Amante por encomenda MAIL ORDER MAN
Roseanne Williams
"QUERIDA JÉSSICA, VOCÊ ESTÁ PRECISANDO DE UM HOMEM..." Com todo o trabalho na fazenda, Jéssica Patton não tinha tempo para namorar... nem para controlar os anúncios que seu avô colocava no jornal da região. Ao descobrir que o velhinho requisitara uma noiva no Correio Sentimental do periódico, ficou preocupada. Mais ainda quando a "noiva" surgiu acompanhada pelo neto, Raitt Marlow — um charmoso solteirão a quem mulher alguma era capaz de resistir! Inclusive Jéssica. A primeira vez que Raitt invadiu sua cama, ela ficou atordoada. Afinal, sabia que não tinha atrativos para conquistar o coração de um homem avesso a casamento. Então houve a segunda vez... e a terceira... Talvez Raitt estivesse superando o pavor por compromissos duradouros. Seria Jéssica capaz de fazê-lo perder o medo de subir ao altar?
Digitalização: Tinna Revisão: Aliane
Copyright © 1993 by Sheila Slattery Publicado originalmente em 1993 pela Harlequin Books, Toronto, Canadá. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada por acordo com a Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer outra semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: MAIL ORDER MAN Tradução: Sílvia Maria Pomanti Copyright para a língua portuguesa: 1994 CIRCULO DO LIVRO LTDA. EDITORA NOVA CULTURAL uma divisão do Círculo do Livro Ltdà. Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 CEP 01410-901 — São Paulo — SP — Brasil Caixa Postal 2372 Fotocomposição: Círculo do Livro Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
CAPÍTULO I — Jessie, minha menina, você precisa de um companheiro. Jéssica Patton parou de lavar os pratos usados no café da manhã. Apoiando as mãos sobre as bordas da pia, virou-se e lançou ao avô um olhar capaz de congelar um autêntico pingüim do Pólo Norte. Será que Duncan Patton não se cansaria nunca de lhe dizer aquilo? Será que o velhinho não percebia que já estava na hora de trocar o disco? — Você é um bom companheiro, vovô. Para que preciso de outro, se podemos dar conta perfeitamente bem das nossas tarefas aqui na fazenda? — Estou ficando velho, menina. Não consigo mais juntar um fardo de feno, não consigo mais domesticar um cavalo bravo, não consigo mais cuidar das nossas poucas cabeças de gado como se deve... Não consigo mais fazer metade do serviço que fazia no ano passado. Preciso de um substituto, essa é que é a verdade. Tocando os cabelos grisalhos, Dunc soltou o corpanzil de encontro ao recosto da antiga cadeira. A seus pés, embaixo da mesa da cozinha, Murph e Muttlev, seus dois cães pastores, olhavam para o ancião como se concordassem com cada palavra que ele dizia. Jéssica voltou a abrir a torneira e pôs-se a enxaguar os pratos ensaboados. Dunc, então, apresentou-lhe o argumento irrefutável: — Os anos passam, Jéssica... Ninguém pode impedir a marcha do tempo. — Não fale assim, vovô... Ao mesmo tempo em que deixava escapar um suspiro, ela deu uma olhada através da janela que ficava logo acima da pia. Diante de seus olhos, espalhava-se um extenso vale de terras muito férteis, confinado pelas encostas das Montanhas Warner, onde as árvores centenárias formavam um bosque compacto e exuberante. Aquela região, no nordeste da Califórnia, era praticamente isolada; sua escassa população, constituída por meia dúzia de proprietários de minifúndios como o próprio Duncan Patton, convivia em perfeita harmonia com a natureza hospitaleira. O velho Dunc tomou uma boa golada do café que ainda fumegava em sua caneca e tornou a colocá-la sobre a toalha florida que cobria o tampo da mesa de madeira maciça. — Não sei por que você insiste em se fazer de desentendida. — Vovô... — Quando falei em companheiro, era óbvio que estava me referindo a um marido, ora bolas! Você tem mais de trinta anos, Jessie, e todo um futuro pela frente. Por que se recusa a pensar nisso? Por acaso estou dizendo alguma mentira?
E, parecia que o disco iria mesmo continuar girando na mesma faixa... Por cima do ombro, Jéssica deu uma espiadela sorrateira no avô. Dunc faria setenta anos em breve e, se não fosse pelos cabelos brancos, ninguém lhe daria aquela idade. Mesmo assim, era impossível negar que suas espáduas já não se mantinham orgulhosamente eretas e que suas mãos, antes firmes e voluntariosas, agora tremiam com o simples gesto de levar uma caneca aos lábios ressequidos. Como também era impossível negar a existência das manchas senis que lhe cobriam os braços ou ignorar o pesado óculos de lentes bifocais que se empoleirava no nariz afilado. Ah, era difícil aceitar o fato de que Duncan Patton envelhecia... Jéssica adorava o avô, com a mesma energia vibrante com que adorava aquela pequena fazenda perdida entre as colinas e o velho casarão de madeira em que moravam. Havia cerca de cinqüenta anos, Dunc o construíra com o madeiramento formado a partir de toras virgens de cedro, jacarandá, imbuía e pinho, retiradas das imensas árvores que cobriam as encostas das montanhas vizinhas. Ela sabia que iria herdar aqueIa propriedade algum dia, mas rezava para que essa data levasse uma eternidade a chegar. Recolhendo as migalhas de pão espalhadas sobre a toalha da mesa, Jéssica disse: — Você também tem um longo futuro pela frente, vovô. — Não sei, não sei... Parece que envelheci um milhão de anos desde a morte da minha Lizbeth. — É, vovó faz uma falta incrível. Também sinto muita saudade dela. — Bom, vamos deixar os assuntos dolorosos de lado. Você não acha que já está mais do que na hora de pensar em se casar e ter filhos, menina? — Como já não sou mais tão "menina", marido e crianças estão fora da minha lista de desejos secretos. — Bobagem! Você devia era colocar um anúncio no Correio Sentimental do nosso jornalzinho. — Você já fez isso por mim, esqueceu? — Mas o anúncio saiu apenas uma única vez na Gazeta Rural. É muito pouco, Jessie. Deveríamos ter insistido. — Para quê? Não viu o tipo de gente que aquele comunicado trouxe até aqui? Três desordeiros desempregados. Cada um deles deu uma olhada em mim e... — E o que foi que viram? Uma mulher que mais parecia um caubói hostil. — Vovô! — Não estou mentindo, Jessie. Por que você teve que recebê-los com suas velhas roupas de montaria e o mais autêntico perfume "Odor de Estrebaria"? — E como queria que eu estivesse? Afinal, tinha passado o dia todo lidando com os cavalos. Além do mais, eles viram o que realmente sou, vovô: uma moça simples, atarefada, rústica... ou, para ser mais exata, uma mulher sem a mínima graça e sem o menor atrativo. Nós dois sabemos muito bem que eu tiraria o último lugar num concurso de beleza, Sr. Duncan Patton.. — Por que teima em viver afirmando que não é uma moça bonita, Jessie? O que eu quis dizer é que um vestido estampadinho e um pouco de batom não lhe faria mal algum. Além disso, você poderia ter colocado um pouco de perfume e deixados esses longos cabelos pretos soltos, ou pelo menos ter enfeitado com uma bonita fita o maldito rabo-de-cavalo com que os prende dia e noite.
Jogando as migalhas na cesta de lixo, ela tratou de ocupar-se em limpar uma teimosa mancha na pia. Com uma careta, comentou: — Sou uma mulher que trabalha duro numa modesta fazenda onde se cria gado. Homens que lêem anúncios no Correio Sentimental do jornal não estão interessados em consertar nossas cercas ou beijar as asperezas que tenho nas mãos. — Bah! Todos os rapazes da região dão olhadinhas cheias de atenção quando você passa... Isso, sem mencionar aquele canalha do Bob Cochran, é claro. — Canalha é uma palavra muito gentil para se referir a ele. E, como o salafrário do Bob, os homens que olham para mim já se casaram no mínimo duas vezes. Por essa e por.outras, prefiro continuar sozinha a me contentar com a porcaria que outras mulheres não quiseram aturar. Dunc ajeitou-se na cadeira, ao mesmo tempo em que tirava do bolso uma pequena forquilha de madeira que o acompanhava noite e dia. Pondo-se a executar intrincados desenhos imaginários sobre a estampa da toalha de mesa com uma das pontas da forquilha, ele deu um suspiro. — Não me parece lógico que você passe o resto dos seus dias como uma freira, Jessie. Assim como não é justo que eu continue vivendo como um monge. Você está perdendo as alegrias e os momentos de amor do casamento... E eu, também. — Mas não estou abrindo mão da minha independência, vovô. Quantas mulheres podem afirmar que fazem exatamente aquilo que desejam, sem ter que pedir a permissão ou a opinião de outras pessoas? Eu posso dizer isso sem pestanejar. Aposto que um marido iria interferir na minha vida ou colocar limites à minha liberdade. — Um marido bom de verdade não faria isso. Ele iria aceitá-la como você realmente é. — Duvido! Diga o nome de algum homem que conhecemos e que não gostaria que eu tivesse os traços de uma atriz de cinema. Ou que não colocasse defeito nas minhas curvas, no tamanho do meu busto, no comprimento das minhas pernas... Vamos, me diga o nome de um único homem que não implique com a aparência ou o modo de ser da companheira. — Eu sou um bom exemplo. Amava minha Lizbeth do jeito que ela era. E amo você do jeito que é. — E, mesmo assim, queria que eu desse confiança para aqueles três desocupados que responderam ao seu anúncio na Gazeta! Um murmúrio ininteligível era a resposta que o velho Dunc dava quando seus argumentos se esgotavam. Aliviada por ter conseguido expor seus pontos de vista, Jéssica enxugou as mãos num pano de prato e prendeu atrás da orelha uma mecha dos longos cabelos que havia se soltado do rabo-de-cavalo. O avô era dono de uma teimosia ímpar... e também tinha um charme que era só dele! Suspirando novamente, Dunc guardou sua forquilha no bolso da camisa e levantou-se. Depois de dar uma boa assoprada numa teia de aranha que se enredava no lustre dependurado sobre a mesa, anunciou: — De qualquer maneira, eu vou colocar um novo anúncio no Correio Sentimental da Gazeta. As pessoas precisam saber que nesta fazenda, onde vivem poucos cavalos e cabeças de gado, há também uma alma solitária que precisa de companhia e calor humano. — Não perca seu tempo, vovô. Vou mandar cancelar o anúncio antes mesmo que ele seja publicado.
— Calma, menina, calma. Vou colocar um anúncio em busca de uma esposa para mim. Afinal, nenhuma das viúvas que freqüentam nossa paróquia despertou o meu interesse. — Uma... esposa?! — Por que o espanto, Jessie? Ainda amo minha Lizbeth do fundo do coração mas, após quatro anos vivendo completamente só, acho que estou carente demais e preciso do amor de uma mulher. Além do mais, também tenho bastante amor para dar. E você não iria se importar em ter alguém que a ajudasse nas tarefas domésticas, não é? — Sim, eu... Quero dizer, não, mas... — Colocarei o anúncio e então veremos no que vai dar. “Proprietário de fazenda na Califórnia, 69 anos, viúvo, procura senhora para futuro compromisso. Favor enviar foto na primeira carta”. O pequeno comunicado de Duncan Patton no jornal da localidade levou à sua fazenda uma avalanche de quase trezentas cartas num único mês. Todos os dias, Jéssica vinha da caixa de correspondência com punhados de envelopes perfumados. E o que mais a surpreendia era o fato de que boa parte das remetentes era bem mais jovem do que ela mesma. Havia até mesmo uma carta vinda de Paris, na França. Isso, nem falar nas fotos de mulheres em trajes ousados ou de duas moças que enviaram seus retratos em minúsculos biquínis! Quando a imensa enxurrada de correspondência diminuiu ao nível de um esparso gotejar de envelopes, Dunc resolveu que era chegado o momento de fazer uma préseleção das candidatas. Espalhando as fotografias das mulheres que mais o agradaram sobre a mesa da cozinha, ele retirou do bolso a inseparável forquilha de madeira. A seu lado, Jéssica observava a cena mergulhada em emoções conflitantes. Estava contente da vida ao ver o avô novamente tão entusiasmado e cheio de esperanças, mas também temia que muitas das candidatas causassem uma grande decepção ao velhinho ao se revelarem aventureiras oportunistas e interesseiras. Com os olhos fechados, Dunc lhe pediu que embaralhasse as vinte e cinco fotos escolhidas, explicando que iria descobrir a companheira ideal da mesma forma como encontrava veios de água em suas terras: através da velha forquilha. Enquanto seguia as instruções do avô, ela deixou escapar um suspiro. Duncan Patton não tomava jeito! De onde fora tirar uma idéia tão absurda? Isso lá era maneira de, se escolher uma esposa? — Pronto, vovô. As fotos estão bem embaralhadas. Sem abrir os olhos, o velhinho começou a passar sua forquilha sobre as fotografias que se enfileiravam sobre a mesa. Atônita, Jéssica via a ponta do graveto mover-se ligeiramente em sua viagem acima dos diversos retratos. Dunc não havia selecionado uma candidata com idade inferior a sessenta e cinco anos; algumas eram bonitas, outras apresentavam uma aparência apenas bem cuidada, o restante estava longe de poderem ser chamadas de belas. De repente, a forquilha fixou-se sobre uma foto, como se uma força invisível e inexorável a tivesse direcionado para lá. Dunc finalmente abriu os olhos. — Bem, vamos ver quem é essa adorável e sorridente senhora. — Mas, vovô... Ele guardou outra vez a forquilha no bolso, ajeitou os grossos óculos sobre o nariz e inclinou-se sobre a mesa, a fim de identificar a candidata escolhida pelo graveto.
— Oh, é Evangeline Marlow, de San Francisco... Que bom! Adorei a carta dela! — Vovô, por que não... — Sabe, nós dois temos muita coisa em comum. Nos casamos assim que terminamos os estudos e agora estamos viúvos. Jéssica analisou a fotografia por alguns instantes. Tratava-se de uma senhora simpática, quase gordinha, com fartos cabelos grisalhos ajeitados delicadamente de forma a adornar um rosto bem oval. Os olhos de Evangeline eram escuros, iluminados por um sorriso generoso e natural. Dunc pôs-se, então, a ler em voz alta parte da carta que a graciosa senhora havia lhe enviado: "Cresci numa fazenda de criação de gado no Texas, mas parti de lá quando me casei com meu finado marido. Nosso casamento foi uma união muito feliz e desde a morte de Leland, ocorrida há cinco anos, tenho me sentido muito sozinha. Meu filho e minha filha, que hoje são adultos, têm suas próprias vidas para cuidar; desse modo, sou uma pessoa livre de responsabilidades. Estou ansiosa para conhecê-lo pessoalmente e torço para que também se sinta assim a meu respeito. Ah, ia me esquecendo: gostaria que você me chamasse apenas pôr Vangie, está bem?" Evitando pensar em sua avó Lizbeth, que fora uma pessoa absolutamente adorável em todos os sentidos, Jéssica comentou: — Ela parece ser muito gentil. — Tive uma certa "quedinha" por Vangie Marlow desde que li sua carta. — Mesmo? Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça, enquanto recolhia as outras fotografias espalhadas pela mesa. — Bem, vou escrever para Vangie ainda hoje. Mandarei o número do nosso telefone e aproveitarei para convidá-la para uma visita à fazenda, a fim de nos conhecermos melhor... Isto é, se ela gostar das coisas que lhe direi na carta. — Vai entrar em contato somente com ela, vovô? — Sim. Minha velha forquilha nunca falha. Vangie Marlow ligou para a fazenda dos Patton na noite do dia em que recebeu a carta de Dunc. O velhinho levou o telefone consigo para seu quarto e fechou a porta, mantendo Jéssica num agonizante suspense por quase duas horas. Enquanto tentava se distrair com um seriado de tevê, ela ouviu o avô cair na gargalhada por várias vezes durante a longa chamada telefônica. E pensar que o velho Duncan não ria dessa maneira desde a morte de Lizbeth... Embora o som que fugia através da porta fechada fosse um tanto abafado, era inegável que o ancião estava contente, ansioso e bastante entusiasmado. Jéssica cruzou os braços sobre o peito e franziu as sobrancelhas. Nenhum dos três telefonemas que ela recebera a tinham deixado contente, ansiosa ou entusiasmada. E as visitas que seus "pretendentes" lhe haviam feito, se transformaram em breves desastres. Na verdade, a última vez em que se sentira feliz ou ansiosa fora... Sua testa vincou-se numa ruga profunda e sombria. Fazia dez anos. E ela tinha sido tola o suficiente para acreditar que Bob Cochran, empregado temporário de Dunc àquela época, lhe dedicasse algum tipo de carinho ou afeição. Tudo o que o malandro queria era levá-la para a cama. E acabou atingindo o seu objetivo após três meses da mais doce e convincente conversa que ela já ouvira da boca de um homem. Aliás, a única conversa afetuosa que ouvira em toda a vida.
Duncan e Lizbeth tinham advertido Jéssica quanto às intenções de Bob, mas a bobona estava certa de que ele a amava. No dia seguinte à concretização de seus planos inescrupulosos, o pilantra desaparecera da cidade e nunca mais fora visto. Jéssica chegou a imaginar que a sua única dor fosse aquela causada por um coração aos pedaços. Mas, ao circular pelo povoado e descobrir que Bob somente a levara para a cama com a finalidade de ganhar uma aposta que havia feito com outros cafajestes da mesma laia, a dor da humilhação veio somar-se ao já lancinante sofrimento. Ainda hoje, aquela maldita vergonha por que passara a fazia sentir o rosto em brasas. Na ocasião em que fora seduzida, era a única virgem da região com mais de vinte anos de idade. E sua virgindade tinha sido o motivo para a desprezível aposta de um caubói de quinta categoria, cruel, covarde, simplesmente abjeto. Maldito fosse Bob Cochran! Se ao menos pudesse... Ao ouvir a porta do quarto do avô se abrir, Jéssica endireitou-se no sofá e fingiu estar com toda a sua atenção concentrada na reprise do antigo seriado de ficção: — Cuidado, capitão Kirk! Um dos alienígenas tem uma arma escondida sob a capa! Para dar mais autenticidade à representação, deu um pulo de "susto" ao ver Dunc entrar na sala. O velhinho tinha um sorriso de orelha a orelha e foi logo anunciando: — Vangie vem nos visitar e pretende passar duas ou três semanas na fazenda. — Duas ou três... semanas? — Sim. Ela disse que vem de carro, direto de San Francisco. — Vovô, eu... nós... Transbordando genuína satisfação por todos os poros, Dunc atirou-se na sua grande poltrona recoberta por couro de boi, ainda sorrindo como um garotinho. — Sabe, tivemos uma conversa tão agradável... Vangie disse que gostaria de trazer uma companhia. E eu falei que não nos importaríamos com isso. Você se importaria? — Claro que não, mas... — Então vamos ter que preparar os dois outros quartos antes que elas cheguem, na tardinha de sábado. — Vovô! Sábado é depois de amanhã! — Exato. Sabe, acho que seria melhor Vangie ficar no quarto em frente ao meu. A companhia que ela trouxer pode se instalar no dormitório ao lado do seu e vocês dividirão o banheiro que os separa. Jéssica teve vontade de lhe dizer que não deixasse suas esperanças voarem tão alto. Afinal, será que o velhinho tinha se esquecido do fracasso em que resultará o anúncio colocado em nome dela? Mas não teve coragem de dissipar toda aquela euforia. Dunc não dava mostras de tamanha alegria desde a morte da esposa. Seria uma monstruosidade lhe tirar aquele brilho cintilante dos olhos cansados ou o sorriso que se acomodara com tanta naturalidade nos lábios crestados pelo tempo. O avô, contudo, pareceu ter lhe notado a expressão dúbia. — Não se preocupe, menina. Este velho fazendeiro sabe o que está fazendo.
Ela mordeu o lábio, enquanto suspirava. Teriam tanto trabalho para deixar a fazenda preparada para a visita de sábado... Tanto trabalho a troco de nada. Em seu posto de sentinela, espiando através da tela da porta que dava para a varanda do antigo casarão, Jéssica viu quando uma nuvem de poeira elevou-se no ponto onde a rodovia principal se encontrava com a estrada de acesso à fazenda. — Chegaram! Seu aviso atingiu os fundos da casa de madeira, onde Dunc estava às voltas com os preparativos para um churrasco ao autêntico estilo texano. Ele havia migrado para a Califórnia, vindo do Texas, cerca de cinqüenta anos atrás, mas ainda mantinha vivos na memória vários costumes e tradições do estado vizinho. Jéssica observava o carro aproximar-se rapidamente pela estradinha de terra, criando um verdadeiro redemoinho de pó atrás de si. A julgar pela carta enviada por Vangie Marlow, a velha senhora não parecia do tipo que costumava dirigir com a velocidade de quem está prestes a tirar o pai da forca. Será que todo aquele rebuliço era para impressionar o velho Duncan Patton? O ancião aproximou-se da neta, comentando: — É, acho que são elas... Já tranquei os cachorros no estábulo, para que não façam algazarra ou fiquem pulando em cima das nossas visitas. Jéssica virou-se para o avô. Usando uma camisa xadrez quase nova, calça jeans recém passada a ferro e um par de botas de cano curto, Dunc era o entusiasmo em pessoa. Seu perfume era uma mistura de uma centenária loção após-barba com o aroma de costeletas de boi na brasa. — Você está ótimo vovô. — E você também está um encanto, minha menina. Gosto de vê-la nesse vestido cor-de-rosa, calçando sandálias de salto alto e com os cabelos livres daquele maldito rabode-cavalo. E esse perfume... Finalmente resolveu gastar um pouco da sua colônia de alfazema, hein? — Pare com isso, sim? Não adianta tentar fazer com que eu me sinta uma Cinderela, quando nós dois estamos fartos de saber que feminilidade, formosura e charme nunca foram os meus pontos fortes. — Isso tudo é uma grande bobagem. Essas idéias tolas só brotaram na sua cabeça depois do que aconteceu com Cochran. E, mesmo que você não fosse bonita, o que realmente importa é a beleza interior que existe nas pessoas, Jessie. Uma beleza que ninguém, nem mesmo o tempo, pode tirar. É, o danado do velhinho sabia mesmo como lhe dizer as coisas de que ela tanto precisava para alentar o tão machucado amor-próprio... O ruído de um motor possante tornou-se bastante claro em meio à tranqüilidade que pairava pelos arredores e, instantes depois, o carro que trazia a "candidata a futura noiva" de Duncan Patton surgiu na alameda de cascalhos que levava ao pátio em frente à varanda. Era um veículo imponente, vermelho, esportivo, de linhas atuais e arrojadas. Dunc ajeitou a gravata-borboleta, comentando: — É um desses automóveis importados... Deve ser caro para chuchu. O carro podia ser bonito e caro, mas Jéssica o considerou um tanto inadequado para o dia-a-dia numa fazenda modesta encravada entre as montanhas. E, a julgar pelo automóvel que possuía, a Sra. Evangeline Marlow devia ser uma viúva "alegre" demais para se contentar com a vida pacata de uma propriedade rural isolada nos cafundós da
Califórnia. Na certa, iria desistir do compromisso com o velho Duncan antes mesmo que o churrasco estivesse no ponto. Dunc adiantou-se até a beirada da extensa varanda e acenou. Jéssica colocou-se logo atrás dele, protegendo os olhos do sol com a mão. Pobre vovô! E pensar que, no dia anterior, o velhinho passara horas a fio lustrando suas botas gastas, temperando a carne para o churrasco, arrumando todas as dependências da fazenda e colhendo flores para enfeitar os quartos de hóspedes... Jéssica, que o ajudara em todas essas tarefas, via agora o esforço de ambos ir por água abaixo. Tanto trabalho por nada! Apertando os olhos para melhor enxergar contra a claridade do sol, ela começou a sentir um aperto na garganta. A velha forquilha de madeira havia, finalmente, fracassado. Se ainda tivesse um pouco de juízo, seu avô deveria jogar aquela droga de graveto em meio à brasa que ardia sob a grelha da churrasqueira. Com um ranger de eficientes freios, o carro parou no pátio, diante da varanda. A nuvem de poeira que se levantou atrás do moderno veículo fez com que Jéssica espirrasse uma, depois duas, então três vezes. Dunc entregou-lhe um lenço e ainda teve tempo para um singelo "Saúde!", antes do quarto espirro. A porta do motorista se abriu. Ao ver uma cabeça coberta por um chapéu de caubói emergir do veículo, Jéssica devolveu o lenço ao avô, piscou algumas vezes e voltou a estreitar os olhos. No banco do passageiro havia uma mulher, mas sua companhia era, sem sombra de dúvida, um homem. E que homem! Emoldurado por uma aura formada pelo sol poente e pelo pó da estradinha, parecia muito alto e apresentava um belo porte. Possuía uma silhueta bastante viril, com ombros largos e eretos, um tórax vigoroso, quadris estreitos, pernas longas e atléticas. Era uma pena que as abas do chapéu a impedissem de lhe ver o rosto. Jéssica pensou que fosse espirrar novamente, mas então deu-se conta de que era a sua respiração que estava hesitante. Ali, bem diante de seus olhos espantados, estava a imagem do caubói com que sempre sonhara! A seu lado, Dunc ergueu uma sobrancelha grisalha, deixando escapar o pensamento que acabava de se formar em sua cabeça: — Puxa, menina... Ele tem jeito de ser o homem ideal para você!
CAPÍTULO III — Como vai? Você deve ser Raitt Marlow, o neto de Vangie... E eu sou Duncan Patton, mas todos me chamam apenas de Dunc. Raitt tirou o chapéu de abas largas, aliviado por ver-se livre daquele estorvo que a avó o obrigara a colocar, a fim de causar uma boa impressão aos Patton. E, embora seu rosto mantivesse uma expressão gentil, o frouxo aperto de mão que trocou com Dunc deixou claro o quanto desaprovava aquela visita programada pela velha senhora.
— É um prazer conhecê-lo... Dunc. O velhinho olhou para o carro e esboçou um sorriso radiante, ao responder: — O prazer é todo meu. Agora, se me der licença, vou ajudar sua avó a saltar do automóvel. Raitt balançou a cabeça num gesto afirmativo, mas manteve-se sério. Não fazia muito tempo, havia perseguido um assassino serial, que escolhia suas vítimas através dos anúncios da seção de Correio Sentimental dos jornais. Por isso, correu aceitar o convite da avó, quando ela o chamou para acompanhá-la naquela viagem sem pé nem cabeça. Afinal, precisava ter certeza de que a velhinha não seria a próxima inocente a cair nas garras de algum maníaco homicida. Apesar de Duncan Patton ter lhe parecido um homem decente e honesto, Raitt preferiu deixar o julgamento definitivo para mais tarde. Suas atividades como policial haviam lhe mostrado que as primeiras impressões podem levar a graves erros ou conclusões absolutamente falsas. As pessoas precisavam de tempo para demonstrar o que realmente eram. E Duncan Patton ainda teria que lhe provar ser digno e merecedor das atenções da generosa e desmiolada Evangeline Marlow. Foi então que Raitt olhou para a jovem mulher parada no primeiro degrau da varanda. Na certa, devia ser a tal "gracinha de neta" de Dunc, a que sua avó se referira. Bem, aparentemente Vangie o tinha levado na conversa, ao lhe insinuar que se tratava de uma adolescente desabusada, com o rosto coberto de sardas, corpo cheio de curvas voluptuosas e um arrogante rabo-de-cavalo. Estendendo-lhe a mão, ele se apresentou: — Raitt Marlow, muito prazer. E você deve ser Jessie. Raitt viu um rubor se espalhar desde o colo até a raiz dos cabelos da moça. Ela devia ser tímida à beça... ou então estava louca de raiva. Louca de raiva era mais provável, já que Jessie lhe erguia o queixo numa atitude quase desafiadora, lançando-lhe chispas através dos penetrantes olhos verdes. Na certa, isso era sinal de que ela também fora levada na conversa quando o avô lhe falara sobre a tal companhia que sua "candidata a noiva" estaria levando em sua visita à fazenda. Mesmo contrariada, porém, Jéssica retribuiu ao gesto de cortesia, esticando o braço para receber o aperto de mão. — Como vai, Sr. Marlow? Sim, sou a... Foi então que o imprevisível aconteceu. Descendo desajeitadamente os degraus da varanda a fim de encontrar a mão cordial que Raitt lhe oferecia, ela entortou o calcanhar ao tentar se equilibrar sobre os saltos altos aos quais não estava acostumada e... desabou pelo restante da escadinha de madeira como um saco de batatas. Jéssica teria se estatelado aos pés de seu visitante, se ele não corresse a ajudála. Raitt amparou-a num abraço estouvado, apertado o suficiente para lhe proporcionar um gostoso contato dos seios empinados contra seu peito. Enquanto a segurava, pôde também lhe sentir a curva da cintura na palma da mão e a sedosa massa de cabelos negros que foram de encontro ao seu rosto. Um suave perfume de alfazema lhe penetrou as narinas e, num impulso, ele apertou-a um pouco mais de encontro ao corpo. A neta de Duncan Patton estava longe de ser uma garotinha sapeca, mas, além dos traços exóticos, possuía um jeitinho todo especial. Muda diante do susto e do inesperado abraço, Jéssica olhou fundo nos olhos de Raitt e só então notou que eram de um azul simplesmente deslumbrante. Os braços que a seguravam demonstravam firmeza e determinação; o calor que emanava do avantajado
tórax era contagiante; a proximidade com aquele corpo muito viril a fez sentir-se subitamente envolvida por uma sensação esquisita, meio indecifrável. Tratou de soltar-se dos braços de Raitt com a pressa de quem coloca o dedo numa tomada de alta tensão. E seu gesto estabanado acabou fazendo voar pelos ares o chapéu que ele trazia na mão esquerda. — Me... me desculpe... — Não foi nada. Você se machucou? — A-acho que... que não. Depois de apanhar o chapéu de feltro do chão, Raitt pendurou-o no corrimão da escadinha e ajoelhou-se diante dela. Enquanto Jéssica, apoiada na estrutura da varanda, contorcia o rosto numa expressão de dor lancinante, ele usou de toda a delicadeza de que foi capaz para lhe descalçar o pé contundido. Dunc, que se aproximava de braço dado com uma sorridente Vangie, foi logo dizendo: — Você precisa tomar cuidado quando anda com saltos tão altos, menina... Venha, cumprimente Vangie antes que acabe se esborrachando toda por aí. O sorriso da velhinha se alargou, mas ela mostrava também uma certa consternação. — Olá, Jessie! Pobrezinha, meu Deus... Será que você não se machucou, minha filha? Ainda bem que Raitt entende como ninguém de primeiros-socorros e outras pequenas emergências! Jéssica retribuiu ao cumprimento com um sorriso convencional e um rápido aperto de mão, para então tentar dar um passo. A dor foi insuportável e uma careta voltou a lhe contrair o rosto. Raitt deixou a sandália no chão e, olhando para Jéssica, apontou o último degrau do alpendre, dizendo: — Sente-se ali e eu vou dar uma olhadinha no seu pé. — Não precisa, obrigada. Eu... Dunc tratou de organizar a bagunça: — Faça o que o moço pediu e sente-se lá, menina. Enquanto ele examina seu machucado, vou mostrar a casa para Vangie. — Deve ser uma gracinha — comentou a velha senhora. — A julgar pelo aspecto externo... — Fui eu mesmo quem construiu tudo por aqui, inclusive o celeiro e o estábulo — explicou um orgulhoso Dunc, levando-a para o interior do casarão. — Sou o responsável pela colocação de cada viga, de cada tijolo na lareira... Gosta de ficar diante do calor aconchegante de uma boa lareira nas noites de inverno, Vangie? Morrendo de vergonha, incapaz de dar um só passo, Jéssica ouviu as vozes de ambos sumirem na distância. Maldição. Como fugir ao tal "exame" oferecido por Raitt Marlow? Olhando para ele, tentou soar decidida: — Não é necessário que você se preocupe com o meu pé. Mas Raitt ignorou a aparente segurança que Jéssica havia imposto à voz. Ajoelhou-se novamente diante dela e, sem maiores avisos, tomou-lhe o pé machucado entre as mãos. — Agora tente movimentar os dedos. Jéssica mordeu o lábio, enquanto praguejava baixinho:
— Que inferno! Se eu estivesse com as minhas botas de montaria, nada disso teria acontecido! — Esqueça as tais botas, pois acho que você não poder calçar coisa alguma por uns dois ou três dias. Me parece que o seu tornozelo sofreu uma bela entorse. Ela fechou os olhos, a fim de não fixá-los nos delicados movimentos que as mãos ágeis de Raitt executavam ao longo de seu pé, examinando ossos, tendões e músculos. E tentou visualizar uma magnífica praia do Caribe, para não prestar atenção aos toques quase íntimos com que ele percorria-lhe a perna e o joelho, à procura de indícios de alguma lesão mais séria. Quanto esforço jogado fora! Era impossível impedir os arrepios que lhe percorriam a espinha, fazendo-a esquecer-se, ainda que por uns poucos instantes, da forte dor que a acometia. Raitt apalpou-lhe o tendão logo acima do calcanhar. — Sente alguma coisa solta ou mais molinha aqui? — Claro que não. Não tenho uma só parte do corpo "solta ou mais molinha", Sr. Marlow. Estou acostumada a cuidar do gado, montar cavalos de todos os tipos, consertar cercas, plantar hortaliças... E odeio ser manipulada, da maneira como nossos avôs estão tentando nos manipular. — Me chame de Raitt, assim poderei chamá-la apenas por Jess. — Eu... eu... — Também não gosto de ser manipulado, também acho que nossos avôs planejaram fazer algum tipo de armação conosco e... também tenho o corpo rijo devido ao trabalho, Jess. Me parece que estamos empatados. Quem seria a maluca de afirmar que naquele físico capaz de causar inveja ao mais atlético esportista poderia haver alguma parte "solta ou mais molinha"? Numa briga íntima para afastar os pensamentos licenciosos, ela perguntou: — Em que tipo de serviço você adquiriu essa... essa rigidez no corpo? — Trabalho numa divisão dê cavalarianos da polícia, a Guarda Montada de San Francisco. Além de fazer cumprir a lei, os oficiais da minha guarnição cuidam dos seus cavalos e dos estábulos onde os animais ficam. Somos uma espécie de caubóis do asfalto. — Entendo. E está em férias? — Forçadas. Durante a próxima semana, a unidade com que trabalho terá uma folga involuntária, como medida de contenção de despesas. Houve cortes no nosso orçamento e... Bem, você sabe como andam as finanças públicas. Que ele não perdesse o emprego, como havia acontecido com tantas pessoas que Jéssica conhecia! Ela deu-lhe uma olhadinha de relance. Apesar dos problemas no trabalho, Raitt tinha uma aparência elegante, quase refinada. Em vez de um surrado uniforme, usava calça de linho bege e uma vistosa camisa azul-marinho, que tinha as mangas dobradas à altura dos cotovelos. O chapéu marrom, que a fizera imaginar um caubói recém-saído de seus sonhos, parecia ser de excelente qualidade. Por uma fração de segundo, ela perguntou-se se a avó havia lhe sugerido que usasse aquele traje, da mesmo forma que Dunc quase a obrigara a colocar seu vestido cor-de-rosa e as amaldiçoadas sandálias de salto alto. Picada pelo insidioso bichinho da curiosidade, Jéssica abaixou a cabeça, a fim de melhor examinar aquele belo homem a seus pés. Os cabelos dele, fartos e acomodados em mechas levemente onduladas, tinham uma tonalidade de castanho que se aproximava
do dourado, ao refletirem o sol do fim de tarde. Seu rosto, onde predominavam os olhos azuis, possuía linhas quase clássicas, com maxilares quadrados, um nariz de forma e proporções mais do que adequadas, sobrancelhas espessas e testa larga. Sem sombra de dúvida, um homem para mulher nenhuma colocar defeito. Jéssica deixou escapar um suspiro desanimado. E ela? O que tinha de bonito, charmoso ou sedutor? O que havia em sua aparência que pudesse chamar a atenção de um homem? Nada, era evidente. Afinal, de menina travessa havia se transformado em uma mulher prática que montava com perfeição, usava o laço como um autêntico vaqueiro, sabia cuidar de um pequeno rebanho de gado e levava uma vida rotineira, sem ter tido um único namorado desde que Bob Cochran a seduzira. Tratava-se, enfim, de alguém que só sentia à vontade lidando com as tarefas da fazenda. Seu mundo se restringia àquilo. E mais nada. O comentário de Raitt me interrompeu as divagações: — Que cheirinho gostoso... — Churrasco à moda texana é a especialidade do meu avô. Ele prepara as costeletas de boi com chili e... Ela parou a explicação ao perceber que Raitt lhe lançava um olhar absolutamente perplexo. — Eu estava me referindo ao seu perfume, Jess. — Oh... — É uma delícia. — Eu... eu nunca coloco perfume. Hoje foi uma exceção porque... porque quis agradar ao meu avô. Também nunca uso vestido, nem calço sandálias de salto alto ou... Jéssica calou-se novamente, ao se dar conta de que Raitt passara um braço por debaixo de seus joelhos e o outro ao redor de suas costas, levantando-a do chão. — Precisamos colocar gelo sobre essa torção no seu tornozelo. E você precisa de um lugar confortável para sentar. — Mas não quero... — Quer, sim. Carregando-a de encontro ao peito robusto, ele subiu os degraus da varanda, abriu a porta da fazenda com um leve pontapé e foi entrando. — Me ponha de volta no chão! Posso muito bem pular num pé só, se precisar de alguma coisa! — Talvez. Desta vez, porém, vou lhe dar uma carona. Ela deixou escapar uma imprecação assim que Raitt depositou-a na poltrona de couro de boi da sala de estar. Ignorando-lhe as reclamações, ele cobriu uma banqueta com uma das almofadas que estavam sobre o sofá e ajeitou-lhe o pé machucado em cima do improvisado descanso. Em seguida, localizando a cozinha através de uma rápida espiadela à sua volta, anunciou: — Vou buscar o gelo. Dunc e Vangie surgiram no lado oposto da sala, vindos do corredor que dava acesso às demais dependências do casarão. A velhinha ia dizendo: — Adoro casas de madeira, sabia? São mesmo uma gracinha! — Que bom! Ao ver Jéssica na poltrona, com a perna estirada e o pé sobre a banqueta, a velha senhora correu para junto dela.
— Oh, minha filha... Que coisa horrível foi lhe acontecer! — É assim tão grave, menina? — perguntou Dunc, tocando a ponta do queixo. — Será que você sofreu alguma fratura? — Não, vovô. Parece que foi apenas uma forte torção. — Onde está Raitt? — Vangie olhou ao redor. — O doutor-sabe-tudo está na cozinha — respondeu Jéssica, mal humorada. — Foi apanhar gelo para provar sua competência. Dunc e Vangie trocaram um olhar cúmplice e então esboçaram um sorriso nada discreto. Jéssica fez menção de levantar-se da imensa poltrona, mas o avô evitou-lhe o gesto, colocando a mão com força em seu ombro para obrigá-la a permanecer sentada. — Confie no que Raitt diz, menina. Ele é um profundo conhecedor das medidas de primeiros-socorros. — Não preciso de nenhum tratamento de emergência — ela retrucou, ríspida. — Basta colocar uma faixa bem apertada ao redor do meu tornozelo e aí poderei... Raitt reapareceu, interrompendo-a. Trazia uma bolsa de gelo que havia providenciado a partir do que conseguira encontrar na cozinha: na geladeira, alguns sacos plásticos e um pano de prato. Antes que Jéssica se pusesse a reclamar novamente, prendeu o saco plástico com cubos de gelo ao redor do pé dela com o pano dobrado numa longa tira. Mesmo assim, ela tentou recomeçar com as queixas: — Não pense que pretendo ficar sentada aqui até que... - Raitt ergueu uma das mão para interrompê-la outra vez: — Se não ficar sentada aí e esperar até que o gelo ajude a desinchar seu tornozelo, não conseguirá colocar o pé no chão por nó mínimo uma semana. É isso o que você quer? — Vangie, venha ver o seu quarto. Dizendo isso, Dunc desapareceu novamente corredor adentro, levando a simpática velhinha dependurada em seu braço. Raitt passou a mão pelos cabelos e deu uma olhada resoluta na direção de Jéssica, para então avisar: — Vou tirar as malas do carro. Cruzando os braços num gesto de desalentada indignação, ela fez um muxoxo e o viu desaparecer pela porta de tela da varanda. Seu sangue fervia. Sujeitinho mandão! Não fazia nem meia hora que havia chegado e já se punha a dar ordens a torto e a direito, tirando-lhe o direito de fazer suas próprias resoluções. Não lhe ocorreu, um segundo sequer, que ele era a visita indesejada e que ela era dona da casa? Se Vangie se parecesse com o neto, aquela festa iria acabar logo, logo e ela ficaria na Fazenda Patton muito menos tempo do que imaginava. Afinal, ninguém dava ordens ao velho Duncan. Erguendo o rosto, Jéssica decidiu mostrar a Raitt Marlow que ninguém lhe diria o que fazer. Com esse objetivo em mente, tentou girar o tornozelo a fim de provar que o diagnóstico dele não passava de uma bobagem. Mas bobagem foi o que ela acabara de fazer, pois o movimento lhe arrancou um grito de dor das profundezas da garganta. Raitt ressurgia na porta de entrada naquele mesmo instante. Indicando cada uma das malas que trazia nas mãos, perguntou:
— Onde coloco isto? Zonza de dor, Jéssica apenas estendeu o braço e apontou para o ali. Então ele lhe recomendou, com um ar meio debochado: — Sorria e faça de conta que está tudo bem, Jess. Foi a atitude que resolvi tomar, até que minha avó recobre o juízo e ponha um fim a essa farra toda. Raitt dirigiu-se para o local indicado. No caminho, deu uma olhada um pouco mais atenta à mobília rústica e à decoração simples do casarão. A espaçosa casa de madeira possuía um charme discreto e acolhedor, e reinava no ambiente um calor humano ao qual era impossível permanecer imune. Mas, pelo bem da avó, ele teria que resistir àquela sensação de bem-estar. E fingir-se cego não só ao aconchego proporcionado pela antiga residência, como também à beleza natural do solitário e longínquo vale. Raitt viu, então, Vangie colocar a cabeça para fora de uma das portas que se enfileiravam pelo amplo corredor. A velhinha era toda sorrisos. — Traga a minha mala para cá, Raitt. O seu quarto fica logo ali, naquele canto. Não é uma gracinha? Ele entrou no dormitório no exato momento em que Dunc abria as cortinas de chita florida, revelando uma vista magnífica para as majestosas Montanhas Warner. Tomado por uma sensação de alívio, Raitt notou que Vangie iria dormir numa cama de solteiro; além disso, não havia muito espaço para duas pessoas naquele aposento. Mesmo assim, decidiu não despregar os olhos dos dois velhinhos até saber quais eram realmente as verdadeiras intenções de Duncan Patton. Jovens ou idosos, homens eram homens. E ponto final. Dunc seguiu o olhar de Raitt e deu um sorrisinho meio amarelo, explicando: — Fui eu mesmo quem apanhou as flores e Jessie as arrumou nos vasinhos. As cortinas e a colcha da cama foram feitas por ela também há alguns anos. Além disso, posso dizer que minha neta tem uma ótima mão na cozinha... E, por falar em comida, vou dar uma espiada no meu churrasco, enquanto vocês se acomodam e se refrescam um pouco. A cândida Vangie lhe dirigiu um sorri só ainda mais cândido. E quando o ouviu assobiando no hall, voltou-se para Raitt: — É uma gracinha de homem, não é? Não lhe falei que você não tinha com o que se preocupar? Ele deixou uma das malas sobre a cama e comentou: — Tudo é "uma gracinha" para você... Por que não me falou também que a neta dele já tinha passado dos trinta e era solteira? — E que diferença isso iria fazer, Raitt? Tanto você quanto ela não são os principais envolvidos nesta nossa visita à fazenda de Dunc. Além do mais, com essa sua mania de bancar o meu anjo da guarda, você teria vindo comigo de qualquer maneira. — O fato é que não quero ser objeto de nenhuma armação que você e o velhinho possam estar tramando. Jess pensa da mesma forma e já deixou isso bem claro. E se, assim como eu, ela também for contra a publicação de anúncios no Correio Sentimental dos jornais, posso afirmar categoricamente que jogamos no mesmo time. Vangie aproximou-se do vaso florido que estava sobre a cômoda e aspirou, deliciada, o perfume do pequeno buquê de rosas amarelas. — Seja como for, essa coincidência é mesmo uma gracinha, Raitt. — Coincidência?
— Claro. Você e Jéssica são solteiros e adoram cavalos. Como pode ver, ambos têm muito mais em comum do que você imaginava. — Não estou interessado nos pontos que possa ter em comum com Jéssica Patton, vovó. Na verdade, estou é mais do que satisfeito com a vida que levo em San Francisco. — Vamos,meu filho... Você leva uma vida muito solitária, quase nunca sai para se distrair, passa o tempo todo trabalhando e, nas poucas horas de folga, se dedica a ajudar os meninos de rua. É um estilo de vida louvável, com certeza, mas está longe de ser alegre, prazeroso, estimulante. Se ao menos fizesse um pouco de vista grossa aos casos de divórcio que ocorreram em nossa família, iria se dar conta de que... — Fazer vista grossa? Vovó, você e eu somos os únicos membros de nossa família que não nos divorciamos. Você porque é viúva, eu porque sou solteiro. A separação de casais é uma instituição entre os Marlow, essa é que é a verdade! — Pois eu posso lhe afirmar com toda a convicção que o meu casamento foi uma união muito feliz do primeiro ao último dia. — Foi à única união feliz que ocorreu em nossa família, isso sim! — Raitt, pare de falar e agir como se o divórcio fosse um vírus que irá fatalmente atacá-lo, se um dia você vier a se casar. — Muito obrigado, mas prefiro continuar solteiro e imune. Nunca se case e nunca se divorciará, é o meu lema. — Bobagem. Já está na hora de você tirar essa idéia absurda da cabeça, — Esqueça vovó. Vangie acariciou as pétalas das flores com a ponta dos dedos, comentando a seguir: — Há vasinhos como este no dormitório onde você vai ficar, também. O quarto é uma gracinha e fica do lado esquerdo de quem vem do hall. Tem uma ferradura pendurada na porta, sabia? Percebendo que a avó se faria de surda a qualquer argumento que ele apontasse contra o casamento, Raitt deu meia-volta e tratou de procurar seu quarto. E viu que se tratava de um dormitório muito parecido com o que a velhinha iria ocupar, só que as cortinas e a colcha da cama tinham estampas azuis, em vez de vermelhas. O único problema era a cama de solteiro, um tanto acanhada para um homem do seu tamanho. Depois de acomodar a mala num canto, ele foi dar uma espiada no banheiro anexo. A segunda porta que havia ali, juntamente com o roupão de banho amarelo pendurado num gancho de ferro, deixaram claro que iria dividi-lo com a neta de Dunc. Outras evidências dessa dedução óbvia eram os sais de banho colocados sobre a beirada da banheira, o desodorante feminino, o diminuto estojo de maquiagem contendo um solitário batom, a escova de cabelos, a presilha para fazer rabos-de cavalo... e o frasco de colônia de alfazema, arrumados na prateleira de madeira acima da pia. O vidro de perfume era bem pequeno, o que mostrava que ela não havia mentido ao dizer que quase nunca o usava. Pelo visto, Jéssica Patton preferia mesmo utilizar sua feroz e altiva independência como acessório às roupas simples do campo. Raitt desviou o olhar da imagem que o espelho lhe devolvia. Tinha se preparado para encontrar uma adolescente levada e meio desmiolada, não uma mulher madura e dona de suas próprias vontades. Num impulso, apanhou o frasco de colônia e tirou-lhe a tampa, levando-o até as narinas. Imediatamente, a suave fragrância o fez recordar-se da excitação física, sexual, que o acometera ao amparar Jéssica no momento da queda. Os
seios empinados de encontro ao seu peito... A firmeza dos músculos que torneavam-lhe os braços e as pernas... As grossas mechas dos cabelos negros que roçaram seu rosto... Pouco depois, Raitt tinha percebido que ela o examinava com um certo interesse. Isso fez com que sentisse uma inexplicável atração por aquela jovem mulher de gestos e palavras impetuosas. Jéssica Patton possuía força de caráter. Possuía uma inquebrantável convicção. E essas eram qualidades que ele admirava muito em uma mulher. Eram virtudes tão tentadoras e excitantes quanto aquela singela colônia de alfazema... Bem, podia ser um homem arredio ao casamento, mas estava longe de permanecer imune aos prazeres do sexo, às delícias de um romance, ao simples ato de admirar as características marcantes de uma mulher. Apossado por um novo impulso imperioso, murmurou: — Jess... Jess... O nome lhe escapou por entre os lábios num sussurro sibilante, sensual. E ele gostou do som que lhe chegava aos ouvidos como o cantar do vento. Epa... Agora também já estava indo longe demais! Deixando as tolices românticas de lado, Raitt apressou-se em fechar novamente o vidro de perfume e devolvê-lo à prateleira. Deixar-se dominar por uma atração sem pé nem cabeça por Jéssica Patton, a neta do "candidato a futuro noivo" de sua sexagenária avó... Isso, sim, seria o fim da picada!
CAPÍTULO IIII Jéssica ficou olhando para Raitt Marlow, ao perceber que ele se aproximava e parava bem à sua frente. Com os polegares enfiados nos passantes da calça, Raitt lhe lançou um olhar inquisitivo, como a perguntar se ela estava melhor. Ele havia trocado de roupa e agora usava calça de sarja cinza-chumbo e uma camisa branca de doer na vista. Seus olhos, de um azul escandaloso, a fizeram lembrar-se das águas do lago Moming Glory, onde Dunc a ensinara pescar. De repente, Jéssica sentiu-se maravilhada e teve a impressão de reviver o sentimento que havia experimentado ao visitar o lago pela primeira vez. Sereno e convidativo, ele repousava em meio a flores silvestres e parreiras perfumadas num recanto semi-isolado, próximo ao cume de uma das montanhas da região. Naquela ocasião, ela sentiu a cabeça rodar, o coração bater acelerado, a alma querendo lhe deixar o corpo e alçar vôo rumo ao céu infinito. Foi então que, como se viesse de muito longe, a voz de Raitt lhe chegou aos ouvidos: — Onde estão eles? — Ha... Estão no... no sótão. Procurando um velho par de muletas para mim. — Muletas?
— É. Meu avô quebrou a perna, há quase trinta anos, quando tentava domar um garanhão rebelde recém-chegado à fazenda. Os primeiros botões da camisa de Raitt estavam abertos, revelando um insinuante tufo de pêlos crespos e dourados. Até onde desceria aquela pelúcia de aparência tão macia, tão sedosa...? Assustada com o inconveniente pensamento, ela tratou de abaixar a cabeça e fixar os olhos num ponto qualquer do assoalho de tábuas largas. Através do teto, podiam escutar o ruído abafado que os dois velhinhos faziam ao se locomoverem pelo sótão. Incomodada pela proximidade do vigoroso corpo de Raitt que, além das idéias absurdas, já começava a lhe provocar comichões ao longo da espinha, Jéssica falou: — Não preciso que você fique bancando a minha ama-seca. Não estou inválida, muito menos à beira da morte. — Sei, sei... Posso ao menos saber como está se sentindo? — Bem. E vou ficar ainda melhor, quando puder me movimentar à vontade com a ajuda das muletas. Dunc e Vangie reapareceram, limpando a poeira das mãos. O velhinho foi logo dizendo: — Não conseguimos encontrar o par de muletas. Acho que as guardei em algum outro lugar, ou então devo tê-las serrado para usar a madeira. Raitt, Você não se importaria em ajudar minha menina a se locomover por aí quando ela precisar, não é? A boca bem feita de Raitt se curvou num arremedo de sorriso, então ele respondeu: — Claro que não. Peça auxílio sempre que precisar, Jess. Mas ela não se deu por vencida: — Você não procurou direito, vovô. As muletas têm que estar lá em cima. Não faz nem um mês que as vi junto do... Ei vovô, volte aqui! Mas Dunc já tinha tomado o caminho para os fundos do casarão, seguido de perto por uma animadíssima Vangie Marlow. Por sobre os ombros, o ancião anunciou: — O jantar será servido no alpendre nos fundos da casa daqui a pouquinho. Não demorem! Mais do que depressa, Jéssica levantou-se da poltrona e, equilibrando-se com cuidado, preparou-se para pular num pé só até a churrasqueira. Mais depressa ainda, Raitt tratou de segurá-la pelo braço. — Quer parar de agir como uma menina cheia de vontades? Será que o fato de eu carregá-la nos braços até o quintal é o suficiente para ameaçar a sua inflexível dignidade? — Não estou com disposição para ouvir sermões, Raitt. Agora, por favor, quer sair da minha frente e fingir que não está aqui? Raitt colocou-se diante dela, a fim de lhe bloquear a passagem. — Não seja criança. Será que não percebe que ficar saltitando para cima e para baixo, como um Saci-Pererê, só vai piorar o estado do seu pé? Onde vai se apoiar, no caminho até o quintal? E se perder o equilíbrio e acabar se estatelando no chão? Acha que uma boa queda seria o melhor remédio para... — Oh, pare com essa cantilena! Menos de uma hora havia se passado desde a chegada de Raitt Marlow e, nesse ínterim, o mundo de Jéssica ficara de cabeça para baixo. Ela ia ter que dividir seu banheiro
com um baita pedaço de mau caminho, e não com uma velhinha gorda e ranzinza como havia suposto. Com certeza, ele iria cantar debaixo do chuveiro, sujar a pia com creme de barbear, cobrir o espelho de vapor, deixar cuecas jogadas por qualquer canto... Enfim, uma tortura em todos os sentidos. Principalmente o físico. E o sexual. Ah, quando ficasse sozinha com o velho Duncan, seria capaz de lhe torcer o pescoço! Ao ouvir Dunc e Vangie remexendo em louças e panelas na cozinha, Jéssica experimentou saltar com o pé sadio. Mas Raitt não lhe permitiu um novo movimento. Como havia feito aos degraus da varanda, tomou-a nos braços antes que ela pudesse dizer um "A". Jéssica então tentou se debater. Outra vez, ele não deu a mínima atenção aos seus protestos. — Raitt, você é... é insuportável! Aconchegando-a de encontro ao peito, ele falou: — Fique quietinha, sim? Sou bem maior e mais forte do que você. Encare a realidade e pare de brigar comigo. — Pois saiba que não vou permitir que me trate como uma inválida, ou uma inútil, ou uma pobre-coitada desamparada. Nunca deixei que nenhum brutamonte... — Não sou um brutamonte. Sou apenas um homem bastante robusto, Jess. E não venha me dizer que já se esqueceu de como um homem pode ser de grande serventia. Em qualquer ocasião ou circunstância. Jéssica sentiu o calor da respiração dele, os lábios que quase lhe tocavam a orelha, o bater forte do coração de encontro às costelas sobre as quais ela colocara a mão espalmada. O aroma de uma gostosa colônia cítrica quase a deixou zonza. Quando finalmente conseguiu falar, sua voz soou fraca e seu argumento, pouco convincente: — Não preciso da ajuda de ninguém. — Todo mundo precisa de ajuda uma vez ou outra. Inclusive você, Jess. — Já disse que não... — Neste exato momento você precisa, sim. E não esperneie mais, OK? Todo esse esforço pode prejudicar o seu machucado. Jéssica não sabia dizer se balançava a cabeça afirmativamente apenas porque ele fazia o mesmo ou se porque concordava de verdade com Raitt. E também não conseguiu controlar o ímpeto que a levou a passar os braços ao redor do pescoço dele, aninhando-se como uma menina de encontro ao tórax avantajado. Puxa vida... Apenas nos seus sonhos encontrara-se tão confortável nos braços de um homem. Era só então que experimentava a sensação atordoante de achar-se feminina, delicada, provocante, frágil... irresistível, até. De que magia Raitt estaria lançando mão para que se sentisse daquela forma agora? Era incapaz de compreender. A distância, ouviu a voz do avô: — Venham! O churrasco está no ponto! Então, Raitt perguntou, num murmúrio ao seu ouvido: — Está com fome, Jess? Ainda que tentasse se controlar, ele não conseguiu reprimir o impulso de confortála. Bem, talvez fizesse muito tempo que andava afastado de companhias femininas. Ou será que era Jéssica Patton quem o fazia sentir-se assim, tão sedutor? Fosse o que fosse,
a verdade era que estava adorando a situação, a ponto de ter a impressão de que a calça começava a ficar justa demais para conter seu membro. Não é que o safado o ameaçava com uma bela e indecente ereção fora de hora? O encanto, porém, durou pouco. Em questão de segundos, lá estava Jéssica esbravejando novamente: — Não me venha com conversa fiada, Raitt! — O-o quê? — Esse seu jeitinho de me perguntar se estou com fome... Você não me convence com a sua fala macia! — Ah... Isso? Vangie e Dunc já se encontravam acomodados a um dos lados da comprida mesa de piquenique que ocupava boa parte do alpendre. Estavam tão entretidos em trocar brindes com vinho tinto, que mal se perceberam que tinham companhia. Ajeitando-se ao lado de Raitt, em frente ao avô, Jéssica notou que o ancião tinha os olhos fixos nos de Vangie, sustentando um olhar meio enigmático por cima da borda de seu copo. O danadinho parecia estar desavergonhadamente envolvido numa paquera nada sutil, alheio ao restante da humanidade. É Vangie, por sua vez, tinha a mesma expressão. Ela teve que tossir duas vezes para chamar a atenção do casal de pombinhos: — Podemos nos unir ao brinde, vovô? Muito a contragosto, Dunc desviou o olhar da "candidata a futura noiva" e serviu mais dois copos de vinho, dizendo: — Já brindamos duas vezes aos classificados do Correio Sentimental da Gazeta Rural. Guardando para si mesma o que pensava a respeito dos anúncios daquela seção do jornal, Jéssica fez seu copo tilintar contra os outros três. Quem sabe o vinho não iria ajudá-la a relaxar e parar de admirar as fortes coxas de Raitt Marlow, tão próximas das suas? Ela então ergueu a cabeça, ao mesmo tempo em que deixava escapar um longo suspiro. Os últimos raios do sol poente riscavam o céu de ponta a ponta, em matizes de vermelho, violeta e dourado. Dourado como os cabelos de Raitt... Maldição! Será que o vinho iria demorar muito para fazer efeito? Assim que Dunc serviu a todos generosas porções de suculenta carne e chili, Vangie pôs-se a falar sobre sua infância numa fazenda de criação de gado no Texas. Jéssica ouvia com atenção, mas também com um crescente sentimento de culpa e deslealdade para com a avó. Será que a boníssima Lizbeth gostaria que o marido olhasse daquele modo para outra mulher? Ao perceber que jamais obteria uma resposta para essa suposição, ela sorriu na direção do avô e disse para Vangie, com quem começava a simpatizar de verdade: — Você não tem o menor sotaque texano, sabia? Vangie também sorriu. — É que fiz de tudo para perdê-lo, a fim de que o pessoal de San Francisco não me tratasse como uma garota recém chegada do interior. Falar da maneira como eles falam é mais fácil do que mudar as idéias preconceituosas que cultivam. — Você só readquire o sotaque quando está brava e sai xingando por aí — zombou Raitt. — Mas isso acontece com todo mundo, não é? — retrucou à velhinha, com ar maroto.
— Ainda bem! — comentou Dunc. — Assim, Jessie e eu não seremos os únicos a falar de modo diferente por aqui. Novamente, ele e Vangie trocaram um olhar sonhador, repleto de significações. Parecia que ambos estavam prestes a desfrutar das promessas do Paraíso. Jéssica tomou um bom gole de vinho, a fim de afogar sua descrença em amor à primeira vista. Essa idéia era tão absurda e fora de propósito quanto à teimosa insistência do avô em afirmar que ela acabaria encontrando o marido ideal. Na certa, um "príncipe encantado", que viria através de um anúncio no jornal. Ou pelo correio, embrulhado para presente. Ora, só mesmo o velho Duncan Patton, que devia era estar ficando gagá! A voz alegre de Vangie voltou soar pelo alpendre: — Raitt, fale para Dunc e Jessie a respeito das boas ações que você vem praticando pelas ruas de San Francisco. — Prefiro ouvir o que eles têm a me contar, vovó. Ele ajeitou-se melhor sobre o banco de madeira e seu braço tocou no de Jéssica. Como se tivesse levado um choque, ela correu tomar mais gole de vinho para se acalmar. Seu copo, porem, já estava vazio. Sem se preocupar em afastar o braço do dela, Raitt perguntou: — Você sempre morou aqui, na fazenda, Jess? — Não. — Quase sempre — Dunc apressou-se em explicar. — Jessie passava todas as férias e feriados aqui, comigo e Lizbeth, depois que seu pai, ou melhor, meu filho Don. mudou-se com a esposa para Los Angeles. Don e Beth nunca gostaram da rotina do campo, mas Jessie mostrou interesse pelas atividades da fazenda desde que saiu do berço. Lizbeth e eu praticamente a criamos aqui. — Que gracinha... — comentou Vangie. — Raitte e o irmão também passaram várias férias na fazenda da minha irmã, no Texas. — Não se esqueça de dizer por quê — interveio ele, perdendo o bom humor de repente. — O complicado divórcio dos pais deles e as batalhas judiciais pela guarda dos dois meninos foi um dos principais motivos — esclareceu a franca velhinha. — Certas pessoas nunca deveriam se casar, mas, enquanto acham que estão apaixonadas, não dão ouvidos aos conselhos de ninguém. Infelizmente, precisam passar por experiências desagradáveis para aprender a lição. — É o caso de todos os membros da nossa família — acrescentou Raitt. — Com exceção de Vangie e meu falecido avô, Leland... e eu também, é claro. — Estes não são o momento nem o local para suas preleções, Raitt. — olhando para Jéssica, Vangie prosseguiu: — Como eu ia dizendo, ele aprendeu a montar e a usar o laço na fazenda. E ninguém se surpreendeu quando tomou-se um oficial da divisão de cavalarianos da polícia... Um dos melhores, posso afirmar com certeza absoluta. — Você tem irmãos ou irmãs, Jess? — Raitt tentou evitar que a avó se desmanchasse em elogios a ele próprio. — Uma irmã, já casada, chamada Molly — respondeu Jéssica — Ela herdou dos nossos pais o gosto pela vida urbana e também prefere morar em Los Angeles. — Não sei como eu teria me arrumado sem a companhia dessa minha menina por todos esses anos — disse Dunc — Ela cuida da fazenda como ninguém. Entende de gado, de cavalos e ainda... — Você foi meu professor, vovô — interrompeu ela, transpirando orgulho.
Após um sorriso compartilhado pelos outros três ocupantes da extensa mesa, Raitt olhou ao redor e, admirando o céu muito limpo a proteger as montanhas que se erguiam ao longe, observou: — Fiquei surpreso ao chegar aqui. Este lugar é muito mais bonito do que eu imaginava. — Me faz lembrar de algumas regiões de Wyoming e Montana — disse Dunc — E da zona de Durango, no Colorado, também. — Tudo aqui é mesmo uma gracinha — acrescentou Vangie — Não está contente por termos vindo, Raitt? — É um bom local onde descansar da correria da cidade — ele respondeu, meio lacônico — E deve haver uma porção de trilhas boas para cavalgar pelas redondezas, não? — Dezenas e dezenas delas — ressaltou Dunc — As paisagens e os cenários naturais são uma verdadeira maravilha, quando vistos do alto das montanhas. Se você gosta de pescar, Jessie poderá levá-lo até o lago Morning Glory. Se não estivesse tão velho para agüentar uma longa cavalgada, eu mesmo iria acompanhá-lo. De qualquer forma, vou lhe emprestar a minha vara e os meus apetrechos de pescaria. — Obrigado, Dunc — um sorriso malicioso iluminou as feições de Raitt — Mas quem irá tomar conta das pessoas de meia-idade, se Jess e eu formos pescar? — Pode confiar em mim, rapaz — Dunc não perdeu a pose — Sou um cavalheiro em todos os sentidos do termo. Pode perguntar sobre mim a qualquer fazendeiro desta região, e todos irão lhe responder a mesma coisa: que Duncan Patton é homem de uma só palavra. Além disso, quem pode me garantir que você vai usar do mesmo respeito para tratar a minha neta? — Vovô! — ela sentia o rosto pegar fogo. — Não sou nenhuma incapaz. Estou presente a esta mesa e posso muito bem falar por mim mesma. Sei me defender... Sempre que necessário. — Claro que sim, menina — concordou o velhinho — Eu só disse aquilo para provocá-lo. — Eu garanto que Jess terá todo o respeito que merece. — Raitt foi tão enfático, que estendeu o braço sobre a mesa e apertou a mão de seu anfitrião, como se selasse um acordo. Analisando a cena em absoluto silêncio, Jéssica torceu para que o chão se abrisse a fim de engoli-la. Que vergonha! O que faziam aqueles dois homens à sua frente, assumindo um arcaico compromisso de honra como se estivessem em plena Idade Média? Será que não se davam conta do quão antiquada e machista era aquela atitude? Ah, o velho Dunc estava mesmo precisando ouvir umas coisinhas! Por fim, ela acabou declarando: — Infelizmente, ando ocupada demais para ir pescar com quem quer que seja. Preciso instalar novas estacas ao longo da cerca no fim do vale ainda nesta semana. Os velhos esteios de madeira estão apodrecidos ao nível do solo. — O conserto da cerca pode esperar mais uma semana ou duas — disse Dunc, dando de ombros — E um dia de pescaria irá lhe fazer muito bem, menina. Além do mais, você adora pescar. —Mas o tornozelo de Jéssica a impedirá de cavalgar ou mesmo andar por aí durante alguns dias — interveio Raitt.
A princípio, ela teve vontade de agradecê-lo por livrá-la daquela situação embaraçosa. Depois, teve vontade de esganá-lo ao imaginar que, no fundo, ele estava mesmo era querendo cair fora da armadilha engendrada pelo velho Dunc. Ah, que o diabo carregasse Raitt Marlow para as profundezas do inferno! Com toda a educação e uma desculpa mais do que plausível, ele acabava de lhe atirar um belo "Não!" no meio das fuças. Se tivesse um pouco de sorte, em um dia ou dois o avô e Vangie já estariam fartos um do outro e colocariam um ponto final àquela visita nefanda. Nesse instante, iria se despedir do abominável Raitt com o melhor de seus sorrisos... Ah, se iria! A noite já se anunciava e Dunc resolveu acender duas lamparinas, a fim de clarear o alpendre. Raitt ofereceu-se para levar a louça usada de volta à cozinha, retomando de lá com um novo saco plástico cheio de cubinhos de gelo. Ainda morrendo de raiva, Jéssica não conseguiu esboçar nenhuma reação quando ele trocou o "curativo" sobre seu pé, ajudando-a a esticar novamente a perna em cima do banco de madeira. — Como está a torção, Jess? Ainda dói? — Não. O gelo adormeceu meu pé inteirinho. Através da porta da cozinha, ela podia ouvir a conversa correr animada entre Dunc e Vangie, que se ocupavam com lavar e secar a louça. A julgar pelas risadinhas e um ou outro cochicho, não iria demorar muito para que os dois velhinhos trocassem o primeiro beijo. Que situação! Raitt pareceu ter lhe adivinhado os pensamentos: — Odeio imaginar o que meu falecido avô diria se pudesse ver como sua viúva está se comportando... Acha que sua avó faria a mesma coisa, se pudesse ver Duncan neste exato momento? — Vovó Lizbeth iria gostar de vê-lo feliz, mas não bancando o menininho tolo. Se quiser minha opinião, acho que ele e Vangie vêm agindo como dois adolescentes amalucados. — Nenhum dos dois está usando de bom senso ou prudência. E eu não gosto nem um pouco disso. — Concordo plenamente. Jéssica e Raitt calaram-se por alguns instantes. Após estudar o céu salpicado de grandes estrelas reluzentes durante um bom tempinho, ele aproximou-se e, ainda em silêncio, tocou-lhe o pé machucado. Ao senti-la estremecer, explicou: — Eu quis ver se o inchaço estava diminuindo. — Oh... — A bolsa de gelo que improvisei parece ter surtido efeito. O edema regrediu bastante e a aparência já está quase normal. — Que bom. A atenção de Raitt se voltou, então, para a cozinha. Com um ar desconfiado, ele comentou: — De repente, tenho a impressão de que ficou tudo quieto demais lá dentro. — É... Também não estou ouvindo nada. — O que acha que eles estão fazendo? — Só Deus sabe. — Será que um dos dois foi até o banheiro? — Pode ser.
Jéssica, que fingia observar atentamente as estrelas, abaixou a cabeça. Só então deu-se conta de que Raitt tinha os olhos fixos nela, como se tivesse esquecido completamente o casal de velhinhos que parecia pintar o sete no interior do casarão. — Você tem os pés muito bonitos, Jess. Dessa vez, ele levantou-lhe o pé machucado com cuidado e acomodou-o na palma da própria mão. Depois deu início a uma gostosa e relaxante massagem, esfregando de leve o polegar e o indicador ao redor do local da torção. Como Jéssica permanecesse muda como uma parede, insistiu: — Não acha que seus pés são bonitos? — E-eu acho que... que essa massagem é... é muito boa. — Por que simplesmente não aceita um elogio, sem se preocupar em responder com outro? Ou será que não acredita em mim? Pela primeira vez desde a chegada dos visitantes, Dunc, ainda que involuntariamente, foi ao socorro da neta. Colocando o rosto num dos vãos da janela da cozinha, o velhinho anunciou: — Vangie e eu vamos dar uma voltinha pelos arredores. Levaremos Murph e Muttley conosco. — S-sim... Está bem, vovô. Ao ver que Raitt segurava o pé da neta, o ancião perguntou: — Como está o tornozelo dela, Raitt? — Quase bom. — Ótimo! — Dunc, não faça nada que um bom escoteiro não faria, nesse seu passeio pelas redondezas. E trate de não levar minha avó para muito longe daqui. — Não se esqueça, rapaz: Duncan Patton é homem de uma só palavra. — Comportem-se! Assim que o velhinho fechou a janela, Raitt voltou a olhar para o pé de Jéssica, que ainda descansava na palma de sua mão. Sentiu que a pele era tão lisinha, tão branquinha, tão quente... As unhas, bem aparadas e sem sinal de esmalte, tinham um belo contorno. De repente, ele teve vontade de correr a mão pela perna estirada à sua frente, acariciar-lhe o joelho arredondado, afagar-lhe a coxa oculta pelo vestido. Mas, se Jéssica tinha dificuldade em aceitar um simples elogio, como reagiria diante de tais carícias? Não, melhor seria tirar essas idéias extravagantes da cabeça e continuar com seus serviços de um prestativo "enfermeiro". Raitt voltou a ajeitar o saquinho de gelo sobre o tornozelo dela, prendendo-o no lugar com a toalha que trouxera consigo do banheiro ao retornar do interior do casarão. Visivelmente aliviada com o fim da sessão de massagem, Jéssica disse: — Obrigada... Muito obrigada. Será que se importaria em me fazer um favor? — Claro que não. Do que se trata? — Poderia dar uma olhadinha no sótão, para ver se consegue encontrar aquele velho par de muletas? Não era bem aquilo que ele desejava no momento, mas... — Posso, sim, Jess. Como chego até lá? — Na lavanderia, ao lado da cozinha, há uma tampa de madeira no teto. É só puxar uma maçaneta de ferro e a tampa vem para baixo, transformando-se numa
escadinha de poucos degraus. A luz do sótão se acende automaticamente quando a tampa é aberta. — Olhe, Jess, não quero que pense que me incomodo de carregar você nos braços ou... — Eu me incomodo. — Está bem, está bem. Vou tentar não demorar. Raitt não disfarçou a irritação. Aquela mulher estava precisando de um beijo que lhe tirasse o fôlego, não de um par de muletas! Seguindo as orientações que Jéssica lhe dera, ele subiu a escadinha dobrável e viu-se num espaço amplo e empoeirado. Havia de tudo um pouco naquele sótão fracamente iluminado: tralhas de todas as espécies, ferramentas, abajures quebrados, cadeiras aos pedaços, um grande espelho numa moldura de cedro. E, encostado no espelho, bem diante dos olhos de quem quisesse ver, um velho par de muletas. Raitt sacudiu a cabeça de leve. O que deveria fazer com aquele casal de velhinhos desmiolados? Dar uns tapas no traseiro dos dois? Agradecer a ambos pelas boas intenções? Ah, que Deus lhe desse paciência até o fim daquela desastrosa visita à fazenda dos Patton! Lá fora, no alpendre iluminado pelas duas lamparinas, Jéssica voltou a admirar o céu. Aquela era, sem dúvida alguma, uma noite bastante propícia aos arroubos de romantismo de qualquer pessoa. E ela tinha certeza absoluta de que Vangie e Dunc deviam estar em algum cantinho, trocando beijos apaixonados como dois adolescentes. Seria bom estar assim com Raitt, presa em seus braços, deixando-se beijar até a alma, com o corpo colado ao dele enquanto suas mãos trocavam carícias repletas de curioso ardor? Só uma doida de pedra poderia dizer que não. O coração de Jéssica deu um salto quando ela ouviu a porta da cozinha abrir-se às suas costas. Tão logo sentou-se ao lado dela no longo banco, Raitt foi dizendo: — Não vi nenhum par de muletas lá em cima. — Oh... Bem, obrigada por ter tido o trabalho de procurar. — Não foi trabalho algum, Jess. O que era uma deslavada mentira. Custara-lhe, e muito, decidir pela pequena farsa. Mas como poderia ter agido de outra forma, se estava louco de vontade de tomá-la nos braços novamente e levá-la até seu quarto? Quem sabe, teria até mesmo a chance de colocá-la sobre a cama e sentir outra vez, bem de pertinho, o excitante perfume de alfazema que se desprendia de sua pele... Ou teria sido melhor lhe entregar as muletas e terminar de uma vez por todas com aquela bobagem? Ela mesma não tinha feito questão de insinuar, ou mesmo afirmar clara e objetivamente, que queria vê-lo bem longe de si? De repente, Raitt teve a impressão de que fizera um mal negócio ao alimentar a excruciante atração que começava a sentir por Jéssica Patton.
CAPÍTULO IIV Um ruído estranho acordou Jéssica no dia seguinte. Água correndo. Alguém assobiando uma música. Raitt Marlow debaixo do chuveiro. Com certeza. Ela enfiou a cabeça no travesseiro, deixando escapar um gemido exasperado de encontro à fronha macia. Na noite anterior, Raitt a tinha carregado nos braços até seu quarto e, surdos aos seus protestos indignados, fizera questão de colocá-la na cama. E agora estava ali com apenas uma parede a separá-los, nu debaixo do chuveiro, ensaboando o físico perfeito, com a água lépida a lhe escorrer pelos músculos firmes e bem desenvolvidos, atlético e viril como... como o homem de seus sonhos mais secretos. Jéssica sentiu o corpo arder devido à estimulante imagem que formara na cabeça e foi um custo afastá-la de seus pensamentos. A canção cheia de bossa que Raitt assobiava era um indício de que ele dormira muito bem. Ao contrário dela, que havia levado uma eternidade para conseguir pegar no sono. O desejo que começara a sentir por aquele inesperado e belo visitante ameaçava deixar-lhe os nervos em frangalhos. Tentando espreguiçar-se a fim de aliviar o cansaço da noite mal dormida, Jéssica percebeu que seu tornozelo ainda latejava. Louca de raiva e frustração, virou-se de costas sobre a cama e cobriu o rosto com o travesseiro. Não experimentava um desejo tão intenso desde... desde que caíra na conversa de Bob. Não que ele fosse um amante fantástico, carinhoso e cheio de imaginação. Ela que bancara a tola, se deixando envolver por um vaqueiro de modos até mesmo rudes. Afinal, virgem e considerando-se uma jovem feiosa... O fato era que Jéssica jamais admitiria a própria beleza, exótica e singular. Talvez fosse essa a forma que encontrara para punir a si mesma pela tolice de ter se entregado a um homem que a fizera de boba e, na certa, tinha rido muito às suas custas. Ela jogou o travesseiro longe no mesmo instante em que Raitt fechava o chuveiro. Então, como num filme, teve a nítida impressão de vê-lo à sua frente, friccionando a toalha sobre o peito largo, ao longo do abdômen firme, através dos pêlos pubianos... Inferno! Maldição! Daquele dia em diante, iria ser a primeira a acordar e a tomar banho! Meia hora mais tarde, mordendo o lábio como se isso pudesse ajudá-la a suportar a dor no tornozelo ainda inchado, Jéssica chegou à cozinha pulando num pé só. Decidida a não fazer concessões aos convidados do avô, naquela manhã voltara a prender os longos cabelos no costumeiro rabo-de-cavalo, tendo também vestido seu surrado jeans de trabalho e uma camiseta de algodão com a singela, estampa de um buldogue. Impossibilitada de colocar suas botas de montaria por causa da contusão no tornozelo, tivera que se contentar em calçar um velho par de mocassins. Murph e Muttlev, estirados embaixo da mesa, a saudaram com um rosnar preguiçoso. Dunc e Raitt já tomavam o café da manhã enquanto Vangie, usando um vestido colorido demais para o gosto de Jéssica, remexia em utensílios que estavam sobre a pia. Em cima da mesa, sobressaía-se um grande arranjo de flores que fora colocado num antigo vaso de cristal de Lizbeth. E no prato do velho Duncan havia panquecas com calda caramelada e bolachas de centeio, ou seja, o desjejum favorito do dono da casa. E, parecia que a velhinha não perdera tempo em assumir o controle das atividades domésticas...
— Bom dia, menina — Dunc cumprimentou-a. — Dormiu bem? — Mais ou menos — foi a resposta lacônica. — Você não devia ficar saltitando por aí — observou Raitt. — Sente-se e apoie o pé machucado numa cadeira. Ignorando o conselho, Jéssica pôs-se a pular em direção à cafeteira. Vangie interrompeu-a na metade do caminho, colocando a mão em seu ombro de modo amável: — Por favor, minha filha, sente-se. Deixe que eu cuide de tudo por aqui, sim? — Mas... Antes que Jéssica pudesse concluir o protesto, a velhinha encaminhou-a até uma das cadeiras vagas. Foi somente após vê-la devidamente acomodada, que perguntou: — Como gosta do seu café, Jessie? — Puro. E sem açúcar. Deixou escapar um suspiro desanimado, enquanto Vangie se ocupava em servi-la. Depois de colocar a caneca diante de Jéssica, á entusiasmada senhora dirigiu-se ao neto: — Raitt, ajude Jessie com o que ela precisar. — Não preciso de nada, Sra. Marlow — Jéssica apressou-se a declarar. — Você precisa de uma boa dose de bom senso — retrucou Raitt, erguendo uma sobrancelha. — Ah, disso ela precisa mesmo — concordou Dunc, espalhando manteiga numa bolacha de centeio ainda quentinha. — Vovô, aquele par de muletas tem que estar em algum lugar do sótão — Jéssica retomou o assunto do dia anterior. — Raitt tentou encontrá-lo ontem à noite, mas... — Ele subiu ao sótão, ontem? — Dunc engoliu um pedaço da bolacha como se fosse uma colherada de sopa de pedras. — Não vi muleta alguma por lá — Raitt mentiu, expressando sua cumplicidade para com o casal de idosos. — Será que você não daria mais uma olhadinha lá em cima, vovô? — insistiu Jéssica, na maior inocência. — Você me dá uma mãozinha, Raitt? — O velhinho retomou seu tom despreocupado. — Claro, Dunc. — Raitt usou do mesmo artifício. Os dois levantaram-se ao mesmo tempo e desapareceram na lavanderia adentro. Assim que chegaram ao sótão, Dunc encostou-se numa viga empoeirada e deu um sorriso travesso. Apontando para as muletas, perguntou: — Por que você disse que não as tinha encontrado, Raitt? — Por puro respeito à minha avó e ao meu anfitrião, acho eu. — Ou será que foi porque você gostou da minha menina bem mais do que havia suposto? — Não sou do tipo casamenteiro, Dunc. Minha avó deveria ter lhe dito isso. — Ela disse, sim, quando conversamos pelo telefone. E eu contei a Vangie que minha neta é geniosa, teimosa e independente demais para se submeter às ordens de um marido mandão. — E então...?
— Jessie ficou assim depois de um namoro desastroso com um empregado temporário que tivemos aqui na fazenda. — Não foi isso o que eu perguntei. — O que é que você quer saber, meu rapaz? — Quero saber por que nossos avôs estão tentando fazer de mim e Jess um parzinho romântico, uma vez que têm consciência de que nós dois não estamos nem um pouco interessados em casamento. — A esperança é a última que morre, Raitt. Você e Jessie têm muitas coisas em comum: adoram cavalos, são teimosos e orgulhosos e... — E não queremos perder nossa independência. Olhe, Dunc, por mais que eu aprecie a companhia feminina, "casamento" é uma palavra que não consta do meu vocabulário. — E quem aqui falou em alguma coisa parecida com "até que a morte os separe"? Vou ser razoável com você, Raitt: prometo não lhe furar um dos olhos, se quiser namorara minha neta. Apenas namorar, certo? Não quero vê-la novamente com o coração aos pedaços por causa de um homem interessado somente em... em... você sabe o quê. — Com todo o respeito, Dunc, eu também lhe furaria um dos olhos se soubesse que está interessado na minha avó somente por causa de... de... você sabe o quê. — Mas eu sou do tipo casamenteiro, rapaz. Minhas intenções para com Vangie são as melhores possíveis. E sou um incansável partidário do "até que a morte os separe". — Pois eu tenho alergia crônica e fico todo empipocado só em ouvir essas palavras. — É por isso que terá que se comportar direitinho. Só namorar, está bem? E com todo o respeito. — Ora, Dunc, deixe de maluquices! — Vou lhe dizer uma coisa, rapaz: já vivi um bocado e acho que aprendi como entender a maneira de pensar das mulheres. Veja o caso de Lizbeth, minha falecida esposa. Ela era tão geniosa quanto Jessie e, quando teimava com qualquer bobagem, ninguém conseguia lhe tirar a razão. Mas bastava que eu a chamasse de "minha pimentinha preferida" e pronto, num segundo ela se transformava num favo de mel! — Você diz cada uma! Não acredito que... — Acredite ou não, agora leve essas malditas muletas para Jessie, antes que ela venha procurá-las num pé só. Após um aperto de mãos. Raitt seguiu o velhinho escadas abaixo, carregando o par de muletas. — Aleluia! Jéssica vibrou ao ver as velhas muletas e a euforia ajudou a lhe diminuir o complexo de culpa. Sentia-se culpada porque havia simplesmente adorado o desjejum preparado por Vangie. O café, as panquecas de ricota, a calda caramelada, as bolachas... tudo estava muito mais gostoso do que qualquer coisa parecida que sua falecida avó tivesse feito para as refeições matinais na fazenda. E todas as reações favoráveis que a gentil "candidata a futura noiva" de Dunc lhe provocava a faziam imaginar-se traindo a memória de sua adorada vovó Lizbeth. Bem, pelo menos agora tinha o par de muletas... O que significava que podia dar adeus ao aconchego do colo de Raitt Marlow. Será que ele estava satisfeito da vida ao ver-se desincumbido da tarefa de carregá-la para lá e para cá? Apoiada nas muletas, Jéssica encaminhou-se para a porta da cozinha, avisando:
— Vou dar uma olhada nos cavalos. Venha, Murph. E você também, Muttlev. Assim que os dois cães pastores seguiram no encalço dela, Vangie protestou: — Mas você mal terminou o café da manhã, minha filha... — Tenho muito o que fazer — explicou Jéssica — E os animais estão à espera de comida e água. — Precisamos dar atenção aos nossos visitantes — interpôs Dunc — Além disso, você precisa poupar esse pé machucado, menina. Impassível aos argumentos, ela saiu porta afora e tomou o caminho para o estábulo. O ar da manhã estava bastante fresco e os passarinhos faziam uma verdadeira algazarra nos galhos dos pinheiros. Assim que chegou ao portão da estrebaria, Jéssica assobiou para que os cavalos deixassem suas baias e se agrupassem junto às manjedouras. Havia adestrado todos aqueles animais e era surpreendente vê-los obedecerem a um único gesto ou sinal seu. Aproximou-se, então, do seu cavalo favorito, Álamo, um garanhão de reluzentes pêlos negros. Egocêntrico, o eqüino exigia receber as primeiras saudações, ou punha-se a relinchar como forma de chamar a atenção sobre si. Jéssica afagou-lhe o longo pescoço, murmurando: — Bom dia, bonitão sexy e egoísta. Passou bem à noite? No fundo, sabia que Álamo estava mesmo era se exibindo para Teardrop e Lucillc, as duas éguas com quem compartilhava a estrebaria. Afinal, ambas pareciam concordarem número e grau que ele era o macho de quatro patas mais atraente de toda a fazenda e pouco se importavam com a presença de Marcus e Speed, alazões de meiaidade que ocupavam um patamar neutro na hierarquia social eqüina das paragens. Jovem, intrépido e impetuoso. Álamo era o verdadeiro rei da Fazenda Patton. Naquela manhã o garanhão estava mais cordial do que de costume, mordiscando as pontas dos dedos de Jéssica e farejando-lhe a manga da camiseta. Os dois alazões responderam aos cumprimentos dela com afável complacência; como Lucillc, já demonstravam um certo cansaço para brincadeiras ou arroubos de embevecimento. Teardrop, por sua vez, resfolegou suavemente enquanto passava o narigão aveludado de encontro à palma da mão de Jéssica. Acariciando a crina da égua, ela perguntou: — Como vai essa sua barrigona? É gostoso estar esperando um filhote de Álamo? Havia presenciado o ritual de acasalamento dos dois animais, encantada com a perfeição com que a natureza unia seus filhos a fim de que dessem origem a novos filhos, num eterno ciclo de preservação da vida. Tudo aquilo era tão bonito e perfeito que chegava a comovê-la. Se ao menos tivesse a mesma sorte de Teardrop e encontrasse o companheiro que... Interrompendo o pensamento absurdo, tratou de providenciar alimento para os cavalos. Não era justo que os pobrezinhos passassem fome pelo simples fato de possuírem uma dona tola, com a cabeça repleta de idéias românticas! Não demorou muito para que Jéssica se desse conta de que, apoiada num par de muletas, era incapaz de carregar um balde cheio de água ou um bom fardo de feno. E, se deixasse as muletas de lado, aí então seria absolutamente impossível cuidar dos animais, já que não conseguia sequer colocar o pé machucado no chão. Diabos, que bela dor de cabeça fora se arrumar! E tudo por causa de Raitt Marlow! Se ele e a avó não tivessem aparecido para... — Você está precisando de ajuda, não está?
Raitt parecia ter surgido do nada e o susto fez com que ela dissesse a primeira coisa que lhe ocorreu: — Não se preocupe. Tão logo desenvolva um terceiro braço, vou dar conta de tudo direitinho. — Por que não admite o óbvio, Jess? — E qual é o óbvio? — Você não conseguirá realizar tarefa alguma por aqui, ora essa. Vamos, é só me dizer o que precisa ser feito e eu cuidarei de tudo com o maior prazer. Pela determinação com que Raitt se expressara, Jéssica percebeu que nada do que pudesse falar iria impedi-lo de prestar o auxílio oferecido. Se não dissesse àquele caubói intrometido e pertinaz o que fazer, ele acabaria fazendo tudo à sua própria maneira. E ponto final. Por isso achou melhor dar as orientações: — Dois maços de feno para cada cavalo, começando por Álamo, o garanhão preto. Água fresca no bebedouro, até as bordas. E tome cuidado com Álamo, porque ele é meio temperamental. — Dunc já me avisou. E também me contou que você comprou Álamo e Teardrop num leilão de cavalos ainda não domesticados. Achei interessante. Interessante era o modo como a camisa que Raitt usava se colava à sua pele e revelava a consistente musculatura de suas costas e ombros, a cada movimento que ele executava com o ancinho, a fim de separar pequenos feixes de feno do grande fardo colocado junto à entrada do estábulo. Ao se virar, ele finalmente deu-se conta de que Jessica o observava com o queixo caído. Mais do que depressa, ela desviou o olhar para Álamo e fingiu interesse nas atividades gastronômicas do garanhão. Incomodada com a atenção que Raitt insistia em lhe dedicar, disse: —Infelizmente, não temos mais extensas pastagens para acomodar um grande rebanho de cavalos selvagens. Eles precisam de muito espaço para se exercitarem, como você sabe. E também não podem ficar soltos por aí, pois estariam sujeitos às doenças, à seca e aos predadores naturais. — Entendo... — Fui àquele leilão apenas para dar uma olhadinha nos animais, mas acabei me apaixonando por mais de uma dezena deles. Pena que só tive dinheiro para comprar dois: Álamo e Teardrop. — Dunc me disse que, na certa, eles iriam acabar numa fábrica de sabão se você não os tivesse trazido para cá. Ainda bem que o seu coração falou mais alto. — Coração, não. O meu bom senso. Raitt apoiou os braços no cabo do ancinho e olhou para ela com uma expressão de reprovação. — Não vejo o que há de mal em admitir que tem um bom coração, Jess. — Bem, eu não... Acho que... que se for por uma boa causa... — No fundo, acredito que todos temos nossos... nossos bons motivos, digamos assim. Eu, por exemplo, me dedico aos meninos de rua. Como os cavalos bravios, eles também precisam lutar para sobreviver em meio a um ambiente natural que às vezes lhes é hostil. A grande maioria desses garotos vem de lares desfeitos, você sabia? No mesmo instante, Jéssica lembrou-se de que Raitt também pertencera a um lar que fora desfeito. E lembrou-se ainda dos comentários de Vangie a respeito das batalhas
judiciais dos pais dele quanto ao acordo de divórcio e à guarda dos filhos. Com certeza, devia ter sido uma experiência péssima para qualquer criança. Alheio aos seus pensamentos, ele prosseguiu: — Há milhares de meninos de rua neste país. E olhe que essa é uma estimativa bem otimista, pois não leva em conta as inúmeras e extensas famílias sem-teto. — Seu auxílio deve ser inestimável para eles, Raitt. — Faço tudo o que posso, mas ainda é muito pouco. Sei muito bem como esses garotos se sentem. Os pais se separaram mas não param de brigar, nem mesmo, depois do divórcio. Não raro, a criança pensa que ela é o motivo de tantas brigas. E como ninguém lhe dá a mínima atenção, ela vai para as ruas, acaba se envolvendo com uma turminha barra-pesada e... Bem, o resto você pode imaginar. — O divórcio de seus pais foi uma experiência muito dolorosa para você, não foi? — Foi sim. E pensar que o mesmo aconteceu com praticamente toda a nossa família... Tudo o que você quiser saber a respeito do fim do amor e da vida após uma separação judicial, posso lhe contar nos mínimos detalhes. Acho que não há uma só particularidade a esse respeito que eu desconheça. Jéssica sentiu o coração se apertar. E pensar que na sua família, tudo era exatamente o oposto! Os três filhos de Duncan e Lizbeth eram a personificação da felicidade junto a seus companheiros. Molly, a irmã dela, casara-se aos dezessete anos e não se cansava de afirmar que o casamento fora a melhor coisa que podia ter lhe acontecido. A união de Dunc e Lizbeth, por outro lado, havia durado até que a morte os separasse. Por mais que se negasse a admitir claramente, também sonhava em experimentar da mesma felicidade junto ao homem amado. Sonhava com um casamento sólido e duradouro, com filhos bonitos e sadios, com uma família alegre e barulhenta a se espalhar pelo casarão de madeira e pelas terras da fazenda... No entanto, tudo o que havia conseguido fora cair na armadilha de um cafajeste do quilate de Bob Cochran! Afastando a lembrança desagradável, Jessica comentou: — Você não é um homem romântico, pelo jeito. — Tenho os meus momentos de romantismo, mas graças a Deus, eles não são suficientes para me levar ao altar. O casamento bem-sucedido dos meus avôs foi uma exceção à regra na família Marlow. E eu não creio que vá ter a sorte de que isso volte a acontecer justamente comigo. Na verdade, o que aconteceu com Vangie e Leland foi um verdadeiro milagre... E milagres não ocorrem todos os dias. Indignado com o fato de estar sendo ignorado, Álamo pôs-se a resfolegar, balançando a cauda ao mesmo tempo em que batia com as ferraduras das patas dianteiras sobre o solo de cascalhos diante da estrebaria. Olhando na direção do garanhão, Raitt aproveitou para mudar o tema da conversa: — Os dois "bons motivos" que amoleceram seu coração já foram amansados? — Somente Teardrop. — E quem a domesticou? — Eu. — Puxa vida... Meus parabéns! Sentindo o rosto corar, Jéssica usou as muletas para se aproximar de Teardrop e passou a mão pela mancha branca que a égua tinha entre as orelhas alertas. Raitt espalhou alguns pequenos feixes de feno ao longo da manjedoura e distribuiu pequenos maços da erva para Lucille e os dois alazões, antes de perguntar:
— Quem vai amansar Álamo? — Vovô é o melhor amansador de cavalos bravios que temos nesta região, e fez dessa habilidade uma profissão durante anos. Ainda hoje, não há vaqueiro ou tratador de animais que se equipare ao velho Duncan Patton. — Mas, na idade de Dunc, tenta domesticar um garanhão como Álamo seria suicídio. — Ter setenta anos não significa estar inválido ou à beira da morte. O comentário áspero de Jéssica fez com que Raitt desistisse de argumentar. Era evidente que ela idolatrava o avô e que lhe seria leal pelo resto da vida. Esse amor desmedido, com certeza a fazia negar-se a aceitar um fato inexorável na existência de qualquer ser humano: as pessoas envelheciam e morriam, por mais que isso doesse. Levando um punhado de feno à boca gulosa de Teardrop, Raitt tentou soar razoável: — Ninguém é eterno, Jess. — Me recuso a ouvir coisas desse tipo. — Você se recusa a ouvir qualquer coisa sensata, isso sim! — O que está querendo dizer com isso? — Que você não dá ouvidos a ninguém! Quantas vezes lhe falei para que ficasse sentada e mantivesse o pé erguido ao nível do corpo, apoiado num descanso? Você ligou para o que eu disse? Ligou? Pois agora olhe só, seu tornozelo voltou a inchar e logo, logo vai estar do tamanho de uma bola de futebol! — Eu sou a única responsável pelos meus atos e o que acontece com o meu tornozelo só diz respeito a mim mesma! Ninguém me diz o que fazer, Sr. Marlow! Nem você, nem Vangie, nem o santo papa! Mesmo atrapalhando-se com as muletas, ela virou as costas e fez menção de afastar-se. Foi então que ouviu Teardrop relinchar e, em seguida, a voz de Raitt ecoou pelo cercado que delimitava a estrebaria: — Calma, formosura, calma... Eu também tenho um cavalo, sabia? Ele se chama Cody. Aposto que você iria gostar dele... Cody é muito mansinho, até mesmo com os meninos de rua... Todos são amigos do meu cavalo... E Cody é amigo de todo mundo... Enquanto ele tentava ganhar a confiança da égua, Jéssica deu uma espiada na direção de Álamo. Próximo ao portão do cercado, o garanhão olhava para Raitt com desconfiança; pelo visto, estava enciumado ao ver alguém tratar sua "esposa" com tamanha intimidade. Pudera! Quem haveria de imaginar que um homenzarrão como Raitt Marlow fosse capaz de usar um tom tão doce, tão persuasivo, tão... magnético? Jéssica virou-se novamente e sentiu o sangue ferver ao ver como Teardrop pestanejava languidamente para ele, roçando as grandes narinas de encontro ao seu braço vigoroso. Traidora! Será que nem mesmo uma fêmea com quatro patas resistia ao charme daquele homem? O forte resfolegar de Álamo fez com que ela se encaminhasse para junto do cavalo. Afagando-lhe a crina luzidia, Jéssica tratou de consolá-lo: — Não se preocupe, garotão... Raitt é apenas um homem. Ele não vai lhe roubar a companheira, prometo. Fique sossegadinho, sim? As atenções que a dona lhe dedicava acabaram por tranqüilizar o garanhão, que não esboçou reação ao perceber que Raitt se aproximava. Tão logo deu-se conta de que seu indesejado hóspede parava às suas costas, Jéssica voltou a passar a mão pela crina do cavalo, repetindo:
— Apenas um homem... E não um garanhão fogoso e sexy como você. A voz de Raitt soou num murmúrio rouco e provocante: — Não? Acho que você tem prestado muita atenção aos seus cavalos, esquecendo-se de olhar com mais cuidado ao redor... Pimentinha. Pimentinha, onde ele aprendera a falar daquele modo, tão meigo e insinuante? Álamo decidiu que aquele era o momento de agir. Seu enorme focinho chocou-se contra o peito de Jéssica num carinho desastrado, fazendo com que ela perdesse o equilíbrio e, com o susto, soltasse as muletas. Ao ver que o par de muletas ia ao chão com um baque surdo, Raitt estendeu os braços e amparou-a num abraço apertado, antes que ela também caísse. Jéssica prendeu a respiração. Sentia um dos braços fortes de encontro aos seios, o outro a lhe envolver a cintura. O tórax robusto de Raitt parecia o abrigo ideal para suas costas e baixo ventre dele. Colado ao seu quadril, lhe proporcionava uma sensação simplesmente deliciosa. Encostando os lábios no ouvido dela, Raitt murmurou: — Calma, pimentinha... Não vá cair... A enxurrada de protestos ficou presa na garganta de Jéssica. Imobilizada naquele abraço inesperado, percebeu que Raitt levava uma das mãos ao seu seio esquerdo, prendendo-o com força entre a palma e os dedos longos. Ao mesmo tempo, ele lhe depositou um beijo suave na curva do pescoço. — Raitt... — Sim? Antes que Jéssica respondesse, ele virou-a de frente para si e, sem desfazer o abraço firme, tez com que seus olhares se encontrassem. Percebeu, então, que ela estava com o rosto corado e seus olhos verdes haviam adquirido uma tonalidade ainda mais profunda. — Quer namorar um pouquinho, Jess? Novamente, ela não teve tempo para responder. Raitt voltou a prender-lhe um seio com a mão em forma de concha, no exato momento em que seus lábios procuravam os dela num beijo apaixonado. Imprimindo audácia e languidez aos movimentos da língua, ele lhe invadiu a boca em carícias repletas de insinuante excitação. Sentindo o peito de Jéssica arfar de encontro à sua mão, Raitt tomou-lhe um mamilo já rijo entre o polegar e o indicar, massageando-o com delicadeza. Ela não conseguia esboçar reação alguma. E, ao notar que o membro de Raitt dava sinais de uma vigorosa ereção, deixou escapar um suspiro do mais puro e contagiante desejo. Ele também era presa da mesma descarga de paixão. Naquele instante, não lhe importava que tivesse nos braços uma mulher geniosa, teimosa, que se zangava a toa. O fato era que aquela mulher irascível lhe provocava uma ereção como havia muito não experimentava e uma onda de desejo simplesmente arrebatadora. Murph, um dos pastores de Duncan Patton, soltou um latido satisfeito ao aproximar-se da estrebaria. O som penetrou nos ouvidos de Jéssica, trazendo-a de volta à realidade. O que estava fazendo ali, nos braços possessivos de Raitt Marlow, deixando que ele a acariciasse e a beijasse com tamanha avidez, a ponto de lhe roubar o fôlego e a razão? Tinha ficado maluca? Meio zonza, ela ainda encontrou forças para afastá-lo de si. Mesmo assim, Raitt manteve um dos braços ao redor de sua cintura. — Não diga que não gostou, Jess...
— N-não, eu não... Quero dizer, se Álamo não tivesse me empurrado, eu nunca... eu nunca... — Não mesmo? Nunca? — Quer fazer o favor de me soltar? — Nada disso. Você ficou em pé muito tempo e agora precisa descansar. — Não vou... Com um gesto rápido e ágil, Raitt tirou-a do chão e levou-a até uma bancada de madeira ao lado do portão da estrebaria. Ao vê-la sentada ali, perguntou: — Você nunca admite uma fraqueza? Nunca dá ouvidos à lógica? Mas, na verdade, era ele quem precisava retomar o bom senso, ou acabaria fazendo a bobagem de tomá-la nos braços outra vez e recomeçar de onde haviam parado. Esforçando-se para aparentar naturalidade e disfarçar o volume formado na parte frontal do jeans, Raitt apanhou o par de muletas e entregou-o a Jéssica. — Obrigada. — Não há de quê. Agora fique sentadinha aí, enquanto termino de alimentar os cavalos. Era óbvio que ela ficaria sentadinha ali. Afinal, não tinha forças sequer para murmurar um bom xingamento...
CAPÍTULO V Ao voltar do estábulo, Jéssica podia esperar por qualquer coisa ao entrar no casarão de madeira. Menos deparar-se com Dunc e Vangie em meio a um acalorado beijo, bem no meio da cozinha. Quando ela tossiu para anunciar sua presença, os velhinhos separaram-se com relutância. Além de não parecer nem um pouco embaraçado, Dunc ainda fez questão de permanecer com um braço ao redor dos ombros da "noiva". Que, por sua vez, nem chegara a corar. Com um brilho todo especial nos olhos escuros, Vangie perguntou: — Por onde anda o meu neto, Jess? — Ele ficou na estrebaria, terminando de dar comida e água aos cavalos — respondeu Jéssica, meio sem graça. — As muletas estão ajudando, minha menina? — indagou Dunc. — Pelo menos, posso me locomover por aí, sem a ajuda de ninguém — foi a resposta direta. — E vocês? O que andaram fazendo, além de namorar? — Preparando as coisas para o piquenique na cidade — Dunc apontou para as duas grandes cestas de vime que estavam sobre a mesa — Já está tudo pronto. — Oh... o piquenique — Jéssica tinha se esquecido por completo do evento anual, que se realizaria naquele dia.
— Falei para Vangie a respeito do leilão — comentou o velhinho — Contei também que todos o consideram o ponto alto da festividade. Jéssica nunca tivera o menor interesse por aquele leilão bobo: as mulheres preparavam suas cestas com alimentos e os homens faziam lances em dinheiro pelos tais cestos; a maior oferta era a vencedora e o ofertante adquiria o direito de compartilhar dó piquenique com a dona da cesta. Além de considerar a brincadeira muito tola, ela também detestava o leilão porque o avô, temendo que um novo Bob Cochran aparecesse em sua vida, sempre se antecipava a qualquer lance e acabava arrematando a cesta da própria neta. Que bela diversão... Mesmo assim, Jéssica sentia-se na obrigação de participar do evento, pois o dinheiro arrecadado era revertido para as obras de caridade na comunidade. E absolutamente todos os moradores da região tomavam parte, de um modo ou de outro, na festividade. Isso já tinha se tomado uma tradição local e não havia como escapar. — Ponha o nome de Vangie nas duas cestas, assim você e Raitt poderão comprálas — disse ela, sem hesitar — Prefiro ficar em casa. — Nós nunca perdemos uma dessas festas, Jessie — argumentou Dunc — E você prometeu que iria a todas, já que se trata de um evento beneficente. — Sobrou uma porção das costeletas e do chili de ontem, que já guardamos nas cestas — anunciou Vangie, entusiasmada — Podemos levar frutas e alguns vidros de compotas também. — Meu pé está inchado demais — alegou Jéssica — E vai inchar ainda mais, se eu ficar andando de um lado para o outro. — Mas você fica andando do mesmo jeito por aqui, na fazenda — Dunc tentou convencê-la — Além disso, vamos levar as muletas e o saco com gelo. — Vovô... — ela insistiu. — Acha justo quebrar sua promessa? — Dunc também era teimoso à beca — Se você não for, então ninguém da Fazenda Patton irá. — Oh, Dunc... — O sorriso desapareceu dos lábios de Vangie. — Eu estava tão ansiosa para participar da festividade... Todos os seus vizinhos e amigos vão estar lá, não vão? Seria uma ótima oportunidade para eu conhecê-los. — E todos também estão loucos para conhecê-la — Dunc assegurou-lhe. Os dois velhinhos olharam para Jéssica com uma expressão suplicante. Com medo de decepcioná-los ou passar por estraga prazeres, ela não teve outra escolha: — Está bem, está bem... Eu vou. — Oh, que gracinha! — Vangie era toda entusiasmo outra vez — O que devo vestir? Um conjuntinho de saia e blusa de algodão estampadinho ficará bem? Calço sandálias ou alpargatas? — Trate de ficar confortável, pois elegante você já é — garantiu-lhe Dunc. — Eu vou do jeito que estou — avisou Jéssica. — Ninguém sairá desta casa enquanto você não estiver usando uma roupa mais graciosa e feminina — ameaçou o avô com determinação. — Oh, Dunc... — A crista de Vangie voltou a cair. — Dai-me paciência, Senhor... — Jéssica contou até dez. — Vou colocar um jeans limpinho e cheiroso, tirado do armário, está bem? — Com aquela blusa de seda toda bordada que Lizbeth lhe deu de presente de aniversário? — barganhou Dunc.
— Aquela blusa precisa ser passada a ferro, vovô — ela inferiu — Além do mais, que diferença faz se... — Por favor, Jessie querida — interveio Vangie — Aposto que sua avó ficaria muito contente se você usasse o presente que ela lhe deu. Deve ser uma gracinha de blusa! Raitt acabava de entrar na cozinha e foi logo perguntando: — O que é "uma gracinha" desta vez, vovó? Antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, Jéssica amparou-se sobre o par de muletas e anunciou: — Vou passar minha blusa. Com licença. Ela não voltou a dar o ar de sua graça até que Duncan batesse à porta de seu quarto. — Ande logo, menina. Está ficando tarde. — Calma vovô. Não sou tão ágil com roupas e penteados como sou para lidar com o gado. — Mas é teimosa feito uma mula... Posso entrar? — Pode. O ancião abriu, a porta e, colocando apenas a cabeça para dentro do quarto, afirmou: — Deixe-me ver... Hum, agora está bem melhor! Mas não faça essa cara de sofrimento, pois não criei um caso para que você colocasse um vestido, criei? — Nem iria adiantar, já que eu não teria colocado mesmo. A blusa bordada que ganhei da vovó e um pouco de colônia de alfazema foram o máximo que você conseguiu arrancar de mim. — De qualquer modo, gostei que tivesse deixado os cabelos soltos, seguros somente por essa tiara no alto da cabeça. Ficou bonito. Ignorando o elogio, Jéssica apanhou o par de muletas que estava sobre a cama e seguiu o avô tropegamente até a varanda. Dali, pôde ver que Raitt e Vangie arrumavam as duas cestas de vime para o piquenique no minúsculo porta-malas do carro esporte dele. Todo orgulhoso, Dunc anunciou: — Hoje quem dirige sou eu. E mal posso esperar para ver a cara do pessoal, quando eu chegar ao volante daquela máquina infernal. Assim que se aproximaram do compacto automóvel, Jéssica deu uma espiada no interior do veículo. — Vamos caber todos aí dentro? — Claro que sim — Dunc foi categórico. — Você e Raitt vão no branco de trás. E Vangie vai ao meu lado, na frente. — Mas a sua caminhonete é muito mais... — Prefiro experimentar esse carrinho, que mais parece um brinquedo para crianças — retrucou o velhinho — Quando Raitt perguntou se eu gostaria de guiá-lo, não tive como dizer não. Por cima do teto do veículo, Jéssica lançou um olhar de reprovação a Raitt. Ele apenas fechou o porta-malas e deu de ombros, indicando que fora gentilmente obrigado a oferecer seu carro para que o velho senhor o dirigisse. Já imaginando-se no colo de Raitt, ela tentou argumentar: — Como podem sentar duas pessoas no banco traseiro, se mal há espaço para um par de muletas?
— As muletas ficarão para fora da janela, menina — Dunc começava a demonstrar impaciência. — Acho melhor Raitt e eu irmos na caminhonete — ela teimou. — A bateria da caminhonete está muito fraca — o velhinho pôs um ponto final à discussão. Acomodar-se no diminuto banco foi uma verdadeira batalha para Jéssica. Além das inúmeras tentativas a fim de encontrar a melhor posição para o pé machucado, ela teve também que preocupar-se em não encostar em Raitt um milímetro a mais do que o estritamente necessário. Usando calça de brim caqui e uma camiseta preta, ele parecia perfeitamente à vontade na posição incômoda em que se encontrava. Mesmo assim, Jéssica não conteve um comentário um voz baixa: — Isto tudo é ridículo. — Para nós, talvez. Os "adolescentes" parecem estar se divertindo a valer. — Eles deveriam visitar um bom psiquiatra, isso sim! Vangie ofereceu-se para levar as muletas sobre o colo, tomando o cuidado de passar as longas extremidades através da janela aberta. E Dunc não se esqueceu nem mesmo de ligar o rádio. Instantes depois, já na estrada, o velhinho engatou a quinta marcha e pôs-se a conversar com a "noiva", contando-lhe a respeito da movimentação das massas vulcânicas que deram forma às Montanhas Warner e aos vales da região. Jéssica, por sua vez, só conseguia pensar na movimentação da massa que preenchia a apertadíssima calça caqui que Raitt usava. Minutos se passaram até que ele resolvesse puxar assunto: — Essa blusa que você está usando é muito bonita, Jess. — Obrigada. Foi minha falecida avó quem fez todos os bordados, ponto por ponto. — Quantas margaridinhas formam o desenho? — Isso eu não sei. — Bem, então terei que contá-las um dia desses. — O quê? — Nada... nada. Para Duncan, era como se os dois não existissem. Com uma das mãos pousada no joelho de Vangie, o ancião prosseguia no seu tagarelar sobre rochas e vulcões. Percebendo que o carro ia a uma velocidade considerável, Jéssica perguntou para Raitt: — Você também dirige assim, tão depressa? — Depende. Quando é para impressionar uma "garotinha" como a minha avó... Hum, esse seu perfume de alfazema é uma delícia, sabia? — Foi vovô quem me obrigou a colocá-lo. A blusa também foi idéia dele. — Ah... Raitt mal conseguiu disfarçar o desapontamento. Por que aquela diabinha não se dava ao luxo de arrumar-se ou perfumar-se por causa dele? Por que não vestira um short ou uma minissaia? Com um olhar ostensivo ao longo das pernas ocultas pelo jeans, ele não demorou a perceber que o tornozelo de Jéssica ainda estava bastante inchado. Tocando-o de leve, comentou: — Deveríamos ter trazido um saco com gelo...
Ela não conseguiu ao menos responder. Raitt havia começado a executar uma massagem mágica e insinuante sobre o local da torção, provocando-lhe arrepios que terminavam num verdadeiro nó na garganta. Como o velho Duncan havia previsto, quase todos os olhos se voltaram para eles assim que o vistoso carro esporte de Raitt chegou à área do piquenique. Em questão de instantes, uma pequena multidão de curiosos acercou-se do veículo. Dunc não perdeu a pose e, transpirando orgulho por todos os poros, tratou de apresentar Vangie e Raitt Marlow a quem quer que lhe surgisse pela frente. Embaraçada, Jéssica deixou os três entretidos com os cumprimentos e dirigiu-se ao local onde se realizava a corrida anual de tartarugas. No caminho, teve que parar aqui e acolá, a fim de explicar o motivo do pé inchado e a necessidade das muletas. Nas várias quadras improvisadas, ocorriam jogos de beisebol, futebol e vôlei. Ela, que sempre fora uma excelente jogadora de voleibol, hoje teria que apenas assistir às competições. E estava sentada num banco de madeira, vendo seu desfalcado time perder feio enquanto as jogadoras amaldiçoavam-lhe o tornozelo contundido, quando Raitt aproximou-se com um saco plástico contendo pedrinhas de gelo. — É mais do que hora de você colocar isto sobre o pé, Jess. — Estou me dando muito bem sem essa droga gelada, obrigada. O jogo foi interrompido por alguns instantes, já que todas as garotas que estavam na quadra e arredores voltaram seus olhares de admiração e curiosidade na direção de Raitt. É, não havia outra saída... Teria que apresentá-lo às deslumbradas colegas ou nenhuma delas retomaria a partida subitamente paralisada. — Este é Raitt Marlow, garotas. Ele viu-se rodeado pelos dois times, trocando sorrisinhos e apertos de mãos com todas as jogadoras. As moças estavam mesmo deslumbradas com a beleza e o charme daquele atraente forasteiro... principalmente Betsy Newman, verdadeira perfeição em forma de mulher, com seus olhos azuis e cabelos muito loiros, pele bronzeada e medidas de fazer inveja às garotas da página central da "Playboy". Raitt trocou o saco com gelo de mão, dizendo: —Vamos procurar um lugar mais confortável para você se acomodar, Jess. — Diabos, Raitt! Será que você não... Virando-se para as garotas do time de vôlei, ele perguntou: — Jess é sempre assim, tão cabeça-dura? — Não vejo motivos para que ela se comporte dessa forma... justamente hoje — adiantou-se Betsy, com um olhar de cobiça ao peito largo dele. — Hum, adoro homens com camiseta preta. — Eu gosto de rosa — respondeu Raitt, voltando-se para Jéssica — Jess usou um vestido cor-de-rosa ontem que, como diria a minha avó, era uma gracinha. Temendo que aquela conversa enviesada acabasse se transformando num desastre, Jéssica tratou de levá-lo até uma das mesas da área de piquenique. Enquanto se instalava no longo banco de madeira, com o cuidado de manter a perna estirada, resmungou: — Você está se mostrando uma pessoa extremamente inconveniente. Ele lhe colocou o saco de gelo sobre o pé inchado, perguntando: — Quer que eu vá lhe buscar uma cerveja geladinha?
— Por que não vai assistir à corrida de tartarugas? Ou jogar beisebol? Ou então pingue-pongue? Há também karts puxados por cachorros, ou passeio de pônei se quiser matar as saudades do bom e velho Cody. Acomodando-se à mesa, de frente para ela, Raitt falou baixinho: — Prefiro ficar aqui, discutindo com você... A propósito, o que é que eu tenho que a irrita tanto? — Me irrita saber que estamos sendo manipulados por um casal de velhinhos desavergonhados. Isso não irrita você? — Vou deixar esse tipo de julgamento para depois, quando já a tiver conhecido melhor. Até esta manhã, você mostrou ser bem peituda, digamos assim. — Esqueça o que aconteceu hoje de manhã no estábulo, sim? Foi uma bobagem. — Não foi não. Seja honesta a esse respeito, como você costuma ser com todo o resto. — Quer que eu seja honesta? Pois bem, estou louca para tomar aquela cerveja gelada, se você ainda estiver disposto a ir buscá-la para mim. Qualquer coisa seria válida para mantê-lo afastado, nem que fosse por alguns minutos. A maneira com que Raitt olhava para o decote da blusa de seda que ela ganhara da avó estava dando nos nervos de Jéssica. Ele se levantou e, com um sorrisinho malicioso, comentou antes de se afastar: — Bem peituda, por sinal. Observando-o caminhar em direção ao setor das barraquinhas de guloseimas e bebidas, Jéssica deixou escapar um suspiro de alívio e certa ansiedade. Não era à toa que Betsy Newman dissera adorar homens com camisetas pretas... Todos os olhares femininos se concentravam no andar seguro e no porte elegante de Raitt Marlow. E com razão, pois não havia nada naquele homem que uma mulher de bom senso pudesse criticar. Não demorou muito para que Betsy, acometida por uma sede súbita, abandonasse o jogo de voleibol e corresse para perto de Raitt, junto à barraquinha de refrigerantes. Jéssica teve que usar de um controle imenso para não gritar "Ele é contra o casamento!". O que, pensando bem, não iria servir para nada. Afinal. Betsy Newman já fora casada duas vezes e não devia estar lá muito interessada em dizer um novo "sim" diante de qualquer Juiz de Paz. Quando Jéssica voltou a olhar para os dois, Raitt entregava à moça uma garrafinha de cerveja. E ela lhe retribuía com um sorriso de orelha a orelha. Em vez de desviar o olhar novamente, Jéssica simplesmente fechou os olhos. E pôs-se a imaginar a cena: Raitt faria a maior oferta pela cesta de piquenique da loira, depois de uma refeição romântica à sombra de uma árvore, ele a conduziria para o salão de baile, onde dançariam bem agarradinhos um ao outro. Mais tarde, à luz da lua, trocariam um beijo apaixonado e Raitt lhe tomaria um dos seios na mão para depois... — Está bem geladinha! Ela abriu os olhos a tempo de ver Raitt colocando uma garrafa pequena de cerveja à sua frente. E a formosa Betsy não estava ao lado dele! Voltando o olhar para a barraquinha de refrigerantes, Jéssica distinguiu a loira em meio às pessoas que se aglomeravam ali com a mais autêntica cara de tacho. O que teria acontecido? Por que Raitt deixara Betsy sozinha? Depois de uma longa golada em sua própria garrafa, ele sentou-se a seu lado e perguntou: — O que andou fazendo, enquanto fui buscar as cervejas? — N-nada... O que eu poderia ter feito?
— Imaginado bobagens, talvez. — Ora, não lhe parece que... — Me parece que esse seu tornozelo não está nada bem. Estive pensando e cheguei à conclusão de que você deveria tirar um raio-X do pé. Não senti nenhuma fratura ao tocá-lo, mas talvez haja algum outro problema mais sério, que não consegui detectar. — Eu não tenho nada! — Você só tem a língua comprida demais. É o seu pé que pode estar precisando de maiores cuidados. Não há nenhum médico no meio desta multidão que veio ao piquenique? — Apenas um. — Um? — E por falar do diabo... Jéssica percebeu que o Dr. Coulter caminhava em direção à sua mesa naquele exato momento. Com certeza, tinha visto o saco de gelo, ou então as notícias corriam mesmo depressa demais. — Jessie, ouvi dizer que você teve uma grave torção no pé... — falou o médico, continuando que, naquela região, as novidades tinham asas — Por que não me chamaram? — Nós... nós estávamos com visitas — respondeu ela, como se isso explicasse alguma coisa — Este aqui, ao meu lado, é Raitt Marlow, que entende bastante de primeiros-socorros... Raitt, este é o Dr. Coulter, médico de confiança de toda a comunidade rural. — Ah! Então é você o neto de Vangie, oficial de cavalaria da polícia de San Francisco? — O Dr. Coulter apertou a mão de Raitt — Sua avó é um amor de pessoa. Vou competir com Dunc nos lances pela cesta de piquenique dela. — Tivemos uma grande coincidência — declarou Raitt — Eu acabava de dizer a Jess que ela deveria tirar uma radiografia do pé machucado, quando o senhor chegou. — Concordo plenamente — O médico apontou uma casa amarela nas imediações — Meu consultório é logo ali. Vamos? Em outras circunstâncias, Jéssica resistiria até a morte à simples idéia de deixarse examinar por um médico por causa de uma simples entorse. Mas estava louca para se ver livre de Raitt e não se tomar um empecilho ao romance dele com Betsy New-man. Assim, correu a amparar-se nas muletas, afirmando: — Vamos, sim. Até logo, Raitt. — Eu vou com vocês — Raitt já havia se levantado. — Oh, não é preciso — Jéssica apressou-se em seguir o médico. — Eu disse que vou com vocês. Raitt apanhou as duas garrafas que estavam sobre a mesa e ignorou o olhar fulminante que ela lhe dirigiu sobre o ombro. Folheando uma revista na sala de espera do consultório do Dr. Coulter, Raitt Marlow apanhou-se pensando em sua vida sexual, que andava praticamente nula nos últimos tempos. Estava surpreso com a reação que tivera naquela manhã, ao beijar Jess no pátio da estrebaria. Mais alguns segundos e o zíper de sua calça teria ido para o espaço. Puxa vida, nunca havia experimentado uma ereção tão intensa, nem mesmo quando era adolescente e comprava exemplares de revistinhas pouco recomendáveis para adolescentes! Também, da maneira como ela reagira aos seus carinhos seria impossível não...
— Foi mesmo apenas uma torção — o Dr. Coulter interrompeu-lhe as divagações, ao acompanhar Jéssica até a sala de espera — Você estará bem melhor amanhã Jessie, se não forçar demais esse tornozelo hoje. Cuide para que ela não apoie o pé diretamente no chão, Raitt. E fiquem longe do salão de danças! — Pode deixar, doutor — ele garantiu. — Raitt não precisa me dizer o que devo fazer — ela os avisou — Quanto lhe devo pela consulta para confirmar o que eu já sabia, Dr. Coulter? — Mandarei a conta para a fazenda — respondeu o médico, ignorando a ironia — E, já que estou aqui, vou aproveitar para dar um telefonema. Com licença... E nada de baile! Do lado de fora do consultório, Jéssica esbravejou: — O Dr. Coulter sabe muito bem que nunca danço com ninguém! — Pois eu estava pensando em convidá-la para dançar, isto é, se você pudesse. — Obrigada, mas eu não aceitaria. — Por quê não? O que há de errado comigo? — Não é com você! É comigo. — E o que há de errado com você? — Ora, você sabe muito bem! Sou sem graça, sem charme, sem atrativos, sem... — Sem juízo, isso sim! De onde tirou essa idéia absurda, Jess? Quem enfiou essas lorotas nessa sua cabeça de vento? — Não diga que tenho cabeça de vento, se você me conhece há vinte e quatro horas! Surpreso com aquela explosão, Raitt ficou calado e deixou que ela se afastasse. Iria escolher o momento mais adequado para mostrar a Jéssica que já a conhecia e compreendia muito mais do que ela podia supor.
CAPÍTULO VII Pouco antes do jantar, teve início o leilão das cestas de piquenique. Como os sobrenomes Marlow e Newman, pela ordem alfabética obedecida pelo leilão, viessem antes de Patton, Jéssica ficou apreensiva ao dar-se conta de que seu cesto seria oferecido depois dos de Vangie e Betsy. E, muito antes que a cesta da velhinha recebesse os primeiros lances, já estava morta de vontade de transformar-se num mosquitinho e sumir dali sem que ninguém percebesse. Como se os céus tivessem ouvido suas preces, Raitt mantivera-se afastado dela depois da desagradável cena no portão do consultório médico. Mesmo assim, Jéssica deu um jeitinho de controlar-lhe os passos e ficou sabendo que ele jogara beisebol, que vencera o torneio de pingue-pongue, e que perdera um dólar e meio para Dunc ao apostar numa tartaruga que nem chegara a sair da linha de largada. Uma coisa era certa: as
notícias só faltavam usar de satélites para alcançar todos os membros da pequena comunidade. Porém, assim que começou o leilão Raitt parou de evitá-la. A primeira cesta mal tinha sido anunciada, quando ele aproximou-se e perguntou: — Divertindo-se bastante? — Como nunca! É divertidíssimo ficar o dia todo cravada num banco de madeira, com a perna esticada e um saco de gelo em cima do pé... E você? — Eu estou com fome. Aquilo não foi surpresa para Jéssica. Afinal. Raitt tinha vindo de uma das quadras de vôlei e parecia meio vesgo de tanto olhar Betsy executar suas estudadas cortadas. Devia era estar morto de fome da bela loira, isso sim! Fingindo um bocejo entediado, ela murmurou: — A cesta de Betsy costuma ser bem cara... — É mesmo? — Raitt tirou a carteira do bolso e deu uma espiada em seu conteúdo. — Eles aceitam cheque ou cartão de crédito? — Aceitam qualquer coisa, desde que haja fundos na sua conta — respondeu Dunc, que acabava de chegar trazendo uma sorridente Vangie pela mão. Consciente de que jamais se transformaria num mosquitinho, Jéssica olhou para o toalete feminino, talvez pudesse se esconder lá até sua cesta ser leiloada. Como sempre, seu avô cobriria todos os lances; dessa vez, contudo, ela ficaria a distância e só voltaria quando aquele martírio tivesse acabado. Ao vê-la esticar o braço na direção das muletas apoiadas sobre o banco, o velhinho pôs um fim em seus planos: — Você não vai a lugar algum, menina. Tenha modos, sim? — Este evento é mesmo uma gracinha — Vangie dizia a Raitt. — Me faz lembrar das reuniões comunitárias beneficentes que costumávamos ter no Texas. A velha senhora continuou tagarelando por um bom tempinho, pontuando seu discurso com aplausos entusiásticos a cada cesta leiloada. Muda no seu canto, Jéssica preparava-se para o inevitável. Quando a cesta de piquenique da anciã foi anunciada, três viúvos passaram a disputar os lances: Duncan Patton, o Dr. Coulter e o prefeito. Dunc, como era de se esperar, arrematou a cesta. E Vangie, é claro, quase delirou com o resultado. Assim que o velhinho foi buscar sua aquisição, Raitt afastou-se em direção ao barril de chopp. Nesse instante, a cesta de Betsy Newman foi anunciada. Choveram ofertas dos quatro cantos. Pelo visto, todos os homens solteiros da região estavam a fim de compartilhar um piquenique todo especial com a beldade dos festejos. De olhos fechados, Jéssica esperou pelo lance de Raitt. — Cinqüenta — soou a voz pausada dele. — Cinqüenta e cinco — alguém aumentou o lance. — Sessenta — ofereceu um outro ansioso rapaz. Ela sabia que o suplício seria longo, pois as cestas de Betsy sempre eram arrematadas por mais de cem dólares. Ou seja, pelo menos três vezes o preço pago pelos cestos das outras participantes. Mordendo o lábio, perguntou-se quanto Raitt iria ter que desembolsar pelo pequeno mimo. Foi então que a voz dele voltou a lhe penetrar os ouvidos: — Está bem geladinho.
Jéssica abriu os olhos e viu-o diante de si com duas canecas de chopp. Ao redor, as ofertas prosseguiam num ritmo eletrizante. Segundos depois, o leiloeiro avisou: — Dou-lhe uma... dou-lhe duas... — Não vai pegar o seu chopp, Jess? Raitt ficara surdo? Não se dera conta de que a cesta de Betsy estava prestes a ser arrematada? — Vendida! — declarou o leiloeiro. — Jess não dou conta das duas canecas. Vamos, pegue a sua... Em quanto estão os lances? Setenta e cinco? — A cesta foi vendida por cento e cinqüenta dólares. — Ela apanhou uma das canecas — E você acabou de perdê-la. — É mesmo? Puxa... — A cesta de Jessie é a próxima — avisou Dunc. — Ótimo — disse Raitt, colocando seu chopp sobre a mesa. Ótimo para Jéssica seria poder evaporar no ar, ou evitar em meio à pequena multidão, erguendo-se aos céus e voando de volta à fazenda, aos cavalos, ao gado, às galinhas... ao ambiente ao qual estava acostumava e no qual se sentia tão bem. — Agora chegou a vez da cesta de piquenique de Jéssica Patton — anunciou o leiloeiro. — Cinqüenta dólares — Dunc apressou-se em fazer a primeira oferta. — Quem dá cinqüenta e cinco? — perguntou o leiloeiro. Vermelha como um tomate, Jéssica tentava convencer-se de que aquele sofrimento tinha uma causa justa. Era a sua contribuição às obras de caridade do centro comunitário. Por isso, só lhe restava enfiar o nariz na caneca de chopp e fingir não se interessar pelos lances ou por quem iria... — Duzentos dólares — ofereceu Raitt. Ouviu-se uma palpitação generalizada. Queixos caíram, olhos se esbugalharam, as pessoas pareciam subitamente paralisadas. Jéssica não era exceção e, estarrecida, ficou olhando para Raitt. — Vendida! — declarou o leiloeiro. Raitt dirigiu-lhe um sorriso radiante: — A cesta é toda minha, Jess. Dando um sonoro tapa nas costas dele, Dunc exclamou: — É isso o que eu chamo de um lance cinematográfico! Ainda boquiaberta, Jéssica viu Raitt encaminhar-se para o estande onde ficavam as cestas de piquenique. Duzentos dólares! Ele tinha enlouquecido de vez? De repente, era como se todos os participantes do evento resolvessem falar ao mesmo tempo e um burburinho instalou-se na área do leilão. Olhares intrigados se cravavam em Jéssica e no belo homem que havia comprado sua cesta pelo lance mais elevado feito até aquele momento. Alheio à curiosidade dos demais, Raitt retornou com a agora famosa cesta e, tirando a caneca de chopp da mão gelada de Jéssica, falou: — Vamos fazer o nosso piquenique debaixo daquela árvore ali. Atordoada demais para esboçar qualquer reação de protesto, ela simplesmente apanhou suas muletas e seguiu-o até o local indicado. Pelo ar, ecoava a voz do leiloeiro, anunciando a próxima cesta a ser oferecida. O homem teve que repetir o nome da doadora por três vezes, antes que alguém fizesse o primeiro lance.
Jéssica acomodou-se no banco da mesa que Raitt tinha escolhido. Ele sentou-se ao seu lado, tendo o cuidado de colocar a cesta entre ambos, e só então reparou que a cor havia voltado ao rosto dela. Mas sua acompanhante hão estava ruborizada, estava era roxa de raiva! Antes que Raitt pudesse dizer alguma coisa, Jéssica começou a esbravejar. — Duzentos dólares... Duzentos dólares! Você perdeu o juízo? — Foi por uma boa causa, Jess. — Se o meu avô subornou você para... — Paguei a cesta com o meu dinheiro. E a idéia de comprá-la foi única e exclusivamente minha. — Você ficou foi com pena de mim! Na certa, meu avô lhe disse que sempre arremata as minhas cestas e... — Já disse que arrematei a cesta porque eu quis. E, se não estiver disposta a dividi-la comigo, pode comprá-la de volta com um acréscimo de cinqüenta por cento ao preço, como taxa pelo desapontamento causado. — Desapontado? Você ficaria desapontado? Essa é boa! — Jess, por que sempre acaba discutindo comigo? Não importa o que eu diga ou faça, você sempre dá um jeito de brigar. Será que não poderíamos saborear as costeletas em paz? — Desapontado... Você tem cada uma! — Gosto de você, Jess. E tão difícil assim aceitar isso? — Ora, eu... — Agora relaxe e aproveite o piquenique, sim? Raitt pôs-se a tirar os alimentos da cesta, espalhando pequenas travessas e fôrmas de alumínio sobre a mesa. Mas Jéssica não se dava por vencida: — Para começo de conversa, eu não preparei coisa alguma do que está dentro dessa maldita cesta! Você só a comprou porque... Tapando-lhe a boca com um imenso e rubro morango, ele tentou pôr um fim àquele falatório: — Fique quieta e deixe que eu aproveite o dinheiro que gastei. Estou com fome, sabia? Ela mastigou o saboroso morango em silêncio. O que aquela multidão de fazendeiros e camponeses estaria pensando? Se Raitt tivesse pago os duzentos dólares pela cesta da exuberante Betsy Newman, todo mundo acharia a coisa mais natural do mundo. Mas gastar aquela dinheirama com a cesta da desengonçada Jéssica Patton... Não fazia sentido! Virou-se para Raitt e viu que ele tinha os olhos fixos na bela loira, acomodada a uma mesa a alguns metros dali. Retornando-lhe o olhar, ele comentou com indisfarçável desdém: — Ela deve gastar uma nota preta em tintura para cabelo, a fim de ficar loira como uma sueca. Prefiro os seus cabelos negros que, além de naturais, têm um brilho magnífico. Em vez de responder, Jéssica pôs-se a mastigar nervosamente um sanduíche de costeleta de boi desfiada. O sol desaparecia num mergulho preguiçoso atrás das montanhas e logo a radiante claridade do dia foi substituída pela iluminação suave das lampadazinhas
coloridas que haviam sido instaladas nas árvores. Músicos especializados em canções country tomaram seus lugares no pequeno palco do saguão de baile, espalhando os acordes da clássica Pretty Woman, de Roy Orbispn, por toda a área reservada ao tradicional piquenique. De onde se encontravam, Jéssica e Raitt podiam observar que Betsy Newman já estava sé requebrando langorosamente nos braços do forasteiro que comprara sua cesta. Assim que a música acabou, viram também que Dunc se aproximava da limitada orquestra. Não foi difícil prever que o velhinho havia solicitado uma canção romântica já que, instante depois, ele tomava Vangie nos braços e ambos rodopiavam pela pista como um casal de adolescentes vitimados pela primeira paixão. Jéssica apanhou uma das maçãs que Raitt havia tirado da cesta e deu-lhe uma sonora dentada. Seu avô nunca dançara com a falecida Lizbeth daquele modo. E nem pagara pela cesta dela metade da quantia vultuosa que tinha desembolsado para arrematar a cesta da "noiva". Pobre vovó Liz... devia estar se revirando no túmulo! Colocando a cesta de vime num canto da mesa, Raitt aproximou-se dela. Após passar o braço pelo encosto do banco de madeira, tocou-lhe o ombro e perguntou: — Você dançaria comigo, se pudesse? Ela quase engasgou com um pedaço de maçã, mas conseguiu responder: — Eu nunca danço. — Posso saber por quê? — P-porque... porque... — Sim? Jéssica remexeu-se toda em cima do banco, tentando se afastar do contato com aquele corpo robusto. A maneira casual com que Raitt descansava a mão em seu ombro lhe fazia o sangue ferver. Tratando de mudar de assunto, ela comentou: — Vovô e Vangie estão dando um espetáculo, olhe só para eles! — Já percebi. Mas ele estava mesmo era de olho em outras coisas. O reflexo da luz dourada nos cabelos de Jess era como um encantamento hipnótico, e o perfume que se desprendia da pele dela o deixava embriagado... Pele clara, suave, cheirosa, acetinada... Pele translúcida que lhe cobria o belo colo, embrenhando-se pelo decole da blusa rumo a um par de seios curvilíneos e empinados. Num impulso, ele lhe apertou o ombro de leve e Jéssica estremeceu. No pavilhão de baile, contudo, as coisas tomavam novo rumo. — Raitt, eles estão deixando a pista de danças! E a música ainda nem terminou! Olhe, estão indo para o estacionamento! O que será que... que aqueles dois têm em mente? Fosse outra a ocasião, Raitt Marlow teria ficado com os cabelos em pé só em imaginar que a avó pudesse cair nas garras de um velhinho sem-vergonha. Naquele instante, porém, estar junto a Jéssica era tudo o que lhe importava. E não demorou a concluir que fizera bem em escolher aquela mesa, semi-encoberta pela copa frondosa de um centenário carvalho e relativamente distante das atividades na área do piquenique. Estava adorando as fragrâncias campestres carregadas pelo vento, assim como deliciavase com toda aquela situação. Era muito gostoso brincar com Jess, provocá-la, vê-la reagir à proximidade de seus corpos. Uma florista aproximou-se, trazendo uma grande cesta no braço.
— Flores para a sua acompanhante, senhor? Ele apressou-se em tirar a carteira do bolso: — Todos os buquês de margaridas que você tiver, por favor. — Tenho três. — Vou ficar com eles. Assim que a moça se afastou, Raitt entregou os delicados buquês a Jéssica. Ao perceber que ela continuava imóvel como uma estátua, comentou: — Não me diga que você também nunca aceita flores dos seus admiradores. Era exatamente isso o que ela tencionava lhe dizer, mas as palavras lhe morreram na garganta. Aquele gesto cordial e espontâneo a fez esquecer-se por um momento do que Dunc e Vangie poderiam estar fazendo no escurinho do estacionamento. Raitt e seu singelo presente tinham lhe tocado fundo no coração. — Obrigada. As flores são... são lindas. Ele colocou-lhe um dos pequeninos arranjos atrás da orelha. Entre os cabelos. Depois, tomando-lhe o rosto ruborizado entre as mãos, murmurou: — Não precisa agradecer pimentinha. A simples idéia de que Raitt a beijasse provocou-lhe um eletrizante arrepio ao longo da espinha. Ele estava tão próximo, que podia sentir-lhe o calor da respiração. Nervosa, Jéssica abaixou a cabeça. — Adoro esse seu perfume, Jess... Por que você não olha para mim? Ela colocou as mãos espalmadas sobre o peito de Raitt, numa tentativa de mantêlo a distância. Mas não teve forças para afastá-lo de si e em questão de segundos, viu-se acariciando o tórax forte por sobre a camiseta de algodão. — Pimentinha... Então os lábios de Raitt procuraram os dela. Meigo e persuasivo a princípio, o beijo foi ganhando intensidade aos poucos e logo tornou-se uma explosão de sensualidade. Mesmo que quisesse Jéssica não poderia resistir por muito tempo, quando deu-se conta oferecia a boca por inteiro às inflamadas carícias da língua dele. Dominado pela poderosa paixão que o assaltava, Raitt tomou-a num abraço apertado. Naquele momento, sentia que Jéssica Patton era exatamente a mulher que desejava abraçar e beijar, acariciar e tocar com intimidade. Nenhuma outra lhe provocava tamanha excitação. Nenhuma outra reagira com aquele incrível arrebatamento a um simples beijo seu. Ele estreitou-a ainda mais de encontro ao peito. Todos os músculos de seu corpo estavam tensos, rijos, e o coração parecia prestes a lhe saltar até a garganta. Se não estivessem num local público, seria capaz de... O pensamento teve o efeito de uma chuveirada fria e Raitt afrouxou o abraço. Entre frustrada e morta de vergonha. Jéssica livrou-se dos braços dele com um suspiro. Por que tinha feito aquilo? A fim de suportar o tédio de um piquenique comunitário? Como recompensa pela pequena fortuna gasta com a cesta de alimentos? Perguntas e suposições lhe enchiam a cabeça. Com raiva de si mesma por ter correspondido ao beijo com inegável enlevo, ela se levantou e desajeitadamente, acomodou-se sobre as muletas, dizendo: — É hora de pegarmos nossas coisas e voltarmos para casa. Vá procurar o meu avô e Vangie, por favor. Só Deus sabe o que eles estarão fazendo em meio aos carros. — Calma Jess, por que essa pressa?
— Porque quero ir embora. — Me dê um tempinho, sim? Preciso me recompor, digamos assim. Jéssica não precisava olhar para saber que Raitt estava se referindo ao volume que se formara por trás do zíper da calça que ele usava. Diabos! O problema era que não podia culpá-lo pela reação tão natural. A culpa era dela mesma, que se deixara envolver pela segunda vez num único dia, pelos carinhos impetuosos de um homem à procura de um pouco de distração. Oh, será que nunca iria aprender a lição? Será que a experiência com Bob Cochran não lhe bastara? O aroma sensual das flores silvestres chegou com uma lufada de vento. Ela sentiu-se estremecer e percebeu que não suportaria ficar nem mais um minuto ali. — Vamos, Raitt. Ande logo. — Posso saber por que temos que sair correndo? — Porque nossos avôs estão fazendo sabe-se-lá-o-que no estacionamento. Um mal conhece o outro, e aposto que os dois nunca ouviram falar em sexo seguro! Raitt, enfim, deu-se conta do absurdo da situação. E, embora quisesse tomar Jéssica nos braços novamente e beijá-la até que perdessem o fôlego, tratou de se levantar, ajeitando a camiseta que colocara para fora da calça. — Tudo bem, vou procurar aqueles dois idosos desajustados. Mas apenas por uma questão de desencargo de consciência, viu? Não pense que você pode ficar me dando ordens a torto e a direito, Jéssica Patton. A caminho do estacionamento, perguntava-se por que estaria tão atraído por aquela mulher de modos ríspidos e língua ferina. Simplesmente não conseguia entender como ela era capaz de lhe despertar um desejo incontrolável, que o fazia perder a cabeça numa fração de segundo. Ah, maldição! Raitt foi até seu carro esporte e viu que não havia ninguém no interior do veículo. Onde teriam se metido aqueles dois velhinhos assanhados e sem um pingo de juízo? Nos fundos do estacionamento crescia uma espessa e compacta cerca de hibiscos. Raitt encaminhou-se para lá e não demorou a detectar, por trás de alguns arbustos, o ruído de beijos estalados e respirações ofegantes. — Dunc? Vangie? O que estão fazendo no meio desse mato? A resposta veio na voz de um garoto, visivelmente embaraçado: — N-nada... N-não estamos fazendo nada, senhor... Juro! Ele podia imaginar o "nada" que o garoto e sua namoradinha faziam ali e, de repente, sentiu inveja do jovem casal. Se Jéssica Patton concordasse em acompanhá-lo, bem que gostaria de trocar de lugar com aqueles dois adolescentes apaixonados. Balançando a cabeça para afastar a deliciosa idéia, voltou para a mesa onde lanchara com Jéssica. Ela estava sentada no mesmo banco de madeira, com a cesta de piquenique sobre o colo. Pronta para ir embora, com certeza. Raitt foi logo avisando: — Nem sinal dos velhinhos tarados no estacionamento. — Não? Então vou ter que lançar mão de um certo recurso. — Como assim? Em vez de responder, ela colocou dois dedos entre os lábios e emitiu um forte assobio. Após repetir o gesto por mais duas vezes, explicou: — É uma chamada de emergência que o meu avô me ensinou quando eu era pequena. Mais ou menos como discar para a polícia ou os bombeiros.
O truque nunca falhava. Em poucos instantes, Dunc e Vangie reapareceram. Ambos estavam corados e um tanto ofegantes. O ancião não perdeu tempo: — Qual é o problema, menina? — Hora de voltar para casa, vovô. Meu tornozelo está começando a reclamar. Enquanto se dirigiam para o estacionamento, Dunc entregou as chaves do carro esporte para Raift. — Não quero abusar da sua bondade, rapaz. Vangie e eu vamos voltar no banco de trás. Raitt Marlow não gostou da idéia de ter os dois idosos apertadinhos no banco traseiro. E também não ficou satisfeito em saber que Jéssica viajaria a seu lado. Afinal, começava a recear que a incrível atração que sentia por ela pudesse acabar metendo-o em encrencas. Em situações como aquela, estava plenamente de acordo com o ditado que dizia: "O que os olhos não vêem, o coração não sente". Ou seja, quanto mais longe se mantivesse da ardida pimentinha, mais seguro estaria. E segurança, para ele significava evitar o altar a qualquer custo. Assim, achou melhor argumentar: — Não acha que o banco de trás é um pouco apertado demais para duas pessoas? — Você não reclamou quando viemos para cá, reclamou? — respondeu Vangie, piscando para o "noivo".
CAPÍTULO VIII Ao amanhecer do dia seguinte, Jéssica despertou com o ruído de duas pessoas que cochichavam ininterruptamente no alpendre dos fundos do casarão. Tratou de levantar-se sem fazer barulho, tomou um banho rápido e desceu para a cozinha a tempo de ver Dunc e Vangie rumarem para as montanhas nos lombos de Marcus e Lucille. Murph e Muttlev, os cães pastores, acompanhavam o suave trotar dos cavalos. Seu avô havia deixado um bilhete sobre a mesa, avisando que as principais tarefas matutinas da fazenda já tinham sido executadas. Raitt entrou na cozinha e rio no momento em que os vultos desapareciam no horizonte. Dando-se conta de que os velhinhos faziam uma repentina e estratégica fuga às colinas das redondezas, lembrou-se do que a avó dissera na noite anterior — Agora sei qual é o verdadeiro significado da expressão "amor à primeira vista". Visivelmente emocionado, Dunc balançara a cabeça em sinal de concordância. Percebendo-lhe os pensamentos, Jéssica disse, num muxoxo desanimado: — Não acredito em amor à primeira vista. — Nem eu. Acho que aqueles dois ficaram malucos de vez, isso sim. — Talvez fosse melhor que um de nós fosse ao encalço deles. Nossos avôs agem como se precisassem de uma babá.
— Com esse tornozelo machucado, você não está em condições de cavalgar. — Já estou melhor. Agora, uma só muleta é suficiente para que eu me locomova pela casa. — Como? Só então Raitt percebeu que ela estava usando apenas uma das muletas como apoio. Antes que pudesse fazer qualquer comentário, Jéssica adiantou-se: — Você poderia montar Teardrop e tentar encontrar os dois. — Aquela égua me pareceu prenha... — E está. Mas ainda agüenta uma cavalgada suave. — Sei que soa absurdo afirmar uma coisa dessas, mas nossos avós não são mais crianças, Jess. — Só que não estão se comportando como pessoas adultas. O que Dunc e Vangie fazem é brincar com fogo e isso... — Os dois beijos que trocamos também foram uma forma de "brincar com fogo"? — Foram... foram uma bobagem. Aquilo não significou nada para nenhum de nós, Raitt. E você sabe muito bem disso. Ele deixou escapar uma imprecação ininteligível. Odiava sentir-se agitado e rabugento como se encontrava naquela manhã. Tinha acordado com uma imprópria e inconteste ereção no momento em que Jéssica abrira a torneira do chuveiro. O simples devaneio de imaginá-la nua, ensaboando-se sob o jorro quente da água, foi mais do que suficiente para que sua mente fosse povoada pelas mais diversas fantasias sexuais, e isso intensificara ainda mais a já excruciante excitação de seu membro. Fora um custo convencê-lo a voltar a dormir! Agora, as palavras ríspidas dela funcionavam como um tiro de misericórdia em seu depauperado senso de humor. — Pois saiba que eu acho que os beijos que trocamos significaram alguma coisa, Jess. Pelo menos, no que me diz respeito. Afinal, não costumo sair por aí beijando a primeira mulher que me aparece pela frente. Jéssica fingia ter toda a atenção concentrada na cafeteira elétrica. Assim, enquanto comparava medidas de água e pó de café, falou num tom meio indiferente: — Muitos homens perdem as estribeiras quando se vêem privados dos prazeres da cidade grande... Uma cidade como San Francisco, por exemplo. — Sabe qual c o seu problema Jess? Você não se dá o menor valor, essa é que é a verdade! — Aprendi com Bob Cochran! — Pois, se você ainda não percebeu, eu não sou esse tal de Bobo Croquete. — E-eu... Percebendo-lhe o embaraço, ele tentou ser gentil e tomou-lhe a mão direita: — Meu nome é Raitt Marlow, muito prazer em conhecê-la. E agora, senhorita, me diga o que teremos para o café da manhã. — Nada, se você não parar com essas tolices! Embora a conversa de Raitt estivesse lhe dando nos nervos, Jéssica sentiu as pernas bambearem diante do sorriso que ele lhe oferecia. — Foi você quem começou a brigar Jess, para variar. Não quer me falar a respeito desse seu ex-namorado? — Aquele inseto repugnante?
— Sim, aquele inseto repugnante. — Não... Um outro dia, talvez. Ela guardou as recordações desagradáveis num canto qualquer da memória. Naquele momento, era muito mais recompensador fixar-se no sorriso doce de Raitt e no suave tom de voz com que ele lhe falava. De repente, lembrou-se das crianças de rua de San Francisco e chegou à conclusão de que deveriam ter um amigo solidário e leal com quem contar. Alheio às suas divagações, Raitt disse: — OK, OK. Mas eu queria que uma coisa ficasse bem clara: um beijo meu significa um interesse honesto, verdadeiro. Posso lhe garantir que não sou um inseto repugnante. — Interesse? Que tipo de interesse, Raitt? — Você sabe, Jess. Não lhe escondi que a palavra "casamento" me deixa com o corpo coberto de brotoejas. Por isso, acho que o meu interesse por você é resultado de uma coisa natural, que surge entre um homem é uma mulher. Uma atração mútua, sem grandes expectativas ou grandes compromissos. Somos maduros o suficiente para... — Não estou disposta a servir como fonte de alívio para os desejos de quem quer que seja. — E nem é isso o que espero de você. Apenas pensei que, se também tiver algum tipo de interesse em mim, poderíamos desfrutar bons momentos juntos. Se não tiver... Aquilo pegou-a desprevenida. Assumir que a simples presença dele lhe causava arrepios de excitação por todo o corpo seria o mesmo que lançar-se às chamas do inferno com uma garrafa de gasolina nas mãos. Negar o desejo que ele lhe provocava seria fazer papel de tola, pois já ficara evidente que se derretia toda com um simples e furtivo beijo. Sendo assim, Jéssica decidiu jogar na defensiva: — E se eu não tiver o menor interesse em você? — Primeiro, terá que me convencer disso, Jess. Só então... Ela não esperava que Raitt fosse jogar na ofensiva. Sem saber como lidar com a insinuação que ele deixara no ar, resolveu entregar os pontos e abriu a porta da geladeira, perguntando: — Gostaria de ovos mexidos com torradas e manteiga? — Não, a menos que você se sente e me deixe prepará-los. Se não começar a poupar o seu tornozelo machucado, vou chamar o Dr. Coulter para um novo exame nos tendões e ligamentos do seu pé. A partida parecia suspensa por alguns instantes e Jéssica não perdeu a oportunidade para esbravejar: — Francamente, Raitt! Você é a pessoa mais mandona e mais enervante que já... — Prefere que eu telefone para o médico? Não me custa nada procurar pelo número dele na agenda de endereços que fica na mesinha da sala. E isto não é um blefe, Jess. Pela primeira vez na vida, ela sentiu o gosto amargo da derrota. Qualquer coisa seria melhor do que ter o Dr. Coulter a seu lado, dizendo-lhe o que fazer e o que não fazer. Com um suspiro desanimado, caminhou com a ajuda da muleta até a mesa e acomodouse numa das cadeiras. Então, simulando indiferença, abriu o jornal e pôs-se a ler as principais manchetes... Homens! Pouco depois Raitt colocava um saboroso prato com ovos mexidos e torradas diante dela. Deixando o jornal de lado, Jéssica murmurou um chocho "obrigada" e tomou um gole do suco de laranja que ele também havia preparado.
Raitt fez seu desjejum em pé, entre espiadelas ansiosas pela janela que ficava logo acima da pia. Um sol radiante pairava serenamente acima dos cumes das montanhas, mas o calor era amenizado por uma refrescante brisa que soprava do oeste. Com o canto dos olhos, Jéssica observava o belo homem que tinha por companhia. O jeans justíssimo que ele usava lhe revelava a perfeição da musculatura das pernas e quadril. Pernas longas e fortes, quadril estreito e... A voz dele chegou-lhe aos ouvidos: — E então, o que você acha? Ela engoliu cm seco, enquanto Raitt abria a torneira e punha-se a lavar a louça usada. — O-o que... Do que você está talando? — De atração mútua, Jess. De desfrutarmos juntos de momentos gratificantes, digamos assim. Jéssica tratou de erguer-se e pegar a muleta. — Tenho uma série de contas para verificar, toalhas para lavar, pãezinhos para assar, sem falar do preparo de um almoço para quatro pessoas. Distraia-se consigo mesmo. Diante da dispensa, só restou a Raitt entreter-se com uma visita aos cavalos. Depois, às galinhas. Depois, à prateleira de ferramentas no celeiro. Sozinha no casarão, Jéssica anotou prazos em sua agenda, preencheu vários cheques e fez um rápido balanço das contas da fazenda naquele mês. Na lavanderia, colocou as toalhas de rosto e banho na máquina de lavar, após o processo de centrifugação, estendeu-as todas no varal, tomando o cuidado de verificar se o perfume de Raitt ainda se mantinha naquelas que ele havia usado. Estava na cozinha, ajeitando pãezinhos de milho numa grande bandeja que seria levada ao forno, quando ouviu o barulho do cortador de grama. Em questão de instantes a silhueta de Raitt Marlow surgiu através da janela acima da pia: ele estava aparando a grama do pátio nos fundos do casarão. Tão logo Raitt sumiu do seu campo de visão, Jéssica fechou a vidraça bruscamente com um suspiro da mais pura frustração. Bem, pelo menos ele estava se fazendo útil. E isso era bem melhor do que aquela conversa sem pé nem cabeça sobre atração mútua. Atração mútua... Na verdade, uma expressão que ele encontrara para designar sexo casual, sem compromissos, sem vínculos, sem porcaria nenhuma! O mesmo que havia experimentado nos braços de Bob Cochran anos atrás. Sim, na certa era somente isso. E nada mais do que isso. Se ele lhe aparecesse com aquela conversa outra vez, iria lhe dizer que não precisava de seus favores sexuais. Omitindo, é claro, as poucas ocasiões em que tentara se satisfazer sozinha e dera com os burros na água. De qualquer forma, as revistas femininas tratavam desse assunto a todo instante e ela seria apenas mais uma a declarar sua total independência do sexo masculino. Além do mais, de que lhe adiantaria ir para a cama com o excitante e sedutor Raitt Marlow, para depois amargar mais dez anos de arrependimento, como tinha acontecido com Bob? Bem melhor era continuar sozinha, imaginando-se uma mulher sem atrativos ou encantos, uma mulher incapaz de provocar desejo numa barata. O ruído do cortador de grama cessou subitamente. Antes que Jéssica tivesse tempo para olhar pela janela outra vez, Raitt entrou na cozinha e foi direto para a geladeira. Após despejar cubos de gelo e água num copo alto, ele comentou: — Está fazendo um calor dos infernos lá fora.
Ela fez menção de dizer alguma coisa, mas a intenção lhe morreu na garganta. Rápido como um raio, Raitt tomou a água de um gole só, tirou a camiseta branca que usava e tomou a sair pela porta dos fundos. Como um autômato, Jéssica empurrou a bandeja com os pãezinhos para dentro do forno. Deus do céu, como ainda não havia se dado conta do quanto também estava acalorada? Gotas de suor brotavam de sua testa e as pernas lhe pareciam falsear. O mais estranho era que, em meio àquela sensação de passear pelo fogo do interno, lhe subia pela espinha um friozinho esquisito. Não, Raitt não tinha deixado a porta da geladeira aberta. Eram apenas ela mesma e seu instinto sexual, bruscamente despertados pela aparição repentina daquele homem charmoso e cheio de saúde. Sim, apenas uma maldita manifestação da natureza. Ou a chamada "atração mútua", como ele havia sugerido. Fosse o que fosse, dessa vez ela não conteve um palavrão. Abrindo novamente a janela, Jéssica viu Raitt manobrando o aparador sobre o tapete de grama que cobria o quintal do casarão. Seus ombros e bíceps estavam banhados de suor. E, como ela havia imaginado, os pêlos de seu peito, grossos e dourados, se estendiam como um manto aveludado ao longo da pele morena, rumando convidativamente para dentro do jeans apertado. Ardendo de desejo e paixão, Jéssica deixou-se dominar por uma avalanche de fantasias eróticas. Seus olhos não conseguiam se despregar da figura persuasiva de Raitt Marlow. Parecia um sonho. Ele era bonito e atraente demais para ser real! Só foi perceber que estivera praticamente hipnotizada quando ouviu o barulho dos cavalos montados por Dunc e Vangie. Seu avô e a feliz noiva retornavam do passeio com uma expressão de puro deleite nos rostos e trocavam olhares apaixonados, enquanto levavam os animais de volta à estrebaria. Pela primeira vez, Jéssica sentiu uma pontinha de inveja do casal de idosos. Estava arrumando a mesa para o almoço, quando os dois velhinhos entraram no casarão. Raitt cruzou a porta dos fundos quase no mesmo instante, mas foi direto para a lavanderia a fim de lavar as mãos e se refrescar. Enquanto Jéssica colocava as travessas com frango ensopado, mandioca frita, legumes cozidos e salada de batatas sobre a mesa, ele reapareceu e sentou-se numa das cadeiras. Após agradecer pelo serviço que Raitt executara no quintal, Dunc estudou-lhe a expressão e comentou: — Parece que o trabalho ao ar livre lhe abriu o apetite. — Eu estava precisando de um pouco de exercício — respondeu Raitt, servindo-se de uma grande porção de frango e salada. — Jess também deu um duro danado esta manhã. — Pena que deixei queimar os pãezinhos de milho — murmurou ela, recriminandose por ter prestado mais atenção nele do que nas broinhas. — Pois nós fizemos um passeio maravilhoso pelas montanhas — disse o velhinho, lançando um olhar afetuoso na direção de Vangie. — Vou morrer de tristeza quando minha visita à sua fazenda chegar ao fim — afirmou a velha senhora, os olhos brilhando. — Você não precisa ir embora, querida — assegurou-lhe Dunc — Se quiser, sabe que poderá ficar aqui para sempre. Jéssica tinha os olhos fixos num pedaço de batata que ocupava o centro de seu prato. O avô parecia tão convicto ao declarar aquelas palavras. Na prática, aquela afirmação do velho Duncan soava como uma clara proposta de casamento. Mas será que
ele teria mesmo coragem de se casar com uma mulher que conhecia havia tão pouco tempo? Ela achou melhor chamá-lo à razão: — Vovó Lizbeth sempre dizia que o tempo é o nosso melhor conselheiro. Dunc não perdeu a pose: — Estive falando sobre Lizbeth a Vangie. E também sobre a preciosa sabedoria que minha falecida esposa possuía. — Eu também contei a Dunc tudo a respeito do meu falecido Lcland e seu modo de ser, que era uma verdadeira gracinha — interpôs a contente velhinha. — Como vê, minha menina, ninguém está se esquecendo do maravilhoso passado que teve — concluiu Dunc. — Seja como for, a observação de Jess faz sentido — interveio Raitt — Todos os membros da família Marlow têm o péssimo defeito de tomarem suas decisões com a pressa de quem está com uma corda no pescoço, para depois passarem o resto de suas vidas amargando a rapidez de suas resoluções. Surpresa com o fato de ele tê-la apoiado com tamanha determinação e veemência. Jéssica lançou-lhe um olhar agradecido. Contudo, Dunc censurou-os num tom repleto de paciência: — Vocês dois ainda são muito jovens para saberem mais a respeito do tempo do que um casal de pessoas vividas como Vangie e eu. — É verdade — concordou a velha senhora. O telefone tocou e Dunc ocupou-se em atendê-lo. — Sim, é da Fazenda Patton... Sim... Está aqui, sim. Um momento, por favor. — Cobrindo o bocal com a mão, virou-se para Raitt e explicou: — É um de seus superiores da Guarda Montada. Atenda na sala, para que possa conversar à vontade com ele. Raitt agradeceu e pediu licença ao mesmo tempo. Assim que ouviu-o apanhar a extensão na sala de estar, Dunc recolocou o telefone no gancho e voltou a acomodar-se à mesa, comentando: — O chefe dele não estava com uma voz nada boa... — Oh, meu Deus — queixou-se Vangie — Só espero que esse telefonema não tenha nada a ver com novos cortes orçamentários. A guarnição da cavalaria não pode sobreviver com meia dúzia de trocados. Raitt só está aqui comigo por causa de uma medida de contenção de gastos, como vocês bem sabem. — Ainda acredita que precisa de um guarda-costas, Sra. Marlow? — brincou o velhinho, cobrindo-lhe as mãos com as suas. — Isso foi coisa do rabugento do meu neto — explicou ela com um sorriso cúmplice — Eu sempre soube que você era um homem honrado e respeitador, Duncan. Desde que ouvi a sua voz pelo telefone, na primeira vez em que nos falamos, tive certeza absoluta de que suas intenções eram as melhores. Raitt retornou à mesa e não perdeu tempo em dar as más notícias: — Mais um corte no orçamento da divisão de cavalarianos. A Guarda Montada terá que ser desativada temporariamente. — Jesus... — Vangie arregalou os olhos. — O trabalho de patrulhamento nas ruas será interrompido por seis meses — continuou Raitt — E só me restam duas opções: serviços burocráticos ou licença sem remuneração.
— Você não iria agüentar ficar trancado num escritório, preenchendo papéis e formulários atrás de uma escrivaninha — argumentou sua avó. — Sei disso melhor do que ninguém — declarou Raitt, convicto — Prefiro ficar de licença pelos próximos seis meses, até que meus superiores decidam se a suspensão das atividades dos cavalarianos será temporária ou definitiva. — E você teria como se sustentar por todo esse tempo, sem receber os seus vencimentos? — Vangie estava visivelmente preocupada. — Cortando despesas aqui e ali... — Ele passou a mão pelos cabelos — O problema é que, ao final desses seis meses, minhas economias terão ido para o espaço. — Que situação, Raitt! — O rosto de Vangie tornou-se subitamente sombrio. — Meu superior disse que nossos cavalos serão transferidos para estábulos de particulares — acrescentou ele, a expressão anuviada — Alguns fazendeiros se ofereceram para fornecer-lhes abrigo e alimentação durante o período de paralisação das atividades da Guarda. — Cody ficará sob os cuidados de estranhos? — Vangie ficou ainda mais desanimada. Dunc decidiu colocar fim àquela torrente de novidades desagradáveis. Dando um sonoro tapa na mesa, falou com determinação: — Há outras formas de resolver esses problemas, rapaz. Primeiro: peça autorização a seus superiores e traga Cody para cá, temos lugar de sobra para ele no nosso estábulo. Segundo: mude-se você também para cá e trabalhe na fazenda como meu auxiliar pelo período que durar sua licença. Assim, continuará tendo uma remuneração e não precisará dispor de suas economias. Jéssica piscou repetidas vezes, a fim de certificar-se de que não estava sonhando. Custava a crer que seu avô estivesse fazendo uma oferta daquelas a um quase estranho, sem ao menos consultá-la. Afinal, em assuntos que diziam respeito à fazenda e às atividades ali exercidas, eram praticamente sócios e nunca tomavam decisões sem o consentimento um do outro. Será que o "noivado" com a cândida Vangie havia lhe acelerado o processo de esclerose? Largando os talheres sobre o prato, achou que era o momento de intervir: — Vovô, Raitt é um patrulheiro e não um trabalhador rural. Ele não conhece nada a respeito de gado! — Raitt sabe um bocado sobre o assunto, sim — a velha senhora correu em socorro do neto — Ele passou mais de dez verões na fazenda de criação de gado no Texas, onde cresci. — Além do mais, ele é inteligente e aprenderá num piscar de olhos as poucas coisas que ainda desconhece a esse respeito — acrescentou Dunc. — E por que Raitt não procura trabalho como patrulheiro numa outra localidade? — ela insistiu. — Em todo o país, há pouquíssimas divisões de polícia que utilizam o serviço de uma guarda montada — alegou o velho Duncan — E, nas poucas guarnições que existem em todo o território, deve haver listas intermináveis de candidatos à espera de vagas. — Além do mais, seria mais prudente aguardar pela decisão dos superiores dele, daqui a seis meses — argumentou Vangie, temendo pelo futuro do neto. — Vovô, nós sequer precisamos de um... — Precisamos, sim — Dunc interrompeu-a — Há muito tempo que estamos precisando de alguém que nos dê uma mãozinha com o trabalho aqui, na fazenda.
— Mas desde quando você... Dessa vez, o velhinho resolveu ignorar-lhe os protestos. Virando-se para Raitt, perguntou: — E então? Qual é o seu voto, rapaz: escriturário ou caubói? Raitt olhou para Jéssica e viu que ela lhe lançava uma súplica muda para que recusasse aquela oferta de trabalho. Então, olhou para Vangie e viu que a velhinha lhe implorava com os olhos para que aceitasse. Por fim, decidiu apertar a mão que Dunc lhe estendia, anunciando: — Sinto muito Jess, mas a minha resposta é... caubói. Jéssica largou o corpo de encontro ao encosto de sua cadeira. O que seria da sua vida nos próximos seis meses, tendo que conviver com Raitt Marlow pelas vinte e quatro do dia?
CAPÍTULO VIIII No dia seguinte, Raitt foi para San Francisco a bordo da caminhonete de Dunc, à qual estava atrelada uma pequena carroceria para o transporte de animais. A longa jornada lhe deu tempo de sobra para pensar. E Jéssica Patton ocupou grande parte de seus pensamentos. Mas, com um pouco de sorte, rever os amplos horizontes de uma cidade grande iria ajudá-lo a tirar aquela mulher voluntariosa e briguenta da cabeça de uma vez por todas. Ele aproveitou algumas das prolongadas horas de viagem para planejar as atividades da semana. Iria deixar seu apartamento preparado para permanecer seis meses desocupado, resolveria todos os casos urgentes e pendentes que tivesse na cidade, requisitaria uma autorização para transportar Cody e depois rumaria de volta à Fazenda Patton, onde daria início à sua vida como trabalhador rural. Ou caubói, como dissera Duncan. Decidiu que também daria um telefonema à aeromoça com quem, às vezes, costumava sair. Ela adorava jantar em Chinatown e tinha o agradável hábito de convidá-lo para dividir sua enorme cama de casal sem esperar, em troca, por um relacionamento duradouro ou propostas de casamento. Sim, aquela seria uma boa maneira de satisfazer as necessidades naturais do corpo, relaxar e readquirir o modo neutro como encarava as representantes do sexo feminino e a mania que todas elas tinham em concluir um simples caso amoroso no altar ou perante um Juiz de Paz. Quando retomasse à fazenda dos Patton, iria também dar um telefonemazinho a Betsy Newman e tentar fazer dela uma boa companhia para momentos de diversão e prazer. Sem mal-entendidos, sem expectativas, sem corações aos pedaços, sem arrependimentos. Sem compromissos eternos. Sem ter que acabar dizendo um "sim" no altar da igreja da comunidade, enfim.
Jéssica não fazia idéia de que uma simples semana pudesse demorar tanto a passar. Acordava todas as manhãs à espera de ouvir Raitt fazendo barulho no quarto ao lado do seu, e só então voltava a se dar conta de que ele não estava no casarão. O banheiro que unia os dois dormitórios, assim como o tempo livre de que dispunha, lhe pertenciam por completo. Mas isso não parecia fazer lá muita diferença. Gostaria de ter uma séria conversinha com Dunc a respeito da insistência com que o velhinho tentava empurrá-la para os braços de Raitt Marlow, mas nunca conseguia ficar a sós com o avô. Ele e Vangie não se desgrudavam por um segundo sequer e o romance entre os dois anciãos ia de vento em popa. Levou pouco-tempo para que Jéssica finalmente acabasse admitindo que a simpática velhinha era tudo o que Dunc desejava numa mulher. E numa esposa. Dia após dia, ficava menos difícil aceitar a presença alegre de Vangie Marlow no casarão e a inegável influência positiva que ela vinha exercendo sobre o antes sorumbático viúvo. Seria uma tolice negar que os velhinhos estivessem verdadeira e profundamente apaixonados. Aliás, Duncan Patton anunciara o fato com todos os erres numa noite, após o jantar. Uma medida totalmente desnecessária, pois a troca de olhares, confidencias e atenções entre o casal de idosos falava mais do que milhões de palavras. Uma outra coisa boa naquela semana foi a indiscutível melhora do machucado no tornozelo dela. Jéssica estava completamente recuperada da incômoda e dolorosa torção, isso, por si só lhe parecia um presente dos céus. No dia em que Raitt deveria chegar, ela entrou no casarão na hora do almoço e qual não foi a sua surpresa ao descobrir que Dunc e Vangie empilhavam malas e sacolas no hall de acesso ao corredor. — Aonde vocês vão? — San Francisco — respondeu Dunc — Vangie quer que eu conheça seus amigos e parentes. De lá, seguiremos para Los Angeles, a fim de que ela conheça os seus pais e a sua irmã. — Posso saber quando tudo isso foi planejado, vovô? — Ontem à noite, entre os lençóis da minha cama. — Vovô! — E pare de nos olhar com esses olhos arregalados, como se nunca tivesse ouvido talar de sexo após os sessenta anos de idade. A relação sexual é um comportamento saudável, natural e relaxante, sabia? Além de ser também uma atividade bastante divertida, digamos assim. — Oh, meu Deus! Se Raitt descobrir, será capaz de... — É por isso que vamos partir assim que ele chegar. Não agüento sequer imaginar que Raitt vai ficar o tempo controlando nossas vidas novamente, indicando quem deve dormir em que quarto e outras bobagens do tipo. E também não pretendo gastar a minha saliva para provar a ele que tenho razão no que digo. Afinal, não há crianças por aqui. — Mas, e se... — Ah, ia me esquecendo nada de contar essas "novidades" a ele, hein, Jessie? Já passei da idade de ouvir sermões. — Você não pode me deixar aqui, sozinha com um estranho!
— Você precisa ficar uns tempos sozinha com um homem só para variar, menina. E Raitt é um sujeito decente, responsável, que tem a cabeça no lugar. Talvez ele consiga colocar um brilho especial nos seus olhos. — Como se atreve a insinuar que... — Estou me referindo ao mesmo tipo de brilho que emana dos olhos de Vangie quando ela olha para mim, entendeu agora? Jéssica viu que só estava perdendo tempo e paciência ali. Saiu do casarão pisando duro, sabendo que ninguém seria capaz de fazer o velho Duncan Patton mudar de idéia, se o velhinho havia resolvido viajar com a noiva, e agora companheira da cama, seria mais fácil um elefante voar do que ele voltar atrás em seus planos. Mas que mil diabos a carregassem se ela ficasse na varanda, dando adeusinho àqueles dois desertores! Ah, essa era que não! Jéssica estava no estábulo, selando Lucille para uma longa cavalgada pela pradaria, quando os cães puseram-se a latir. Pouco depois, ela ouvia a caminhonete de Dunc aproximando-se do pátio em frente à varanda do casarão. Raitt. Ele estava de volta. Seu último fio de dúvida dissipou-se assim que ela distinguiu o ruído da carroceria para transporte de animais, que se acercava da entrada da estrebaria. Prendendo os arreios na égua, murmurou: — Prepare-se, Lucille. Acho que teremos novas companhias. Do lado de fora do estábulo, junto à manjedoura, Teardrop soltou um relincho mais alto do que o normal. Jéssica não se virou quando Raitt entrou na estrebaria, seguido de perto pela algazarra dos cães pastores. Ouviu os passos dele sobre o piso de terra e então Murph ganiu baixinho para chamar-lhe a atenção. Ela ainda continuava se fazendo de surda, quando a voz de Raitt ecoou entre as espessas paredes de madeira: — Estou de volta. Será que ainda tenho um emprego aqui, nesta fazenda? — Não, se for inteligente o suficiente para ter mudado de idéia. — Sentiu saudades de mim? — Tanto quanto você sentiu de mim. — Puxa Jess, juro que eu não esperava por uma recepção tão calorosa! Jéssica finalmente virou-se. Erguendo a aba do chapéu, encarou-o e usou de toda a frieza de que foi capaz: — Não me lembro de fazer parte de nenhum comitê de boas-vindas. — Ah, sei. E onde está o tal comitê? — No casarão, arrumando as malas para uma viagem de "conheça os meus parentes" a San Francisco e Los Angeles. — Viagem? De onde saiu essa idéia? — Pergunte a eles. Eu ia dizer que ambos podem fazer o que quiserem, pois são maiores de idade e estão no gozo de suas plenas faculdades mentais, mas isso seria uma incoerência. Afinal, estão é malucos! — Eu... eu estou pasmo com essa... Raitt calou-se, ao ouvir o barulho da porta de um carro se fechando com força. Jéssica antecipou-se às suas conclusões: — Me parece que o casalzinho está de partida. Ele girou sobre os calcanhares e praguejando baixinho, rumou com passos decididos para a garagem anexa ao casarão onde Dunc guardava seu velho sedan. Da
porta do estábulo, Jéssica viu que Raitt se aproximava do veículo no momento em que o velhinho fechava o porta-malas. Os dois homens, então, puseram-se a gesticular e suas vozes se alteraram. Murph e Muttlev trataram de recolher seus rabos entre as pernas, como se fossem o alvo da acalorada discussão. Nesse instante, Vangie saiu do casarão, carregando uma frasqueira. No momento seguinte, ela e Dunc entraram no carro e o veículo tomou o caminho para a estrada, deixando Raitt Marlow a esbravejar furiosamente em meio a uma nuvem de poeira. Jéssica deu um longo suspiro, sabendo que Raitt devia estar tão desgostoso e frustrado quanto ela própria estivera durante toda aquela semana. As constantes e intermináveis sessões de romance entre os dois velhinhos faziam com que qualquer cristão se sentisse um incômodo intrometido, um estorvo, um estranho no paraíso. Segurar vela para o casal de pombinhos tinha sido o mesmo que chegar em traje social a uma festa do pijama. Ainda murmurando todos os palavrões e xingamentos que conhecia, Raitt voltou para a estrebaria. Jéssica balançou a cabeça em sinal de aprovação: — É tudo isso e muito mais. Correndo os dedos nervosamente por entre algumas mechas de cabelo, ele comentou: — Não sei, não. Tenho a impressão de que aqueles dois estão se comportando como se já tivessem dormido juntos. O que você acha? — Acho que, seja lá o que tenha acontecido entre eles, a verdade é que ninguém os irá impedir de mais nada daqui para frente. Jéssica retomou a atenção a Lucille, terminando de atrelar os arreios e rédeas à égua. Raitt observou-a por alguns instantes, depois perguntou: — Aonde tenciona ir com Lucille? — Até os limites do vale. Ela precisa de exercício e eu tenho que consertar a cerca. — Tem que ser agora? Diabos, esta é a pior recepção de uma viagem que já tive na vida! A começar pela sua indiferença, Jess. Foi só pronunciar essas palavras e Raitt deu-se conta do quanto havia sentido a falta dela naquela semana. Passara dias e noites arrumando o apartamento, pagando contas, organizando compromissos para uma prolongada ausência de seis meses. E sequer respondera à mensagem que a tal aeromoça com quem costumava sair havia deixado na secretária-eletrônica. O fato era que o tempo tinha voado, e ele perdera longos e irrecuperáveis momentos pensando na neta de Duncan Patton. Em troca, ela não se mostrava nem um pouco feliz em revê-lo por aquelas paragens. Era evidente que não pretendia lhe dar um abraço, muito menos um beijo, com certeza. Droga! Mil vezes droga! Sentindo uma certa culpa pela expressão sombria no rosto dele, Jéssica tratou de ser um pouco mais cordial: — Se estiver com fome, há pernil e maionese de legumes na geladeira. Você trouxe Cody? Perdido em meio à contusão e às caras feias com que fora recebido, Raitt se esquecera por completo de retirar seu cavalo da carroceria atrelada à caminhonete de Dunc. — Trouxe... Trouxe, sim. Há alguma baia vazia para ele? — Várias. Escolha a que melhor lhe convier.
Ansiosa para partir dali antes que começasse a demonstrar o quanto estava satisfeita em tê-lo novamente na fazenda, Jéssica levou Lucille para fora do estábulo e acomodou-se sobre a cela em seu lombo. Numa tentativa de detê-la por mais alguns instantes, Raitt falou: — Deixe essa pressa de lado por uns minutinhos e venha conhecer Cody. — Irei vê-lo assim que voltar. — Certo, certo. Se preferir, finja que nunca viu o novo empregado da fazenda. E que nem desconfia que ele trouxe um cavalo para cá. Enterrando o chapéu com força na cabeça, ele foi cuidar do animal. Por que não ficara em San Francisco? Jéssica estava trocando algumas estacas de madeira da cerca que demarcava os limites da Fazenda Patton, quando Lucille começou a relinchar. Um relincho de satisfação, percebeu sua dona, ao ver que Raitt se aproximava no lombo de Marcus. Surpresa, Jéssica exalou o ar dos pulmões devagarzinho. Aquela era a primeira vez que via Raitt cavalgando. Era uma bela imagem: um vulto elegante e viril, em perfeita harmonia com o galope tranqüilo de um cavalo a cruzar uma vasta e viçosa pradaria. Ela quase deixou cair a estaca de madeira que segurava com uma das mãos. E as palavras que lhe saíram da garganta soaram vacilantes: — R-Raitt... O que... o que está fazendo aqui? — Procurando o que fazer. E acertei ao supor que Marcus seria capaz de encontrar você. Bem, para falar a verdade, meu instinto e a trilha principal também ajudaram. — É? Ele passou a mão pelo longo pescoço do alazão, embrenhando as pontas dos dedos na pelagem macia. Então comentou, sem tirar os olhos de Jéssica: — Este lugar parece muito solitário, apesar da paisagem magnífica ao redor. — Uma paisagem magnífica é sempre uma boa companhia. Assim como Lucille, Muttley e Murph. Nunca me sinto sozinha quando eles estão por perto. — A companhia deles é melhor do que a minha? De repente, a coluna de madeira pareceu pesar uma tonelada e Jéssica tratou de fincá-la no buraco que havia aberto havia poucos minutos. — Estou acostumada a trabalhar sozinha por aqui. — Você não respondeu à minha pergunta, Jess. — Eu... Raitt desmontou, deixando que Marcus fosse para perto do local onde Lucille pastava sossegadamente. Enquanto calçava o par de luvas que tirara do bolso do jeans, voltou a insistir: — Eles são melhores companhias do que eu? — Raitt, você sabe muito bem que não concordei com a oferta de trabalho que o meu avô lhe fez. — Vamos deixar algumas coisas bem claras, sim? Se realmente não tem o mínimo interesse por mim, então também não tenho o mínimo interesse por você. Se tiver, então é possível que eu também tenha. Em ambos os casos, contudo, vou sobreviver. — Você estaria bem melhor na cidade, trabalhando no serviço de escritório que o seu superior lhe ofereceu. Se tivesse aceitado aquela proposta, meu avô e Vangie nunca
teriam inventado a tal viagem e me deixado aqui, sozinha. Mas, sabendo que você estaria na fazenda, os dois não hesitaram em arrumar as malas e partir. — Diabos, Jess! Não posso ser culpado por estar necessitando de um emprego ou por ter aceitado o emprego de que precisava. — Não foi isso o que eu disse. — Seja sincera: não está nem um pouco feliz em ter diante de si o único ser humano num raio de vinte quilômetros? — Dai-me paciência, Senhor... Olhe, meu avô contratou-o para trabalhar, não foi? Se você veio até aqui à procura de serviço, ocupe-se em trocar as estacas de madeira apodrecidas. — Posso muito bem ver o que precisa ser feito, sem que ninguém fique chamando a minha atenção. — Pois então, faça. — E o que é necessário para que eu consiga respeito e admiração pelas tarefas executadas? Jornada de trabalho dupla? — Meu avô sempre diz que um serviço bem-feito merece respeito e admiração por si mesmo. — Então vou trabalhar normalmente aqui e redobrar meus esforços em outra tarefa. — Outra tarefa? — Sim. Tentar quebrar a resistência que você tem quanto à nossa atração mútua. — Não gaste o seu latim, Raitt. Faz dez anos que aprendi a não cair na conversa fiada dos empregados temporários desta fazenda. Bob foi um excelente professor. — Dez anos. Não acha que é tempo demais para que um corpo tão bonito fique sem os carinhos de um homem? — Ora, por que não se ocupa em... Antes que ela terminasse, Raitt apanhou a pá que estava sobre a cerca de arame farpado, dizendo: — Segure o esteio de madeira no lugar, enquanto encho o buraco com terra. Jéssica fez como ele havia orientado, mas não conseguiu ficar calada por muito tempo: — Não estou nem um pouco preocupada com o fato de dormir sozinha. Continuo a mesma garota sem graça e sem atrativos de dez anos atrás. E, com certeza, não faço parte das fantasias eróticas de homem nenhum. Quem sonha comigo, só pode ter pesadelos. Pisando com força sobre a terra que havia jogado sobre o buraco, Raitt não escondeu que começava a perder a paciência com aquela mulher obstinada: — Posso saber quem foi que meteu essas idéias estapafúrdias na sua cabeça? "Sem graça e sem atrativos"... Ora, faça-me o favor! Não tem vergonha de viver afirmando ou insinuando tamanha besteira? — Não é besteira! — É, sim! Uma besteira, um absurdo, uma mentira! Você não quer aceitar o fato de ser bonita, porque isso iria lhe causar problemas com os homens, como já causou com o pateta do Bobo Croquete! E se você fosse verde e tivesse antenas na cabeça? É só a aparência, que conta, Jess? E a beleza interna? E as qualidades que você tem? E a paixão e o desejo femininos que ardem no seu íntimo?
Atordoada com as palavras sedutoras dele, Jéssica soltou a estaca e ordenou a si mesma que não desse ouvidos àquele belo discurso. Raitt tinha pena dela. Ou então queria apenas levá-la para a cama, como Bob fizera. Oh, que situação. Raitt Marlow era o homem de seus sonhos. Mas deixá-lo saber o quanto ansiava por seus beijos e carícias seria conferir-lhe um poder do qual ele poderia lançar mão para dominá-la. Ele tirou uma das luvas e tomou-lhe a mão trêmula. — Me responda, Jess. Diga alguma coisa. — Me solte, sim? Em vez disso, Raitt puxou-a para junto de si. Levantou-lhe a aba do chapéu para melhor lhe admirar os olhos e viu que eles haviam adquirido uma tonalidade mais escura, um tom de verde que parecia reproduzir a incandescente fulguração de preciosíssimas esmeraldas. A curta convivência com Jéssica lhe ensinara que aquele era um sinal de braveza ou paixão. — Jess, tenho certeza de que iríamos nos entender muito bem se você permitisse que... Incapaz de prosseguir com palavras, usou de um beijo repleto de desejo para convencê-la. Seus lábios se uniram e Jéssica sentiu-lhe a língua esfomeada a procurar a sua, ao mesmo tempo que ele a estreitava de encontro ao peito. Os corpos ávidos também se uniram, moldando-se numa perfeição que ela desconhecia até então: seus seios colados ao tórax forte, os ventres se tocando, os sexos se roçando num carinho guloso, as coxas muito juntas. Raitt lhe acariciava o contorno do rosto com as pontas dos dedos, com a mão enluvada cravada em sua nádega, tornava o contato de ambos ainda mais íntimo. Jéssica agarrou-se a ele, prendendo os braços ao redor do pescoço a fim de lhe afagar os cabelos e as costas. Enquanto isso, o fogo abrasador da paixão tomava conta de suas entranhas, acelerando-lhe o coração e fazendo com que o ar lhe faltasse. — Droga, Raitt... — Não me importo com suas reclamações, pimentinha. Pode me amaldiçoar o quanto quiser desde que continue a me beijar apaixonadamente. Raitt voltou a cobrir-lhe os lábios com os seus, sufocando-lhe os suspiros cheios de desejo. Com a mão nua, tomou-lhe um dos seios e pôs-se a acariciá-lo por sobre a blusa, para depois enfiá-la através dos botões que havia aberto, sentindo-lhe a pele ardente e um mamilo já túmido de excitação. Jéssica sentia-se derreter nos braços dele. — Raitt... Raitt, por favor... Por favor, você está me fazendo... — Estou fazendo com que deseje o que eu também desejo tanto. Ofegante, ela abaixou a cabeça e viu os longos dedos que lhe prendiam o bico do seio, massageando-o em excruciantes movimentos circulares. Fechou então os olhos, experimentando a deliciosa sensação de sentir-se bela, feminina, desejável. Nesse instante, todos os músculos de seu corpo se retesaram. Mas não por causa do desejo que a consumia. Jéssica ficara paralisada com a simples constatação de que seria impossível resistir aos carinhos de Raitt Marlow por muito tempo. A paixão que aquele homem lhe despertava, violenta e irrefletida, acabaria por fazer com que ela caísse na armadilha. Outra vez. Com um safanão, livrou-se do abraço e das carícias dele. Virando-lhe as costas enquanto abotoava a blusa, falou no habitual tom de rispidez:
— Me deixe em paz, caubói. — Mas... O que... O que foi que... — Não me toque novamente. Nunca mais. Você deixou de ser uma visita nesta fazenda, agora trabalha aqui, como os outros ajudantes que meu avô já teve. Pego de surpresa por aquele rude gesto de rejeição, Raitt apanhou o chapéu que jogara ao chão e voltou a colocá-lo sobre a cabeça. As abas largas impediam que Jéssica visse o brilho de dor e frustração que ele tinha nos olhos. — Pelo que seu avô me contou, um dos ajudantes fez mais do que simplesmente trabalhar aqui. — Bob foi uma exceção e meu avô não tinha o direito dê lhe falar a respeito da minha vida pessoal. Ela fez menção de caminhar para junto de Lucille, mas Raitt a impediu com a voz nitidamente alterada: — Espere aí, mocinha! — O que foi? — Quais são as outras regras a que devo obedecer, além de não tocar em você? — Os trabalhadores temporários que vêm para esta fazenda dormem no quarto nos fundos da garagem. Há cama, chuveiro e instalações sanitárias lá. — E quanto às refeições? — Farei o café da manhã e o jantar. O almoço será colocado numa marmita térmica, que você trará consigo até que todas as estacas apodrecidas da cerca tenham sido trocadas. — Vou trabalhar sozinho aqui? — Tenho outras coisas para fazer, Raitt. Suas folgas serão aos sábados e domingos. Você pode utilizar tudo de que necessitar no casarão, inclusive a máquina de lavar roupa e a secadora. E pode assistir à televisão até a hora que quiser. — Em outras palavras: você manda, eu obedeço. — Na ausência do meu avô, sou eu quem organiza e controla todo o serviço. E tudo o que acabei de lhe dizer se aplica a qualquer pessoa que venha trabalhar conosco. — Seja feita a sua vontade, patroa. Nunca mais vou desabotoar a sua blusa, a menos que você me peça para lhe fazer esse favor. Será que vai pedir? Ansiosa por escapar do brilho sugestivo que agora iluminava os olhos de Raitt, ela correu a montar Lucille. Mesmo assim, ainda encontrou coragem para mais uma provocação: — Vou deixar a cerca ao seu encargo, Raitt. Seja razoável com o horário em que encerrar suas atividades: nem cedo demais, nem tarde demais. — A que horas serão servidos o café da manhã e o jantar? — Procure-os no forno, nos horários convencionais. Assim que Jéssica mostrou a Lucille o caminho a seguir, ouviu a voz dele às suas costas, num tom entre irônico e malicioso: — Quando estiver cansada de jantar sozinha, venha procurar pela sobremesa no quarto nos fundos da garagem.
CAPÍTULO IX A princípio, Raitt resolveu que não iria cortejar Jéssica a fim de fazê-la mudar de idéia. Aliás, namoricos eram a última coisa que lhe passava pela cabeça quando teve que saborear seu primeiro jantar completamente só. E nem mesmo lhe ocorreu ir à procura dela antes de se deitar. Fulo da vida, engoliu a raiva e rumou para o quartinho nos fundos da garagem sem que, nenhum pensamento lascivo sequer ousasse incomodá-lo. Na manhã seguinte, porém, a poeira começava a assentar. E, após fazer um insosso desjejum requentado tendo a si mesmo como companhia, deixou um bilhete para Jéssica sobre a mesa da cozinha: “Por um motivo ou por outro, creio que nós dois saímos um pouco da linha ontem. Vamos ser amigos, OK? Apenas amigos. Raitt”. Encontrou-a pouco depois trabalhando no telhado do estábulo, quando foi selar Cody. Deixando o cantil com água gelada e a marmita térmica que ela havia lhe preparado aos pés da escada onde Murph e Muttlev davam uma cochilada, advertiu-os: — E nem pensem em cair na farra com o meu almoço, certo? Raitt subiu a escada que estava apoiada no beirada da estrebaria. Próximo ao último degrau, e teve uma visão panorâmica e privilegiada do traseiro arredondado de Jéssica Patton, moldado com perfeição pelo surrado jeans que ela usava. E gostou muito do que viu. Sem saber se ela ainda não havia percebido de sua chegada ou se simplesmente ignorava sua presença, parou no último degrau da escada e pigarreou. Ao vê-la escorregar por duas ou três telhas devido à surpresa, Raitt foi logo dizendo: — Me desculpe. Eu não queria assustá-la. — Do que você está precisando com tanta urgência, que sequer pode me esperar lá embaixo? — Dos cachorros. Se importa se eu levar Muttlev e Murph para me fazerem companhia, enquanto conserto a cerca? Voltando a martelar pregos sobre algumas telhas soltas, ela respondeu: — Se eles quiserem... Não vou precisar dos cães hoje. — Está bem. Até mais, então. Ele fez menção de descer, mas parou antes de apoiar o pé no degrau inferior. Sem dar-se conta de que Raitt estava de olho no seu derrière, Jéssica não escondeu a impaciência: — O que está esperando? — Já estou indo... Você levantou mais cedo do que de costume hoje, não foi? — Nunca ouviu dizer que "Deus ajuda a quem cedo madruga"? Já dei água e comida para os cavalos, inclusive Cody. Os outros-estão soltos, mas ele está na estrebaria, à sua espera. — Obrigado. Trocou o feno das baias também? — Sim. O seu trabalho é na cerca. E não a deixe esperando.
— É você quem manda, chefona. Raitt ajeitou o chapéu sobre a cabeça, deu uma última olhada na visão panorâmica e desceu pela escada. No interior do estábulo, cumprimentou o bom e velho Cody: — E então, amigão? Nada mal para umas feriazinhas de seis meses, não é? Os outros cavalos estão tratando você melhor do que a chefe está me tratando? Cody roçou o narigão de encontro ao braço do dono. Acariciando-lhe uma das vigilantes orelhas, Raitt murmurou: — É, não há meninos de rua para cuidarmos por aqui. Eu também sinto falta deles, sabia? Ainda bem que pelo menos você veio para cá, não é? Jéssica deu uma espiadela para dentro, através do buraco deixado pelo deslocamento de uma telha. Então viu Raitt passando a mão carinhosamente pelo dorso do imponente garanhão, verificando-lhe a pelagem, os músculos, os tendões. Ela, que também adorava seus cavalos e os examinava com cuidado todas as manhãs, entendia muito bem aquela relação de amizade e respeito entre homem e animal. De repente, pegou-se sentindo uma certa inveja de Cody. Mas mal teve tempo para reprimir o sentimento absurdo, pois, quando se apercebeu, Raitt olhava na sua direção. Na certa, ficara intrigado ao notar que o barulho das marteladas havia cessado. — Jess? Está tudo bem aí em cima? — Sim... Está, sim. E então ela voltou a martelar os pregos com uma força absolutamente desnecessária. Minutos depois, Raitt deixava a estrebaria no lombo de Cody. Jéssica tentou não admirar a cena. Em vão. Não conseguia despregar os olhos da silhueta máscula sobre a sela, seus ombros largos, os músculos fortes das coxas de encontro aos flancos do cavalo, as costas largas e bem-feitas. Murph e Muttley abriam caminho pela trilha, seguidos pelo elegante trotar de Cody. Subitamente, foi invadida por uma estranha sensação da mais pura solidão. E seu repentino mal-estar só desapareceu quando, por volta do meio-dia, ela deuse conta de que Raitt havia esquecido seu almoço ao pé da escada. Após certificar-se de que o sol estava a pino, Raitt deu uma olhada no relógio de pulso. Será que Jess lhe levaria o almoço? Ou teria desconfiado de que ele largara o cantil e a marmita à entrada do estábulo de propósito e o deixaria passando fome como forma de punição? Será que já teria lido o bilhete que ele colocara sobre a mesa da cozinha? Teria concordado com a proposta ou simplesmente atirado o pedacinho de papel no cesto do lixo? Seu estômago queixou-se do vazio. Talvez fosse melhor vestir novamente a camiseta, retornar ao casarão e comer alguma coisa, antes que desmaiasse de fome e sede sob aquele sol impiedoso. Foi então que Cody, que pastava mansamente a alguns metros de distância, ergueu a cabeça e moveu as orelhas em sinal de alerta. Muttley e Murph, que tiravam uma soneca sob a copa de um pinheiro, colocaram-se sobre as quatro patas no instante seguinte, antes que Raitt pudesse piscar duas vezes, os cães puseram-se a abanar as caudas e ganir em sinal de boas-vindas. Mais um instante e ele ouviu o assobio com que Jess costumava saudar seus cachorros.O almoço acabava de chegar. Assim que Jéssica se aproximou da cerca, viu que Raitt estava trocando uma das colunas de madeira deterioradas pelo tempo. Reparou também que ele fizera inegáveis
progressos na substituição das estacas, aliás, bem mais do que poderia ter imaginado. Em algumas horas, Raitt executara o serviço que ela levaria um dia ou mais para concluir. Mas o que mais lhe chamava a atenção era o fato de ele ainda não ter se percebido de que esquecera sua refeição à porta da estrebaria. Será que não sentia um pingo de sede, suado como estava debaixo daquele sol tórrido? Conduzindo Speed para junto da cerca, Jéssica lhe entregou a marmita e o cantil, perguntando: — Todos os cavalarianos da Guarda Montada de San Francisco são distraídos como você? Ele fingiu surpresa e embaraço ao mesmo tempo: — Oh, esqueci o meu almoço? Que cabeça, me desculpe. — Trate de não esquecê-lo amanhã. Não posso passar o tempo todo correndo atrás de você. Raitt tirou as luvas de couro e, colocando seu almoço ao lado da cerca, olhou fundo nos olhos dela. — Obrigado, Jess. Não precisava ter tido o trabalho. — Bem. Seja como for, Speed precisava se exercitar um pouco. — Me faz companhia para o almoço? — Eu já almocei. Mas acho que um descanso não faria mal a Speed. Ignorando a contradição da desculpa esfarrapada, Jéssica saltou do cavalo e acompanhou Raitt até a sombra de um alto pinheiro, onde ele acomodou-se sobre o solo forrado por pinhas secas e folhas aciculadas. Encostando-se no tronco da alta árvore, resolveu ser amável: — Vi o seu bilhete, Raitt. — E? — "Apenas amigos" faz sentido, tendo em vista a nossa situação. Raitt ergueu o cantil antes de tomar um gole e declarar: — Um brinde à nossa amizade! Ele levou o cantil novamente aos lábios e, dessa vez, tomou quase toda a água gelada numa só golada. Jéssica ficou observando-o em silêncio e não pôde deixar de reparar que seu peito nu estava todo coberto de suor. Será que Raitt Marlow usava do mesmo empenho em suas atividades sexuais? Bem, iria ser um bocado complicado levar aquele relacionamento na base do "apenas amigos", se pusesse a imaginar como seria fazer amor com aquele homem. Ele deu uma dentada faminta em seu sanduíche de rosbife. Pouco depois, uma exclamação de puro deleite escapava-lhe da garganta: — Deus do céu, que delícia! — A receita é da minha avó Lizbeth. O segredo está no molho de alho e mostarda. — Hum. — Vou fazer rosbife mais vezes, já que você gostou tanto. Esboçando um sorriso de apreciação, Raitt apontou um lugar ao seu lado. — Sente-se e descanse um pouquinho. Assim, poderá me contar mais coisas a respeito da sua avó. Hesitante, Jéssica acomodou-se a mais de metro do local que ele havia indicado.
— Vovó sabia fazer qualquer coisa: cozinhar, costurar, galopar pelas encostas mais escarpadas, cuidar do gado e também fazer do meu avô o homem mais feliz do mundo. Atacando o sanduíche com voracidade, ele incentivou-a: — Continue, Jess. — Ela era uma pessoa admirável. Jamais demonstrou um pingo de preguiça e se interessava por tudo. — Como a neta dela, então? — Ah, não. Não tenho metade da fibra da minha avó. Sei seguir as receitas culinárias dela, mas sou incapaz de criar as minhas; sei costurar, mas jamais conseguiria fazer um bordado como aquele na minha blusa de seda. — Você é uma mulher extremamente capaz e talentosa, Jess. Acredite no que lhe digo. — Obrigada. Você também é muito capaz. Substituiu uma grande série de colunas da cerca num tempo recorde. — Agradeço o cumprimento, embora tenha que admitir que estarei com o corpo todo dolorido no fim do dia. Costumo me exercitar na academia de ginástica da guarnição onde trabalho, ou trabalhava, só que num ritmo muito mais moderado. — Como foi a sua semana? — Coisas de se esperar: limpei a geladeira, deixei o apartamento arrumado, avisei ao síndico que ficaria fora por seis meses, pedi ao banco que debitasse despesas da minha conta corrente, visitei alguns dos meus amiguinhos de rua. — Como são eles? — Por fora, duros como pedra; no íntimo, porém, se derretem com um pouco de atenção e carinho. Sabe, Cody foi uma espécie de ponte para que eu conseguisse me aproximar deles. Os garotos gostam de animais e um cavalo vistoso pode ser um ótimo meio para se puxar conversa. — Sempre imaginei que os policiais da Guarda Montada fossem mais pose do que sentimentos. Afinal, estão sempre nas áreas de atrações turísticas. — Você deve ter em mente os guardas da unidade federal que vigiam a região de Cais dos Pescadores-Embarcadero. A minha divisão trabalha dentro dos limites urbanos, na zona do Parque Golden Gate, mas às vezes temos que nos deslocar para regiões como Lago Merced, Parque Dolores e arredores. Fazemos também rondas de segurança à população e prevenção de acidentes em locais de grandes aglomerações. — Já prendeu muitos criminosos em batidas policiais? — Vários. Detenções e citações são uma rotina no meu serviço. Agora, vou lhe contar uma coisa incrível: enquanto estive em San Francisco durante a semana, participei de uma rodada de pôquer com alguns amigos da corporação e todas as apostas, ínfimas para não dizer ridículas, foram feitas em centavos, pois ninguém tinha cédulas nas carteiras. Que situação. É ficar absolutamente "duro" ou ficar datilografando formulários numa repartição qualquer. — Se tivesse aceitado o trabalho atrás de uma escrivaninha, seu corpo não iria estar todo dolorido esta noite. — Pois prefiro ficar moído de cansaço de tanto trocar colunas de madeira de uma cerca de arame farpado! — Eu não quis ser indelicada.
— Mesmo que você não me queira por aqui, vou fazer por merecer cada tostão que Dunc me pagar. Pode acreditar no que digo. Observando para a quantidade de estacas apodrecidas amontoadas num canto da cerca, Jéssica teve certeza de que Raitt falava a verdade. Virando o rosto, ela fixou o olhar em Cody e Speed, que mastigavam grandes quantidades de relva em suas enormes bocas. Incomodada com o silêncio que se instalara nas redondezas, gritou para seu cavalo: — Ei, Speed! Pare de comer ou vai ficar gordo como um hipopótamo! Raitt seguiu-lhe o exemplo: — E você também, Cody! Não queremos cavalos balofos por aqui! Assim que Raitt deu a primeira mordida na maçã que Jéssica lhe levara junto com o almoço, ela levantou-se e limpou a folhagem das roupas, dizendo: — Bem, é melhor eu ir andando. Ainda tenho muito o que fazer. — Esta noite vou encontrar jantar para um no forno novamente? — Ha... Olhe, vovô e eu costumamos levar nossos pratos para a sala de estar e jantamos assistindo aos noticiários da tevê. Se a idéia o agrada. — Agrada, sim. O que teremos para a sobremesa? — Pudim de ameixa, salada de frutas ou sorvete de creme. O que prefere? — Sou louco por sorvete. — OK. Sorvete de creme, então. — Grande! Ela já estava junto a Speed quando uma idéia, a princípio absurda, lhe ocorreu. Mas antes que tivesse tempo para censurar-se, as palavras lhe saíram de um só fôlego: — Pode usar o quarto do meu avô, enquanto ele estiver fora. — Mesmo? Puxa... Obrigado, Jess. — Até às seis, Raitt. — Pode me esperar. Jéssica montou em seu cavalo e afastou-se sem ao menos um olharzinho de despedida. As coisas fugiam de seu controle e estavam bem piores do que pudera supor. Se Raitt soubesse o que estava se passando... Se ao menos desconfiasse de que ela começava a se apaixonar pelo empregado temporário que seu avô havia contratado...
Pelo restante da semana, Raitt encontrou uma boa dose de satisfação ao dissimular uma desinteressada amizade por Jéssica Patton. Bem menos satisfatório, porém, era dormir absolutamente sozinho na imensa cama de casal de Dunc. O quarto do velhinho ficava a uma razoável distância do de sua neta e, por inúmeras vezes, Raitt flagrou-se fantasiando um sensual "ataque" noturno ao dormitório que ela ocupava. Invariavelmente, acordava com o membro ereto de desejo e punha-se a imaginar um erótico banho na companhia de Jéssica. À distância que agora se encontrava do quarto dela, mal podia ouvir o barulho do chuveiro, mas visualizava na mente cenas excitantes em que a água morna escorria com languidez sobre seus corpos nus, enquanto ele ensaboava um par de seios rotundos e empinados. A frustração era tão intensa que, por mais de uma vez, cogitou de retomar a San Francisco e dedicar-se de corpo e alma ao enfadonho trabalho burocrático numa
repartição pública. Em outras ocasiões, rezava para que Dunc e Vangie chegassem de repente, o que colocaria um fim às suas agoniantes expectativas. Pior do que tudo isso era o comportamento de Jéssica. Embora o tratasse com cordial distanciamento, alguma coisa em suas atitudes e expressões o fazia desconfiar de que ela também achava que uma simples amizade não era o suficiente para ambos. Raitt queria algo mais do que aquele relacionamento cortes. Algo mais, mas nada de muito sério, que pudesse significar um compromisso sólido ou irretratável. Cinco dias após a tumultuada partida de Dunc e Vángie, Jéssica estava na cozinha, preparando o café da manhã ao mesmo tempo em que lutava contra pensamentos turbulentos e repletos de erotismo em relação a Raitt Marlow. Ele não demorou a aparecer, seguido por Muttley e Muiph. Cumprimentou-a com a naturalidade de sempre, serviu-se de um cafezinho sem açúcar e acomodou-se à mesa, com os dois cães a seus pés. Jéssica, então, comentou: — Você se levantou cedo hoje. Esqueceu que é seu dia de folga? — Folga? Hoje já é sábado? — Sim, senhor. E a maior parte do pessoal que trabalha em caráter temporário nas fazendas desta região some na sexta-feira à noite, para só retomar aos seus postos na manhã de segunda. — O que esse pessoal costuma fazer nos fins de semana? Pescar? — Às vezes. — Dunc mencionou um lago, aqui por perto. — O Moming Glory, com certeza. — É, acho que foi isso o que ele disse. Você não gostaria de ir até lá, Jess? Pescar é uma boa fôrma de relaxar o corpo e descansar a mente. — Prefere panquecas de queijo ou ovos mexidos? — Se não quiser ir pescar comigo, é só dizer. Colocando as panquecas em banho-maria e retirando alguns ovos da geladeira, ela falou a primeira coisa que lhe ocorreu: — Tenho muito o que fazer hoje. — Por exemplo? — Bem, tenho que... que... As panquecas ou os ovos, Raitt? — Os dois. Diabos! — Que fome, hein? A observação bem-humorada não teve o efeito desejado: trazer um sorriso aos lábios crispados de Raitt. Apanhando o exemplar dá Gazeta Rural que estava sobre a mesa, ele murmurou num tom provocativo: — Por que não fui até a cidade ontem à noite, convidar Betsy Newman para um passeio? Jéssica mordeu o lábio. Então ele não havia esquecido a estonteante loira. Louca de raiva, sugeriu: — Por que não telefona para ela? Aposto que Betsy nunca recusaria um convite seu para ir pescar. — E por que você recusou?
Sem perceber que Raitt a observava por cima do jornal, ela fez um barulhão danado ao apanhar uma frigideira no armário embaixo da pia e só faltou atirá-la sobre o fogão. Dobrando o jornal na página de esportes, ele insistiu: — O que há de mal numa saudável e tranqüila pescaria na minha companhia? — Nada. Mas não gosto de saber que fui convidada por uma mera conveniência sua. — Conveniência? Como assim? — Você quer ir pescar e não sabe o caminho até o lago Morning Glory. Eu sei. Você não tem equipamento para pesca. Eu tenho. Muito conveniente, não? Raitt levantou-se e jogou o jornal longe. — Diga mais alguma bobagem que desmereça a mim ou a você mesma e vou esquecer que combinamos ser amigos, Jess. — Eu já disse que... — Betsy Newman é a única "conveniência" que conheço por estas paragens e não tenho o menor interesse em usufruir dela. Se tivesse, estaria na cidade neste exato momento, na cama que Betsy vive oferecendo a quem quer que vista um par de calças. — Por que mencionou o nome dela, então? — Porque você me deu um fora e eu fiquei louco da vida, dona Jéssica Patton. O que queria que eu fizesse? Agradecesse você por ter me tratado feito um saco de lixo? — Não foi isso o que eu... — Foi, sim! E é por essa e por outras que faz dez anos que você não tem um namorado! Quem seria o louco de pedi-la em namoro, sabendo correr o risco de levar uma bela frigideirada na cabeça como resposta? As lágrimas afloraram aos olhos de Jéssica antes que ela tivesse tempo para reprimi-las. As palavras de Raitt doíam como uma bofetada, mas eram verdadeiras. Dez anos, dez longos e solitários anos sem ninguém, absolutamente ninguém. De repente, era como se a última década adquirisse vida e ameaçasse sufocá-la com mãos frias e poderosas. Jéssica sentiu-se jogada num beco sem saída, sombrio e assustador, de onde não tinha como escapar. Raitt percebeu que ela chorava e teve ódio de si mesmo pelo que acabara de fazer. Sem hesitar, aproximou-se rapidamente e colocou as mãos em seus ombros, tentando confortá-la: — Me desculpe, Jess. Oh, pelo amor de Deus, me desculpe! Acho que levantei da cama com o pé esquerdo hoje. Ela lutava contra os soluços e Raitt deu-se conta do quanto lhe era difícil mostrarse assim, tão frágil e desamparada. Briguenta e voluntariosa, Jess era como os meninos de rua com os quais ele costumava lidar: independentes nas atitudes e na aparência, mas carentes e vulneráveis como qualquer criança. Enxugando-lhe as lágrimas com as pontas dos dedos, Raitt ofereceu: — Vou lhe servir um pouquinho de café com bastante açúcar, está bem? — Está. Ele entregou-lhe um guardanapo de papel e, colocando o cafezinho sobre a mesa, disse: — Venha sentar-se, Jess. O café da manhã pode esperar. Jogando-se sobre a cadeira que Raitt lhe apontava, ela falou num fio de voz:
— Como posso ser tão boba? Eu nunca choro. Pode perguntar ao meu avô, se não acreditar em mim. — Acredito, sim. Sei que você nunca chora, que nunca se vê como a bela mulher que é, que nunca se imagina como uma companhia gostosa e agradável. E eu queria muito que fosse pescar comigo, sabia? Meu convite foi absolutamente sincero e desinteressado, juro. — Você não é um homem muito sensato, Raitt. — Não? Por quê? — Betsy Newman é loira, charmosa, bonita... — E usa isso sem o menor escrúpulo. Você, por outro lado, vive negando o próprio charme e beleza, como se fossem um castigo. Às vezes seu comportamento me faz lembrar de Tim Waverly, um dos meus meninos de rua. — Eu o faço lembrar-se de um menino de rua? Que atraente que sou! Raitt sentou-se ao lado dela e tomou-lhe uma das mãos entre as suas. — Nada de ironias, Jess. Você sequer sabe ao que eu estava me referindo quando mencionei Tim. Mas o fato é que, como você, ele é um grande garoto e se julga um traste imprestável. Por isso, andei pensando... — No quê? — Bem... Você e Dunc trazem cavalos selvagens para a fazenda e, aos poucos, vão tratando de amansá-los, não é? O que acha de proporcionar a um menino problemático a chance de passar alguns dias numa fazenda tranqüila? Tim iria adorar cavalgar e também executar algumas das tarefas que temos por aqui, isso lhe mostraria que há outras opções de vida, além de vagar à toa pelas ruas da cidade. E é claro que eu custearia todas as despesas extras que a presença dele pudesse trazer. A idéia agradou Jéssica. E o fato de conhecer um pouco mais a respeito do lado humano e caridoso do caráter de Raitt Marlow a fazia sentir-se ainda mais ligada afetivamente a ele. — Seria muito bom, más vovô tem que dar o seu consentimento. Por que não telefona para ele, na casa de Vangie? — Não sei. Já ligamos tantas vezes durante a semana, mas eles nunca atendem. Vai ver que sequer têm saído do quarto da minha avó. — Não custa tentar mais uma vez, Raitt. Ele tirou o fone do gancho e fez uma careta, enquanto discava o número da casa de Vangie. Então suas sobrancelhas se ergueram, quando alguém finalmente respondeu do outro lado da linha. — Dunc, seu velhinho descarado! Sim, se eu... Está tudo bem por aqui, sim. Não, quero falar primeiro com você. Jéssica sorvia seu café devagarinho, enquanto ouvia Raitt explicar o motivo pelo qual havia ligado para a casa da avó. — Achei que seria melhor Tim Waverly vir primeiro. Ele tem treze anos e mora numa vaga que lhe consegui numa espécie de albergue. Tenho medo de que, longe das minhas vistas, o garoto possa se sentir tentado a voltar para as ruas. Jess aprovou a idéia. E então, o que me diz? Duncan ficou eufórico: — Grande! Vangie e eu podemos levá-lo conosco, quando retornarmos à fazenda na semana que vem. — Obrigado, Dunc. Enquanto isso, vou verificar quais são as formalidades legais para que ele possa deixar o albergue por algum tempo.
Vangie fez questão de falar com o neto e Jéssica serviu-se de mais um pouco de café. Assim que desligou o telefone, Raitt correu para junto dela e voltou a tomar-lhe as mãos entre as suas. — Que coisa boa, Jess! Mais alguns telefonemas e acho que teremos uma ótima novidade para comemorar! — Oh, Raitt! Estou me sentindo tão bem! Até já me esqueci que, há instantes, estava chorando feito um bezerro desmamado! — E eu estou muito feliz por ver esse sorriso espontâneo iluminar seu rosto de menininha! Encabulada, ela baixou a cabeça e pôs-se a acariciar as orelhas de Muttley e Murph, que também pareciam empolgados com a súbita animação que tomara conta do ambiente. Raitt ocupou-se com mais duas chamadas telefônicas e, quando finalizou as ligações, seu sorriso ia de orelha a orelha. Contagiada pelo entusiasmo dele, Jéssica sentiu o coração aos saltos ante a perspectiva de que uns dias na Fazenda Patton poderiam mudar drasticamente o rumo da vida de um menino de rua. Exultante, Raitt tomou-a nos braços e pôs-se a dançar pela cozinha. — Precisamos celebrar um acontecimento tão importante, Jess! Ela lhe passou os braços ao redor do pescoço e deixou-se levar pela contagiante empolgação. Estava tão contente, que chegou a imaginar que dançava com o homem de sua vida num grandioso salão recendendo a flores, onde só havia os dois, envoltos por um clima de poderosos romantismo e sensualidade, Quando, enfim, a colocou no chão, Raitt murmurou-lhe ao ouvido: — Ah, querida... Ah, minha pimentinha! Seus lábios tocaram-lhe o lóbulo da orelha e depois traçaram um percurso insinuante ao longo do pescoço, até alcançaram-lhe o queixo arredondado. Ela sentiu-se zonza, incapaz de controlar a vontade de enfiar os dedos por entre as espessas mechas de cabejos dourados. — Raitt... Raitt... No instante seguinte os lábios de Jéssica procuravam os dele, num convite à ávida língua masculina para que acariciasse a sua, não menos gulosa. Naquele momento, era lhe impossível continuar ocultando a paixão e o desejo que a tinham torturado durante toda a semana. Raitt apertou-a com força contra si e ela pôde sentir-lhe o volume do membro já ereto. Encantada com a maravilhosa sensação de ver se tão ardentemente desejada, abraçou-o com infinita ternura e pôs-se a saborear o suave gosto da boca sôfrega, que parecia querer engoli-la por inteiro. A língua de Raitt movimentava-se com furiosa intensidade de encontro à sua, transmitindo-lhe um desejo que só encontrava sinulitude no tórrido calor que lhe brotava no meio das coxas. As mãos deles começaram a vagar por suas costas, descrevendo desenhos repletos de insinuações. Ao mesmo tempo, Raitt apertava-a de encontro ao corpo com fogosa veemência, fazendo com que seus sexos se tocassem num encontro abrasador. Levando a boca junto a um dos seios de Jéssica, ele o mordiscou por sobre o tecido da camiseta que ela usava e depois murmurou: — Não me faça parar agora, por favor... — Não, não farei... Eu o quero... Eu o desejo muito... — Mesmo?
— Mesmo. — Sem compromissos pelo resto da vida, Jess? — Sim... Como você quiser... — Ah, querida... Também a desejo tanto! Raitt apoiou-lhe o corpo de encontro à mesa. Jéssica colocou as mãos sobre seus ombros, maravilhada ao vê-lo erguer-lhe a camiseta e tomar entre os lábios um mamilo já intumescido de excitação. Deixando de lado a vergonha e inebriando-se com a fascinante sensação de livrar-se de todo o autocontrole, estendeu um dos braços até alcançar o zíper do jeans que Raitt vestia. Abriu-o sem hesitações e, enquanto ele lhe sugava o bico enrijecido do seio, pôsse a acariciar o membro pulsante com movimentos repletos do mais puro enlevo. Como era bom saber que o homem por quem se apaixonava vibrava de desejo por ela! E o desejo realmente dominava cada terminação nervosa do corpo de Raitt. Esfregando os lábios de encontro à pele do colo de Jéssica, ele murmurou entre gemidos: — Tão macia... tão acetinada... Deliciosa, você é simplesmente deliciosa... Voltou a massagear-lhe uma auréola rosada com a ponta da língua, enquanto sua mão firme lhe afagava o estômago e o ventre. Os carinhos dela em seu membro o fizeram sentir uma vontade louca de retribuir o imenso prazer. Assim, abriu-lhe também o zíper do jeans e, com incontrolável ansiedade, buscou com os dedos o sexo já túmido e umedecido. — Oh, Jess... Você está toda molhada! Tudo isto é para mim? — S-sim... sim... Louco de excitação, ele separou-lhe os grandes lábios e procurou pelo botão inflamado e latejante. Começou, então, a massageá-lo com movimentos circulares, suaves, provocantes, cheios de sensualidade. A reação de Jéssica foi uma agradável surpresa: gemendo baixinho e contorcendo-se toda, ela deixou escapar um grito rouco pouco depois, ao atingir rapidamente um forte orgasmo que lhe provocou espasmos do mais deslumbrante êxtase que jamais experimentara. Percebendo-lhe a total incapacidade de conter o prematuro clímax, Raitt estreitoua de encontro ao peito. — Jess... Oh, Jess! Fico tão contente em saber que pude lhe proporcionar um prazer tão intenso em tão pouco tempo... Isso deixa qualquer homem lisonjeado, sabia? — Eu... eu... — Não diga mais nada, minha pimentinha. Vamos para o quarto. Ele tomou-a nos braços e carregou-a até o seu dormitório sem ao menos interromper um beijo carinhoso e apaixonado. Assim que a colocou sobre a cama tirou-lhe todas as peças de roupa rapidamente, com medo de que ela se envergonhasse pelo que havia acontecido na cozinha e voltasse atrás. Mas Jéssica estava feliz demais para pensar em arrependimento. Enlevada, observava-o despir-se e admirava-lhe o belo físico a cada peça que ele jogava ao chão. Em pouco tempo, tinha diante de si um homem prisioneiro de avassalador desejo, um homem a ponto de perder o controle. O sexo viril, robusto e muito túmido, era como uma visão hipnótica, a seduzi-la com sua força e promessa de novas delícias. Raitt seguiu-lhe o olhar e sorriu de satisfação. Quando ela esticou o braço na direção de seu sexo afogueado, pediu: — Por favor, não me toque novamente. Eu não seria capaz de me controlar por mais de um segundo.
— Mas... mas eu quero lhe retribuir o prazer que você me deu... lá, na cozinha... — E tenho certeza de que vai me retribuir. Só que, antes disso, eu gostaria de saborear um pouco mais desse seu corpo divino. Mal terminou de falar. Raitt sentou-se na cama e, dobrando o corpo sobre Jéssica, voltou a tomar-lhe um dos mamilos na boca. Enfiando-lhe os dedos por entre os cabelos, ela pôs-se a guiar-lhe a cabeça para um e outro seio alternadamente, enquanto murmurava: — Mais... Mais forte... Mais... Ele satisfez-lhe a vontade. Mais do que isso, levando os lábios de encontro ao sexo dela, cobriu-o com a boca num beijo íntimo. Jéssica sentiu-se subir às nuvens e retornar numa fração. Oh, Deus... Jamais poderia sequer imaginar que, um dia, iria experimentar sensação tão maravilhosa! Raitt seria capaz de passar o restante do dia a beijar-lhe e acariciar-lhe o corpo inteirinho, se não estivesse prestes a explodir de paixão. Por isso, assim que percebeu que Jéssica estava pronta para recebê-lo, deitou-se entre as pernas dela. Mas não penetrou-a de imediato, segurando o membro com a mão, fez com que ele lhe afagasse os pêlos pubianos, os lábios vaginais, o clitóris intumescido a entrada do sexo que ansiava por acolhê-lo. As carícias, contudo, só fizeram inflamar-lhe o desejo e ele sentiu que o momento tinha chegado. Voltando a tomar-lhe os lábios num beijo quase desesperado, Raitt penetrou-a. Jessica deixou escapar um gemido no instante da doce invasão. Depois, retribuindo ao beijo ardente, enlaçou-lhe a cintura com as pernas e o abraçou com força, acariciando-lhe as costas, os ombros, a nuca, os cabelos. — Raitt... Oh, Raitt... — Quero que você goze de novo, Jess... Quero que goze comigo desta vez... Então pôs-se a movimentar-se dentro dela, sentindo-lhe o sexo úmido a agasalhálo com afeto e abrasadora paixão. Suas arremetidas, suaves e vagarosas a princípio, tomaram-se mais intensas e vigorosas. Jéssica jamais sentira-se tão excitada, tão plena, tão... apaixonada. Sim, naquele momento de tamanha intimidade, deu-se conta de que estava irremediavelmente apaixonada por Raitt Marlow. Cravando-lhe as unhas nos ombros, sussurrou: — Venha, Raitt... Me possua por completo, me faça sua, me deixe senti-lo inteirinho dentro de mim... Os movimentos dele se intensificaram e cada arremetida, a fazia contrair-se de prazer. Quando sentiu a boca seca, a cabeça girando no vazio e tremores incontroláveis arquearem-lhe a espinha, ela mal pôde acreditar que atingia novamente o clímax. Agarrouse a Raitt e beijou-lhe a boca com sofreguidão. Instantes depois, ouvia um forte gemido escapar da garganta dele. Com o corpo todo crispado pelo êxtase, Raitt deixou-se cair sobre ela, enfiando o rosto entre seus longos cabelos negros. Aquilo tudo fora como uma bênção para Jessica: o ato de amor com um homem magnífico, o prazer que encontrara nos braços fones e protetores, a descoberta de que se apaixonara por ele. Quando aquele alumbramento passasse, iria pensar nas conseqüências da experiência gloriosa que vivia naquele instante. Agora, só uma coisa importava, aquele instante.
CAPÍTULO X Jéssica emergiu de seu quarto no início da tarde. Como Raitt ainda estivesse profundamente adormecido, deixou-lhe um bilhete sobre a mesa da cozinha. Vou fazer companhia a uma amiga que adoeceu repentinamente. Devo voltar dentro de uns dois dias. Depois de colocar itens de primeira necessidade numa pequena valise, partiu da fazenda na caminhonete de Dunc. Tendo feito amor com Raitt durante toda a manhã, precisava ir para bem longe dali, a fim de colocar as idéias em ordem. Precisava, antes de mais nada, recuperar o que havia perdido nos braços dele: a independência e o autocontrole. Raitt acordou de um sono reparador e estendeu um dos braços à procura de Jéssica. Sobressaltado, arregalou os olhos ao perceber que estava sozinho na cama. Chamou, então, por ela. Nada. O casarão estava no mais absoluto silêncio. Ele insistiu: — Jess? Jess! O chamado trouxe apenas Muttlev e Murph, que puseram-se a raspar a porta do quarto com as patas. Estranho, se Jéssica estivesse pelas redondezas, na certa os cães estariam na companhia dela, como sempre faziam. Sentando-se na cama, Raitt deu um bocejo preguiçoso. Caramba! Nunca havia feito amor de forma tão apaixonada. No alto da coxa direita, ainda tinha a marca de uma leve mordida de Jess. Com certeza, suas costas e nádegas também estariam marcadas. Que mulher fogosa! Vestindo a cueca e o jeans, ele abriu a porta e foi logo perguntando aos cachorros: — Onde está aquela pimentinha? Muttley e Murph responderam com um abanar de cauda. Morto de fome, Raitt foi direto para a cozinha. E lá encontrou o bilhete dela. Maldição! Desde quando Jéssica tinha uma amiga que "adoecera repentinamente"? E por que não deixara o endereço ou o número do telefone da tal amiga? Aquilo era uma bela mentira, isso sim! E não apenas uma mentira. Era também a prova do arrependimento dela. Era um sinal de que, como a maioria das mulheres, Jéssica não se contentava apenas com o ato sexual. Sem dúvida, queria afeto, carinho, atenção, um relacionamento sólido. Queria amor. Oh, não... Não! Para piorar, só lhe faltava admitir o que vinha negando a si mesmo há dias: começava a se apaixonar por aquela mulher geniosa, teimosa, birrenta, mandona... ardida como pimenta. Antes que desandasse a se amargurar com aquela conclusão, Raitt resolveu telefonar para Dunc e perguntar se o velhinho fazia alguma idéia de onde Jess pudesse estar metida. Duncan Patton demonstrou que realmente conhecia a neta:
— Aposto que Jessie foi para o velho chalé que possuímos na encosta de uma das montanhas, ao leste. Ela sempre vai para lá quando quer pensar em alguma coisa... Vocês andaram fazendo alguma coisa que a deixasse com necessidade de raciocinar friamente? — Não seja curioso. A propósito, como você tem tratado a minha avó? — Faço com que Vangie mantenha um sorriso permanente, rapaz. — Sei, sei... Bem, me diga como encontrar esse tal chalé. Depois de demoradas e complicadas instruções, Duncan despediu-se de Raitt com votos de boa sorte. Antes de desligar, porém, ouviu um pedido solene: — Dunc, será que dava para tirar o sorriso permanente do rosto da minha avó? Escondida no pequenino e aconchegante chalé pela segunda noite consecutiva, Jéssica atiçava o fogo da minúscula lareira que havia improvisado abaixo do fogão de pedras e tijolos. Não conseguia parar de pensar nos momentos de amor que compartilhara com Raitt e a lembrança das tórridas cenas de sexo entre ambos ainda estava viva em sua memória. O que iria lhe dizer, quando retornasse à fazenda? E se ele se recusasse a deixar o casarão e voltar para o quarto nos fundos da garagem? Sacudindo a cabeça num gesto de desalento, trocou a roupa do dia por uma camisola longa, apagou o lampião que ficava sobrea mesa e preparou-se para dormir. Se tivesse sorte, aquela seria pelo menos uma noite tranqüila. Na véspera, um curioso urso fora lhe fazer uma visita de surpresa e ela teve que fazer um barulhão dos infernos, batendo numa pesada caçarola com uma colher até que o animal se assustasse e voltasse para o bosque. Pouco depois, um coiote desatou a uivar a distância, despertando-lhe um irresistível desejo de sentir os braços fortes de Raitt ao redor de seu corpo. Aquela era a primeira vez em que Jéssica se sentia sozinha no antigo chalé. Antes, a casinha de escassa mobília e com um bom estoque de alimentos enlatados sempre lhe servira como um reconfortante refúgio. Um veio nas proximidades proporcionava água fresca e cristalina. O que mais uma mulher poderia desejar, além da companhia do homem a quem amava? A idéia deixou-a profundamente irritada. Certificando-se de que a caçarola e a colher estavam à mão, ela apagou a lamparina a gás e deitou-se entre os lençóis de flanela. Já havia dado voltas e mais voltas sobre a cama rústica, quando ouviu um galho estalar do lado de fora do chalé. Com um suspiro desanimado, tratou de apanhar a caçarola e a colher e estava prestes a iniciar a barulheira. Foi então que o urso deu uma leve pancada na porta de madeira. Diabos! Não lhe faltava mais nada! Jéssica fez tamanho estrépito com as "armas" que tinha em mãos, que seus ouvidos estavam zunindo quando ela parou com o espalhafato a fim de prestar atenção aos ruídos nas vizinhanças do chalé. Nesse instante, a porta escancarou-se. Aos gritos, Jéssica pulou da cama e correu apanhar o machado que ficava ao lado do fogão. Um vulto muito grande, emitindo sons guturais, cruzou a porta num caminhar vacilante. Gritando ainda mais alto, ela ergueu o machado e preparou-se para atacar. O vulto, então, grunhiu: — Pare com isso, diabos... Sou só eu. — R-R-Raitt?! Assim que Jéssica levou o machado ao chão, ele gemeu: — Minha maldita lanterna pifou. E há urtigas por toda parte.
— O que... o que está fazendo aqui? — Pagando os meus pecados. Pelo amor de Deus, Jess, acenda a luz! Ela correu acender a lamparina a querosene que estava sobre a mesa e a tênue claridade mostrou que Raitt tinha o rosto crispado, numa inegável expressão de dor. — O que houve, Raitt? — Caí sobre um arbusto cheio de espinhos imensos, quando a minha lanterna quebrou. — Oh... Mas como... Estendendo-lhe as mãos já meio inchadas, ele suplicou: — Depressa, tire esses malditos espinhos para mim! Jéssica correu apanhar o estojo de primeiros-socorros e fez com que ele se sentasse numa cadeira, dizendo: — Primeiro, vou anestesiar suas mãos com este spray para queimaduras. Agüente firme, sim? Raitt cerrou os dentes e fechou os olhos. Por sorte, o efeito do remédio foi praticamente instantâneo e, poucos momentos depois, ele deixava escapar um suspiro de alívio. Em silêncio, Jéssica pegou a pinça e pôs-se a remover os espinhos. Eram realmente grandes e, com certeza, deveriam ter provocado uma dor terrível. Terminada essa tarefa ingrata, ela derramou um pouco de gel antirséptico na palma da mão e esfregou-o com cuidado sobre os ferimentos. Abrindo os olhos, Raitt comentou: — Que alívio! Puxa, você nem imagina a sensação de estar livre daquelas pragas! — Como me encontrou aqui? — Como não acreditei no bilhete que encontrei na cozinha, telefonei para Dunc. — Ah... Bem, me dê às mãos novamente. Este anti-séptico também tem efeito anestésico e analgésico. Á suave massagem que Jéssica executava em suas mãos teve um efeito erotizante em Raitt. Em questão de instantes, ele tinha esquecido as dificuldades em encontrar aquele chalé perdido nas montanhas, a lanterna que quebrara na hora em que mais precisava dela, a queda sobre o arbusto espinhento. E ardia de desejo. — Vamos para a cama, Jess. Tive um dia dos infernos. Preciso de você. Raitt levantou-se da cadeira e Jéssica pôde ver o volume que se formara na parte frontal da calça de brim que ele usava. Um arrepio sensual lhe percorreu a espinha, mas ela hesitou: — Não creio que seria sensato. Acho que não devemos... O amor e suas contradições! Enquanto falava. Jéssica abria-lhe os botões da camisa, beijava-lhe os lábios entreabertos, descia o zíper da calça de brim, acariciava-lhe o peito e as costas. Ao perceber que ela não usava nada sob a longa camisola de algodão, Raitt ergueu-lhe a peça à altura da cintura e pôs-se a afagar-lhe a pele nua, esquecendose por completo dos ferimentos causados pelos espinhos. Tomado por um desejo abrasador, colocou as mãos sobre as nádegas dela e ergueu-a ligeiramente do chão. Sem deixar de beijá-lo, Jéssica passou-lhe as pernas em tomo do quadril e os braços ao redor do pescoço. Raitt tinha planejado amá-la com calma, suavidade, ternura. Mas o calor da paixão e os gemidos que escapavam da garganta dela o impediam de raciocinar. Naquela mesma posição, sustentando-a no ar de encontro ao próprio corpo, ele cobriu com dois largos
passos a distância que os separava da parede. Encostando as costas de Jéssica nela, a fim de melhorar o equilíbrio de ambos, acabou por penetrá-la ali mesmo, em pé. Ela gemia de prazer, ao mesmo tempo em que lhe oferecia a boca aos beijos atrevidos. Agarrada a Raitt, sentia-se zonza com as sensações deliciosas provocadas pelos movimentos de vaivém executados pelo quadril dele. Nunca fizera amor daquele modo e descobriu que, em vez de considerar a posição indecorosa, achava-a simplesmente estupenda. Para Raitt, porém, era difícil manter o equilíbrio por muito tempo daquele jeito. Devagar dessa vez, ele voltou para perto da mesa e sentou-se numa das cadeiras, tomando o cuidado necessário para que seus corpos continuassem unidos. Assim que se ajeitou sobre o colo dele, sentindo-lhe o membro penetrar fundo suas entranhas, Jéssica deixou escapar um grito de júbilo. Aquilo era o máximo! Jamais, em toda a vida, pudera imaginar que um dia estaria fazendo amor daquela forma com o homem amado. — Raitt... Oh, meu Deus! Depositando um langoroso beijo em cada um de seus mamilos, ele murmurou: — Isto é sensacional, não é? Você gosta? — Demais... Demais! Ele colocou-lhe as mãos na cintura e ajudou-a a executar os movimentos necessários para que atingissem o clímax. Cobrindo-lhe uma rósea auréola com os lábios, pôs-se a sugar o bico rijo com voracidade. Jamais, em toda a vida, pudera imaginar que um dia estaria fazendo amor daquela forma com a mulher a quem começava a amar. Quando Raitt acordou na manhã seguinte, Jéssica ainda dormia a sono solto. Com extremo carinho, ele pôs-se a pentear os longos cabelos negros sobre o travesseiro com a ponta dos dedos. Tinha o corpo exausto de tanto fazer amor a noite passada, mas talvez sua companheira não estivesse saciada. Bem, isso não seria problema. Sabia agora que não necessitaria de uma ereção para levá-la ao êxtase, Jess havia aprovado com entusiasmo as outras variações que ele lhe sugerira, ainda que fizesse questão de frisar o quanto adorava senti-lo dentro de si. Puxa vida, nunca sonhara encontrar uma mulher com quem se desse tão bem na cama! Pouco depois, ela despertava mansamente e seus grandes olhos verdes fitaramno com ternura. — Bom dia, dorminhoca. O que teremos para o café da manhã? Jéssica espreguiçou-se, deu um longo bocejo e respondeu: — Uma porção de tarefas a serem cumpridas na Fazenda Patton. É melhor voltarmos logo para lá. — Como preferir, "patroa". Sou apenas o trabalhador temporário, pronto para obedecer às suas ordens. Após espreguiçar-se novamente, ela sentou-se na beirada da cama e começou a vestir-se. Raitt beijou-lhe a nuca, para depois segui o exemplo. — Por que você fugiu de mim, Jess? — Como estava o meu avô, ao telefone? — Vire-se para mim, olhe no fundo dos meus olhos e responda: por que fugiu de mim? Mas ela fingiu ocupar-se com o zíper da bota.
— Não fugi. Apenas vim para cá porque... porque pensei que poderia me apaixonar e depois sofrer como uma condenada, quando você voltasse para San Francisco. — Poderia se apaixonar por mim? Mas não se apaixonou, não é? Aposto que isso está fora de cogitação para você. Nervoso com o rumo que a conversa tomava, Raitt sentiu as mãos trêmulas ao abotoar a camisa. Talvez fosse cedo demais para tocar naquele assunto... — Não posso me apaixonar. Sou uma mulher independente e além do mais, você não quer nem ouvir falar em casamento. — Amor e casamento são duas coisas bem diferentes. — Mas eu não sou tão tola a ponto de pensar que você me amaria, Raitt. — Jess, estou cansado de ouvir você se desmerecer, se menosprezar. Eu simplesmente adorei fazer amor com você aquela manhã e... — O que houve entre nós foi produto da solidão e do isolamento. — Não, não acredito nisso. E vim atrás de você em busca da verdade. Ou de uma esperança quanto... — Quanto a quê? Desde a primeira em que fizemos amor, você deixou bem claro que não queria saber de compromissos. Por que resolveu vir com essa conversa sobre "esperança" agora? Sente-se culpado? Raitt calçou os sapatos e pôs-se de pé. Estava visivelmente contrariado com aquela troca de agressões. — Claro que não. Por que eu haveria de sentir culpa, se é você quem vive me rejeitando? Aliás, Jess, estou começando a me perguntar o que vi em você para que chegasse a pensar que... — É claro que não viu coisa alguma! O que há para ver numa mulher sem graça, sem charme, sem atrativos? — Oh, não! De novo, não! Não agüento mais ouvir essa estúpida cantilena! — Chame como quiser! Acha que vou me importar com a opinião de um homem que tem medo de tudo? — Tudo? Tudo o quê? — Amor, casamento, compromisso! Ele apanhou a jaqueta de couro que ficara no chão e dirigiu-se para a porta. — Trate de chegar à fazenda a tempo de se encarregar das tarefas da tarde, porque eu não estarei mais lá para fazer o que quer que seja. O mais tedioso dos serviços burocráticos deve ser muito mais interessante do que passar dia e noite brigando com você! — Para onde devo enviar o cheque pelos dias que você trabalhou na fazenda? — Deposite na conta corrente do meu cavalo, até eu resolver o que fazer com ele! Dizendo isso, Raitt saiu e bateu a porta com toda a força atrás de si. Jéssica sentiu os olhos arderem. Como fora tola! Não sabia que, mais cedo ou mais tarde, ele sairia de sua vida sem ao menos um adeus? Afinal, esperar outra atitude de Raitt Marlow seria prova do mais autêntico desatino. Contudo, essa conclusão não a impediu de cobrir o rosto com as mãos e chorar copiosamente.
CAPÍTULO XI Em vez de seguir diretamente para a fazenda, Jéssica resolveu ir até a cidade ao deixar o chalé. Assim Raitt teria tempo de sobra para arrumar suas coisas e sumir dali sem deixar vestígios. Sua primeira parada foi no armazém Feed-and-Tack. Pete, proprietário do armazém e velho amigo de Dunc, recebeu-a com entusiasmo e o habitual punhado de amendoins que sempre reservava para os clientes preferidos. — Olá, menina! Como vai esse tornozelo que tanto a atrapalhou no piquenique? — Já sarou. — Que bom! E o danado do Dunc? Desde que Vangie veio visitá-lo, ele nunca mais apareceu por aqui. — Neste exato momento, é ele quem está visitando Vangie em San Francisco. O velho senhor deu um sorriso largo. Castigado por um reumatismo que o acompanhava havia anos, Pete aproveitou que o armazém estava vazio e convidou Jéssica a sentar-se numa das cadeiras que ficavam ao redor do pequeno barril repleto de amendoins. Assim que se acomodaram, ele retomou a conversa: — Dunc e Vangie me pareceram muito felizes, durante o piquenique. Mas você não está com uma aparência lá muito satisfeita, Jessie. — É que acordei com uma tremenda dor de cabeça. — Oh, pobrezinha. O Dr. Coulter me contou que o neto de Vangie está trabalhando na Fazenda Patton, como empregado temporário. — Estava. Ele pediu demissão esta manhã. Acho que não se adaptou ao serviço. Na verdade, já deve estar a caminho de San Francisco à uma hora destas. — Que pena. Tive a impressão de que vocês dois formavam um casal e tanto. — Foi só impressão, Pete. — E Dunc? Volta logo? — Espero que sim. — Pegue mais amendoins, Jessie. Os amendoins de Pete eram os mais graúdos e mais saborosos das redondezas, mas Jéssica não conseguiria engolir nem mesmo uma grande golfada de ar. Esforçandose para não parecer rude ao cordial velhinho, perguntou: — O que tem acontecido por aqui ultimamente? Alguma novidade? Pete empertigou-se todo na cadeira e suas sobrancelhas grisalhas se arquearam: — Você não sabe? Ainda não ouviu falar? — O quê? — Bob Cochran voltou à cidade. — Oh, não! É mesmo? — Como dois e dois são quatro. Aliás, neste momento ele está lá na taverna jogando pôquer.
Jéssica esboçou um sorriso. Deveria agradecer a Raitt Marlow pelo auxílio prestado. De alguma maneira, o que se passara entre ambos no início da manhã agora lhe dava forças para superar o choque causado pela desagradável notícia. Erguendo um canto da boca, ela falou, o tom de voz transbordando desdém: — Não me diga... O grande, o primeiro e único Bobo Croquete está de volta? Pete caiu na risada e segurou-se no barril de amendoins, como se fosse cair. — Bobo Croquete? Oh, isso é demais para mim! — Para todos nós, Pete. Aumente o seu estoque de óleo, pois ele só presta para fritar bolinhos. Dizendo isso, Jéssica levantou-se e saiu do armazém com toda a pose de que foi capaz. Afinal, dez anos atrás a história da aposta de Budd Cochran havia se alastrado pelos quatro cantos da cidade. Não que as pessoas tivessem rido às suas custas. Pelo contrário, Bob fora o único a divertir, pois todos se solidarizaram com ela, horrorizados com a falta de caráter do cafajeste. Mesmo assim, não fora fácil lidar com a humilhação a que fora exposta. Ah, como gostaria de torcer o pescoço daquele caubói de meia-pataca! Como gostaria de fazê-lo passar por metade da vergonha que ela havia passado! Jéssica saíra do armazém de Pete com ò firme propósito de correr para a fazenda e se esconder do resto do mundo. Mas, quando deu-se conta, estava rumando com passos decididos para a taverna. Alguns metros adiante, encontrou-se com Betsy Newman, que vinha na direção oposta. — Oi, Jessie! Ela nem se preocupou em parar. — Olá, Betsy. Não posso falar corn você agora. A loira voltou-se e acertou seu passo com o dela. — O que aconteceu, Jessie? — Vai acontecer. Uma bela surpresa para um vaqueiro sem um pingo de vergonha na cara, ou melhor, no focinho. — Você está falando de Bob, não está? —Conhece algum outro réptil tão repulsivo e asqueroso quanto ele? — O que pretende fazer, Jessie? — Torcer-lhe o pescoço até que ele vomite todo o veneno que tem dentro de si, só isso. — Oh, meu Deus! Não faça nada até que eu tenha reunido uma boa platéia para o seu espetáculo! Betsy saiu correndo na direção contrária, enquanto Jéssica continuava a caminhar pela rua principal da cidade com o peito estufado e a cabeça erguida. Estava farta de caubóis e empregados temporários até o último fio do seu longo rabo-de-cavalo! Ela adentrou a taverna pisando duro, os olhos verdes faiscando como esmeraldas ao sol. Um silêncio fora de hora se abateu sobre o bar. Era quase meio-dia e o local estava lotado. O canalha estava numa mesa de canto, jogando pôquer. Tinha as costas voltadas para Jéssica, mas ela o reconheceria em qualquer lugar, mesmo que estivesse fantasiado de Maria Antonieta. Bob usava um gasto chapéu marrom, camisa preta com franjas, calça
jeans caindo aos pedaços e botas que precisavam no mínimo de meia-sola. Seus cabelos, agora bem mais longos, não deviam ver a cor de um xampu havia tempos. Abrindo caminho em meio às mesas, Jessie aproximou-se. — Ora, ora! Quer dizer, então, que o nosso querido Bobo Croquete está de volta à cidade? Ele virou-se sobre a cadeira. E ficou branco como um fantasma ao reconhecê-la. — Como vai, Bobão Croquete? Ou será Bobinho Croquetão? Ouviu-se uma risada generalizada e Gari, o dono da taverna, deu um longo e provocativo assobio. A reação jocosa dos presentes encorajou-a a pegar uma garrafa de cerveja que alguém lhe estendeu. Parando junto a mesa de jogo, Jéssica despejou o conteúdo da garrafa em cima das cartas. — Que prazer, Sr. Croquete! Estes dez anos pareceram uma eternidade! E eu aposto que não esperava me ver assim, entrando na taverna e anunciando o que você é para quem quiser ouvir, um bobo alegre, um croquete estragado! — Croquete de cabeça de camarão! — gritou alguém. Bob Cochran parecia em estado de choque. Não conseguia ao menos esboçar uma reação. Demorou algum tempinho antes que ele conseguisse abrir a boca: — J-Jessie...? — Em pessoa,seu bunda-mole! Uma nova onda de gargalhadas e assobios ecoou pela taverna. Em meio à confusão, ouviam-se também gritinhos e risadinhas histéricas que ridicularizavam Bob Cochran. Alguns fregueses chegaram mesmo a bater palmas quando Jéssica lançou o último insulto, em voz bem alta e clara. Pela expressão aparvalhada no rosto macilento, Bob Cochran parecia estar vivendo um sonho. Ou melhor, um pesadelo. Num fio de voz, ele perguntou: — Posso lhe pagar uma cervejinha, Jessie? Ela apanhou uma garrafa que estava na mesa ao lado, respondendo: — Oh, não! Faço questão de que você tome um pouco da minha. Então, tirou-lhe o chapéu e despejou-lhe a cerveja gelada no alto da cabeça. Bob jogou a cadeira para trás com o corpo, piscando e cuspindo o líquido que lhe entrara na boca aberta. Alguém entregou mais uma, garrafa a Jéssica e ela não hesitou em derramar todo o conteúdo em cima dele outra vez. — Quer mais um pouquinho, Bobinho queridinho, Bobão do meu coração? Mais uma garrafa surgiu por sobre o seu ombro e ela apressou-se em pegá-la. Contudo, a pessoa que lhe estendia a cerveja não a soltou. Jéssica, então, virou-se e viuse encarando um par de penetrantes olhos azuis. — Raitt! Nesse momento, Bob Cochran levantou-se da cadeira com um palavrão, girou o corpo e desferiu um soco. Ela abaixou-se a tempo de evitar o golpe e Raitt segurou o braço de Bob no ar. No segundo seguinte, Jéssica viu-o torcer o pulso de Bob com tanta força, que o miserável, com um grito de dor, ajoelhou-se no chão. Mantendo o adversário naquela posição vexatória, Raitt aconselhou-o: — Seja um bom menino e agradeça a srta. Jess pelas duas cervejas que ela lhe deu.
Bobo Croquete fez força para soltar-se, mas Raitt obrigou-o a permanecer de joelhos, apertando a chave de braço. Pisando sobre a mão com que Bob se apoiava, ele insistiu: — Agradeça à moça como se deve seu bastardo! A voz de Bob soou como o ganir de um coiote: — Obrigado, Jessie. — Mais alto! — pediu o dono do bar. — Obrigado, Jessie! — De novo! — gritou um velhinho de barbas brancas. — Obrigado, Jessie! — berrou Bob, com toda a força de que foi capaz naquelas circunstâncias. Com um sorriso de orelha a orelha, Jéssica despejou então a garrafa de cerveja sobre ele, dizendo: — Será que poderia repetir, Sr. Croquete? Tenho a impressão de que não escutei direito. — Obrigado, Jessie! — ele voltou a berrar roxo de raiva e vergonha. Então, ela virou-se para seu cúmplice e falou: — Obrigada, Raitt. Foi um prazer. Mesmo. — Não há de que, Jess. Se quiser repetir a dose, é só chamar. Assim que se viu livre, Bob levantou-se meio cambaleante. Murmurando todos os palavrões que sabia, abriu caminho em meio à pequena multidão de fregueses e curiosos que lotavam o bar e saiu num atordoado zigue-zague pela rua. Só então Jéssica deu-se conta de que a taverna estava apinhada. Parecia que a cidade inteira tinha ido assistir ao seu improvisado show. Numa rápida olhadela ao redor, ela reconheceu Betsy, Pete, o Dr. Coulter e sua secretária, o rapaz que arrematara a cesta de Betsy no piquenique, o responsável pela pequena agência de correio, dois funcionários da mercearia, os vários empregados do posto de gasolina. Todo mundo acercou-se, apertando-lhe a mão e dando sonoros tapas de felicitações nas costas de Raitt. — Gravei tudo! — anunciou Betsy, mostrando a câmera de vídeo que tinha na mão. — Vai ser o filme do ano! — A próxima rodada de cerveja é por conta da casa — ofereceu Carl. — Vamos comemorar! Assim que os ânimos se acalmaram, Jéssica perguntou a Raitt: — O que está fazendo na cidade? — Parei no posto para trocar o óleo e encher o tanque, antes de seguir para San Francisco. Betsy passou correndo, espalhando a notícia, e eu resolvi vir com o pessoal. — Você foi maravilhoso. — E ele merecia pagar por tudo o que lhe fez. — E você sabe tudo o que ele me fez? Tudo mesmo? — Seu avô me contou boa parte, o resto fiquei sabendo aqui. De qualquer forma, você estava se saindo muito bem quando cheguei. Mas eu precisava ver o miserável de joelhos. — Nem sei como lhe agradecer. — Sabe, sim. Reconsidere suas idéias a nosso respeito.
— Minhas opiniões sobre compromissos afetivos e casamento não vão mudar, Raitt. Elas fazem parte de mim, dos meus princípios. — Não quer nem mesmo ser minha amiga? — Já ultrapassamos os limites da amizade. Não há como voltar atrás agora. — Bem, então só me resta seguir o meu caminho. — Por favor, não esteja na fazenda quando eu chegar lá. — É uma promessa, Jess. Quando você chegar à Fazenda Patton estarei a quilômetros e quilômetros daqui. Jéssica esboçou um sorriso e afastou-se em silêncio. Não queria vê deixar a taverna e sair da sua vida para sempre. De volta à fazenda, ela evitou pensar em Raitt. Mas não teve como impedir as reflexões a respeito de Tim Waverly. Era uma penar que o garoto não fosse mais passar uns dias ali. Estava ansiosa para conhecê-lo e sentia uma certa responsabilidade pelo fracasso da tentativa de mostrar-lhe uma outra opção de vida. Contudo, apesar da decepção e da culpa, convenceu-se de que não havia como remediar aquela situação. A campainha do telefone interrompeu suas divagações. Era Dunc. — Ficou maluca, menina? Por que colocou Raitt para correr? — Não coloquei ninguém para correr, vovô. Ele decidiu ir embora por iniciativa própria. O que foi uma decisão muito sensata, levando-se em conta as circunstâncias. — Gostaria de saber o que se esconde por trás dessas suas palavras, isso sim. E detesto a idéia de que esteja sozinha aí, na fazenda. — Estou muito bem, acredite. Não há com o que se preocupar. — Jessie, se eu souber que aquele rapaz fez alguma coisa que magoou você. — Pare com isso, sim, vovô? E não me diga que telefonou apenas para falar sobre esse assunto. — Na verdade, não. É que tenho uma novidade bombástica para você. — Mesmo? Do que se trata? — Vangie e eu vamos nos casar. A cerimônia será em Reno, no próximo sábado. — Casar? Reno? Oh, meu Deus. — Reno é uma localidade muito mais divertida do que a grande San Francisco. Sua atmosfera rural combina bem mais com um casal de ex-texanos, como nós dois. — Mas, vovô, você conhece Vangíe há menos de... — Não se pode contrariar o coração, menina. O Dr. Coulter irá para Reno, ele será o meu padrinho. Você será a madrinha e entrará na igreja na companhia de Raitt. — Isso não faz sentido! Se o Dr. Coulter é o padrinho, então eu devo... — Eu e Vangie já organizamos tudo, Jessie. E você devia era estar me felicitando pela grande novidade! Não está feliz por seu velho avô, menina? — Oh, vovô, me desculpe. É claro que estou, sim. Meus parabéns! Você e Vangie formam um belo casal. — Essa é a minha Jessie, a menina que eu conheço e adoro! Agora, trate de arrumar um vestido bem vistoso para o meu casamento. E nada de me aparecer por aqui com seu bendito rabo-de-cavalo, hein? Quero que cause uma boa impressão aos parentes de Vangie. — Pode deixar, vovô. Não vou decepcioná-lo.
— Ótimo. Pegue uma caneta para anotar o endereço. Jéssica anotou todos os detalhes que ele ditou. Os convidados à cerimônia seriam transportados de San Francisco até Reno num ônibus de luxo, fretado. Ela era esperada para um jantar a ser oferecido aos familiares dos Patton e dos Marlow na noite de sexta-feira. Bem, agora só lhe restava providenciar o tal vestido vistoso e preparar-se emocionalmente para entrar na igreja acompanhada por Raitt Marlow. No dia seguinte ao telefonema de Dunc, Jéssica foi para a cidade na caminhonete dele. O tempo encontrava-se meio esquisito, incerto, o ar estava abafado demais e imensas nuvens se aglomeravam no céu. Como era de costume durante o verão, os boletins meteorológicos transmitidos pelo rádio advertiam que a atmosfera estava carregada e isso criava condições para descargas elétricas de alta intensidade. Ela não prestou muito atenção aos informes sobre o tempo. Tinha a cabeça ocupada com pensamentos e recordações de Raitt, além de preocupações em conseguir uma roupa adequada ao casamento do avô e um aparelho para modelar os cabelos. Havia duas lojas especializadas em roupas e um modesto magazine na cidade. Mas, como se sentisse mais à vontade no Feed-and-Tack, Jéssica foi diretamente para lá. Pele saudou-a com o entusiasmo e o punhado de amendoins de sempre. — Adivinhe só quem saiu da cidade ontem mesmo, com o raborentre as pernas? Nosso querido Bobo Croquete! — Que boa notícia! Também tenho novidades, meu avô vai se casar. — Estou sabendo. Dunc ligou para o Dr. Coulter ontem à noite e contou as boasnovas. O filho mais velho de Carl vai tomar conta da fazenda, enquanto você estiver fora. — Vai ser uma mão na roda, não posso negar. Bem, Pete, vamos aos fatos, preciso de um vestido para o casamento. E não me venha com esse seu sorriso irônico, pois você sabe muito bem que sou uma negação em compras desse tipo. — Você é muito boa para escolher ferramentas, feno e produtos alimentícios. Comprar um vestido não deve ser lá muito diferente. — Diz isso porque nunca usou um, nem sapatos de salto alto. — É verdade... Desta vez, acho que minha opinião não lhe será de grande serventia. Por que não pede auxílio a Betsy? Ela é especialista em comprar roupas. Jéssica descartou a idéia e pôs-se a procurar por um modelador de cabelos. Para um armazém tão pequeno, o Fced-and-Tack tinha uma infinita variedade de modeladores, dos mais diferentes modelos, tamanhos, estilos e marcas; alguns enrolavam, outros ondulavam, outros ainda frisavam e havia também aqueles que encaracolavam ou alisavam. Confusa, ela acabou não comprando nenhum. — Pode deixar, Pete. Vou dar uma passadinha nas lojas ou no magazine. Jéssica deixou o velho senhor às voltas com seus amendoins e rumou para a loja de roupas mais próxima. Foi Rhoda, a gorducha esposa de Carl, quem a atendeu. — Precisando de jeans novos, Jessie? — Não. De um vestido. — O quê?! — Não faça essa cara, Rhoda. Apenas me mostre onde eles estão e diga qual é o meu número. — Desculpe o meu espanto, mas é que você nunca compra vestidos. — Somente um vestido. Para casamento. — Raitt Marlow pediu você em casamento?
— Vou ao casamento do meu avô, Rhoda. — Então o Dr. Coulter não estava brincando? Dunc vai mesmo se casar? Quem diria. Enquanto tagarelava sem parar, Rhoda encaminhou-se para a seção da loja onde vestidos de todos os tipos ficavam expostos em cabides giratórios. Seguida de perto por Jéssica, ela pôs-se a fazer intermináveis comentários a respeito de cores, tecidos, modelos e estampas, sugerindo também tipos e texturas de meias que combinavam com essa ou aquela peça. Com a impressão de que seus tímpanos estavam prestes a estourar, Jéssica apanhou meia dúzia de trajes e enfiou-se num provador. Infelizmente, o cubículo não era à prova de som. Quando, enfim, Rhoda declarou que o vestido de voile verde-esmeralda, com corpete tomara-que-caia, saia guarda-chuva e forro de cetim ficava perfeito nela, Jéssica deu um suspiro de alívio e decidiu que nunca mais compraria coisa alguma pelo resto da vida. Mesmo assim, ficara bastante satisfeita com o traje e também com a aquisição das sandálias de salto médio, presas por delgadas tiras ao redor do tornozelo, que combinava com ele. Como acessórios, Rhoda lhe sugerira um colar curtinho de pérolas miúdas que fazia conjunto com um delicado par de brincos. O efeito foi bem melhor do que o imaginado. Voltando para casa na caminhonete do avô, Jéssica percebeu que estava exausta após passar tanto tempo na loja. Cuidar de animais ou executar as tarefas domésticas no casarão não representavam um centésimo da energia gasta na escolha de um traje adequado ao casamento de Duncan Patton. O pior era que, quando os velhinhos recém-casados voltassem para a fazenda, ela iria sentir-se uma intrusa em sua própria casa. Que droga! Através do auto-rádio, um locutor anunciou que uma tempestade estava se formando na região das montanhas. Jéssica esperava chegar logo, antes que a tormenta desabasse. Tinha por hábito manter os cavalos fechados no estábulo por ocasião de temporais já que todos eles, principalmente o temperamental Álamo, tinham péssima reação diante de raios e trovões. Assim que a caminhonete parou no pátio em frente ao casarão, grossos pingos de chuva começaram a cair das nuvens escuras que agora roubavam toda a claridade do dia. Jéssica levou as compras para o seu quarto, depois foi cuidar dos cavalos. Ao certificar-se de que os animais estavam bem protegidos, deixou rapidamente a estrebaria na companhia de Muttley e Murph. Estava a meio caminho do casarão, quando um raio rasgou o céu com tamanha intensidade, que ela teve que cobrir os olhos com as mãos a fim de protegê-los do ofuscante clarão. Bem próximo a si, ouviu o ranger de galhos que se partiam e despencavam das árvores. Apontando para o canil numa das laterais do casarão, gritou: — Murph! Muttley! Vão para suas casinhas! Os cachorros hesitaram, assustados com os galhos que tombavam de seus troncos como folhas secas. — Corram! Já para o canil! Nesse instante, um estrondo ensurdecedor ecoou pelos ares e Jéssica levou as mãos aos ouvidos. Meio cambaleante, tentou rumar para a varanda, mas tropeçou num imenso galho caído e foi ao chão. Um tronco espesso estava bem à sua frente, bloqueando-lhe a passagem. Ela ajoelhou-se com dificuldade, viu uma língua de fogo e então escutou o ruído de outra
árvore que caía às suas costas. Raios cortavam o céu enegrecido em todas as direções. Os trovões eram tão fortes, que pareciam romper o próprio ar. — Raitt! O grito escapou-lhe da garganta sem que ela se desse conta da inutilidade do apelo. Então, tudo ficou escuro.
CAPÍTULO XII — Jessie? Ela ouviu a voz distante que chamava seu nome e esforçou-se para abrir os olhos. Foi impossível. Sentiu, então, que uma mão batia de leve em seu rosto e outra lhe apertava o braço. Um cheiro de fumaça e madeira queimada lhe penetrou as narinas. Suas roupas estavam molhadas. — Jessie, está me ouvindo? A voz, feminina, tinha um tom de súplica e tornava-se mais próxima, mais alta. — Não quero comprar mais vestidos. Não preciso de meias... — Jessie, tente abrir os olhos. Ela fazia um sacrifício enorme para obedecer ao pedido. Tinha a impressão de que fogos de artifício espoucavam no interior de sua cabeça. — Estou aqui, Jessie. Você vai ficar boa. O Dr. Coulter já vem vindo para cá. O peso que ela sentia sobre as pálpebras foi cedendo aos poucos. Quando, enfim, conseguiu abrir os olhos, Jéssica viu três figuras observando-a atentamente: Muttley, Murph e o rosto redondo de uma mulher gorducha. Oh, não... Será que, por mais que tentasse, nunca conseguiria concluir a compra de um vestido para o casamento do avô? Com um sorriso trêmulo, Rhoda murmurou: — Oh, graças a Deus! O som dos ganidos de Murph e Muttley ecoou dolorosamente na cabeça de Jéssica. Num fio de voz, ela perguntou: — O que aconteceu? — Uma descarga elétrica caiu sobre um pinheiro bem às suas costas, Jessie. — É? Ela olhou ao redor e viu que estava deitada sobre o piso da cozinha, em cima de um grosso edredon de algodão. Um travesseiro lhe sustentava a cabeça. A lojista estava ajoelhada ao seu lado tendo os cachorros por companhia. Rhoda franziu as sobrancelhas. — Eu trouxe você para dentro e chamei o Dr. Coulter. Está muito ferida, Jessie? — Não, não sei. Minha cabeça dói demais. — Acho que um galho caiu sobre você. Há um grande hematoma entre os seus cabelos.
Um pouco mais alerta, ela observou: — Minhas roupas estão encharcadas. — Apaguei o incêndio com a mangueira do pátio e tive que molhar você também. Oh, se eu não tivesse chegado a tempo... — Incêndio? Mas que...? Recordando-se de que vira uma labareda antes de perder a consciência, Jéssica tentou levantar-se. Rhoda impediu-lhe o esforço, explicando: — O raio fez com que a árvore pegasse fogo. Mas a chuva ajudou a debelar as chamas. Só então Jéssica deu-se conta do aguaceiro que fazia um ruído estrepitoso no telhado. Apoiando-se num cotovelo, perguntou a Rhoda: — E como achou de você estar aqui? — Você esqueceu o par de brincos de pérolas na loja. Ou fui eu quem esqueceu de colocá-los nas sacola, não sei. De qualquer modo, isso foi obra da Divina Providência. Quando cheguei, para lhe trazer os brincos, o incêndio estava prestes a atingi-la. — Nossa. Obrigada, Rhoda. Você me salvou a vida. — Esqueça. Agora deite-se e fique quietinha. O Dr. Coulter disse que você não deve se mover enquanto ele não chegar. Ainda bastante atordoada, ela obedeceu. — Quanto tempo estive inconsciente? — Quase uma hora. Fiquei morta de medo, porque você não voltava a si. Oh, Jessie, não devia ficar sozinha aqui, na fazenda! Nunca se sabe o que pode acontecer. Eu sou fracote e foi um custo traze-la para dentro, sabia? — Meu avô e Vangie estarão de volta logo depois da lua-de-mel. — Não é bem assim. Dunc disse ao Dr. Coulter que dividirá seu tempo entre a fazenda e San Francisco, para que Vangie não fique muito tempo longe dos parentes. — Oh... Os cães puseram-se a latir e um sorriso aliviado iluminou o rosto de Rhoda: — Deve ser o Dr. Coulter. Graças a Deus! O médico entrou correndo, a capa de chuva deixando um rastro de água por onde, ele passava. — Como está nossa paciente? Consciente, pelo que estou vendo. Jéssica cumprimentou-o com um ligeiro aceno. O Dr. Coulter tirou a capa, pegou alguns instrumentos em sua maleta e ajoelhou-se junto a ela. Após examinar-lhe o fundo dos olhos, tomar-lhe a pulsação e ouvir-lhe o coração, concluiu: — Parece estar bem. Pode me dizer quem è, onde mora e que dia é hoje? Enquanto ele prosseguia com o exame, Jéssica respondeu a todas as perguntas, informando-lhe também o nome dos cavalos da fazenda, dos cães, pastores e da lojista. Por fim, afirmou: — E o senhor é o Dr. Junius A. Coulter, médico da nossa comunidade. O Dr. Coulter sorriu para Rhoda. — Bom trabalho, enfermeira. Quer trabalhar no meu consultório? Rhoda ficou toda envaidecida: — Sou uma ótima "bombeira" também. As chamas estavam prestes a atingir a roupa de Jessie, quando ensopei-a dos pés à cabeça com a mangueira de água.
O médico deu um olhar de reprovação a Jéssica: — Você não imagina do que escapou, menina. Jamais deveria ter ficado sozinha aqui. Quando o seu avô souber o que... — Não conte nada ao meu avô, por favor. Pelo menos, até que ele se case. — Vou pensar no seu caso. — Por favor, Dr. Coulter. — Fique quieta e me deixe examinar esse "galo" na sua cabeça. Hum, nada grave, apenas uma boa pancada. — Já posso me levantar? — Só se for para assistir ao vídeo que eu lhe trouxe. — Vídeo? — Sim, o filme que Betsy fez daquele esparramo que você armou na taverna de Carl. Ela deu-lhe o nome de "O triste fim de um croquetão", em sua homenagem. Há passagens simplesmente hilariantes. Você vai adorar! Rhoda caiu na risada e Jéssica seguiu-lhe o exemplo. O médico, concluindo seu exame, falou: — Vou lhe receitar somente um pouco de repouso e um analgésico para a dor de cabeça. E não deixe de assistir ao vídeo, pois rir ainda é o melhor remédio que conheço. Rhoda ofereceu-se para passar a noite na fazenda. Ao ver que Jéssica ameaçava protestar, argumentou: — Estou mesmo precisando tirar uma folguinha do trabalho que Carl e os meninos me dão. Antes que o médico se fosse, os três acomodaram-se na sala de estar para assistir ao tal filme no videocassete. O simples fato de rever Raitt, ainda que fosse só numa tela de televisão, deixou os olhos de Jéssica marejados. Mesmo assim, ela deu um jeito de fingir que as lágrimas eram produto das gargalhadas convulsivas que as cenas filmadas no bar de Carl lhe provocavam. Não havia como negar que todo aquele ato de bravura tinha muito a ver com o seu breve relacionamento com Raitt Marlow. Se não fosse pela autoconfiança e amor-próprio que ele a ajudara a cultivar, jamais teria tido coragem suficiente para devolver a Bob Cochran, com juros e correção, os dez anos de humilhação que amargara. O desejo sincero que Raitt demonstrara por ela a tinha transformado numa outra mulher, muito mais segura de si mesma e de suas potencialidades. No dia seguinte, Jéssica contratou o filho mais velho de Rhoda e Carl para trabalhar como temporário na fazenda, enquanto ela estivesse em San Francisco. O garoto pôs mãos à obra imediatamente, instalando-se no quartos nos fundos da garagem. Ela lhe ensinou as tarefas de rotina, tão logo limparam o local onde a árvore tinha caído e se incendiado. Preocupada com o fato de o rapazinho ficar sozinho por aquelas paragens um tanto distantes da cidade, convenceu-o a chamar um colega de escola para lhe fazer companhia. Com essas questões prática solucionadas, na sexta-feira Jéssica arrumou uma pequena mala com itens básicos e o traje para o casamento do avô, despediu-se dos garotos e rumou para San Francisco. A custa de um belo susto e uma boa dose de sofrimento, começava a dar-se conta de que nenhuma pessoa neste mundo podia prescindir da companhia ou do auxílio de outrem. No início da tarde de sexta-feira, a casa de Vangie encontrava-se num verdadeiro tumulto, com parentes e amigos que chegavam a todo instante para cumprimentar os
noivos. Todas as camas extras estavam ocupadas e havia até mesmo um pequeno acampamento improvisado no quintal, para abrigar parte dos numerosos convidados à cerimônia. Raitt descansava um pouco na pequena sala íntima, tentando distrair-se com uma partida de beisebol transmitida pela tevê. Dunc abriu á porta e foi logo entrando, acenando com uma fita de videocassete que trazia na mão. Antes que Raitt dissesse qualquer coisa, o ancião tomou-lhe o controle remoto. Raitt protestou: — Espere aí, Dunc! O jogo não estava nem na metade! Afinal, o que há nessa fita de vídeo? O velhinho ajeitou os óculos. — Ainda não sei. O Dr. Coulter enviou-a pelo correio, mas não mencionou seu conteúdo. A etiqueta diz que o título do filme é "O triste fim de um croquetão". Imagino que deva ser uma fita super pornográfica, com um nome desses. Na certa, o Dr. Coulter pensa que vou fazer uma festa de despedida de solteiro esta noite. Lembrando-se de que Betsy havia filmado a confusão no bar de Carl, Raitt fez um esforço supremo para não rir. — Vamos aproveitar que você, oficialmente, ainda é um homem livre, Dunc. E como sou um solteirão convicto. Vamos, feche bem a porta e coloque essa sacanagem toda para rolar! — Vou é trancar a porta, rapaz. Se Vangie nos pega, vamos virar picadinho! Enquanto Duncan passava á chave na porta, Raitt colocou a fita no vídeo, ligou o aparelho e fechou as cortinas! Assim que ambos se acomodaram no sofá, ele acionou o controle remoto. — Deixe o volume no mínimo, Raitt, para que ninguém ouça os gemidos e sussurros. Oh, que maravilha! Há anos que não vejo uma coisa dessas! A alegria do velhinho durou pouco. Quando ele ergueu as sobrancelhas numa expressão dos mais puros espanto e desapontamento, Raitt cobriu a boca com a mão, a fim de ocultar uma gostosa risada. — Mas, que diabo é isso?! O que a taverna de Carl tem a ver-com... Olhe, é a minha neta! Droga, isso não é um filme pornográfico! — Mas você vai adorá-lo, aposto. — Por que está dizendo isso? Como você sabe? — Apenas assista com o máximo de atenção, sim? Vou aumentar o volume. A irritação de Dunc foi dando lugar à curiosidade. Por fim, ele ria como um garotinho. — Mas quando foi tudo isso? Assim que Raitt lhe deu todas as informações, Dunc pediu que ele passasse o filme novamente, desde o início. Dessa vez, prestou atenção aos mínimos detalhes e divertiu-se ainda mais. Ao final da segunda exibição, contudo, o ancião voltou a ficar sério. Com um tapinha nas costas de Raitt, agradeceu: — Obrigado por ter deixado aquele canalha de joelhos, rapaz. Foi um prazer vê-lo sofrer todas aquelas humilhações. E Jessie... Puxa, a minha menina mostrou que tem sangue nas veias e dignidade para dar e vender! — É verdade.
Raitt tentou engolir o nó que se formara em sua garganta. Puxa, que saudade tinha de Jess! Como sentia a falta dela! Dunc lhe estendeu a mão e eles trocaram um cumprimento. — Se eu soubesse que Bob Cochran, ou Bobo Croquete, estava de volta à cidade, teria estrangulado aquele miserável e agora estaria na cadeia. Você e Jessie, no entanto, acabaram com ele da melhor e mais eficiente forma. — Não sei. Talvez o cafajeste merecesse mais. — Raitt, como toda essa gente entrando e saindo, ainda não tive a oportunidade para lhe fazer a pergunta que não me sai da cabeça: por que você desistiu do emprego temporário na fazenda? — Eu e Jess não estávamos nos entendendo muito bem. Só isso. — Que conversa é essa? Até Vangie percebeu que você está muito aborrecido, desde que chegou. — Dunc, Jess deixou bem claro que não me quer na fazenda pelos próximos seis meses. Não nos meus termos. — E quais são os termos dela? — Bem mais do que seis meses. Talvez a vida inteira. Jess acredita em relacionamentos firmes, efetivos, permanentes. Eu não sou assim. — Me fale a verdade, Raitt. Você a ama? Raitt levantou-se e, com as mãos nos bolsos, pôs-se a andar de um lado para o outro. — Jess vive brigando comigo. Ela enfia uma coisa na cabeça e não há cristão que consiga fazê-la mudar de idéia. Depois do que aconteceu com Bob, na taverna, pensei que ela pudesse voltar atrás e... Mas, não, aquela pimenta vai continuar batendo na mesma tecla até o fim de seus dias. — Você não esperava se apaixonar pela neta do futuro marido da sua avó, não é? — Não. Quero dizer, eu... — Está na sua cara, Raitt. Ainda não conheci um homem apaixonado que conseguisse disfarçar os seus sentimentos. Mas vamos ao que importa: o que você pretende fazer quanto a isso? — Não há nada para ser feito, Dunc. Você foi apresentado a quase todos os membros da minha família. E viu que todos, absolutamente todos, destruíram suas vidas com casamentos errados, divórcios, novos casamentos errados, novos divórcios... Isso é uma loucura! — Sim, reparei que muitos deles sequer trocam um olhar ou uma palavra de amizade. Mas você conheceu boa parte da família Patton e viu que somos exatamente o oposto. Isso era uma verdade irrefutável. Raitt fora apresentado a Don e Beth, filho e nora de Dunc, e tivera uma excelente impressão deles. O mesmo se deu com Molly, a irmã de Jéssica. Ela e o marido Keith eram pessoas alegres, simpáticas, bem-humoradas, formavam um casal que transpirava amor e respeito por todos os poros. E seus dois filhos eram simplesmente adoráveis. Os Marlow por sua vez, eram tensos, reservados e gastavam boa-parte de suas energias tentando evitar uns aos outros sempre que possível. Na companhia dos Patton, Raitt sentia-se tranqüilo, era um prazer dividir e compartilhar das brincadeira, atenções e gestos afetuosos que viviam trocando. Dunc insistiu:
— Você também mete uma coisa na cabeça e não há quem consiga fazê-lo mudar de idéia, Raitt. Por que não se dá uma chance e tenta enxergar os dois lados de um casamento? Por que não tenta ver que a união de um casal pode e deve ser uma promessa de felicidade para o resto da vida? Nesse instante, alguém tentou girar a maçaneta da porta. Era Vangie. — Dunc? Você está aí? — Sim, querida. Com Raitt. — E por que a porta está trancada? — Estávamos fazendo uma festinha de despedida de solteiro. — O quê? Fale alto, não consigo entender! Dunc abriu a porta para a noiva, recebendo um estalado beijo nos lábios. Depois, explicou: — Raitt estava me dando alguns conselhos. Ele é perito em divórcios. Vangie olhou para o neto com ar reprovador. — Oh, Raitt, como pode falar em divórcio numa ocasião como esta? Além do mais, é você quem está fazendo uma grande besteira, ao deixar uma gracinha de pessoa como Jessie escapar. Ainda não se deu conta de que vamos fazer parte de uma família muito feliz? — Vovó, eu não... — Já chega, menino mimado. Já está mais do que na hora de você colocar um pouco de juízo nessa sua cabeça vazia. — Sua avó é uma mulher sábia, rapaz. Guarde as palavras dela. Pegando na mão do noivo, ela arrastou-o atrás de si, dizendo: — Venha, Dunc. Deixe esse chato aí e venha me ajudar a entreter os convidados. Jéssica estacionou a caminhonete de Dunc numa das poucas vagas que ainda restavam na rua onde Vangie morava. Em meio aos inúmeros carros parados ali, reconheceu o de seus pais, logo atrás da perua de Molly e Keith. Bem em frente à casa da velha senhora, estava o carro esporte vermelho de Raitt. Ela suspirou. Era um dia de sol quente, mas uma gostosa brisa agitava mansamente as folhas das grandes árvores que lhe alinhavam em ambas as calçadas. Tratava-se de uma rua tranqüila, onde todas as residências apresentavam o estilo compacto e funcional que predominava em San Francisco. Trazendo o vestido novo na mala, Jéssica trajava-se com simplicidade: camiseta de linha sem mangas na cor amarela, jeans delavé e alpargatas de lonita marrom-escuro, Já que seu avô iria implicar com o jeans, pelo menos ficaria feliz ao vê-la com os cabelos soltos e bem escovados. Ela estava a poucos metros da casa de Vangie, quando Raitt cruzou o portão de ferro e apressou-se em sua direção, dizendo: —Deixe que eu levo a sua bagagem. — Não se preocupe, eu mesma posso cuidar disso. Tirando-lhe à mala e uma sacola plásticas das mãos, ele retrucou: — Não sou mais seu empregado, Jess. No meu território, quem manda sou eu. Numa tentativa de evitar os imperiosos olhos azuis, Jéssica focalizou o olhar nos cabelos dourados. Que vontade de tocá-los... Olhou, então, para o peito largo. Que
vontade de acariciá-lo... Ao perceber que seu olhar continuava descendo, ela virou a cabeça e pôs-se a admirar uma quaresmeira em flor que crescia no jardim em frente. Raitt falou: — Antes que você entre, é melhor eu avisá-la de que o Dr. Conlter mandou a fita com os melhores momentos de Bobo Croquete para o seu avô. Neste instante, a maior parte dos convidados já assistiu ao filme. — Também já o vi. — Grande performance, Jess! Você deveria receber uma indicação para o "Oscar"! — Você não ficou atrás. —Bem, agora vamos entrar. Seus pais estão ansiosos para abraçá-la. Aliás, com exceção da turma dos divorciados, todos estão loucos para conhecê-la. Eles subiram o pequeno lance de degraus em silêncio. Na porta, contudo, Jéssica hesitou: — Raitt, não vamos discutir ou brigar diante do meu avô e Vangie, está bem? — Se você não discutir ou brigar comigo, não discutirei ou brigarei com você. Prometo. — Que consolo... Na profusão de beijos, abraços e brincadeiras com que os Patton a receberam, ela acabou não encontrando tempo para pensar em Raitt Marlow. Além das atenções e perguntas amáveis de praxe, todos também queriam cumprimentá-la pelo eletrizante desempenho no filme de vídeo. Raitt, por sua vez, sentiu-se contagiado por tamanho entusiasmo, por alguns instantes, chegou a esquecer o clima de tensão e animosidade que reinava entre os Marlow, carrancudos pelos cantos da casa. Assim que conseguiu um pouco da atenção da avó, ele mostrou a bagagem de Jéssica e perguntou: — Onde coloco isto? — No seu carro. — O quê?! — Não há mais um único centímetro de espaço disponível nesta casa, Raitt. Você tem uma gracinha de sofá-cama no seu quarto de hóspedes e Jessie ficará muito mais confortável lá. — Escute, Jess e eu não... Dunc aproximou-se e o interrompeu: — Problemas com a bagagem de Jessie, Vangie? — Não se preocupe, querido. Raitt acaba de oferecer o quarto de hóspedes de seu apartamento para ela. Acho que é a forma que ele encontrou para retribuir a maravilhosa acolhida que tivemos na Fazenda Patton. O velho Duncan deu um tapinha nas costas dele. — Fico contente em saber que você apreciou nossa hospedagem, rapaz. E tenho certeza de que minha neta ficará muito bem na sua companhia. — Jess não vai concordar com isso — Raitt argumentou. — Dunc se encarregará de convencê-la — retrucou Vangie. Dunc não perdeu tempo e saiu à procura da neta. Sem saber se deveria estrangular os velhinhos ou agradecê-los, Raitt procurou refúgio na sala íntima, onde a televisão permanecia ligada. Lá, encontrou o filhinho e a filhinha de Molly, sobrinhos de Jéssica, entretidos com uma sessão especial de desenhos animados.
— Posso me juntar a vocês? Como nenhum dos dois desgrudasse os olhos da tela, ele jogou-se no sofá e fingiu assistir às aventuras de Mickey e Pateta, enquanto aguardava pela gritaria que Jéssica iria fazer quando soubesse das novidades.
Jéssica estava falando de Alamo a um de seus primos, quando Dunc aproximouse. — Menina, pode vir comigo uns minutinho? Preciso lhe falar sobre sua bagagem. Ela seguiu o avô escada acima, pensando que já era hora de dependurar o vestido novo num cabide. Rhoda lhe avisara que o tecido era muito delicado e poderia amassar. No alto da escadaria, o velhinho lhe apontou as portas dos dormitórios em ambos os lados de um extenso corredor, explicando quem ficaria em qual. Depois, levou-a ao quarto que ele próprio estava ocupando. Ao ver a única cama de solteiro que havia ali, ela perguntou: — E eu? Vou ficar onde? — Raitt tem um confortável sofá-cama para você no apartamento dele. — Raitt?! — Sim, senhorita. Vocês devem ter muito o que conversar. — Vovô, nunca ouvi uma coisa tão ridícula. — Dobre sua língua comprida e me ouça, Jessie. Não há mais lugar para uma única pulga na casa de Vangie. Há barracas de camping no quintal e alguns dos convidados estão dormindo em redes amarradas nas vigas do alpendre. — Entendo... Bem, vou procurar um hotel então. — E não encontrará uma só vaga, pois os participantes da convenção da Associação Médica Americana estão ocupando todas as acomodações da cidade. E nem ouse imaginar que vou permitir que durma no banco traseiro da minha caminhonete. — Não é possível que o apartamento de Raitt seja a única solução. — Ele diz a mesma coisa. Mas como estamos aqui para o meu casamento com Vangie, faço questão de que os noivos se encarreguem de encontrar as soluções adequadas. E de que não sejam contrariados em suas determinações. Trate de fazer o mesmo quando for a vez do seu casamento. — É mais fácil um de nossos cavalos criar asas do que Raitt Marlow se casar. — Tudo pode acontecer neste mundo de Deus, minha menina. De qualquer modo, não quero ouvir reclamações a respeito das decisões que Vangie e eu tomamos. Coloque, suas boas maneiras em prática até que esteja de volta à Fazenda Patton. Entendeu? — Sim, vovô. Não vou lhe causar dissabores nas comemorações do seu casamento. Dunc deu um abraço apertado na neta. — Logo, logo será o dia do seu. Você verá. O amor supera todos os problemas. Ouviram uma leve batida à porta. Era a noiva. — Posso entrar, Dunc? — Claro, querida. Vangie tinha uma expressão preocupada.
— Acabaram de ligar do restaurante. Um grande cano da instalação hidráulica se rompeu e não poderemos utilizar o salão de banquete que havíamos reservado para esta noite. O gerente disse que não há a menor possibilidade de nos atender. O que faremos? O velhinho franziu as sobrancelhas por um instante, depois sugeriu: — O que acha de pedirmos pizzas a domicílio? — Será impossível encontrar uma pizzaria que possa fornecer a imensa quantidade de pizzas de que precisaremos. Afinal, não solicitamos nada com antecedência. — Então, pediremos cerca de uma dúzia em seis ou oito estabelecimentos diferentes. Dessa forma, acho que conseguirão dar conta do recado. — Oh, Duncan, você é brilhante! Vou pedir a Ráitt que se encarregue dos telefonemas. — Resolvido! — No final das contas, até que não será tão ruim. Todos poderão jantar com comodidade, descansar da viagem e deitar cedo. Abraçada ao avô, Jéssica só conseguia pensar em como iria se arranjar no apartamento de Raitt Marlow naquela noite. Após mais de uma dezena de telefonemas, Raitt tinha resolvido o problema do jantar. Alguns dos presentes se encarregaram de ir buscar vinho, cerveja e refrigerantes nos bares da proximidade, enquanto outros trataram de providenciar guardanapos de papel, copos, pratinhos e talheres descartáveis num supermercado. Beth comunicou a mudança de planos aos vizinhos, numa interminável seqüência de ligações. Vangie encontrou o neto na sala íntima. — Tudo pronto, querido? — Sim. Vovó, já que teremos um jantar informal, o que acha de convidarmos Tim Wavcrly? — E precisa perguntar, Raitt? Vamos, ligue para o menino agora mesmo! Assim que a avó saiu, ele correu telefonar para o albergue onde Tim estava morando. E acabava de lhe fornecer o endereço de Vangie, quando Jéssica entrou com um copo de uísque em cada mão. Raitt despediu-se do garoto e voltou a atenção para ela: — Espero que um desses drinques seja para mim. — É, sim. Saúde! Ao vê-la acomodar-se no sofá, ele sentou-se na poltrona em frente e perguntou: — Posso saber qual é o motivo desta pequena comemoração? — Sua generosa oferta para me hospedar. Mas não se preocupe, Raitt. Estou farta de saber que nossos avôs não lhe deram sequer a oportunidade para protestar. — Fizeram o mesmo com você, não foi? Jéssica apenas sorriu. Ambos tomaram um gole do uísque, então ela perguntou: — Como está o trabalho na repartição pública? — Ainda não comecei. Só vou cuidar disso depois do casamento. E Cody? — Está contente na companhia dos outros cavalos. — Que bom. — Que conversa mais empolgada. Até parece a forma de falar dos Marlow com quem tentei trocar algumas palavras.
— Aposto que sim. Se eu tivesse uma esposa, ela teria que conviver com pessoas sisudas e taciturnas, não teria? Esposa! O que dera nele, para cogitar dessa possibilidade? Jéssica achou melhor mudar de conversa: — Sabe que estou gostando cada vez mais de Vangie? Sua avó é uma pessoa maravilhosa. — É sim, “uma gracinha" como ela mesma diz. — Oh, é verdade! — E eu adorei conhecer os seus parentes, Jess. Eles são tão felizes. — Todos também gostaram muito de você. A propósito, quando foi que os filhos de Molly começaram a chamá-lo de Tio Raitt? — Assim que chegaram aqui, brinquei um pouco com os dois e então.... — Eu devia ter imaginado. De repente, o ar se tornou pesado. Mas Raitt tomou um longo gole do seu uísque e resolveu colocar um fim àquele princípio de constrangimento: — Tenho sentido muito a sua falta, Jess. — Eu também senti saudades de você. Ele levantou-se tão depressa, que Jéssica levou um susto. Mas ficou calada, apenas observando-o girar a chave na fechadura da porta. Raitt então, parou no meio da sala e lhe estendeu os braços: — Venha me dar um beijo, pimentinha. Jéssica não vacilou. Deixou o copo sobre a mesinha de canto e atirou-se nos braços dele. Calor. Segurança. Aconchego. Era como estar num refúgio seguro, onde nada de mal pudesse lhe acontecer. Ah, Raitt Marlow... Seu querido Raitt. E ela o amava tanto! Deixou que as emoções fluíssem junto com o beijo apaixonado. Ele saboreou-as todas, sem ocultar o quanto também estava comovido com aquele reencontro. Trocavam carícias repletas do desejo reprimido nos últimos dias, quando Raitt, afundando as mãos entre os longos cabelos negros, tocou o local que ela havia batido contra o chão na tarde da tempestade. — O que foi isto, Jess? Meu Deus, você se machucou? Jéssica tomou-lhe uma das mãos e fez com que ele se sentasse. Contou-lhe rapidamente o que tinha acontecido, aninhando-se de encontro ao peito protetor. — Oh, Jess. Eu não deveria tê-la deixado sozinha na fazenda! A culpa foi minha, toda minha! — Não diga tolices, Raitt. Esse pequeno acidente serviu para me mostrar que ninguém é uma ilha. Aprendi, finalmente, que todos dependemos e precisamos uns dos outros. — Se eu estivesse lá, nós... — Teríamos feito todas as tarefas juntos e talvez o incidente não tivesse acontecido. — Fui um perfeito idiota, Jess. Comecei a me apaixonar por você e... — Começou? — Estou apaixonado por você. Pensei que fosse apenas uma atração sexual intensa, mas o tempo me provou que eu estava errado. — E eu também estou apaixonada por você, caubói.
Trocaram um longo olhar. Um olhar onde se expressava todo o amor, todo o carinho, todo o desejo que os invadia e que os fazia compreender que só seriam felizes juntos. Um olhar que dispensava palavras. Um olhar que era só sentimentos. — Faça amor comigo, Raitt. — Sim, sim, minha pimentinha. Ele abriu o zíper do jeans de Jéssica. Ela abriu o zíper da calça de Raitt. Foi então que ouviram uma leva batida à porta e a voz de Dunc anunciou: — Tim Waverly está aqui, Raitt.
EPÍLOGO O improvisado jantar na véspera do casamento de Dunc e Vangie foi um sucesso. Para aumentar ainda mais a alegria dos noivos, de Jéssica e de Raitt, o afável e bemfalante Tim Waverly vibrou com a idéia de passar alguns dias na Fazenda Patton. Tudo, enfim, parecia ter se encaixado no seu devido lugar. Ou quase tudo. Assim que chegaram ao apartamento de Raitt, Jéssica perguntou: — Em que quarto vou ficar? — É você quem escolhe, Jess. — Escolho o seu, então. — Posso ficar nele também? — Bem... Por que não serve um drinque para nós, enquanto vou lavar o rosto e escovar os cabelos? Quando ela retomou à sala de estar, Raitt estava à sua espera no sofá. Havia duas taças de vinho branco gelado sobre a mesa de centro. Jéssica pegou uma taça para si e entregou a outra a ele, sugerindo: — Vamos fazer um brinde? — A quê? — A feliz união dos nossos avôs. — Aos simpáticos e assanhados velhinhos, então! Os dois caíram na risada. Após sorver um pequeno gole de sua taça, Jéssica respirou fundo e fez nova sugestão: — Vamos falar um pouco a respeito de nós dois agora? — Vamos, sim. Estive pensando nesse assunto desde que deixei a fazenda. — E eu não consigo tirar da cabeça que você disse que me amava. É mesmo verdade, Raitt? Ele deixou a taça de vinho sobre a mesa e tomou-lhe as mãos entre as suas. — Do fundo do meu coração, Jess. Com seu temperamento ardido como pimenta, você conquistou minha mente, meus sentimentos, meu sexo. Agora, eu lhe pertenço.
— Você também me conquistou por completo. E me ensinou a acreditar em mim mesma. — Também eu aprendi muito com você. — Mesmo? — Sim. Aprendi que estava na hora de repensar minhas convicções tolas e meus preconceitos bobos contra o casamento. — Mas nunca pensei em obrigá-lo a... — Nada de discussões ou brigas. Agora, nós vamos é fazer amor. Após uma noite repleta de paixão, Raitt acordou na manhã seguinte com a campainha do telefone. — Humm...? Sim, é ele... Quero dizer, sou eu... Oh, Dunc, o que você quer a uma hora destas? — Como, o que eu quero? O ônibus já está de partida para Reno, rapaz! Hoje é o dia do meu casamento com a sua avó, seu desmiolado! E vocês estão atrasados! — Tudo bem, não se preocupe. Jess e eu vamos para lá de carro. E nos desculpe pelo contratempo. É que acabamos dormindo demais. — Dormindo demais, é? Juntos ou separados? — Adivinhe... — Rapaz, você vai ter muito o que explicar ao lado Patton da nossa família! Vamos, agora tratem de se levantar e chegar a tempo para a cerimônia! Caso contrário, Vangie e eu não iremos ao casamento de vocês! Assim que Dunc desligou, Raitt aconchegou Jéssica de encontro ao peito. Ainda sonolenta, ela pôs-se a lhe acariciar o braço. — O que meu avô falou? — Que eu devo pedir dispensa da Guarda Montada, casar com você e encher a Fazenda Patton com meninos de rua. Além dos nossos filhos, é claro. — Foi isso mesmo o que ele disse? — Não, mas é o que pretendo fazer. Não foi o que combinamos na noite passada? — Por duas vezes, amor. — Vai se casar comigo, Jess? Vai me dar uma porção de filhos? Vai me ajudar a cuidar da fazenda? Vai me dar uma força para tirar aquelas crianças das ruas de San Francisco? — Já respondi a todas essas perguntas na noite passada. Por cinco vezes, amor. — Eu já disse que amo você? — Dezenas de vezes durante toda a noite passada, amor. — E você também me ama de verdade? — Bem, isso eu vou dizer pelo resto da minha vida. Um milhão de vezes, amor.
NÃO PERCA NAS PRÓXIMAS EDIÇÕES LÁBIOS SEDUTORES - Bobby Hutchinson Os homens criticavam Emily Parker por ser forte e independente demais, mas ela não iria mudar por causa de um sujeito qualquer... Então, apareceu Kevin Richardson, que virou seu mundo de cabeça para baixo. O que a surpreendia era o puro prazer de estar com um homem que a compreendia e a desejava tanto quanto ela o desejava! Kevin se orgulhava de seu faro para os negócios, razão do sucesso da Companhia de Empreendimentos Pace. Não tinha escrúpulos de fazerse passar por turista para avaliar as terras das Parker. Mas foi desviado de sua trilha pela bela e selvagem Emily. Mesmo se abrisse mão do negócio, Emily jamais o perdoaria por ter sido enganada. Kevin teria coragem de arriscar tudo por amor?
UM NOVO AMOR - Vicki Lewis Thompson Partindo de sua pequena cidade, Laura Rhodes foi em busca de uma nova vida. Mas ao chegar, de carro, a San Francisco, na Califórnia, começou a ser seguida por sujeitos mal-encarados. E para piorar a situação, o homem com quem iria casar desapareceu sem nenhum aviso! Laura estava numa enrascada, até que Nick Hooper, irmão de seu noivo, surgiu para salvá-la. Quando o atraente Nick a fez perder a cabeça com beijos e carícias devastadoras, Laura sentiu-se perdida! Ele estava arriscando a própria vida para protegê-la e esconder um misterioso pacote que ambos haviam encontrado no automóvel dela. De repente, Laura ficou sem saber o que estava correndo maior risco: sua vida ou seu coração...