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Considerações finais

Neste trabalho, vimos um pouco sobre o potencial da terra como material de construção: no aspecto da autonomia e acessibilidade de materiais, da saúde dos ambientes construídos e do menor impacto ambiental. Apesar de o potencial ser grande, muitos imaginários equivocados e pejorativos precisam ser desconstruídos.

É muito importante que os Mestres artífices que resistem transmitindo um legado histórico de técnicas construtivas com terra e outros materiais sejam valorizados e a tradição popular reverenciada. Essa é a base histórica dessas técnicas construtivas, e encará-la sem preconceitos é o primeiro passo para a desconstrução de estigmas.

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No interior do Brasil são muitas as casas em condição precária construídas de terra. Isso acontece mesmo quando sabemos ser possível, com a própria terra e materiais naturais facilmente acessíveis, restaurar e ressignificar essas moradias. Nesse sentido, o déficit habitacional poderia ser minimizado com o incentivo político do aprimoramento das técnicas construtivas que utilizam os materiais naturais disponíveis.

Porém, se de um lado temos tradições ancestrais sendo violentamente substituídas por técnicas industrializadas que rompem com essas tradições, temos também, de maneira menos significativa, mas com certeza crescente, a pauta das construções com materiais naturais tomando força através de movimentos ambientalistas, as chamadas bioconstruções.

A internet e as redes sociais têm sido um importante veículo de difusão dessas técnicas, mas nem tudo o que é divulgado na internet tem fundamento: muitas informações são superficiais, sem muito rigor ou compromisso e acabam por colaborar com mais desinformação do que com formação. A

lacuna de formação técnica nesse campo relega às bioconstruções, muitas vezes, um tom de improviso, como se não fosse necessário aprimoramento e técnica no assunto, o que é um equívoco.

A lacuna de formação técnica preparada para construir com materiais naturais está presente nos mais distintos profissionais da construção civil, sejam arquitetos, engenheiros, pedreiros ou mestres de obra.

Hoje existem os profissionais que trabalham no meio das bioconstruções, e são conhecidos como bioconstrutores, mas não existe um padrão mínimo de qualidade para o exercício da profissão, que é relativamente nova, apesar de possuir raízes ancestrais. É comum que muitas pessoas que desejam trilhar esses caminhos, ao não encontrar referências acessíveis de profissionalização na área, se desmotivem por não conseguir meios de se manter na jornada.

Nesse cenário de lacunas, as “construções sustentáveis”, “bioconstruções” ou simplesmente construções com materiais naturais acabam se tornando um produto de nicho, o que é uma grande ironia, visto que muitas dessas técnicas são de origem popular. A grande parcela da população que detém esses saberes como forma de subsistência é subestimada e menosprezada, inclusive muitas vezes desconhecendo que existe uma gama de pessoas nadando contra a maré para acessar essas tradições.

No campo da construção formal, quem deseja construir contratando profissionais acaba esbarrando num mar de desafios que muitas vezes acaba por desmotivar os interessados em construir dessa maneira. Desde a dificuldade de encontrar profissionais capacitados, a logística para conseguir os materiais “não convencionais” como a terra, bambu e etc., a pouca referência para encontrar informação de qualidade na internet… O processo acaba sendo muito “artesanal” e é preciso bastante paciência e envolvimento para que os processos fluam bem.

É muito importante pensar estratégias de como difundir e capacitar profissionais para trabalhar com esse tipo de construção para, quem sabe assim, difundir informação de qualidade, desmistificar e aperfeiçoar as logísticas de trabalho com a terra e outros materiais naturais no contexto da construção civil, sem perder de vista o respeito ao material sagrado. A proposta não é sucumbir ao ritmo do capitalismo, mas facilitar o acesso a esses conhecimentos e aperfeiçoamento das técnicas.

O que eu tenho percebido no campo da arquitetura é que os profissionais que desejam trabalhar na área precisam dedicar um esforço especial para correr atrás desses conhecimentos construtivos, não se limitando a noções de projeto. Nesse cenário, é preciso que busquem saber sobre todas as etapas que envolvem essas obras para poder fornecer orientações

pertinentes a quem deseja construir, facilitando o processo. Vindo de uma faculdade de arquitetura, sei que esse não é bem o contexto de formação dos profissionais: somos formados para o desenvolvimento de projetos, não para o envolvimento com os processos construtivos da obra e do canteiro. É necessário que haja uma busca pessoal nesse sentido, pelo menos foi assim no meu caso. Os Canteiros Experimentais são, nesse sentido, espaços possíveis nas faculdades de arquitetura para uma formação mais ampla, que permite a experiência construtiva e evidencia a força desse aspecto profissional.

A Universidade, enquanto instituição de pesquisa que trabalha à serviço da sociedade, pode e deve ser suporte para essa luta. É essencial a formação de arquitetas e arquitetos capacitados em projetar e construir com terra. As faculdades de arquitetura precisam olhar para as construções de terra de maneira mais aprofundada, pois elas representam parte significativa das construções do Brasil. Disseminar técnicas saudáveis de construção com terra e outros materiais naturais disponíveis é um caminho possível para amenizar o enorme déficit habitacional que nosso país possui e reduzir os impactos ambientais gerados pela construção civil.

No início do trabalho, falei de Dona Marlene. Através da sabedoria popular, há 35 anos o pai dela construiu uma casa com a terra que pisa. A casa pôde abrigar gerações, onde hoje os netos de Dona Marlene moram. É um direito dela se sentir orgulhosa com sua casa, mas infelizmente não é o caso. Espero que com esse trabalho possamos, como formiguinhas, contribuir para que técnicas de qualidade sejam difundidas. Quem sabe assim, Dona Marlene e mais tantas outras brasileiras e brasileiros possam se sentir felizes e orgulhosas de habitar construções com um dos materiais mais abundantes da Terra.

Preparo de massa de terra com os próprios pés.

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