Tradução
JORGE PINHEIRO
A beleza salvará o mundo Beauty will save the world Autor Brian Zahnd Direitos Reservados Copyright © (2013) em Português para Letras d’Ouro, editores para distribuição em Portugal, Angola e Moçambique. Publicado em Inglês por Charisma House Charisma Media/Charisma House Book Group Lake Mary, Florida, USA 32746 sob o título Beauty will save the world Copyright © (2012) para Brian Zahnd. Todos os direitos reservados. Editores Letras d’Ouro, editores Tradução Jorge Pinheiro Preparação e Edição José Manuel Martins Revisão Ana Cabrita Paginação Pedro Martins Adaptação da Capa Ivan Kemp
Impressão e Acabamento www.artipol.net 1ª Edição, Abril de 2013 ISBN 978-989-8215-45-1 Depósito Legal Letras d’Ouro, editores Sede Rua Quinta da Flamância, n.º 3, 3º Dt.º Casal do Marco 2840-030 Paio Pires, Portugal Tlm 914 847 055 Email livros@letrasdouro.com Web www.letrasdouro.com Blog letrasdouro.blogspot.com FB facebook.com/letrasdouro
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com a indicação da fonte.
ÍNDICE
13 | PRELÚDIO 21 | CAPÍTULO 1 Forma e Beleza 53 | CAPÍTULO 2 A Maior de Todas as Belezas 79 | CAPÍTULO 3 O Eixo do Amor 117 | CAPÍTULO 4 A Leste do Paraíso 151 | CAPÍTULO 5 Sou do Futuro 177 | CAPÍTULO 6 Uma Catedral do Espanto 201 | CAPÍTULO 7 Um Abrigo Contra a Tempestade 253 | NOTAS
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PRELÚDIO
Há mil anos, o príncipe Vladimir, o Grande, o monarca pagão de Kiev, procurava uma nova religião que unisse o povo russo. Para o conseguir, o príncipe Vladimir enviou emissários para investigar as grandes fés dos reinos vizinhos. Quando as delegações regressaram, apresentaram ao príncipe os seus relatórios. Uns descobriram religiões que eram sombrias e austeras. Outros encontraram fés abstractas e teóricas. Mas os emissários que investigaram o Cristianismo em Constantinopla, capital bizantina, declararam ter encontrado uma fé caracterizada por uma beleza tão transcendente que não sabiam se estavam no céu ou na terra. Depois, fomos a Constantinopla e levaram-nos a um local onde adoram o seu Deus e não sabíamos se estávamos no céu ou na terra, pois na terra não há tal visão ou beleza e não sabemos como descrevê-la; só sabemos que Deus habita entre os homens. Não conseguimos esquecer essa beleza.3
Após ouvir o relato da delegação enviada a Constantinopla sobre a beleza não terrena testemunhada na adoração cristã, o Príncipe Vla-
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dimir adoptou o Cristianismo como a nova fé do povo russo. O que impressionou os enviados e convenceu o Príncipe Vladimir a abraçar o Cristianismo não foi a sua apologética ou ética, mas a sua estética — a sua beleza. Assim, podemos dizer que foi a beleza que levou a salvação ao povo russo. Novecentos anos mais tarde, o grande escritor russo Fyodor Dostoievsky cunhou a enigmática expressão: «a beleza salvará o mundo».4 Tem-se conjecturado muito com o que pretendia Dostoievsky dizer com esse misterioso aforismo, mas deve estar certa8
mente ligado de algum modo à sua profunda fé cristã. Hoje, há muitos no mundo ocidental à procura de alguma forma de espiritualidade que lhes dê o que o materialismo (a religião de facto da nossa era) promete mas que se revela incapaz de cumprir. Os deuses do Iluminismo revelaram-se vácuos e, como o Príncipe Vladimir, muitos andam em busca de uma nova religião. A igreja ocidental, como herdeira da Revolução Científica, continua tentada a responder a um renovado interesse espiritual, fornecendo argumentos lógicos em favor da verdade do Cristianismo (apologética) e talvez a defender a bondade moral do Cristianismo (ética). Tudo isso está certo, mas falta qualquer coisa. E a beleza? É possível que o que o Príncipe Vladimir considerou mais convincente no Cristianismo do século décimo e o que o Príncipe Myshkin sugeriu em O Idiota, de Dostoievsky, seja rigorosamente a mesma coisa que nos leve a atrair uma nova geração de sedentos espirituais à fé em Jesus Cristo? É possível que a mensagem cristã possa ser comunicada em termos de beleza? A par da apologética e da ética, há também uma estética que pertence ao evangelho de Jesus Cristo? A resposta é um sim entusiasta! A beleza faz parte integral da mensagem cristã.
A BELEZA SALVARÁ O MUNDO
Para um mundo céptico, estamos em geral mais habituados a defender o Cristianismo em termos da sua verdade e bondade. Mas a beleza também pertence à fé cristã, e a beleza tem uma forma de ultrapassar as defesas e de falar de uma forma singular. Para uma geração desconfiada das reivindicações da verdade e não convencida por asserções morais, a beleza tem um fascínio surpreendente. E tudo quanto há em Jesus Cristo é belo! A sua vida, os seus milagres, a sua graça, o seu ensino — até mesmo a sua morte e sem dúvida a sua ressurreição — é tudo de uma beleza inimitável. Um Cristianismo que esteja profundamente encantado com a beleza de Cristo e assim formado e modelado por esta beleza tem a oportunidade de apresentar a um mundo céptico e fatigado um aspecto do evangelho que tem sido demasiado raro durante tempo em excesso. Onde a verdade e a bondade têm falhado em ganhar audiência, a beleza pode mais uma vez voltar a cativar e atrair os que encanta para o reino da graça salvadora. É possível contar a história cristã em termos de estética, porque a história de Jesus Cristo é assombrosamente bela. A 13 de Novembro de 2010, as oitenta vozes do Coro de Niágara de Niagara Falls, Ontário, cantaram o Aleluia de O Messias de Händel. Não seria nada de particularmente extraordinário a não ser pelo facto de ter sido uma actuação surpresa no refeitório de Seaway Mall. Os clientes nem desconfiaram da sua presença pois não os viram chegar. Era mais uma movimentada hora de almoço na zona de refeições do centro comercial. Então, uma jovem, com um telemóvel encostado ao ouvido, levantou-se e começou a cantar aleluia. Enquanto as pessoas procuravam perceber o que se passava, juntou-se à primeira cantora um homem que, momentos antes, estava a almoçar. Depois, o que parece ser um empregado de limpeza do centro comer-
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cial junta-se ao coro. Por fim, todas as oitenta vozes do coro estão a executar uma fantástica apresentação da obra-prima de Händel. Os clientes no refeitório estão estupefactos. Percebem que algo de especial acontecia. Uns captam o espectáculo com os seus telemóveis. Outros levantam-se respeitando a tradição de longa data de se levantar para escutar o «Coro Aleluia». Alguns deixam-se ficar sentados com o rosto cheio de admiração enquanto outros limpam as lágrimas. Todos são testemunhas de um milagre — a moderna banalidade de um refeitório num centro comercial transformou-se numa 10
catedral de admirável beleza. Um fotógrafo local registou o espectáculo-surpresa e colocou-o on-line. Esperava que fosse visto no máximo por cerca de cinquenta mil pessoas. Mas o número atingiu em poucas semanas as dezenas de milhões! Qual o interesse neste desempenho? Talvez o que torna o vídeo divertido seja o mesmo que o torna profundamente comovente — a sua estranha incongruência. A justaposição de uma arte superior com um centro comercial, a surpresa de música sacra num refeitório. É uma incongruência que parece produzir um estranho efeito em nós. Porquê? Talvez como pessoas modernas alberguemos um medo profundamente enraizado de estarmos a perder toda a beleza. Temos a tecnologia, o bem-estar, a segurança e uma forte medida de prosperidade, mas onde se encontra a beleza? Onde está a beleza sem a qual sabemos não conseguir viver? Sem este medo latente a espreitar no nosso subconsciente, um coro que aparece de nenhures e executa uma música sacra barroca num centro comercial é uma maravilhosa surpresa e tão improvável como a surpresa que o evangelho de Lucas relata ter acontecido no nascimento de Cristo:
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E de repente apareceu com o anjo uma multidão das hostes celestes louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nos mais altos céus e paz na terra, boa vontade para com os homens. — Lucas 2:13-14, KJV
Este «acto aleatório de cultura» em Ontário é uma maravilhosa metáfora do modo como a Igreja deve posicionar-se no mundo. Em vez de irados manifestantes, erguendo os punhos contra uma cultura secular, devemos ser cantores alegres, transformando o secular com o sagrado. Em vez de separatistas alienados, sequestrados em enclaves cristãos, temos de transformar os centros comerciais e os refeitórios em catedrais com o nosso canto maravilhoso. Se a Igreja do século vinte e um puser de lado a sua raiva e frustração e em vez disso entoar gozosa a melodia de Cristo nos centros comerciais da falta de sentido, talvez possamos mais uma vez espantar um mundo cansado com a beleza do evangelho. O teólogo Yves Congar defende a ideia da Igreja, não em protesto ou isolada do mundo, mas como a presença salvadora de Cristo dentro do mundo: A Igreja não é um grupinho especial, isolado, à parte, permanecendo intocado no meio das mudanças do mundo. A Igreja é o mundo que crê em Cristo ou, o que acaba por ser a mesma coisa, é Cristo a habitar no mundo e a salvá-lo pela nossa fé. 5
Lindo! A nossa tarefa não é protestar junto do mundo a favor de uma certa conformidade moral, mas atrair esse mesmo mundo para
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a beleza salvadora de Cristo. Fazemo-lo melhor não pelo protesto ou pela acção política, mas por exercer uma presença bonita no mundo. A Igreja ocidental tem uma experiência tetracentenária de encarar a salvação de uma forma científica e mecânica, apresentando-a como um plano, um sistema ou uma fórmula. Seria muito melhor se voltássemos a encarar a salvação como uma canção que entoássemos. O livro do Apocalipse (onde George Frideric Händel encontrou a letra para o seu Aleluia) não apresenta qualquer plano ou fórmula, mas tem inúmeros cânticos. A tarefa da Igreja é criativa e fielmente 12
entoar os cânticos do Cordeiro no meio de um mundo alicerçado nos princípios bestiais da ganância, decadência e violência. Do que necessitamos não é de um protesto feio, mas de uma linda canção; não de um sistema pragmático, mas de uma sinfonia transcendente. Porquê? Porque Deus assemelha-se mais a um músico do que a um empresário, mais a um compositor de sinfonias do que a um guarda-livros: Deus é mais como um cantor que pelo cântico dá existência à sua Criação e se alegra eternamente com a sua magnífica harmonia. O seu cântico prossegue e a sua melodia avança e inspira a Humanidade a restaurar a beleza e a harmonia numa Criação caída e disforme.6
O pecado e Satanás roubaram à Humanidade o cântico que estávamos destinados a entoar com o nosso Criador. Fomos deixados com nada mais do que a fútil música de fundo dos centros comerciais da insignificância. Friedrich Nietzsche tem razão quando diz: «Sem música, a vida seria um erro.»7
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Foi a este mundo que o Filho de Deus veio entoar o seu cântico — um cântico que primeiro se anuncia como belo. O Cantor convidanos a juntar-nos a Ele no seu cântico. É um convite para encontrar a salvação — porque juntar-nos ao Filho de Deus a entoar o seu maravilhoso cântico é descobrir a melodia que nos pode salvar a alma. Esta é a beleza que salva o mundo. Depois de atravessados todos os mares, (pois parecem já atravessados,) Depois de os grandes capitães e engenheiros terem realizado a sua tarefa, Depois dos nobres inventores, dos cientistas, dos químicos, do geólogo, do etnólogo, Finalmente virá o poeta digno desse nome, O verdadeiro filho de Deus virá entoando os seus cânticos.8 — Walt Whitman
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CAPÍTULO 1
FORMA E BELEZA
Este é um livro sobre beleza e Cristianismo — ou talvez sobre a beleza do Cristianismo. Somos todos atraídos pela beleza. Desejamo-la, admiramo-la, reconhecemo-la quando a vemos. Temos um instinto inato pela beleza, apesar de a própria definição do que é a beleza ser de facto um pouco esquiva. Em sentido académico, a beleza é em geral entendida como uma combinação de cor, forma e aspecto que consideramos esteticamente agradável. Essa é uma descrição um pouco branda de beleza, mas mesmo sendo uma definição inadequada, compreendemos que a beleza tem uma forma. Isto é importante. Seja um quadro, um poema, uma escultura ou uma canção, a beleza tem uma forma. A forma é fundamental à beleza. A distorção de uma forma bela retira-lhe a beleza. Obviamente, é mesmo possível que algo belo fique tão distorcido e deformado que perca toda ou quase toda a sua beleza. Quando isso sucede, é uma espécie de vandalismo. Pensemos num belo vitral, uma combinação artística de cor e forma. Imaginemos uma obra-prima em vitral numa grande catedral, talvez a retratar uma cena da vida de Jesus. Tentemos agora imaginar que um vândalo lança um tijolo contra essa janela. A bela com-
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binação de cor e forma ficou destruída e a beleza perdeu-se. É uma tragédia e ficamos tristes. O que esperamos agora é que haja possibilidade de restauro — esperamos que essa beleza seja recuperada. Esperamos isso porque uma forma de encarar a vida é como uma batalha contínua para criar, conservar e recuperar o que é belo. É por isso que a arte não é apenas a busca do lazer, mas um assunto sério porque, com toda a franqueza, a vida deve ser feita o mais bela possível. Mas este não é um livro de apreciação da arte. Este é um livro sobre Cristianismo e sobre o modo de apresentar a sua beleza. Na sua 16
forma adequada, o Cristianismo é uma beleza transcendente. A história da vida, morte e ressurreição de Jesus não é apenas a maior história jamais contada mas é também a mais bela história jamais narrada. O Cristianismo, como a expressão da história de Jesus, vivida na vida dos indivíduos e no coração da sociedade, é uma beleza que pode redimir o mundo. Essa é uma afirmação quase bizarra, mas creio nela! Contudo, também reconheço que o Cristianismo pode ser distorcido. Podem mudar-lhe a forma. Pode perder a sua linda forma. Quando isso acontece, ele não se torna apenas menos belo; pode por vezes ser terrivelmente feio. Isso já sucedeu antes. O que receio é corrermos o perigo de perder a nossa perspectiva do que é mais belo sobre o Cristianismo e de acidentalmente vandalizarmos a nossa fé com a melhor das intenções. Receio que o vandalismo já tenha começado. Este livro fala do que pode ser feito e como o Cristianismo pode recuperar a sua forma e beleza através de um novo tipo de reforma. Ecclesia reformata semper reformanda — A igreja reformada sempre a reformar-se.
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Esta frase latina foi um dos lemas da Reforma protestante — um lembrete e um reconhecimento de que, para se manter verdadeira à sua missão e testemunho e conservar a sua beleza, a Igreja deve estar constantemente a reformar-se. Claro, semper reformanda não significa que ela deva envolver-se de forma estulta numa mudança por amor a uma novidade passageira ou a uma inovação da moda. Não é disso que estou a falar. Pelo contrário, semper reformanda surge do entendimento de que há forças — políticas, sociais, teológicas, espirituais e outras — que com o tempo tendem a distorcer a Igreja e a mudar a forma do evangelho. Como resultado, a Igreja deve procurar continuamente recuperar a verdadeira forma e a beleza original que se encontra no evangelho de Jesus Cristo. Este tipo de reforma é um processo contínuo. Na verdade, em certo sentido alguma medida de reforma deve estar sempre presente, mas há também ocasiões em que a necessidade de reforma (penso em re-forma) é mais crítica que noutras. Há momentos em que a distorção da Igreja é suficientemente grave que chega a comprometer a integridade da nossa mensagem. Estou convencido de que a igreja evangélica no mundo ocidental está a enfrentar uma dessas crises. Falando o mais claramente possível, o Cristianismo evangélico necessita de recuperar a forma e a beleza que são intrínsecas ao Cristianismo. Precisamos de uma reforma porque a nossa forma está a ser retorcida. Vou tentar explicar como tudo isso aconteceu. As histórias do evangelicalismo e da América estão profundamente interligadas à semelhança da interligação das histórias do Catolicismo e do Império Romano. O Cristianismo evangélico nasceu
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durante a assunção da América como superpotência na cena mundial. A América, liberta da Cristandade europeia e das suas igrejas estatais, forneceu um ambiente favorável ao Cristianismo evangélico e este floresceu no ambiente americano. (Por evangélico refiro-me à expressão do Cristianismo protestante caracterizado pela ênfase dual na autoridade da Escritura e numa experiência pessoal de conversão — este é o evangelicalismo no seu melhor). Até aqui, tudo bem. Mas há sempre uma tentação particular que a Igreja enfrenta quando vive numa superpotência. A tentação é acomodar-se ao seu 18
hospedeiro e adoptar (ou mesmo aceitar) as assunções culturais da superpotência. Isto não é nada de novo. A longa história da Igreja é testemunha da realidade do poder sedutor desta tentação. O problema histórico com que a Igreja Ortodoxa Grega lutou, no Oriente, há dezasseis séculos, foi a tentação de ficar demasiado conformada ao Império bizantino. Ao mesmo tempo, o problema histórico que a Igreja Católica Romana enfrentou no Ocidente foi a tentação de ficar demasiadamente conformada ao Império romano. E atrevo-me a sugerir (ou mesmo insistir!) que o problema que está a distorcer o evangelicalismo americano é estar a acomodar-se em demasia ao americanismo e à cultura de uma superpotência. Isto é perfeitamente óbvio. Não é preciso ser-se um sociólogo para reconhecer que a obsessão americana com o pragmatismo, o individualismo, o consumismo, o materialismo e o militarismo, que tanto caracterizam a América contemporânea, acabou por modelar (e assim distorcer) a forma dominante do Cristianismo evangélico encontrado na América do Norte. Torna-se cultura americana com um autocolante com o nome de Jesus a formar um peixe. Se não esti-
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vermos dispostos a envolver-nos num pensamento crítico, limitamo-nos a assumir que isto é Cristianismo, quando na realidade é um tipo de Cristianismo misturado com muitas outras coisas. Nascer na América é receber um certo guião. Não temos grande consciência do facto, mas seja como for somos «guionados» por ele. O guião americano faz parte da nossa educação e grande parte dele ocorre sem nos darmos conta. O guião americano dominante é o que idolatra o sucesso, a realização pessoal, a aquisição, a tecnologia e o militarismo. É o guião de uma superpotência. Mas este guião dominante não se encaixa claramente no guião alternativo que encontramos no evangelho de Jesus Cristo. E eis o nosso desafio: quando os que confessam Cristo dão consigo a viver no meio de uma superpotência económica e militar, são confrontados com a opção de serem um capelão acomodatício ou um desafio profético. Ao longo da última geração, o evangelicalismo tem-se tornado mais adepto de recomendar e louvar o guião dominante do que em desafiá-lo. E ao conformar-se muito intimamente com o guião dominante do Americanismo, o Cristianismo da igreja americana ficou desfigurado e distorcido e com uma necessidade desesperada de recuperar a sua verdadeira forma e beleza originais através de um processo de re-forma. Precisamos de assumir a forma e a beleza do modo próprio de ser de Jesus e não apenas fornecer uma versão cristianizada das nossas assunções culturais. Para recuperarmos a verdadeira forma e a beleza original, parte integral do Cristianismo, precisamos de uma forma ideal, de um verdadeiro padrão, de um modelo rigoroso e fiel para o qual possamos olhar, com o qual temos de nos conformar. Para o Cristianismo histórico, este tem sido sempre Jesus Cristo na cruz, o que é uma ironia
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santa, uma vez que a crucifixão foi criada para ser horrenda e hedionda, mas este é o mistério da cruz. A crucificação de Jesus Cristo, que reflecte em retrospectiva uma eterna glória e beleza por meio da ressurreição, é o eixo central do Cristianismo em torno do qual tudo gira. Assim, o cruciforme (a forma de uma cruz) é a forma eterna que reveste o Cristianismo com a sua misteriosa beleza. Por outras palavras, a cruz é a forma que torna belo o Cristianismo! A cruz é a beleza do Cristianismo porque é na cruz que encontramos o amor co-sofredor e o perdão cruento na sua forma mais bela. 20
Mas a questão é: podemos ver a beleza do cruciforme? Numa cultura que idolatra o sucesso, podemos ver beleza na cruz? Numa cultura que identifica a beleza com um «rosto bonito», podemos ultrapassar o horror de uma execução repugnante e discernir a beleza sagrada sob a sua superfície? É isto que as representações artísticas do cruciforme são capazes de captar e a razão de a sua obra não ter preço. O artista não nos dá um retrato jornalístico de um evento, mas uma interpretação artística de um acontecimento. Os grandes mestres da arte sagrada foram tanto artistas como teólogos: através da sua obra, deram-nos uma interpretação artística que revela a beleza inerente, mas oculta da cruz. Consideremos a cruz e procuremos apreender a sua beleza. O Cristo na cruz, braços estendidos no gesto da oferta de um abraço, recusando invocar os anjos vingadores mas antes amando os seus inimigos e orando pelo seu perdão — esta é a forma e a beleza do Cristianismo. O cruciforme é a postura do amor e do perdão em que a retaliação é abandonada e as consequências entregues nas mãos de Deus. A cruz está carregada de mistério. A um primeiro olhar, parece tudo menos sucesso. Assemelha-se a um fracasso. Parece
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uma derrota. Parece a morte. Mas é também o poder e a sabedoria de Deus (1 Cor 1:24). Isto é um mistério. É também uma maravilha. Esta é a misteriosa beleza que salva o mundo. O cruciforme é a estética do nosso evangelho. É a forma que dá ao Cristianismo a sua beleza singular, é o que distingue o Cristianismo do guião dominante de uma superpotência. Mas a beleza do cruciforme é uma beleza comunicada num mistério. Aos que valorizam apenas o poder convencional e o pragmatismo crasso — que é sempre a tendência de uma superpotência — o cruciforme parece loucura, fraqueza, derrota e morte. Não é a beleza convencional. Mas o cruciforme, para os que têm olhos para ver, mostra uma beleza transcendente — a beleza do amor e do perdão. É a beleza do amor e do perdão de Cristo mais claramente vistos no cruciforme que é capaz de nos salvar do nosso orgulho vicioso e da ganância avarenta. Isto é relevante para a nossa situação porque o orgulho e a ganância costumam ser avançadas como virtude numa cultura de uma superpotência. O orgulho e a ganância são o motor da expansão e, como tal, tendem a ser apresentadas como atributos. Foi verdade na Roma do primeiro século e é verdade na América do século vinte e um. Foi-nos dito que «nos orgulhássemos de nós próprios» e recordados de que «somos o número um». Cantamos o orgulho de sermos Americanos (mesmo na igreja!). Mais ainda, há sempre alguém novo a comprar a filosofia objectiva de Ayn Rand* do auto-interesse e a explicar-nos com grande paixão como é que «a ganância é coisa boa». * Ayn Rand (1905–1982) foi uma escritora e filósofa norte-americana de origem russa que desenvolveu um sistema filosófico chamado Objectivismo, em que enfatiza o individualismo, o egoísmo racional e o capitalismo. Entre outras coisas, diz que deve ser o homem a definir os seus valores e a decidir as suas acções. (N. do T.)
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Porém as nossas Escrituras apresentam um relatório minoritário: dizem-nos que o orgulho e a ganância são os alicates que distorceram a nossa humanidade, tornando-a pecaminosamente feia. Temos de ver a beleza de Cristo no cruciforme e compreender que é apenas a beleza do amor auto-sacrificial que pode salvar-nos do orgulho e da ganância. Esta é a beleza de que Dostoievsky correcta e profeticamente falava, quando dizia: «A beleza salvará o mundo.» A igreja enfrenta sempre a tentação de desviar a sua atenção da beleza do cruciforme para fitar «os reinos do mundo e o seu esplen22
dor». (Mt 4:8) A beleza do cruciforme é uma beleza subtil e oculta, como o sorriso enigmático da Mona Lisa. O esplendor de Babilónia é intenso, como as luzes berrantes de Las Vegas. Quando perdemos de vista a beleza subtil do cruciforme, ficamos seduzidos pelo poder, prestígio e pragmatismo da política. Recorrendo ao tema de Tolkien, ficamos seduzidos pelo anel de poder. O anel de poder é o inimigo da beleza. Foi o anel de poder — «o meu precioso» — que transformou o humano Sméagol no reptiliano Gollum. De igual forma, a Igreja começa a passar da beleza para uma forma distorcida e menos bela no momento em que procura o anel de poder. Mas, apesar de tudo, procuramos o anel do poder. Consideramo-lo quase irresistível. Claro que nos armamos de copiosas razões para explicar a razão de o nosso fascínio pelo poder convencional ser uma coisa boa: «Queremos ter poder para fazer o bem.» «Queremos marcar a diferença no mundo.» «Temos de fazer frente ao mal.» Mas, sem o percebermos, estamos a ser subtilmente seduzidos a pensar que há uma maneira melhor de alcançar a rectidão e a justiça do que tomar a cruz e seguir Jesus. Começamos a pensar que, se conseguirmos colocar César do nosso lado, poderemos convencer o imperador
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a proclamar um Pequeno-Almoço Nacional de Oração, podemos então baptizar os modos e os meios do império e, por fim, realizar «grandes coisas para Deus». E aqui está o busílis da questão: César está mais disposto a utilizar a Igreja como um capelão, desde que ela recomende (com um pouco de floreado religioso) os modos e os meios do império. Claro que os modos e os meios do império são os modos e os meios do domínio político e militar. Não há beleza nisso. A política nunca é bonita. Todos sabem isso. Assim, a Igreja sacrifica a beleza do Cristianismo quando escolhe a forma política à forma cruciforme. Procurar o anel do poder distorce a nossa beleza. Mas porque o fazemos? Porque sacrificamos a beleza encantadora do Cristianismo em troca pela feia máquina da política? Porque o poder politico — não há outra palavra para o designar — é tão pragmático. Estamos convencidos de que «resulta». O que pode haver de mais simples? Eis a fórmula. Basta colocar gente boa em posições de poder e as coisas boas começarão a acontecer. (Tal pensamento está muito próximo da tentação que Jesus enfrentou no deserto; mais à frente falaremos mais disto.) Somos facilmente seduzidos pela límpida lógica do pragmatismo político. Precisamos de nos recordar, todavia, que Deus não salva o mundo através da lógica do pragmatismo político (embora Jesus tenha sido tentado pelo diabo, e mesmo pelos próprios discípulos, a experimentá-lo). Pelo contrário, Deus salva o mundo através da misteriosa e irónica beleza do cruciforme. Alcançar o bem através da obtenção do domínio político e militar foi sempre — mas sempre! — a solução do mundo caído. Parece que nos falta a imaginação para encarar qualquer outra forma. Mas esse não é o caminho de Jesus.
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Não é o caminho belo. Não é o caminho do cruciforme. Não é adoptando os modos e os meios do pragmatismo político e tornandose o melhor César que o mundo jamais viu que Jesus salva o mundo. Pelo contrário, Jesus salva o mundo sofrendo o pior crime de que a humanidade é capaz — o crime do deicídio (o assassínio de Deus). Na cruz, Jesus absorveu o nosso ódio e hostilidade, a nossa vingança e violência no seu próprio corpo e reciclou-o em amor e perdão. Pelas suas feridas fomos sarados. (1 Pe 2:24) É por esta beleza que somos salvos. 24
Orígenes, teólogo do terceiro século, observou que «a maravilha de Cristo é que, num mundo onde o poder, as riquezas e a violência seduzem os corações e forçam um parecer favorável, Ele persuade e prevalece não como um tirano, um assaltante armado ou um homem rico, mas apenas como mestre Deus e com o seu amor.»9 Comentando este frase, David Bentley Hart diz: «Cristo é uma persuasão, uma forma que evoca o desejo…. Uma posição destas [de Cristo] deve fazer um inevitável apelo à beleza.»10 Concordo em absoluto! Cristo convence, não pela força de César, mas pela beleza do amor. Assumo que cada Cristão concordará com a ideia de que o que Jesus fez na sua morte foi algo de belo e que de algum modo este lindo acto é central para a nossa salvação. Mas o desafio é traduzir a beleza do cruciforme para o Cristianismo contemporâneo — em especial um Cristianismo contemporâneo obcecado com o poder e a política. A beleza do cruciforme, pelo qual Jesus salva o mundo, através de um acto de amor co-sofredor e perdão inigualável, é a mesma beleza que deve caracterizar a Igreja se quisermos manifestar a glória do Senhor no nosso mundo. Mas é a beleza do amor cruciforme que fica mais manchada quando deixamos que a fé cristã seja politizada.
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Uma fé politizada perde muito depressa a sua beleza. Sei-o, porque já fui um entusiasta participante do processo de politização baseada na fé. Estava disposto a subtilmente (e por vezes nem tanto) fazer alinhar a minha igreja com as agendas políticas partidárias. Os senadores e congressistas vinham visitar a minha igreja para dar o seu testemunho (sempre em tempo de eleições). Entregávamos os «guias do votante» para que os que não prestavam muita atenção soubessem como votar. Encontrava formas de fazer com que os elefantes e os burros* do processo político americano de algum modo se tornassem análogos às ovelhas e bodes das parábolas de Jesus. Mas, para mim, isso acabou abruptamente de uma forma bastante dramática. Em Setembro de 2004, no calor de uma volátil campanha presidencial, pediram-me que desse a bênção num comício em que um dos candidatos à vice-presidência iria estar presente. Concordei em fazê-lo. Lembro-me bem da acrimónia com que, no exterior da sala da convenção, adversários e apoiantes se afanavam a lançar feios epítetos uns contra os outros. No interior da centro de convenções, a multidão ia sendo conduzida num frenesim político que desembocava nos «viva o nosso partido!» Ao sentar-me na plataforma com os acólitos políticos e eu como o seu capelão convidado, comecei a contorcer-me. Percebi que estava a ser usado. Era um peão num jogo político. Senti-me usado (e abusado!). Quando chegou a minha vez de orar (cuja intenção tácita era mostrar que Deus estava indubitavelmente do nosso lado), avancei para o pódio e primeiro orei em silêncio: «Deus, que estou eu a fazer
* O burro e o elefante são, respectivamente, símbolos dos Partidos Democrata e Republicano, os dois grandes partidos dos EUA. (N. do T.)
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aqui? Cometi um erro. Peço-te perdão.» Então fiz uma oração em grande medida inócua e saí o mais depressa que pude, prometendo a mim e a Deus que nunca mais voltaria a fazer coisa semelhante. Mas tive de passar por apoiantes e manifestantes, ao deixar o centro de convenções, que gritavam uns contra os outros, com a polícia entre os dois grupos para evitar confrontos. Não foi nada bonito. E nenhuma oração poderia ter tornado bela a situação. Era tudo uma palhaçada partidária e petulante. Não podia imaginar Jesus ou os apóstolos a manchar o seu evangelho para participar nesta cena. 26
Esse foi um momento de viragem para mim. Já não estava disposto a crer na Igreja como um ajudante de César, completamente baptizada (imersa, não borrifada) no mundo acrimonioso da política partidária. Não que eu tenha medo da controvérsia ou da perseguição — estou perfeitamente disposto a sofrer a perseguição e o ridículo por amor de Cristo (esta é a parte do cruciforme). Mas não estava disposto a lançar-me na briga política por amor de algum partido. Não estava disposto a isso porque simplesmente já não acreditava que os partidos políticos tivessem muito a ver com a obra redentora de Deus no mundo. Jesus está a edificar a sua Igreja, não um partido político. E estou absolutamente seguro de que o partidarismo político custa-nos a nossa voz profética. Acabamos por ser um instrumento de um lado, um inimigo do outro e a não ser proféticos para nenhum. A verdade é que não há forma alguma de tornar a política uma coisa bela. Mas o cruciforme é belo. E eu fizera a minha escolha. Escolhi o belo ao pragmático. Percebo que muitos não compreenderão isto, mas creio, com firmeza, que é precisamente a escolha de Jesus. Ao escolher o cruciforme em vez do político, Jesus estava a escolher o belo ao pragmático.
A BELEZA SALVARÁ O MUNDO
Se quisermos recuperar a forma e a beleza do Cristianismo, vamos ter de enfrentar directamente a questão da politização da fé, porque as coisas estão a ficar feias. No presente clima de partidarismo polarizado, em que tudo é agora politizado, há uma espantosa quantidade de raiva, animosidade e uma generalizada falta de civilidade. Tristemente, milhões de confessos seguidores de Jesus estão a ser levados pela loucura ao darem azo à sua ira, plenamente convencidos de terem Deus do seu lado. A sua justificação é «temos de levar a América a voltar-se de novo para Deus.» Presumivelmente, isto está a ser feito pelos meios dúbios da acrimoniosa política partidária. Mas precisamos de pensar menos política e mais biblicamente. A Igreja tem um mandato para mudar o mundo, através de meios políticos? Assumimos que sim, mas, na melhor das hipóteses, é uma assunção questionável. O teólogo baptista Russel More observou: «Com demasiada frequência e durante demasiado tempo, o “cristianismo” americano tem sido uma agenda política em busca de um evangelho suficientemente útil para a acomodar.»11 Mas a nossa missão é algum tipo de agenda política ou é algo mais? A nossa primeira tarefa não é de facto ser a sociedade alternativa de Deus? Paremos um pouco e pensemos nisso. Receio que tenhamos cometido um grave erro em relação à nossa missão. Não estamos tão encarregues de dirigir o mundo como em ser uma fiel expressão do reino de Deus, seguindo Jesus e vivendo a maravilhosa vida que Ele apresentou no Sermão do Monte. Jesus descreveu os seus discípulos como ovelhas no meio de lobos. (Mt 10:16) O erro de confundir a nossa missão de sermos fiéis, como sociedade alternativa de Deus, com a tentativa de dirigir o mundo, através dos rudes meios do poder
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político, não é algo novo — é um erro que a Igreja tem vindo a cometer há dezassete séculos. Antes do imperador romano Constantino, a primitiva Igreja contentava-se em ser simplesmente a Igreja — ser uma cidade edificada num monte, vivendo o estilo alternativo de vida que é o caminho de Jesus. Mas a Igreja, depois do imperador Constantino e da adopção do Cristianismo como a religião imperial, embarcou num projecto de dirigir o mundo, em conluio com César. Este projecto não deu bons resultados. E tem sido particularmente prejudicial para 28
a Igreja. De facto, tem produzido os mais feios episódios da sua história. O conluio da Igreja com as agendas políticas levou-nos à vergonhosa empresa das Cruzadas e à arrogante doutrina do Destino Manifesto.* Estas coisas são verdadeiramente feias. O problema com a nossa retórica «mudar o mundo» é que, com demasiada frequência, não passa de uma máscara mal disfarçada da ânsia de poder e domínio — coisas que são a antítese da vida a que Jesus convida os seus discípulos. Uma fé politizada alimenta-se de uma narrativa de mágoas declaradas e de direitos pedidos que nos leva a culpar, caluniar e procurar de algum modo retaliar contra os que imaginamos responsáveis pela perda neste final de modernidade de um passado mítico. É o que Friedrich Nietzsche, como crítico do Cristianismo, identificou como ressentimento e seduz muitos cristãos em busca do poder político. Segundo Jesus, os fins — por muito nobres que sejam — nunca justificam os meios.
* O Destino Manifesto é a crença de que o povo dos Estados Unidos foi escolhido por Deus para dominar o continente americano, de onde deriva a ideia de que o expansionismo americano é o cumprimento da vontade de Deus. (N. do T.)
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É inevitável que um movimento alimentado pelo ressentimento não tardará afastar-se dos caminhos de Jesus e está destinado a tornar-se feio. Jesus disse-nos com toda a ênfase que não devemos imitar as maneiras feias de César procurando o poder e o domínio. Em vez disso, devemos escolher a forma contra-intuitiva da humildade, do serviço e do amor sacrificial. Estas coisas são inerentemente belas. Mas temos dificuldade em aprender a lição. Quando os discípulos Tiago e João, a quem, por razões óbvias, Jesus chamou «os filhos do trovão», expressaram o desejo de reinar com Cristo, na sua versão imaginária de Jesus como César, Jesus deixou muito claro que eles não sabiam do que estavam a falar e que a via do domínio político nunca seria a via do seu reino. (ver Mc 10:35-45) Jesus disse incisivamente aos seus discípulos: «Não será assim entre vós.» (Mc 10:43) Jesus estava a fazer algo novo e verdadeiramente belo. Não estava a imitar as maneiras e os meios de César. O brutal Império Romano tinha imenso esplendor, mas faltava-lhe a verdadeira profundidade da beleza. Jesus escolheu deliberadamente a beleza do amor co-sofredor sobre o pragmatismo brutal do poder político. Quando Pilatos enfrentou Jesus, não conseguiu perceber isso — mas nós devemos. Nunca nos devemos esquecer que Jesus entrou no seu reino, recusando-se a opor-se a César nos termos de César. Não foi com o poder político que Jesus lutou contra o poder político. Jesus sujeitou-se à injustiça de uma execução patrocinada pelo Estado, dizendo a Pilatos: «O meu reino não é deste mundo. Se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos.» (Jo 18;36, JFA) Pensemos nisso. Faz parte do mistério e da beleza do Cristianismo que o reino de Deus venha, não pela espada do poder político, mas pela cruz do amor do auto-sacrifício.
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Jesus não esmagou os seus inimigos com a espada do poder político «justo»; pelo contrário, absorveu o golpe da injustiça e entregou o seu destino nas mãos de Deus. Nisto encontramos uma verdade inegável: não podemos lutar pelo reino de Cristo da mesma maneira que as nações do mundo lutam, porque no momento em que o fizermos já não somos o reino de Cristo, mas o reino do mundo! Uma mente politizada só consegue imaginar o poder como dominação política, mas uma mente renovada pelo Espírito imagina a forma mais excelente do amor — que é a forma mais bela do cruciforme. 30
É verdade que vivemos num mundo em que muitas coisas estão erradas, mas o que está mais errado com o mundo não é a nossa política ou o Congresso ou quem vive na Casa Branca. Isso é a credulidade ingénua ou a retórica manipuladora do partidarismo. O que está mais errado com o mundo é a distorção feia da humanidade provocada pelas forças desumanizadoras da luxúria, da ganância e do orgulho. Como seguidores de Jesus, não somos chamados a fazer campanha por uma solução política — porque, em última instância, ela não existe — mas para demonstrar uma autêntica alternativa cristã. Defendemos uma outra via. Claro que podemos participar no processo político, mas devemos fazê-lo como embaixadores de um outro reino, exibindo e ensinando as belas virtudes desse reino. É assim que somos sal e luz. É assim que fazemos brilhar uma cidade no topo de uma colina. Temos de ser o modelo do que significa ser como Cristo num mundo semelhante a César. Mas ser como Cristo num mundo semelhante a César exige que abracemos o cruciforme. Claro que o cruciforme é ofensivo para a mente nada imaginativa do pragmatismo. O pragmatismo encara o cruciforme como uma rendição passiva (embora seja tudo menos isso!). O pragma-
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tismo crê que a única forma de mudar o mundo é desancar os maus — com votos ou com balas. Mas a filosofia do «desanca os maus», sem mesmo levantar a espinhosa questão de saber quem são os maus, no mundo da escalada da vingança, apresenta uma terrível falta de imaginação. O pragmatismo exige pouca imaginação; só necessita da ânsia do poder. Ou o pragmatismo proclama o axioma frequentemente citado de Edmund Burke: «Tudo o que é necessário para o triunfo do mal é que os bons não façam nada.» 31