Compreendendo sete estĂĄgios de desenvolvimento espiritual para ajudar lĂderes a terminarem bem a sua carreira
DR. EDDIE J. FERNANDES Novembro 2011
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS PREFÁCIO — CAPÍTULO 1 —
Introdução — Precisa-se desesperadamente de líderes transformacionais que permaneçam firmes Definição dos estágios de desenvolvimento espiritual O progresso espiritual através dos diferentes estágios é fundamental Três testemunhos reais Maria — A amante impulsionada pela culpa Rafael — O lutador pela liberdade John — O rebelde desiludido — CAPÍTULO 2 —
A grande prioridade da Igreja é Identificar, Equipar e colocar ao serviço de Deus líderes semelhantes a Cristo Métodos de pesquisa utilizados O desafio da liderança cristã a tempo integral O resultado desejado: líderes semelhantes a Cristo Líderes desqualificados e infames Liderança e vida no rio
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— CAPÍTULO 3 —
Caos — de onde venho e porque estou aqui? O rio e o pensamento caótico A busca por sentido no meio do Caos Cansados dos mensageiros, sedentos pela Mensagem A Palavra de Deus contém o antídoto para o Caos — CAPÍTULO 4 —
Confusão — como posso lidar com a vida e porque é que é tão complicada? Como é colorido e variado o mundo em que vivemos Medidas desesperadas em tempos desesperados Inúmeras opções e o Poder da Atracção — CAPÍTULO 5 —
Comunidade — onde me encaixo e a quem pertenço? O crescimento notável das tribos urbanas Bem-vindos à aula «iniciação à Comunidade» O choque das ideologias do «nós versus os outros» Todos desejamos pertencer — CAPÍTULO 6 —
Conformidade — porque devo seguir todas as regras e o que acontece se não o fizer? O passado vergonhoso da cristandade Violência dá origem a violência Regras e leis são fundamentais para a sobrevivência de uma comunidade Conformando-se à Ekklesia Obstáculos legalistas e outros coletes de força Passemos à prática O reverso da moeda
Índice
— CAPÍTULO 7 —
Conflito — como sobreviver à dor? Alguém preocupa-se realmente comigo? Líderes em conflito Florescer e não apenas sobreviver, é a chave A nossa herança: um legado de vidas quebrantadas Minas no caminho do crente Histórias verdadeiras de sobrevivência após o conflito Qual o propósito da dor Uma palavra aos líderes em Conflito — CAPÍTULO 8 —
Cruzamento — para onde vou e quem ou o que devo seguir? Escolhas, escolhas, escolhas O importante é abrir mão de querer controlar tudo Ergue-te e fica de pé — CAPÍTULO 9 —
Semelhança de Cristo — este é quem eu sou e nasci para um tempo como este! O que são líderes semelhantes a Cristo? Carácter (Character) Perspectiva Holística (Holistic Outlook) Autenticidade (Realness) Identidade (Identity) Segurança (Security) Santidade Verdade (Truth) Amor (Love) Intencionalidade (Intentionality) Conhecimento (Knowledge) Gozo (Enjoyment)
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Os líderes cristãos esforçam-se por serem perfeitos Como nos tornamos semelhantes a Cristo? BIBLIOGRAFIA — ANEXO A — Entrevistas pessoais a 212 líderes cristãos — ANEXO B — Cópia da carta introdutória que acompanhou os questionários enviados aos líderes por todo o mundo — ANEXO C — Cópia do questionário enviado a líderes por todo o mundo — ANEXO D — Exemplo de um dos 156 questionários devolvidos — ANEXO E — Conclusões com base nos questionários — ANEXO F — Compilação de uma amostra de respostas do estágio de Conflito — ANEXO G — Amostras de experiências da «noite escura da alma» apresentadas pelos inquiridos — ANEXO H — Amostras de sugestões úteis apresentadas pelos inquiridos
PREFÁCIO
propósito deste livro é apresentar uma perspectiva diferente
O
e refrescante da liderança cristã ao examinar os sete estágios de desenvolvimento espiritual que todos os líderes
devem experimentar para poderem terminar bem a corrida. Uma melhor compreensão destes sete estágios, com o objectivo final de atingir e permanecer no tão desejado sétimo e último estágio, irá renovar a coragem, força, paixão, fé e esperança necessárias aos líderes para que possam manter-se na corrida. Ao interiorizarem as implicações deste caminho e porem em prática o estilo de liderança por ele apresentado, os líderes poderão então descobrir razões para se manterem fiéis à sua chamada. Poderão ainda aprender a manter-se firmes na sua chamada divina, apesar de todas as provas, obstáculos e desafios enfrentados por aqueles líderes que querem ser agentes de transformação no seu dia-a-dia. A prioridade para os líderes não deve ser assistir a mais seminários sobre liderança. Não precisam de mais manuais que apregoem os «como». Não precisam de formação adicional sobre métodos, de mais conferências ou cursos para os ajudar a «levar os seus ministérios e igrejas a um nível mais elevado». Apesar de estas
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serem ferramentas valiosas, a verdade é que a maioria dos líderes que conheço estão mental e espiritualmente exaustos exactamente porque há demasiados «gurus» a dizer-lhes o que fazer. Podemos encontrar peritos das mais diversas áreas a instruírem os líderes sobre o modo de desenvolverem os seus ministérios, usando a última tendência ou truque para os tornar maiores e melhores. Os líderes sofrem de sobrecarga de informação e metodologias. Como seres finitos não conseguem assimilar toda a informação que recebem. Não que estas ferramentas não sejam boas. Elas são. O problema é que há demasiadas ferramentas que se contradizem entre si. Acredito que não devo ser o único líder a ter saído frustrado e esgotado de mais de uma conferência. Este livro não é sobre «como fazer isto» para «me tornar naquilo». Este livro é apenas uma perspectiva de um líder que aprendeu a sobreviver e até florescer nas mesmas trincheiras onde estão outros líderes (ou aspirantes a líderes), igualmente cansados, desencorajados e esgotados. É uma mensagem de esperança para os ajudar a perceber como são preciosos e como um novo paradigma sobre Deus e o seu mundo pode mudar radicalmente a forma como vivenciam e desfrutam esta maravilhosa dádiva que é o ministério. Esta nova e refrescante forma de pensar irá ajudá-los não apenas a iniciar bem a corrida mas, mais importante ainda, irá sustentá-los durante a corrida até cruzar a linha da meta, acabando-a bem. Se a Igreja não arranjar forma de levantar novos líderes, bem como de manter firmes e inabaláveis na sua chamada os líderes que já tem, então o mundo está em apuros, pois necessitamos de tais líderes. Este livro é o resultado dos meus estudos para uma pós-graduação na
Bakke Graduate University, com especial foco em «Liderança Transformacional para a Cidade Global». Para que os líderes sejam transformacionais e agentes de transformação na sociedade, é necessário que se vejam a si próprios de uma nova forma e se
Prefácio
mantenham comprometidos do início ao fim. Se os líderes não encontrarem razões, energia, alegria, ajuda ou motivação para levar a cabo o seu ministério todos perdem. Warren Bennis, fundador do Instituto de Liderança (Leadership Institute) da Universidade da Califórnia do Sul, faz soar um apelo, reflectindo na importância deste assunto: A humanidade enfrenta presentemente grandes ameaças: a ameaça de aniquilação como resultado de um acidente nuclear ou guerra, a ameaça de uma pandemia ou catástrofe ecológica à escala mundial e uma crise profunda na liderança da maioria das nossas instituições. Ao contrário de uma pandemia ou holocausto nuclear, a crise de liderança não servirá muito provavelmente de argumento para um best-seller ou filme de Hollywood, mas é de muitas formas a ameaça mais urgente e perigosa que enfrentamos hoje, exactamente por não ser reconhecida nem tão-pouco compreendida. 1
O meu desejo é apresentar aos líderes cristãos uma nova perspectiva para se compreenderem a si próprios, a Missio Dei, e o mundo maravilhoso que Deus criou para eles servirem. O público-alvo deste livro não se limita aos pastores ou aos que servem a «tempo integral», mas é para todas as pessoas em posição de liderança. Apesar de os sete estágios serem apresentados de forma linear e cronológica, não é assim que surgem na vida real. Muitos vão mover-se através dos diferentes estágios sem ordem aparente e outros vão perceber que andam para frente e para trás entre vários estágios. O objectivo
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Warren Bennis, «Every Nation», Every Nation. Traduzido de http://www.everynation.org/en/top/features/archives/every-nation-in-our-generation/discipleship-theanswer-to-the-leadership-crisis.html.
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principal de cada líder deve ser chegar ao sétimo estágio, permanecer nele e tornar-se verdadeiramente como Cristo. Os sete estágios são:
7 SEMELHANÇA DE CRISTO
6 CRUZAMENTO
5 CONFLITO
4 CONFORMISMO
3 COMUNIDADE
2 CONFUSÃO
1 CAOS
SETE ESTÁGIOS DE DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL
Uma das conclusões mais impressionantes a que cheguei enquanto pesquisava para este livro foi que a maioria dos líderes da Igreja ainda não chegou ao sétimo e tão desejado estágio! De facto, os líderes cristãos apresentam o estandarte de Cristo, mas negam a verdade, poder e realidade inspiradora de viver e trabalhar sob a recompensa, bênção e beleza desse pendão. O ministério de muitos é desprovido de alegria, satisfação e eficácia pois não são tão semelhantes a Cristo como pensam ser. Ainda não descobriram como ser ou agir como Jesus. As suas palavras, pensamentos e acções traem-nos, revelando que não compreenderam ainda o que Paulo quis dizer quando escreveu estas palavras à província romana da Galácia: «Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim» (Gálatas 2:20). O meu desejo é que o resultado deste livro se traduza numa nova revelação na alma de todos os leitores; que se possa fazer luz e que se possa reacender a paixão por servir Deus com uma nova compreensão
Prefácio
da sua chamada. Os que estão na esfera de influência de líderes semelhantes a Cristo devem sofrer o seu impacto e beneficiar grandemente com essa relação. Ainda mais importante, os ateus, cépticos e todos os que não se identificam com Cristo devem desfrutar (não suportar) da companhia desses líderes transformacionais. Os que nada tem a ver com a Igreja devem ser atraídos por eles da mesma forma que em tempos passados outros foram atraídos pelo próprio Cristo. As Escrituras revelam que multidões incrédulas seguiam Jesus em grande número, esquecendo-se até de comer. Apegavam-se a todas as Suas palavras, ficavam extasiados com a Sua sabedoria, sentiam-se entusiasmados e abençoados por estarem na Sua presença (apesar de nem sempre a Sua mensagem ser popular e bem recebida como iremos descobrir). A minha esperança é que, quando terminarem este livro, continuem a caminhar no sentido de serem os líderes transformacionais e semelhantes a Cristo de que o nosso mundo necessita desesperadamente. Antes de começar, um esclarecimento importante: este livro não é um trabalho académico em si. Embora as conclusões se baseiem em vinte e quatro anos de observação e experiência no ministério, em 212 entrevistas feitas a líderes em todo o mundo, bem como em questionários a 156 líderes de diversos países, este livro não pretende destinar-se a teólogos. Foi concebido para ser prático, de forma a ser lido fácil e compreensivelmente por um vasto público. O objectivo é que possa ser facilmente interiorizado e aplicável a todo o tipo de líderes, sejam teólogos ou outros líderes seculares. Eduardo (Eddie) Fernandes
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CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO Precisa-se desesperadamente de líderes transformacionais que permaneçam firmes
liderança, tanto religiosa como secular, está hoje em dia sob
A
forte ataque. Para onde quer que nos voltemos deparamo-nos com uma liderança em crise. Na Igreja, este problema agrava-
-se pela falta de líderes, em especial líderes com carácter e íntegros e, mais especificamente, homens em posição de liderança. Infelizmente, os homens têm estado ausentes da Igreja, em particular no mundo ocidental. Todos os que amam a Igreja precisam de olhar atentamente para esta falha em atrair homens e tentar perceber porque tantos homens em posição de liderança têm falhado nestes últimos anos. David Burrows é um dos líderes da Igreja que olhou seriamente para este problema. No seu livro Why Men Hate Going to Church? 2 (Porque os Homens Detestam ir à Igreja), investiga as características típicas de uma igreja norte-americana. Conclui que a maior parte das igrejas não encoraja os homens a assistir e participar activamente. Após investigar centenas de igrejas e de compilar uma quantidade substancial de informação, Murrow afirma que a maioria das igrejas
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David Murrow, Why Men Hate Going to Church (Nashville: Thomas Nelson, 2005).
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passou a ter um estilo e prática da fé cristã que agrada predominantemente à mulher estereótipo. O homem típico simplesmente não se sente atraído pela experiência da Igreja Norte-americana. Os verdadeiros homens, que ele descreve como duros, ambiciosos, machos alfa
dominantes, visionários e que gostam de correr riscos, estão a dar-se muito bem no mundo empresarial de segunda a sexta-feira. Mas, ao invés de se juntarem às esposas na ida à igreja ao domingo, ficam a arranjar o carro, vão à caça ou sentam-se em frente à televisão a ver programas desportivos. Os homens que de facto vão à igreja são os mais sensíveis, passivos, calmos e introspectivos. Deus seja louvado por eles. Murrows vai ainda mais longe e afirma que o estilo e práticas correntes da igreja acabam por castrar os verdadeiros homens! Por outro lado, a Igreja necessita desesperadamente de atrair líderes, em especial homens, mas para o poder fazer há que lidar com as razões que os mantém afastados. Embora não subscrevendo totalmente as ideias de Murrow, acredito que se a Igreja atrair homens, a participação feminina irá também aumentar. Elas vão sentir-se felizes por poderem partilhar uma actividade com os homens da sua vida, mesmo que essa actividade seja servir numa igreja local. Por outro lado, a Igreja precisa de atrair líderes, tanto homens como mulheres, que possam começar bem, servir bem e, mais importante que tudo, terminar bem. A Igreja tem uma enorme dívida de gratidão para com milhares de mulheres que em todo o mundo ocupam posições de liderança, propagando a luz de Cristo. Vez após vez, as mulheres têm sido fundamentais para resgatar uma Igreja em crise. Contudo, a realidade é que a Igreja no Ocidente (em especial na Europa), mais do que noutras regiões do Globo, não consegue recrutar e atrair novos líderes, sejam homens ou mulheres. Inclusive, os que estão em posições de liderança lutam para se manterem fiéis à chamada que receberam.
Introdução
A grande diferença entre um líder religioso e um secular é que o primeiro crê no facto de ter sido chamado por Deus para servir com a sua profissão. Isto nem sempre é verdade no mundo empresarial ou na esfera secular. Mas quando falamos com líderes cristãos a servirem a Igreja a tempo inteiro com a sua profissão, muitos irão mencionar inevitavelmente um tempo, local ou experiências específicas em que sentiram o Criador a chamá-los para o Seu serviço. Muitos destes líderes responderam a esta chamada com sonhos e visões que iriam tocar positivamente o seu mundo e ajudar a moldar e transformar a sociedade. Afinal de contas, foram chamados pelo Poder Supremo do universo e convidados a seguir Jesus, o seu Senhor e Mestre, que teve um impacto profundo não apenas numa região específica, mas que mudou a história do nosso planeta. É então natural pensar que estes bravos e obedientes servos iriam fazer a diferença; acreditar que o mundo, mesmo que apenas uma pequena parte, seria um local melhor por causa deles; e até afirmar que estes líderes seriam apaixonados, comprometidos, firmes, excelentes e que os resultados seriam acima do status quo. Contudo, infelizmente, nem os líderes cristãos estão imunes aos escândalos, corrupção, imoralidade, ganância, tentação e outros esquemas maldosos do Inimigo de Deus. Quando os líderes cristãos mais influentes começaram a mostrar sinais de fraqueza nos anos 80, a comunicação social rapidamente espalhou essas histórias por todas as redes de distribuição de informação, zombando das afirmações de Cristo e da sua Igreja em praça pública. Um exemplo é o contexto norte-americano sobre o qual McIntosh e Rima correctamente sublinham: A proliferação de falhas significativas dentro da Igreja e outras organizações cristãs durante as duas últimas décadas do século XX foram sem dúvida as ameaças mais sérias à continuidade e viabilidade do
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Cristianismo numa cultura americana cada vez mais secular e céptica. Tendo em conta o aumento de falhas entre os líderes cristãos ou a nossa percepção delas, algo deve ser feito para educar os presentes e futuros líderes sobre as causas, resultados e possível prevenção dessas falhas. 3
As falhas da liderança, ou a nossa percepção delas, continuam a aumentar no início do século XXI. Os líderes transformacionais dispostos a pagar o preço, sofrer pela causa da cruz e ministrar sob circunstâncias difíceis parecem estar a diminuir. A edição de Novembro de 2007 de Cristianismo Hoje incluía um artigo sobre a prisão nos Estados Unidos dos líderes brasileiros Estevam e Sonia Hernandes em Outubro do mesmo ano. Este casal, líderes espirituais e fundadores da Igreja Renascer, umas das cinco principais organizações evangélicas do Brasil, foram presos e condenados a catorze meses na prisão, metade da sentença em prisão efectiva e outra metade em prisão domiciliária. Só estavam autorizados a regressar a uma das muitas casas que têm no Brasil no final de 2009 (como muitos outros líderes de grandes movimentos eles também tinham várias casas nos Estados Unidos e noutras partes do mundo). Foram acusados de lavagem de dinheiro, fuga ao fisco, corrupção e fraude.4 A Igreja no Brasil continua a ser abalada pelos escândalos financeiros dos seus líderes. A mesma revista incluía um pequeno artigo sobre como, em 1990, o Bispo Edir Macedo, fundador e líder espiritual da Igreja Universal do Reino de Deus, outra das cinco principais organizações evangélicas do Brasil (que alguns categorizariam de pseudo-evangélicas) foi também condenado à prisão por crimes de corrupção e lavagem de
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Gary L. McIntosh and Samuel D. Rima, Overcoming the Dark Side of Leadership (Grand Rapids: Baker House, 1997), 9. Carlos Fernandes, «Lealdade Acima de Tudo», Cristianismo Hoje (Octubro/Novembro 2007): 18–22.
Introdução
dinheiro. Continua até hoje sob vigilância apertada tanto da polícia do Brasil como dos Estados Unidos.5 Na mesma altura em que o casal Hernandes era preso nos Estados Unidos, surgia outro escândalo financeiro no seio da Igreja Americana conhecido como o movimento «Palavra de Fé», outros promotores do «Evangelho da Prosperidade». O escândalo atingiu proporções nunca vistas, sendo publicitado ao mundo através das cadeias televisivas CBS, CNN, Fox entre outras, chamando até a atenção do Senado dos Estados Unidos da América. Os jornais, revistas, rádios e a Internet divulgaram furiosamente o escândalo… mais um duro golpe contra a Igreja Cristã. Um artigo da Internet intitulado «O WC de $23.000 de Joyce Meyer: Um símbolo do Evangelho da Prosperidade» expõe ainda mais os nossos alegadamente faltosos e fracos líderes com estas palavras: O Senador Charles Grassley (R-IA) membro da Comissão Financeira do Senado abriu uma investigação às finanças de seis dos principais evangelistas televisivos do evangelho da prosperidade: Paula White, Kenneth Copeland, Joyce Meyer, Eddie Long, Creflo Dollar e Benny Hinn. Grassley está a investigar se estas celebridades abusam do seu estatuto de isenção de impostos ao usar as receitas para enriquecimento próprio com itens de luxo como mansões, aviões privados e carros… O evangelho da prosperidade pode ser definido de forma concisa da seguinte forma: Um tele-evangelista bem penteado e vestido com roupa elegante convence os seus ouvintes a enviarem-lhe os seus dólares ganhos com esforço para que Deus, em troca, os abençoe financeiramente. Jesus Cristo nunca prometeu recompensas terrenas aos Seus discípulos. «Pois que aproveitaria
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Ibid., 22.
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ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma?», diz Marcos 8:36. Estes charlatães da prosperidade vivem em mansões, andam de limusina, jantam nos melhores restaurantes do mundo e ficam em hotéis de 5 estrelas, mas a Bíblia diz que «o Filho do Homem não tinha onde repousar a sua cabeça». A tele-evangelista Joyce Meyer, que pelos vistos gosta de todas as intervenções disponíveis na cirurgia plástica, mandou instalar uma cómoda antiga com tampo de mármore estimada em 23.000 dólares no seu novo centro de ministérios. Nada mudou desde que Tammy Faye Baker investiu mais numa casota de luxo para o seu cão do que algumas pessoas investem numa caravana.6
Na minha opinião passa-se aqui algo de muito errado, mesmo que se prove que todas estas alegações ou uma grande parte são falsas. Os líderes cristãos deveriam ser irrepreensíveis. Devemos esforçar-nos por ser perfeitos, modelos e exemplos da luz neste mundo em trevas. O desenvolvimento de líderes semelhantes a Cristo é um assunto de máxima importância e extrema urgência. Compreender os sete estágios de desenvolvimento espiritual é uma das formas de educar os líderes. Tenho esperança de que, à medida que os líderes compreendem o que Deus quer fazer nas suas vidas e avançam para o sétimo estágio, surja perante eles uma nova dimensão sobre o que significam a vida e serviço cristãos. E isso é possível porque o Deus que prometeu é fiel para cumprir. Como está escrito «porque, qual ele é, somos também nós neste mundo» (1 João 4:14).
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Robert Paul Reyes, «Joyce Meyer’s $23,000 Toilet: A Symbol of the Prosperity Gospel», http://americanchronicle.com/articles/viewArticle.asp?articleID=42538. Os leitores interessados poderão fazer uma pesquisa no Google com as palavras Joyce Meyer e «toilet» ou «American Evangelical Financial Scandal» ou qualquer variação das palavras «corruption» ou «scandal» juntamente com «Word of Faith Movement» (informação em inglês) para ver as dezenas de artigos que inundaram as auto-estradas da informação.
Introdução
Todos aqueles que trabalham para equipar líderes devem ter como principal objectivo o desejo não apenas de os ajudar a ser firmes, fortes e espiritualmente saudáveis, mas acima de tudo de os ajudar a serem assim do início ao fim. Começar bem é óptimo, mas acabar bem é ainda melhor. De forma geral a sua caminhada inicial com Deus é quase sem falhas. Mas com o passar do tempo as coisas mudam. A vida é dura. O ministério pode ser pesado. As pessoas que os líderes são chamados a servir podem ser exigentes, cruéis e rebeldes. (Moisés e Josué certamente diriam ámen a esta afirmação!) Os líderes desabam sob o peso do desapontamento, doença, esgotamento, descrença, difamação e outros dardos inflamados do inferno, sendo o último destes a morte. 7 Com tantos inimigos para enfrentar é um milagre um líder sobreviver e manter-se na corrida. Um dos inimigos mais mortais que um líder pode enfrentar é provavelmente a sua própria carne. Podemos ser os nossos piores inimigos. Os nossos desejos pecaminosos voltam-se contra nós próprios. Mas vejo nos meus membros outra lei guerreando contra a lei do meu entendimento, e levando-me cativo à lei do pecado, que está nos meus membros. Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus, por Jesus Cristo nosso Senhor! De modo que eu mesmo com o entendimento sirvo a lei de Deus, mas com a carne a lei do pecado. (Romanos 7:23-25)
Com tantos inimigos para combater diariamente, os líderes não podem perder a esperança, pois maior é aquele que está em nós do
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Este livro termina com uma amostra de episódios da vida de dezenas de líderes que partilharam brevemente as suas histórias. Estas histórias são apenas uma amostra de centenas de histórias que reuni durante a pesquisa para demonstrar como o ataque contra os líderes pode ser terrível.
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que quem está no mundo. Jesus pode resgatar-nos deste corpo de morte ou de qualquer outro inimigo… se tão-somente lho permitirmos. Os milagres são especialidade de Deus e Ele coloca o sobrenatural à disposição dos líderes que chama e escolhe para que possam ir o mais longe possíveis e serem mais que vencedores. Embora este livro se destine aos líderes na Igreja, as suas lições, princípios e conceitos aplicam-se a todos os líderes. Pessoas que lideram, ajudam ou que estejam numa posição de autoridade, exercendo influência sobre outros, poderão tirar benefícios deste livro. Para que se torne mais fácil compreender os seus ensinamentos podemos definir líder como «uma pessoa que aplica talentos, capacidades, características e dons inatos ou adquiridos para exercer impacto e influência sobre outras pessoas de forma a atingir um objectivo ou propósito específicos». 8 Todos os líderes Cristãos nas áreas da política, economia, indústria, comércio, leis, desporto, entretenimento, educação, artes ou serviços cívicos irão beneficiar da compreensão dos sete estágios. Os princípios e ensinos de Deus não são exclusivos do «ministério a tempo inteiro» na Igreja. A sociedade em geral só vai ficar a ganhar se Deus a dirigir e moldar. É importante reforçar que este livro não foi concebido para líderes que não aceitem a dimensão espiritual do ser humano. Este livro aborda os estágios do desenvolvimento espiritual; assim, apenas os que crêem que os humanos são seres espirituais irão achar este material útil, interessante e válido. Samuel Pinheiro, citando Wilhelm Busch, escreveu: Charles Hadden Spurgeon, o famoso pregador de Londres que deu origem a um poderoso reavivamento no século dezanove, disse um dia: «Fé é o
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Esta é uma definição pessoal com vista a uma melhor compreensão dos estágios mencionados no meu livro. Há centenas de definições melhores e mais complexas, mas esta é suficiente e é facilmente compreensível por todos os leitores.
Introdução
sexto sentido». Como sabem, temos cinco sentidos que nos ajudam a compreender o mundo exterior: paladar, olfacto, audição, tacto e visão. Com estes podemos descobrir o nosso caminho neste mundo tridimensional. «Onde está Deus? Não consigo vê-Lo. Também não vejo Jesus. Assim, como podem esperar que eu creia?» Mas quando Deus nos ilumina com o Seu Espírito, permite que o sexto sentido se desenvolva em nós. Isto quer dizer que agora não apenas conseguimos ver, ouvir, tocar, cheirar e saborear, como também conseguimos compreender o mundo espiritual. Como a Bíblia diz «Isto é a vida eterna: que te possamos conhecer como o único verdadeiro Deus e Jesus Cristo, a quem enviaste». Apenas o sexto sentido pode capturar esta verdade. 9
Como tal, este livro só faz sentido para os que são espirituais e que discernem as coisas espirituais, independentemente da sua chamada ou vocação. Apenas os líderes que têm uma cosmovisão bíblica e que desenvolveram este sexto sentido irão considerar este ensino válido. Como o apóstolo Paulo escreveu: «Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque para ele são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente» (1 Coríntios 2:14). Para além disso, este livro não é exclusivo de nenhum grupo específico, denominação ou família cristã. Pelo contrário, é dirigido a todos os cristãos com posições de liderança em qualquer ministério relacionado com a Igreja, de qualquer denominação, bem como àqueles com posições de liderança em qualquer profissão, como ministros no seu local de trabalho. O livro foi concebido para ajudar todos os líderes chamados por Deus a manterem-se no
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Samuel Pinheiro (Aliança Evangélica Portuguesa, Citação da Semana, mensagem de E-mail para Eduardo Fernandes, Setembro 14, 2007. Pinheiro cita partes de Wilhelm Busch, Jesus Nosso Destino (Lisboa: Núcleo, n.d.), 191.
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ministério, a crescer e amadurecer a cada dia, para que possam acabar bem a carreira. No seu livro Finishing Well (Acabando bem), Bob Buford entrevistou sessenta pessoas extraordinárias que passaram de uma vida com sucesso para uma vida com significado e após muitos anos em posições de liderança ainda servem Deus e as pessoas da melhor forma possível.10 Este deve ser o objectivo de todos os líderes: chegar ao fim da sua carreira terrena e poder dizer como o grande apóstolo Paulo: «Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda» (2 Timóteo 4:7-9). O desenvolvimento espiritual é um processo intenso e intencional que não acontece por acaso nem é automático. Os líderes precisam de estar empenhados em avançar, não deixando que nada nem ninguém os desencoraje. O objectivo é ser semelhante a Cristo. Irei contar três pequenas histórias que ajudarão os leitores a perceber a ideia de progredir através destes estágios espirituais. Os nomes das personagens foram alterados para proteger as suas identidades e preservar a sua privacidade. Todas as histórias são usadas com autorização dos que experimentaram a dor descrita nos relatos. Contudo, antes de avançar para essas narrativas, é necessário compreender o desenvolvimento espiritual e apresentar as bases para estas ideias. Definição dos estágios de desenvolvimento espiritual Muitos e bons livros descrevem os diferentes estágios de desenvolvimento espiritual, do carácter, ou fé. Para efeitos deste livro, podemos
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Bob Buford, Finishing Well: What People Who Really Live Do Differently (Nashville: Integrity, 2004).
Introdução
definir estágio como «uma fase, época ou período definido de tempo de uma actividade, compreensão e crescimento psico-social, espiritual e intelectual. Estas épocas envolvem vários palcos de interacção com os acontecimentos e pessoas significantes que se tornam parte da nossa vida».11 Cada ser humano está em constante movimento entre estágios. A vida nunca é estática. Nunca abranda. Nunca nos permite parar indefinidamente num estágio. Aqueles que decidem resolutamente permanecer num estágio, lutando contra tudo e todos para não avançar, estão inadvertidamente a limitar o seu processo de crescimento e desenvolvimento. Todos nós devemos continuar a avançar da mesma forma que um rio flui para o mar, ou corremos o risco de nos tornarmos charcos parados em vez de correntes de água viva. (Irei usar esta metáfora durante o livro, estabelecendo um paralelo entre a nossa vida e o curso de um rio.) Muitos autores abordaram este tema dos estágios de desenvolvimento da fé desde a infância, passando pela adolescência, pela juventude até ao estado adulto. James Fowler é o autor de um desses livros.12 De acordo com Fowler, estes estágios de desenvolvimento levam uma pessoa de uma «fé indiferenciada» que ocorre no útero e durante os primeiros meses da nossa vida, a uma fé «intuitivo-projectiva» nos primeiros tempos da infância, seguida de uma fé «mítico-literal» durante os anos da escola primária. Ele defende que entramos num estágio de fé «sintético-convencional» na adolescência. Este estágio é seguido por uma fé «indutivo-reflexiva» já na idade adulta. Ao chegar ou passar a meia-idade experimentamos uma fé
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Mais uma vez esta é a minha definição pessoal com vista a compreender o que quero transmitir neste trabalho. Há muitas outras definições para os estágios, mas esta é a que será usada para ajudar os leitores a progredirem do Caos para a Semelhança com Cristo. James W. Fowler, Weaving the New Creation (Eugene: Wipf and Stock Publishers, 2001).
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