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Considerações quase finais
Ao longo deste trabalho, procuramos analisar a História da População na Amazônia colonial. Como a pretensão flerta perigosamente com o exagero, delimitamos nossa abordagem à capitania do Grão-Pará, entre os anos de 1748-1778. Reduzimos mais ainda nossa perspectiva, focamos fundamentalmente em dois eventos com desdobramentos populacionais e articulados entre si: epidemia e imigração. Esse foi o caminho que escolhemos para problematizar um período histórico que convive em parte com o adjetivo “pombalino”. O esforço é de trazer outra dimensão interpretativa desses anos, no caso, a valorização das mudanças populacionais – que não devem ser percebidas apartadas das empreitadas políticas e dos empenhos econômicos.
A epidemia que ocorreu entre os anos de 1748-1750 foi um fenômeno com significativo impacto demográfico, notadamente a alta mortalidade da população indígena. Concomitantemente, a diminuição da oferta da principal força de trabalho na região acabou sendo marcada por conflitos políticos e sociais que se arrastavam desde o século XVII, que ganharam novos argumentos e novas estratégias diante do quadro da mortalidade causada pelo surto. Moradores, administradores locais, missionários e a Coroa fizeram descrições e deram sentidos diferenciados à epidemia, com o intuito fundamental de impor alternativas associadas à escravidão indígena. De imediato, apontamos a criação de dois projetos que disputam palmo a palmo suas concretizações.
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De um lado, evidenciava-se o projeto de hipervalorização do trabalho indígena, apostando na intensificação da escravidão do índio enquanto meio eficaz e fundamental para o desenvolvimento da economia local e para a viabilização do processo de povoamento da região.
No outro lado, encontramos o esforço de valorizar a inserção de contingentes populacionais externos à capitania, alternativa pensada para o trabalho e colonização da região. Na ponta desse projeto, destacava-se a Coroa portuguesa, que concebia o índio como viabilizador da ocupação e defesa das fronteiras do Estado do Grão-Pará e Maranhão, e para isso sua condição de escravo significava um obstáculo. Nesse sentido, se fazia fundamental substituir a escravidão indígena pela africana. Assim, entre os anos de 1751 e 1778,
os fluxos imigratórios de açorianos e africanos poderiam, aparentemente, significar a vitória do segundo projeto, pois este traduzia o empenho e sentido dados pela metrópole ao processo de exploração da América lusitana. Ledo engano, pois um olhar mais detalhado sobre esses movimentos imigratórios e a distribuição interna desses imigrantes traz à tona outra possibilidade de interpretação. Os projetos coexistiram em suas efetivações no Grão-Pará. Algumas vilas/freguesias tiveram na sua composição demográfica a forte presença de africanos e/ou açorianos. Outras não tinham as mesmas características. Elas efetivamente continuavam a depender exclusivamente dos braços indígenas e de uma velada escravidão da população nativa.
Assim, como principal “quase” conclusão de nosso trabalho, fica a necessidade de não resumir a Amazônia colonial aos desígnios políticos e à necessidade de se analisar as diferenças internas da região – não a resumindo ao extrativismo e à exploração do trabalho indígena. Mais uma vez, a colônia não se curvava aos desejos metropolitanos, embora a eles não passe incólume. A Amazônia colonial, na sua constituição populacional, traz a tez da diversidade, uma diversidade construída a partir do embate entre diferentes agentes históricos que lutavam para impor suas demandas e ao mesmo tempo resistiam à pressão de tantas outras necessidades alheias.
Em tempos de retóricas generalizadoras e políticas opressoras, se faz fundamental lembrar as “balbúrdias” do passado. Lembrar-se da história como um palco de embates e estratégias, onde os governantes poderiam ser vencidos e as determinações centralizadoras gestadas pela Coroa ganhavam poderosas resistências em práticas nem sempre silenciosas, mas ancoradas nas necessidades cotidianas de colonos. E mais, embora não tenha sido foco da pesquisa, a população indígena também resistia tanto às empreitadas metropolitanas quanto de moradores e missionários: fugas, revoltas e assassinatos não eram incomuns nesse cenário.
Entre os mortos pela epidemia, a imigração compulsória de africanos e os deslocamentos familiares açorianos, uma diversidade populacional foi construída e se recusa a sucumbir a modelos generalizadores. Assim, o extrativismo e o uso do trabalho indígena emergem enquanto dimensões dessa realidade, mas não eram as únicas. Africanos, açorianos, agricultura, comércio e manufatura também compunham essa Amazônia colonial. O estudo da dinâmica populacional da capitania do Grão-Pará pode representar um poderoso filão que amplia perspectivas sobre a história da América lusitana.