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Dos Açores ao Grão-Pará

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Finalizando

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CAPÍTULO IV

Anteriormente, apresentamos algumas facetas da epidemia de 17481750. Enveredamos pelo embate retórico que a cercou, avançamos explorando a definição e os impactos da doença, e analisamos tentativas de atender às demandas de mão de obra associadas ao surto. Entre tais tentativas, emergia a possibilidade de inserção de trabalhadores vindos de outras partes do Império lusitano para o Grão-Pará, proposta apoiada e fomentada pela Coroa. Para além do incremento na oferta de escravos africanos através das “carregações” da Companhia, emergencialmente Lisboa financiou a imigração açoriana como alternativa de povoamento e trabalho. No capítulo seguinte, exploraremos alguns aspectos desse processo migratório, num viés que oscilará entre o embarque de açorianos, as características demográficas desses migrantes e as dificuldades de fixação dos recém-chegados nas paragens amazônicas.

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Desde o século XVII, existia uma ponte migratória entre os Açores e o Estado do Maranhão, que na maioria das vezes foi financiada pelo Estado lusitano. As causas associadas a essa rota eram variadas ao longo do tempo, e a epidemia que aqui analisamos foi uma delas. A doença se fez ecoar em Lisboa na forma de reclamações constantes feitas pelo governador Francisco Gurjão, por vereadores, pelo procurador da fazenda e desdobrou-se no revigorar dessa relação migratória entre os Açores e o Grão-Pará. E o fez a partir do financiamento pela fazenda real do transporte e do assentamento de imigrantes ilhéus. Em 1750, o Conselho Ultramarino envia ao rei D. João V um parecer que mencionava os açorianos como meio para atenuar a crise que se abatia sobre a capitania. O documento era uma resposta à carta enviada um ano antes (abril de 1749) pelo nosso já conhecido governador Gurjão. Na missiva, ele denunciou o “deplorável estado da cidade do Pará” em função do contágio que vitimara grande número de “Indios e mestissos” e sugeria (mesmo sem

convicção) a vinda de escravos da “Costa da Mina, Guiné e Ilhas Cacheo” para auxiliarem aquele “aflitíssimo povo” que assistia suas fazendas padecerem por falta de braços.397

Na tentativa de ter outra versão acerca do impacto da epidemia, e não se limitar às opiniões e queixas do governador, o Conselho Ultramarino buscou o juízo do procurador da fazenda do Estado do Maranhão. Em documento já citado no capítulo anterior, o procurador foi enfático sobre o estrago causado pela doença. Sugeria a intensificação dos “descimentos” pelos missionários e a possibilidade de se pagar temporariamente salários para o “gentio” como soluções imediatas. Fez ressalvas à inserção de africanos, apontou que estes só deveriam vir se fossem escravos no reino e pelo rei desapropriados.398

O Conselho avaliou as sugestões tanto do governador quanto do procurador, reconheceu a gravidade do surto e constituiu um parecer na tentativa de guiar as ações do monarca lusitano. As medidas apresentadas dividiam-se em duas. A primeira seria o envio de africanos para o Estado do Maranhão (como analisado no capítulo III desse trabalho), que deveria ser financiado pelo capital de homens de negócios, gerando uma contrapartida aos investidores: a não cobrança de impostos na entrada dos escravos na alfândega de Belém, mas estes continuariam pagando tributação sobre os cativos que saíssem dos portos africanos.399

A outra sugestão, apresentada pelos conselheiros ao rei D. João V foi: “E como Vossa majestade permitiu se contratasse o transporte de quatro mil casais das Ilhas dos Açores para o Brasil pode ser servido permitir o contrate mais o transporte de mil casais das mesmas Ilhas e da Madeira que se transportem com a maior brevidade para as capitanias do Maranhão e Pará...”.400 Eis que surge no escopo da epidemia a primeira associação direta com imigração açoriana, que naquele ano de 1750 apenas era uma indicação. Não fora uma ideia mencionada por qualquer autoridade ou morador do Grão-Pará, a indicação partiu exclusivamente do Conselho Ultramarino e emergia como uma oportunidade e não como um planejamento. Considerando que o processo de alistamento e transporte de ilhéus para o sul da América estava em

397 AHUPR, Capitania do Pará, 16 de maio de 1750, cx. 31, doc. 2976. 398 Ibidem. AHUPR, capitania do Maranhão, 15 de maio de 1750, cx.31, doc. 3213. 399 AHUPR, capitania do Pará, 16 de maio de 1750, cx. 31, doc. 2976. 400 Ibidem.

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