheu esta coisa horrorosa? E esta! Meu Deus... E esta aqui? Eram as roupas de Allendale, a identidade dela em Allendale. Katherine estava tão surpresa quanto enraivecida. A mulher que usara aquelas roupas era quase uma estranha para ela. Mike a havia mudado. Mike e o castelo encantado tinham feito com que ela olhasse para si própria não como uma vitrine a ser exposta diante do mundo, mas sim como a pessoa que realmente era. O amor de Mike lhe devolvera a juventude e a alegria de ser mulher. Mike tinha amado a cigana que havia nela. E tinha sido para a cigana que o dragão havia aparecido... A Katherine que acreditava em mágica. Tinha sido uma estupidez tentar camuflar a própria personalidade, apenas por não saber a que lugar a Katherine verdadeira pertencia. Todas aquelas férias em segredo... Ah, como ela tinha sido covarde!
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Fora preciso um homem com o coração tão livre quanto o dela para levá-la a entender e aceitar aquela simples verdade. Pelo menos isso ela poderia guardar de Mike. Isso e preciosas lembranças... Com o coração apertado, Katherine tirou os vestidos restantes do armário e empilhou-os no chão. Nunca mais usaria nenhum deles. Não estava disposta a voltar a ser a mulher que fora antes. Outra vez o telefone tocou. — Alô? — ela atendeu, num tom ríspido. — Onde você estava Kath? Eu liguei mais cedo. — Estava tomando banho. — Está vindo para cá? — Se quer que eu vá à festa, terei que fazer compras. Com um pouco de otimismo posso esperar que tenha restado alguma coisa nas lojas de Alleridale depois que todas as mulheres compraram roupas para a sua festa. — Não encontrou nada adequado no seu armário? Ah, graças a Deus! Você é sempre irritantemente conservadora, mas a ocasião não será para conservadorismos. Vá direto à butique de Cecília Stuart. Deve encontrar alguma coisa lá. — Está bem. Procurarei Cecília. — Ótimo. Ah, depois que a festa passar, precisamos ter aquela longa conversa. Quero ouvir tudo sobre as suas férias. Depois que desligou o telefone, Katherine suspirou. Não tinha certeza de que contaria tudo à irmã. Certamente não falaria do dragão... Enquanto ela se preparava para sair na horrível farra de compras, ouviu a campainha da porta. — Carta expressa procedente da Inglaterra — disse um rapaz quando ela abriu a porta. — O endereço tem apenas o nome da rua, sem o número da casa, mas eu sabia onde encontrá-la. O primeiro pensamento de Katherine foi de que não podia ser nada mandado por Mike. Afinal de contas ele sabia o endereço... Bem, havia sempre a esperança. Dentro do envelope havia uma única folha de papel, mostrando a escrita de uma mão pesada e apressada. Katherine começou a tremer mal iniciou a leitura. Kathy, minha querida, estou mandando esta carta expressa do aeroporto de Manchester para que chegue logo depois de você. Vim correndo para tentar alcançá-la, mas tive uma má sorte danada e perdi o seu avião por questão de minutos. Queria lhe pedir que ficasse por mais tempo. Temos umas coisas para conversar. Mas não se preocupe por enquanto que eu lhe telefonarei. Com amor, Mike. P.S. Estou sentindo uma saudade louca. Katherine ficou olhando para o papel, boquiaberta. Mas o que significava aquilo? Aquela não era a caligrafia de Mike! Horrorizada, ela desabou numa poltrona da ensolarada sala de estar e leu outra vez a misteriosa carta. Tinha as mãos trêmulas e o coração dominado pelos mais terríveis pressentimentos. Teria mesmo Mike ido a Manchester para pedir a ela que não fosse embora logo? Outra vez ela olhou para o papel. Sé não tinha sido ele, quem poderia ter escrito a carta? Ninguém! 98
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A não ser... Thomas? Mas Thomas não assinaria o nome de Mike. Que motivos teria para correr até Manchester e despachar uma carta expressa afirmando ser Mike? Katherine pôs-se de pé, num salto. A caligrafia de Thomas estava no livro presenteado por ele na manhã da partida dela. Katherine correu para o quarto, abriu uma das malas que ainda não havia desfeito e pegou o livro. Passando rapidamente as páginas, encontrou o papel em que Thomas havia escrito datas e outros dados, além de comentários sobre o assunto de que tratava o livro. A letra era bem conhecida dela... A mesma que estava em todas as cartas. Na página de rosto do livro estava um carinhoso oferecimento, com uma assinatura que a atingia como uma bala no coração: M. Thomas Reese. Era a caligrafia pequena e limpa que ela estava acostumada a ver. Katherine sentiu-se tonta e apoiou-se na beirada da cama. Estava confusa e desiludida, mas gradualmente a verdade ia aparecendo. A verdade. Mike jamais havia escrito para ela antes da carta que chegava naquele dia! Ele nem se lembrava do endereço completo dela; Todas aquelas cartas, todos aqueles anos não tinham sido para Mike. Katherine havia se correspondido com o pai dele! Se tinha sido mesmo Thomas o autor das cartas durante quatro anos, isso explicava muito coisa. O poema que Mike havia relutado em ler... A enfermidade que parecia não fazer sentido... A confusão sobre o casamento dele... O divórcio acidentalmente revelado... Katherine deixou escapar um gemido. Sentia uma raiva se espalhando por dentro. Revoltada com a constatação de que tinha sido feita de tola por Mike e Thomas, ela amassou a carta. Mas por que eles tinham feito aquilo? Por que haviam mentido de forma tão absurda? Tudo tinha sido um jogo cruel e estúpido... Em que ela se transformara em objeto. Insultada e enfurecida, Katherine levou o livro e a carta amassada para a mesa do escritório. De pé, ficou olhando para a foto do homem na canoa, do homem das cartas. Tantas vezes havia olhando para aquela foto... Não era Mike quem estava ali, mas sim o pai dele, muitos anos mais jovem. — Eu poderia matá-lo, Thomas! — ameaçou Katherine, com os dentes trincados e os olhos fixos na foto. — Eu confiei em você! Por que fez isso comigo? Katherine emborcou a foto contra o tampo da mesa. Teria sido por causa da idade? Será que ele não queria que ela soubesse... Mas que coisa ridícula! E enigmática. Mike não tinha nenhum motivo no mundo para se fazer passar pelo pai. Aquilo só podia ter sido idéia de Thomas. Sem dúvida... O difícil era saber como Mike fora levado a participar. Mas o fato era que ele havia participado, mentindo continuadamente. — Por que mentiu para mim, Michael? Relembrando os acontecimentos, Katherine percebeu que Mike nem ao menos havia lido as cartas dela. Não podia tê-las lido, pois cometia muitos erros. Tinha poucas informações sobre ela e isso era outra evidência de que não tinha sido o inspirador do estratagema.
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Katherine lamentava ter recebido aquela carta de Manchester. Seria muito melhor nunca ter sabido da verdade. Poderia guardar doces lembranças de Mike, acreditando que, pelo menos no curto período de um verão, tivera o sincero amor dele. Meia hora mais tarde Katherine saiu ao sol, tentando suportar a dor. O cheiro de madressilva era forte no final do verão e ela respirou fundo o ar fresco da manhã. A dor no coração era palpitante, quase física. — Que Deus me ajude, mas eu o amo — ela disse, em voz alta. — Eu o amo e sempre o amarei. Aquilo precisava ser pensado, mas ela conseguiria superar. Naquele momento precisava enfrentar o mundo para o qual havia retornado e o dia que tinha pela frente. Aquele era o primeiro dia da vida dela depois de Mike, um dia incrivelmente depressivo no mundo de Rosalind... O mundo em que ela própria havia crescido, mas que nunca seria capaz de aceitar. Katherine tentou não pensar na promessa de Mike de que telefonaria, mas sabia que estava brincando consigo mesma. Era impossível não querer ouvir a voz dele. E, dadas às circunstâncias, desprezava-se por sentir aquela vontade. Naquele dia o telefone não tocou. No fim das contas, talvez o que ele queria dizer não fosse assim tão urgente. Na manhã do dia da festa de Rosalind ele ainda não havia ligado. Ah, mas que promessa! Mais uma mentira para ser acrescentada a uma série de outras. Á música se espalhava pelo jardim repleto de flores. Os componentes da orquestra, de smoking branco e gravata-borboleta cor-de-rosa, tocavam enquanto os convidados circulavam entre os canteiros e no gramado do Country Club. Todas as famílias de projeção do condado estavam representadas, as mulheres em longos e esvoaçantes vestidos, na maioria de organdi, voile ou linho, e todas com um florido chapéu na cabeça. A arrumação das mesas certamente fora uma delícia para os fornecedores. Por baixo de coberturas verdes e rosas, as esculturas de gelo derretiam-se vagarosamente no calor da tarde de agosto. Rosalind volteava pelo jardim como um pássaro de amarela plumagem. Katherine acabou se atrasando. O vestido que Cecília Stuart havia vendido a ela, com explícitas dúvidas, levou mais tempo para ser ajustado do que o previsto. Confeccionado em organdi com padronagens de grandes folhas em três tonalidades de verde, o vestido se ajustava em volta do pescoço com grande franzido. A saia cheia era presa na barra. — Ele não é exatamente você — tinha dito Cecília, com um ar de constrangimento. — Mas será quando eu der um jeito nele. — tinha sido a resposta de Katherine. Cecília nem havia tomado a iniciativa de mostrar aquele modelo, por achá-lo diferente demais, mas Katherine acabou se encantando com o tecido e as cores. Além disso, antecipadamente via como o modelo ficaria depois de modificado. Em casa ela se entregou ao trabalho de mudanças no modelo. Por que não algo frívolo e bonito? Todo o resto da vida dela estava tão escuro, frio e... Solitário. A primeira coisa que fez foi retirar o plissado do peito, deixando um decote pronunciado. A saia teve o comprimento consideravelmente diminuído e perdeu aquela aparência de balão. E se ela fosse à única mulher na festa de vestido curto? Katherine nem se incomodava. O modelo agora estava diferente, muito mais bonito. Exigia saltos bem altos e um broche de pérolas na cintura, além de flores brancas nos cabelos. Era um vestido ousado. Dificilmente alguém imaginaria que a solteirona da cidade apareceria vestida num modelo como aquele. Mas naquela manhã, enquanto Katherine 100
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tomava banho, era o único pendurado no armário antes entulhados pelos vestidos que ela havia descartado, agora amontoados numa grande caixa de papel a um canto da garagem. Eram símbolos da antiga vida dela. Precisavam ser jogados fora. Quando ela chegou ao local da festa, um pouco atrasada, várias cabeças se voltaram e murmúrios de espanto ouviram-se de todos os lados Rosalind abandonou um grupo de convidados e correu para o lado da irmã. — O que aconteceu com você, Kath? Está chocante! Não venha me dizer que comprou esse vestido em Allendale! — Mais ou menos — ela respondeu. Rosalind chegou mais perto para cochichar. — Você é a minha irmã Kathy, não é? Mas olhe só o que esse vestido fez da sua figura! E o seu cabelo! Não está sentindo vibrações de inveja à sua volta? Eu adoro vibrações de inveja. Ah, mas isso é fantástico! — Então o cochicho dela tornou-se mais baixo. — Não sei o que aconteceu com você lá no País de Gales, mas estou louca, louca, louquinha para saber! — É apenas um vestido, Roz. — Não, é muito mais do que isso. Olhe só para você. — Nesse instante Rosalind se voltou ansiosa. — Ai, meu Deus! O senador Martin e a esposa estão chegando! Preciso ir. Misture-se ao pessoal, Kath. Misture-se e exiba-se. Um garçom logo estará servindo champanhe. Katherine logo descobriu que todos os colegas e velhos amigos já sabiam que ela passara as últimas semanas na Grã-Bretanha. Rosalind havia espalhado a informação pela cidade, sem esquecer de acrescentar que a irmã fora outra vez passar as férias na Europa. Roz não tinha jeito mesmo! Foi agonizante para Katherine misturar-se e exibir-se, tendo que participar de conversas absolutamente impessoais. Será que aquelas pessoas, quase todas bebendo champanhe e afetando ares de muita importância, realmente ficavam bem impressionadas umas com as outras? Escutando apenas uma pequena parte do que os convidados diziam, Katherine conseguiu fugir ao tédio voltando o pensamento para a antiga fortaleza no País de Gales que havia aprendido a amar mais do que qualquer outro lugar no mundo. Meia hora mais tarde ela estava numa enfeitada ponte de pedra que passava por cima de um lago artificial cheio de blocos de lírios. Conversava com ex-colegas da época de faculdade, agora sócios do Country Club. Um deles, um advogado, falava de investimentos imobiliários que estava fazendo. Uma ex-companheira de quarto de Katherine, casada com o pediatra da cidade, fazia perguntas sobre a vantagem de se investir em terras no campo. A orquestra tocava Autumn Ileaves. Subitamente um estranho ruído soou à volta dela, um murmúrio que se espalhava como uma onda de eletricidade. O advogado e a mulher do pediatra emudeceram e passaram a olhar por cima dos ombros de Katherine. Todas as pessoas nas proximidades olhavam para o mesmo local, além da ponte de pedra onde ela estava. Quando Katherine se voltou, achou que o coração ia saltar pela boca. O alvo de todos os olhares era um jovem espantosamente belo que vinha subindo a calçada entre os canteiros, usando uma calça jeans apertada e uma camisa branca meio desabotoada e com as mangas enroladas até um pouco acima dos cotovelos.
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CAPÍTULO XIV Mike? Era Mike quem vinha pela calçada. Segurava na mão um buquê de flores silvestres colhidas nas colinas do País de Gales, flores que ela prontamente reconheceu, e vasculhava a multidão com os olhos à procura dela. Os murmúrios em volta aumentaram de tom. As mulheres se cutucavam e trocavam rápidos olhares. Perplexa, Katherine permaneceu muda. Mike ergueu a cabeça na direção da ponte. Quando viu a silhueta dela contra o sol, o vestido branco de organdi, as flores no cabelo, parou como se houvesse encontrado um muro no caminho. Depois, ergueu o braço e acenou. Katherine respondeu ao aceno. Outra vez os murmúrios se espalharam, mas desta vez ela só ouvia as batidas do próprio coração. Espantada demais para fazer qualquer movimento, viu a caminhada dele se transformar em corrida. Mike chegou bem perto e, sem uma única palavra, abraçou-a com força, dando a impressão de que nunca mais a soltaria. A absoluta alegria de estar nos braços dele, uma sensação que Katherine acreditava condenada a nunca mais experimentar, ainda não estava perdida. Outra vez o mundo dela se cobriu de dourado. Um pandemônio se instalou no Country Club. Os convidados passaram a falar todos ao mesmo tempo, como uma enorme aglomeração de gansos. — Mike — ela murmurou, com os lábios encostados no ombro dele. — Mike... O que está fazendo aqui? — Vim levá-la para casa — ele respondeu. O coração de Katherine quase parou. — Como... Como me encontrou? — O motorista do táxi sabia da festa e disse que você estaria aqui. — Não posso acreditar... Você veio... De tão longe... — Eu lhe trouxe algumas flores da nossa colina — disse Mike, oferecendo o buquê. O cheiro das flores silvestres a levou de volta à colina onde eles haviam passeado de mãos dadas. Por alguns instantes, Katherine pensou estar sentindo o vento frio no rosto e ouvindo o murmúrio do riacho. — Você atravessou o oceano me trazendo essas flores — ela murmurou, aceitando o buquê. — Eu atravessaria o mundo inteiro para lhe entregar essas flores — garantiu Mike. — Estou perdidamente apaixonado. Não conseguirei viver nem mais um dia longe de você. Se ele não a estivesse abraçando talvez Katherine houvesse caído. Alguma coisa entre um soluço e um suspiro ficou na garganta dela. A respiração descontrolada impediua de dar uma resposta. — Você voltará para casa comigo? — ele perguntou. — Mike, eu... Você está me confundindo... Mike ficou tenso.
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— Acha que é muito cedo para responder? Ou já passou da hora? Eu devia ter dito isso antes da sua partida. Até tentei alcançá-la. Eu tinha medo de que não fosse o que... O que você realmente queria... Katherine afastou-se do abraço dele. Subitamente consciente de que era objeto de todos os olhares, ficou com as faces vermelhas. Mike havia cochichado e ninguém ouvira nada do que ele dissera, mas ela sabia que aquelas pessoas dariam as mais diferentes interpretações a cada movimento deles. — Eu não tenho certeza... De quem você é — ela declarou, num fio de voz. Mike olhou nos olhos dela. — Por que diz isso? Você me conhece melhor do que qualquer outra pessoa jamais me conheceu. — Está se referindo aos quatro anos durante os quais nos correspondemos? Mike empalideceu. Ficou com os olhos fechados por alguns segundos, para depois abri-los bem devagar. — Você já sabe? — Sim. Só não sei por quê. Trêmulo, Mike segurou na mão dela. — Aonde podemos ir para conversar? Antes que Katherine pudesse responder Rosalind surgiu ao lado deles como uma ave de rapina. — Mas o que está acontecendo, afinal? Tentando controlar o tremor na voz, Katherine fez a apresentação. — Roz, este é Michael Reese. Michael, esta é minha irmã, Rosalind. — Ele é... Quem? — gaguejou Rosalind. Katherine sabia exatamente à dificuldade que seria aplacar a ira da irmã pelo ultraje que havia representado aquele demorado e público abraço. — Michael é o senhor do castelo de Aawn — ela acrescentou. Com os olhos faiscando de espanto, Rosalind recuou um passo. — O senhor do castelo? Você é Michael? — Sim, sou Michael. — Meu Deus! — Acabei de descer do avião e por isso não me vesti para a sua festa — ele se explicou. — Espero que me desculpe. — Mike e eu precisamos sair — voltou a falar Katherine. — Temos certas coisas para conversar. — Ai, meu Deus! Será que vocês não podem conversar mais tarde? As pessoas aqui querem conhecer Mike. Estão absolutamente mortas de curiosidade. Olhe só em volta. Já viu uma reação assim na sua vida? Ah, como eu adoro isso! Você tem que apresentá-lo, Kath, querida. Quando eles souberem que Michael é o senhor do... — Talvez mais tarde — interrompeu-a Katherine, com firmeza, ao mesmo tempo em que pegava na mão de Mike. — No momento você vai ter que nos desculpar. Saindo pelo lado oposto da ponte e atravessando um portão de ferro pintado de branco, eles entraram num jardim cercado que era separado da área principal por
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trepadeiras e altas árvores. Aquele agradável e protegido local às vezes era usado para almoço de pequenos grupos. Mike e Katherine sentaram-se num banco de pedra à sombra de um salgueiro-chorão. O buquê de flores continuava na mão dela, que repousava no colo. — O que eu mais quero é tomá-la nos meus braços para beijá-la — declarou Mike. — Mas você vai me empurrar, não vai? Está muito zangada, e eu não a culpo. Como foi que descobriu? — A caligrafia na carta expressa que você me mandou. Eu não conhecia aquela letra. — Estava com tanta raiva de mim mesmo que nem pensei nisso. Fui estúpido demais ao deixá-la partir. Estava ficando louco... Eu estou louco de amor por você. Devia ter confessado isso antes. — Eu teria acreditado. Por que não me contou? — Que a amava? Pensei que você não poderia amar um sujeito como eu... Que vive como eu vivo... Onde eu vivo. Por entre as árvores vinham os acordes de Unchained Melody. Katherine procurou acompanhar a melodia, como se aquilo pudesse abafar a decepção que sentia. —. Eu lhe devo uma explicação — disse Mike. — Foi uma idéia ridícula de papai, que acabou me forçando a participar. Não estou tentando me eximir da culpa, que é tanto minha quando dele. Mas a idéia foi dele. Papai não tinha sido muito claro com você sobre a idade dele e não queria ver o seu desapontamento quando o conhecesse. É claro que ele também ficaria embaraçado. — Mas isso... Isso é loucura! — Não para ele. Papai fez chantagem emocional comigo e deu certo. Prometeu que seria o último favor que me pediria antes de morrer. — Mike segurou na mão de Katherine. — Eu e ele discutimos muito por causa disso. Eu não queria participar... Acredite! — Conhecendo você, eu acredito. Mas o fato é que participou. Estou me sentindo uma perfeita idiota. Será que você imagina a humilhação que isso representa? — É humilhante para mim também... Para todos. Agora sou eu que me sinto um idiota... O que de fato sou. Você foi apenas a vítima inocente. — E ainda confusa. Thomas nunca me falou que você estava lá. Quem chegou primeiro ao castelo? — Foi ele. Papai descobriu o castelo e nós dois financiamos a compra. Mas a idéia de transformar o lugar em hotel foi minha. Quando estive em Aawn, dois anos depois, senti na mesma hora que era lá que queria viver. A partir daí começamos os trabalhos de restauração. — Agora tudo se encaixa. Mike fechou o semblante. — Quase não acredito que me deixei envolver numa coisa tão infantil. Katherine sentiu que o sofrimento dele era verdadeiro. — A doença do seu pai é séria? — Papai teve dois ataques do coração e sofre de pressão alta. A saúde dele realmente preocupa.
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— Protegê-lo era mais importante para você do que me contar a verdade... Mesmo quando nos tornamos íntimos? — Eu estive muito perto de lhe revelar aquela absurda troca de identidades, mas papai me suplicou que continuasse guardando segredo. Jurou que não conseguiria olhar no seu rosto... E era verdade. Àquela altura não tínhamos como sair do buraco onde havíamos nos metido. Mas eu queria lhe contar... Por mais hipócrita que isso possa parecer, acredito na honestidade acima de qualquer outra coisa. Katherine ficou em silêncio. O sol brilhava por entre as árvores, espalhando sombras pelo chão. Além da cerca a orquestra agora tocava um pot-pourri de canções dos anos setenta. — E agora vou contradizer minha última afirmação pedindo a você que não conte a papai que sabe de tudo — continuou Mike. — Não quero vê-lo sofrer, mesmo essa besteira toda tendo sido idéia dele. Katherine ficou com o olhar distante. — Eu compreendo. Mike aprumou o corpo. — Compreende mesmo? — Não é difícil entender quando uma pessoa quer proteger a dignidade do pai. Eu também não quero ferir Thomas. Acho que teria sido melhor deixar as coisas como estavam... Sem que eu nunca soubesse de nada. Ainda não saberia da verdade se você não houvesse me mandado aquela carta. — Eu só estava pensando em você e no quanto a queria perto de mim... Para sempre. Os olhos deles se encontraram e Mike continuou a falar, num tom meigo. — Eu sempre soube que teria a sua compreensão, não porque eu mereça isso, mas sim pela pessoa que você é... Uma mulher cujos valores são iguais aos meus e cujo coração tocou o meu. Será que pode me amar, Kathy? Pode? — Você sabe que eu o amo, ou não teria vindo até aqui. Mike soltou um suspiro tão profundo que chegou a ser ouvido. — E se casará comigo? Acha que será feliz no castelo ao meu lado? A alegria de Katherine subiu às alturas. As palavras de Mike soavam aos ouvidos dela como um repicar de sinos. Apertando na mão o buquê de flores, ela olhou nos olhos dele. — Viver no castelo ao seu lado é tudo o que eu quero mais do que qualquer outra coisa neste mundo. — Então... Isso é sim! Você disse que sim! Mike tomou-a nos braços e beijou-a demoradamente. Depois, enfiou a mão no bolso e tirou uma pequena caixa com cobertura de veludo, que abriu nervosamente. Três grandes diamantes incrustados em ouro brilharam como fogo aos raios do sol. Cuidadosamente, ele colocou o anel no dedo dela. Katherine ficou olhando, boquiaberta. — Ele é... Lindo — ela murmurou; — Como isto pode estar acontecendo, se há apenas uma hora eu achava que nunca mais voltaria a vê-lo? — Mas eu estou aqui, Kathy. Quando se casará comigo? Aquela pergunta a pegou de surpresa. 105
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— Quando? — Estive pensando no avião que, se você concordasse, o casamento deveria ser aqui. Afinal de contas, somos os dois americanos e enfrentaremos menos burocracia. Além disso, sua família está aqui. Katherine sentia-se no meio de um redemoinho. — Não posso pensar assim tão depressa! — ela protestou, ainda segurando o buquê e passando o braço em volta dele. — Primeiro preciso assimilar tudo. Desta vez foi ela quem tomou a iniciativa de beijá-lo. Mas teve uma lembrança e se pôs de pé, segurando na mão dele. — Venha! Precisamos encontrar Roz para contar a ela. A música foi aumentado de volume à medida que eles se aproximavam do coração da festa. Outra vez, todas as cabeças se voltaram. Com um sorriso largo, Roz foi ao encontro deles ao lado de uma fonte luminosa. — Finalmente vocês dois voltaram à superfície! Michael, todos aqui estão morrendo de vontade de conhecer o misterioso amigo de Katherine! Você tem que... — O noivo de Katherine — ela corrigiu. Roz arregalou os olhos, deixando cair o queixo. Depois de ficar olhando para Mike por alguns instantes, voltou-se para a irmã. — É verdade? Com um sorriso no rosto, Katherine estendeu a mão para mostrar os diamantes, que brilhavam intensamente... Rosalind continuava perplexa. — Acho que vou desfalecer! — ela exagerou, segurando na mão da irmã. — Mas... Vocês dois se conheceram neste verão, não foi? — Foi um verão... Cheio de mágica — respondeu Katherine, quase sem acreditar que aquela felicidade era verdadeira. — Meu anel é lindo, não é? — É maravilhoso! Ah, mas isso tudo é fantástico! Olhe só para a expressão das pessoas, especialmente as mulheres. Estão morrendo de inveja de você, Kath. Todas elas, todinhas! Imagine só! A minha Kath, invejada pelas mulheres de Allendale! E espere só até que elas saibam da novidade! Ah, eu adoro isso! Todos os olhos estão em você e em Michael. Kath, ele é absolutamente bonito. Michael, você é lindo. E eu vou fazer o anúncio. Sim, um anúncio! Vão perguntar quando será a cerimônia. Vocês já marcaram a data? Temos um casamento para planejar! Você vai se casar com um príncipe, Kath! Katherine segurou no braço da irmã. — Acalme-se, Roz! Eu própria ainda estou descendo das nuvens. Não quero nenhum casamento grandioso. Não haverá tempo. Rosalind empalideceu. — Que história é essa de que não haverá tempo? —Termos que nos casar o mais depressa possível. Mike precisa voltar para casa e eu irei com ele. Katherine não tinha mais a menor dúvida disso, porque sabia que não pertencia mais àquele lugar. — Vocês não podem fazer isso! — rebelou-se Rosalind. — Michael, faz alguma idéia de como uma festa de casamento é importante para uma mulher?
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Mike fez uma cara de dúvida e olhou para a noiva. — É mesmo, Kathy? — Eu não quero esperar — ela se pronunciou. — Levaríamos semanas para organizar o tipo de casamento a que Roz está se referindo. Rosalind abaixou bem o tom de voz, para ninguém além deles dois pudesse ouvir. — O que você quer, então? Um blazer cinza, uma saia da mesma cor... E que a cerimônia se realize num cartório fedendo a fumaça de cigarro? Katherine ficou séria. — Não fique rabugenta. Rosalind ficou com lágrimas nos olhos e Katherine segurou na mão dela. Havia diferenças entre as duas, mas a amizade que as unia era sincera. — Acho que devíamos conversar sobre isso, Kathy. — disse Mike. — Não quero privá-la de uma festa de casamento só porque estou impaciente para que fiquemos juntos. — Vocês poderão ter um lindo dia do qual se lembrarão para o resto da vida — argumentou Rosalind. — Oh, Kath... Michael faça alguma coisa! — Mas não há tempo — insistiu Katherine, já sem muita convicção. Pensando bem, seria maravilhoso ter um dia do qual se lembrar para sempre. Uma cerimônia bonita, talvez num lindo jardim... Como aquele... Além de música, champanhe, a presença dos amigos... Tudo exatamente como agora. Se era para planejar o casamento perfeito, que fosse como a festa de jardinagem de Roz, com todas aquelas flores e... — Está bem, então! — capitulou Katherine, encantada pela inspiração. — Que outro lugar seria mais perfeito do que este aqui? E a ocasião? Não conseguiríamos organizar um casamento melhor nem mesmo se passássemos um ano inteiro trabalhando! Você está de acordo, Roz? E você, Mike? Rosalind abriu ainda mais os olhos, que brilhavam muito. — Aqui? Agora? Mike apertou a mão de Katherine. — Acho uma idéia fantástica! Só vamos precisar dos trajes apropriados. Kathy tem razão: nada seria mais perfeito. O que acha Rosalind? Rosalind abriu e fechou a boca como um boneco de marionete. — Por Deus, eu adorei a idéia! Um casamento de surpresa! As pessoas comentarão isso durante décadas! E vai abalar as estruturas da cidade. Você será uma noiva tão linda, Kathy! Nunca a vi tão linda como está hoje. A sim! Absolutamente sim! Será que conseguiremos? — Talvez não — ponderou Mike. — Existe a questão dos exames de sangue, a obtenção da licença... — Pelo que sei, nenhuma lei exige a licença antes do casamento — rebateu Katherine. — Casos semelhantes aconteceram no circo, em plena estrada. A cerimônia é um evento privado, particular. E a licença que caracteriza o casamento legal. Podemos realizar a cerimônia antes e obter a licença depois. Que diferença poderá ter?
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— Para mim, nenhuma — respondeu Mike. — No que me diz respeito, você se tornou minha esposa no momento em que disse sim. Trêmula de excitação, Rosalind agarrou o pulso de Mike para olhar no relógio dele. — De quanto tempo vamos precisar? Mike temos que arranjar um smoking para você. Isso não será problema, porque um dos nossos convidados é dono de uma loja de roupas para homens. Vamos precisar de mais flores, mas isso também não é problema. Paul Sands, da Floricultura Sands, está aqui. E o nosso vigário também está aqui! Temos até um fotógrafo profissional. Casamentos estão sempre se realizando no Country Club... E eles têm montanhas de cadeiras. Os músicos da orquestra certamente saberão tocar a marcha nupcial. E, com os nossos contatos, não há dúvida de que conseguiremos um lindo bolo. Kath, você poderá usar o vestido de noiva que mamãe nos deixou, o mesmo que eu usei... Está cuidadosamente guardado no meu armário, esperando por você. Duas horas... Sim, é isso. Não vamos precisar de mais tempo. Ah, eu estou adorando! Quero fazer o anúncio imediatamente! Mal terminou de falar Rosalind correu para o palco, onde fez um gesto para que a orquestra parasse de tocar e agarrou o microfone. — Atenção, todos! Atenção, por favor! Tenho o prazer de anunciar o noivado de minha irmã, Katherine, com lorde Michael Reese, da Grã-Bretanha. Katherine acaba de retornar de uma visita ao castelo de Michael, no País de Gales, e ele chegou hoje para a cerimônia do casamento. Rosalind esperou enquanto uma onda de murmúrios se espalhou pela multidão. Depois ergueu a mão. — Agora o melhor de tudo! A surpresa que estávamos guardando! Amigos, vocês todos estão convidados para a cerimônia de casamento, que terá lugar exatamente aqui, no jardim principal do Country Club, dentro de duas horas! Gritos partiram de todos os lados. Desta vez a anfitriã teve que erguer os dois braços para acalmar os espantados convidados... — Não é fantástico? Mais champanhe para todos! Este dia promete ser memorável! Em meio aos aplausos, Mike aproximou a boca do ouvido de Katherine. — Ela disse... Lorde Michael? Katherine abriu os braços. — Isso era mais ou menos previsível, porque Roz não perde a menor oportunidade. — Mas é falso e ridículo. Katherine riu com vontade do protesto dele. — Ela está terrivelmente orgulhosa de você. Minha irmã conhece a diferença entre a escritura de propriedade de um castelo e o título honorífico de lorde, concedido pela rainha da Inglaterra, mas não se importa com isso. Ela recorreu à palavra por causa do impacto que causaria nas pessoas. Mike encolheu os ombros. — Quem se importa com isso? O que me importa é que, quando este dia estiver terminado, você será minha esposa. Se mais de cem pessoas não estivessem nos olhando neste momento, eu a beijaria vorazmente. Bem, vou ter que ficar com a aparência de um lorde, não é? Então onde está essa criatura de Deus... O tal dono da loja de roupas para homens?
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— Está bem ali. Roz já está acenando para ele. Vá se arrumar, lorde Michael Reese de Aawn. Farei o mesmo. Daqui a duas horas nos reencontraremos. Envergando um elegante smoking cinza, Mike esperava pela noiva ao lado da fonte, que refletia os raios do sol da tarde. Diante dele, no tapete verde do gramado, os mais de cem convidados acomodavam-se em cadeiras arrumadas de forma a deixar uma passagem por onde viria a noiva. À direita de Mike e meio escondido por um enorme arranjo de rosas via-se o sorridente vigário da cidade, paramentado de branco. A orquestra tocou uma seleção de canções de amor até que, a um sinal, deu inicio à marcha nupcial. Rosalind, num florido vestido cor-de-rosa, o mesmo usado por Katherine no casamento dela, apareceu caminhando vagarosamente na passagem entre as cadeiras. Mike conteve a respiração ao ver a noiva. De braço dado com o cunhado, Katherine estava resplandecente no vestido branco de cetim e rendas. Carregava o buquê de flores silvestres que ele havia colhido nas colinas em volta de Aawn. Para Katherine, a cena que tinha diante dos olhos não apresentava clareza. Os semblantes sorridentes dos convidados, muitos dos quais eram amigos de infância; a longa faixa de cetim presa às cadeiras nos dois lados da passarela; Roz caminhando vagarosamente à frente dela, distribuindo sorrisos; o vigário que a havia batizado... Tudo aquilo parecia um borrão numa tela. Aos olhos dela, apenas a figura de Mike tinha foco. E os olhos dele, fixos nela, eram como um ímã. Ela não resistiria à atração dele, porque aquilo representava o limiar de um novo e maravilhoso mundo. Mike caminhou para a frente antes mesmo que ela alcançasse o arranjo de flores que marcava o final da passarela. Quando Rusty deu um passo atrás ele quebrou o protocolo e segurou na mão da noiva. Katherine sorriu, percebendo que, em pensamento, ele já estava em casa. Com ela. Debruçados no parapeito externo da torre de sentinela, eles contemplavam as águas e as colinas verdes. — Que sorte eu tenho — disse Katherine. — Que sorte nós dois temos. Este castelo mergulhou em lamentações quando você foi embora. — Eu nunca mais vou embora — ela prometeu, encostando-se no corpo quente e musculoso do marido. — Bem, terei que ir por alguns dias, para acertar alguns assuntos burocráticos depois que Rusty vender a minha casa. — Ainda estou achando que é um sonho você me amar — disse Mike. — Também acho fantástico você gostar do meu castelo tanto quanto eu. Katherine assumiu um ar sonhador. — Mike, como você sabia que o dragão não me afugentaria? — Porque eu o conheço... E conheço você. Vocês dois se aprovam mutuamente. É simples assim. — Será que ele aprovaria crianças correndo por aí e perturbando a paz da caverna? Sem responder, Mike olhou para ela com um ar de surpresa. — Você nunca tocou nesse assunto — prosseguiu Katherine. — Alguma vez pensou em ter um filho?
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— E você? — ele devolveu. — Sim. Mike abriu um enorme sorriso. — Isso é fantástico! É fantástico, Kathy! Então, providenciaremos um filho! A lua espalhava uma luz prateada no demorado crepúsculo de agosto. — São tão misteriosos os barulhos que o vento produz nesta torre — comentou Katherine. — Mas não há vento nenhum. — Não? Então, que barulho é esse? Por alguns instantes eles ficaram em silêncio, escutando o que parecia ser um bater de asas. — Sim — respondeu Mike, num murmúrio. — São as asas dele se movendo. Katherine conteve a respiração para escutar. — Vamos descer. — disse Mike, pegando na mão da esposa. — Talvez possamos vê-lo. Nosso dragão está aqui para nos dar às boas-vindas.
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