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Finalizando
às necessidades de indivíduos e que, se por um lado expunha a fragilidade e as tensões, por outro, poderia significar a própria estrutura desse Império.
Finalizando...
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Não podemos resumir esse processo aos anos de epidemia em si (17481750), poderíamos pensar o surto numa duração mais longa, pelo menos quanto a seus desdobramentos imigratórios: como no caso de Sebastião Correia Picanço que, ainda em 1777, disputava localmente o direito de permanecer em Belém, ou na composição demográfica de vilas que os receberam. A iniciativa de utilizar a imigração açoriana como forma de atenuar os impactos da epidemia não partiu de Belém. Os moradores da cidade e os administradores locais não tinham em seu escopo o povoador açoriano como solução. Foi uma proposta apresentada especificamente pela Coroa, e o foi em parte pela perspectiva mais ampla do que estava acontecendo em outras partes do Império: aproveitou um fluxo emigratório em pleno processo, que articulava os Açores e o sul da América lusitana.
Talvez Sebastião tenha tido noticias da epidemia mesmo antes do embarque para Belém ou durante seu desembarque no porto da cidade. Convivido com a memória dos moradores daqueles dias de morte, nos quais procissões e corpos insepultos invadiam as ruas da capital do Grão-Pará, com lembranças de uma doença de quadro clínico de difícil definição pelos cirurgiões da época. Sebastião ainda encontrara uma cidade que se ressentia da alta mortalidade indígena causada pelo surto, assistira à pressão feita por parte dos moradores pela inserção de africanos.
Como Sebastião Correia de Picanço, mais açorianos da Ilha Graciosa tiveram suas vidas redimensionadas a partir de oportunidades emigratórias que surgiram articuladas a uma epidemia no outro lado do Atlântico. Mesmo sem ter clara consciência do que ocorria, esses emigrantes tinham possibilidades de destinos traçadas numa capitania do Grão-Pará invadida pelo surto. Possibilidades que se articulavam a um Conselho Ultramarino pressionado por pedidos de moradores e administradores de Belém, invocando soluções para atenuar o impacto da mortalidade indígena na região e ao mesmo tempo negociando a posse efetiva de territórios na América. Possibilidades também interligadas a um arquipélago, onde os habitantes tinham uma longa experiência de
emigração para a América, entretanto, enfrentavam autoridades resistentes à viabilização do processo emigratório nos Açores.
Na Amazônia, esses imigrantes encontravam possibilidades de interação com diferentes povos indígenas, seja através de casamentos ou da troca de saberes. Trajetórias e tensões que integravam lugares separados de um mesmo Império. A epidemia e o aumento na demanda por mão de obra, o medo diante da ameaça francesa sobre as fronteiras da Amazônia, o povoar para defender e a longa experiência de servir como povoadores foram discursos, necessidades e decisões que desaguaram – de maneiras diferentes – nas vidas de açorianos e dos moradores e índios do Grão-Pará. O número de imigrantes desembarcados na região entre 1751-1754 pode parecer pequeno quando comparado com os mais de 13 mil índios que morreram pela epidemia de 1748-1750. No entanto, trouxe para Belém, Macapá, Bragança e Ourém novas formas de percepção do mundo e da natureza, percepções estas conflituosas, adaptadas e/ ou integradas às especificidades locais.