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2.3 “A menina do lado”
que a mãe da menor lhe repassara. O processo é julgado procedente, é emitido mandato de prisão do réu, entretanto, ele não é encontrado78 .
Menos do que o tempo em que o casal se conhecia, as declarações constantes nos depoimentos dão ênfase à frequência dos encontros entre eles e o local em que ocorriam, procurando saber se os conhecidos do casal tinham ciência de seu relacionamento.
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A primeira relação sexual dessas meninas com seus namorados era constantemente seguida de outras cópulas carnais. Em vários processos, ficamos sabendo que a menor e o réu tiveram várias vezes relação sexual até o momento em que esse fato foi descoberto e relatado a seus familiares e/ou responsáveis. Lucia teve cópula mais de duas vezes com Virgílio79; Ildefonso continuava sempre a esperar por Valentina no mato, depois da primeira vez que a deflorou no mesmo local80; Mirandolina e João tiveram cópula mais vezes após o dia em que se deu o defloramento da menor, sempre à noite, quando seu pai não estava em casa81 .
Namorar às escondidas, manter relações sexuais e frequentar a casa de seus namorados, eram práticas não muito distantes da experiência dessas menores, que viviam seus relacionamentos com uma intimidade distante daquela pensada para as moças da elite e que, de certa forma, foram generalizadas para todos os demais segmentos sociais. Da singularidade das histórias aqui narradas, podemos conhecer um pouco mais os hábitos e costumes dessas menores, no que diz respeito às suas práticas de namoro e às formas de comportamento de uma maneira geral. Prática que se transforma em práticas à medida em que aglomeramos as histórias que nos possibilitam penetrar no cotidiano amoroso dessas pessoas, que fazem parte dos segmentos das camadas pobres.
2.3 “A menina do lado”
O namoro com homens vizinhos, que residiam em casa com a família ou em repúblicas estudantis, era comum, a julgar pela quantidade de processos em que réu e menor ofendida residem na mesma rua e/ou vila, ou ainda em
78 Ver Processo-crime n° 22. 79 Ver Processo-crime n° 29. 80 Ver Processo-crime n° 9. 81 Ver Processo-crime n° 6.
travessas próximas. A menor Maria Augusta, parda de 18 anos de idade, vivia com sua mãe em frente à casa de Arthur, seu vizinho, e aos poucos “Foi travando amizade com elle passando então a frequentar a casa da mãe de Arthur dando-se muito com os irmãos do mesmo”82 .
É comum nos casos em que os namorados residem na mesma vizinhança, os demais moradores da área serem chamados a depor para declararem o que sabiam a respeito da relação do casal, do comportamento da menina e das pessoas que residiam na mesma casa que ela; e, ainda, se acreditavam ser o acusado o verdadeiro autor do defloramento.
No processo-crime de 1905, o pai de Maria Joaquina dá queixa na chefatura de polícia contra João Baptista, seu vizinho, casado e pai de três filhos, que teria fugido com sua filha e tomado com ela um vapor, deixando para trás, na travessa Castelo Branco, onde residia, a esposa com os filhos.
Nesse processo, as cinco testemunhas chamadas a depor são vizinhas do pai de Maria Joaquina, moradores, portanto, à mesma travessa Castelo Branco, e, assim como esse, eram de naturalidade cearense. O fato aponta para uma característica que marca não apenas esse processo, mas também outros consultados, que é a recorrência de testemunhas que residiam em locais bastante próximos, senão contíguos, que possuíam a mesma naturalidade, sendo que a maior parte dessas era formada por pessoas provenientes de estados do Nordeste. Esse fato nos sugere a existência de uma certa rede de permanência e solidariedade que subsistia entre esses personagens que um dia migraram para esta capital, seja para trabalhar nos seringais, seja nas lavouras. Pressionados pela situação de pobreza, é bastante presumível que habitassem nas áreas periféricas da cidade, mas o que é singular nessas situações é que parece haver uma tentativa, por parte desses imigrantes, de manterem certos vínculos com aqueles que vieram do mesmo estado. Supõe-se que possuíam não só uma trajetória de vida comum, mas também um conjunto de símbolos e tradições, que se tomavam mais fáceis de serem mantidos à medida em que sobreviviam esses agrupamentos, que, menos do que acidentais, pareciam ser uma opção dentro dos limites que a situação de pobreza impunha.
Em momentos de conflito, como a abertura de um autocriminal a partir de uma queixa policial, essas redes de solidariedade entre vizinhos eram
82 Ver Processo-crime n° 70.
acionadas, particularmente entre aqueles provenientes do mesmo estado. No que se refere ao processo de Joaquina, todas as testemunhas reiteraram o “bom caráter” da menor e o fato de ela ser uma “mulher honesta”. Em relação ao acusado João, sobre o qual pouco sabemos, pois, seu testemunho não constava dos autos, uma vez que estava foragido, as opiniões são pouco favoráveis a ele – como se vê no depoimento de Eufhasio, cearense, de 62 anos de idade, trabalhador da Intendência, que afirma conhecer João “Há pouco tempo, mas pode afirmar como vizinho que elle era mao marido pois questionava sempre com sua mulher”.
Sem a declaração da idade da menor e a falta de uma testemunha que declarasse ter o acusado usado de violência, emboscada ou sedução para fugir com Maria Joaquina, o processo é julgado improcedente, depois de quatro meses em andamento. Em outro processo, Romana, de 40 anos, casada e piauiense, abriu queixa contra José Henrique, homem casado, que deflorara sua filha Constância, preta, de 14 anos de idade, também piauiense. José Henrique foge logo em seguida à abertura do processo-crime de defloramento, que é assim encaminhado à revelia do réu. Uma vizinha da menina Constância, de nome Benedita, também piauiense, viúva, de 66 anos de idade, presta depoimento junto à chefatura de polícia, evidenciando o bom comportamento e caráter da menor Constância, predicados importantes para o julgamento de procedência de qualquer processo de defloramento por um juiz. Em sua fala, Benedita afirma que o réu “Fiigiu para evitar a ação da polícia; que ella testemunha vizinha da vítima pode affimar que Constância é uma menina séria, de bom costume, de ídole pacata e sem hábitos de namoro; que sabe disto pois “a testemunha é do mesmo sítio em que nascera a vítima e sua mãe no estado do Piauhi epor isto epor conhecer desde criança a vítima”83 .
Da mesma forma, a vizinha Christina, também piauiense, casada de 26 anos, reiterou o fato de Romana namorar com o réu José Henrique, pois diversas vezes teria visto a ofendida e seu ofensor conversarem a sós “Pois entretinham relações de namoro”.
Os pais de Romana moravam em uma “barraca”, na travessa 22 de junho, assim como as demais testemunhas, que, como esse, não sabiam ler nem escrever. Como vemos do depoimento de Benedita, o conhecimento entre os vizinhos
83 Ver Processo-crime n° 65.