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IV.I – Açores e Emigração

curso, os conselheiros enxergaram a ocasião como favorável. A orientação era de fixar tais imigrantes nas fronteiras com “as terras da Coroa de França”. A execução da ordem deveria ficar ao encargo da “prudência” do governador, um indicativo da falta de projeto mais detalhado e menos circunstancial. Em 16 de maio de 1750, o documento fora assinado pelo Conselho Ultramarino e, no ano seguinte, partia a primeira embarcação do porto de Angra, Ilha Terceira, com 477 pessoas rumo a Belém.401

Assim, o surto fortalecia linhas invisíveis que ligavam o Grão-Pará, Açores e Lisboa, articulava experiências de diferentes sujeitos em diferentes partes do Império português. Mas, como dito anteriormente, não seria a primeira vez que imigrantes açorianos pisavam em terras do Estado do Maranhão.

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IV.I Açores e Emigração

A vinda de imigrantes dos Açores não deve ser resumida exclusivamente ao surto, pois interagia com outros fatores. O traçar do Tratado de Madri, as pressões estrangeiras nas franjas das possessões lusitanas e o acirramento da importância da colonização enquanto estratégia de defesa territorial fizeram dos dois extremos da América polos de valorização da imigração de ilhéus. Não é sem razão que em agosto de 1746 fora publicado nas Ilhas dos Açores o real edital que abria a possibilidade de alistamento para as famílias emigrarem para o Estado do Brasil.402 Havia no sul da América um processo articulado diretamente com o povoamento e a defesa de fronteiras. Preocupações que quatro anos depois se articulariam com a mortalidade causada pela epidemia no Grão-Pará e instigaria, mais uma vez, o financiamento pela Coroa da vinda de famílias açorianas.

Para além dos fatores pontuais do sul e do norte da América lusitana, devemos também considerar um crescente movimento imigratório no Atlântico a partir da segunda metade do século XVII. Fluxo este não resumido à imigração compulsória, mas que incluía “voluntários” muitas vezes instigados a migrar por epidemias, fome e aumento da densidade demográfica nos seus locais de origem. As relações imigratórias entre o Velho e o Novo Mundo se intensificaram principalmente tendo a demanda por mão de obra como

401 AHUPR, capitania do Pará, 16 de maio de 1750, cx. 31, doc. 2976. 402 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1877, t. 40, I, p. 217.

epicentro. No geral, a frequência e o custo das viagens transatlânticas, a partir de meados do Seiscentos, criaram, pela primeira vez na história humana, uma “comunidade hemisférica”.403 Nessa comunidade, o arquipélago dos Açores ganhou destaque como ponto de partida de colonizadores, fato atrelado ao papel estruturante da mobilidade populacional na composição da sociedade açoriana.404 As crises na produção de cereais, epidemias, secas, abalos sísmicos e vulcões formariam um cenário propício aos movimentos emigratórios nessa região. Soma-se ao quadro de instabilidade da natureza a conjugação entre estratégias individuais, familiares e interesses estatais de povoamento e defesa de outras regiões sob administração de Portugal.405

Mas destacamos que as crises econômicas nos Açores não devem ser vistas num sentido único e nem apartadas das demandas e agências individuais, portanto, devem ser problematizadas. A segunda metade do século XVII presenciou a significativa queda na cultura do pastel (planta base de um corante azul), que era o principal produto de exportação do arquipélago. Os anos seguintes presenciaram o processo de multiplicação de outras culturas e do aumento das trocas comerciais que engendraram uma evolução na economia local. Nesse cenário, o plantio de cereais (trigo, milho, cevada, feijão, fava) e frutas (em especial a laranja), a produção de vinho, aguardente e linho, a criação de gado para uso doméstico e o incentivo para a ampliação de áreas cultiváveis (distribuição dos baldios para particulares) significaram mudança no viés produtivo nos Açores, entre os anos de 1642-1766.406

O movimento não foi linear e não significou o fim da pobreza e da fome no arquipélago. Fatores atrelados à concentração fundiária, às perturbações naturais e ao comércio marcaram a presença da fome e instigaram as

403 ELTIS, David. Free and Coerced Migrations: the Atlantic in Global Perspective. European

Review, v. 12, n. 3, p. 313-328, 2004. 404 RODRIGUES, José Damião; PAVÃO, Gilberta. A Emigração Açoriana para o Brasil: ritmos e destinos. In: SOUSA, Fernando et al. Deslocamentos e Histórias, São Paulo: Edusc, 2008, p. 245-258. 405 CORDEIRO, Carlos Alberto Costa; MADEIRA, Artur Boavida. A emigração açoriana para o

Brasil (1541-1820): uma leitura em torno dos interesses e vontades. Revista Arquipélago, série 2, v. 7, p. 99-122, 2003, p. 99. 406 MENESES, Avelino de Freitas. Auto-Subsistência e as Novas Culturas. In: MATOS, Artur

Teodoro de; MENESES, Avelino de Freitas; LEITE, José Guilherme Reis. História dos

Açores. Do descobrimento ao século XX. Angra do Heroísmo: Instituto Açoriano de Cultura, 2008, p. 269-296.

possibilidades de emigração. A dinâmica econômica da região significou novas possibilidades de fixação para os moradores, no entanto, não eliminou problemas produtivos e de pobreza. Tal dubiedade pode nos ajudar a pensar que emigração era uma, mas não única, alternativa para os ilhéus. É preciso valorizar as agências e estratégias dos indivíduos, compreendendo o emigrante nesse conjunto que articula estrutura, oportunidade e iniciativa individual.407 Uns optavam por partir... outros por ficar.

Ainda no século XVII, em Portugal, alguns autores destacavam o despovoamento do reino como grave problema, indicavam a emigração para as conquistas e a estrutura agrária como desdobramentos desse desabitar. Entre as áreas que sofreram a ingerência direta da Coroa para viabilizar o seu povoamento, destacou-se o Estado do Maranhão. Numa política voltada para a fixação desses povoadores a partir de atividades agrícolas, a Coroa portuguesa estava empenhada em asseguarar sua posse no ultramar.408 Outros elementos compunham o cenário de colonização da Amazônia, em especial as dificuldades de sua geografia, do seu clima e o aumento do interesse francês pelo Cabo Norte409 – não devemos esquecer a expulsão dos franceses do Maranhão em 1615.410

Ainda no século XVII, no Arquipélago dos Açores, os administradores declaravam que o excedente demográfico, os vulcões e terremotos justificariam a autorização de emigração.411 As justificativas passaram a ser acolhidas pela metrópole, em sintonia com demandas de povoamento que batiam à porta do Império. Nesse sentido, considerando que Belém fora fundada em 1616, apenas 43 anos depois já havia registros da fixação de açorianos na cidade. Em

407 BARTH, Fredrik. Process and form in social life. London: Routlegde & Kegan Paul, 1981.

IMIZCOZ, 2004. 408 CHAMBOULEYRON, 2010, p. 29-30. 409 RODRIGUES, José Damião. O Império Territorial. In: COSTA, João Paulo Oliveira (coord.).

História da Expansão e do Império Português. Lisboa: Esfera do Livro, 2014, p. 220. 410 RODRIGUES, José Damião; MADEIRA, Artur Boavida. Rivalidades imperiais e emigração: os açorianos no Maranhão e no Pará nos séculos XVII e XVIII. Anais de História de Além-

Mar, Lisboa, v. 4, p. 247-263, 2003, p. 251. Até meados do século XVII, não devemos negligenciar mecanismos típicos da administração hispânica na fundação do Estado do Maranhão: expansão a oeste, doação de terras como elemento de defesa e crescimento econômico, reconhecimento das autoridades indígenas e fomento das missões como mecanismo de normatização da população nativa. Cf. CARDOSO, 2012. 411 MENESES, Avelino de Freitas. Os Ilhéus na Colonização do Brasil. Revista Arquipélago, 2ª. série, v. 3, p. 251-264, 1999. p. 252.

1659 fora finalizado, em Lisboa, o processo inquisitorial por crime nefando contra o oleiro Manoel Gonçalves, homem nascido na Ilha Terceira e morador no Grão-Pará, que com 23 anos de idade confessava seu envolvimento amoroso por mais de três anos com o frei Lucas de Sousa – o processo em si indica a presença açoriana na região já nos primeiros anos de colonização do século XVII.412 Ainda nesse mesmo século, por exemplo, houve o oferecimento de Jorge Lemos Bettencourt para transportar 200 casais dos Açores para o Grão-Pará.413 Em 1621, “duzentos colonos dos Açores, aos quaes se seguiriam mais quarenta, vieram reparar os danos causados pelas bexigas [no Maranhão]”.414 Em 1649, da Ilha de São Miguel partiram 365 pessoas para a Amazônia. Respectivamente, em 1666 e 1675, era a vez da Ilha de Faial ver partir 50 “casais” e mais 234 pessoas rumo ao Grão-Pará. Em 1677, foi a vez de 50 homens, 47 mulheres e 126 “pessoas de família” deixarem a Ilha Terceira com destino ao porto da cidade de Belém.415 Mesmo antes da segunda metade do século XVIII, portanto, antes da epidemia que analisamos, temos um movimento de emigrantes para o Estado do Maranhão. Muito desse fluxo era resultado das solicitações dos próprios açorianos, dedicados a uma melhor possibilidade de sobrevivência material. Por exemplo, no ano de 1672, os oficiais da câmara de Faial solicitaram passagem de moradores para o Maranhão como remédio para suas mazelas.416

Não podemos desconsiderar o quadro de longa experiência de emigração açoriana para a América. Áreas como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Maranhão e Pará receberam esses migrantes ao longo dos séculos XVI-XX.417 Mas isso não significava que existisse uma vocação para emigrar entre os ilhéus e nos faz considerar elementos associados às agências dos indivíduos e seus desejos de permanacerem na terra de seus pais – desejos muitas vezes traduzidos em ações e reivindicações que boicotavam a partida de possiveis emigrantes. Foi o que aconteceu no

412 ANTT, TSO, IL, proc. 1465 413 RODRIGUES; MADEIRA, 2003. 414 LIMA, José Ignacio de Abreu. Compêndio da História do Brasil. Rio de Janeiro: Eduardo e

Henrique Laemmert, Tomo I, 1843, p. 110. 415 RODRIGUES; MADEIRA, 2003, p. 256. 416 CHAMBOULEYRON, 2010, p.66. 417 BARROSO, Vera Lúcia Maciel (org.). Açorianos no Brasil. Porto Alegre: Est, 2002.

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