SÍNTESE DE JORNAIS E REVISTAS 23 DE MAIO DE 2014
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'Desembrulhar o pacote de 2015 não vai ser fácil', diz Belluzzo Mesmo sendo um economista "menos crítico ao governo", Luiz Gonzaga Belluzzo acredita que é importante realinhar a rota do governo: "é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo e elevar a meta de superávit primário", diz. Na sua avaliação, outra tarefa prioritária é se dedicar à solução de problemas estruturais, como a indexação, que faz a inflação persistir, e o baixo crescimento. Entre as estratégias que defende está o fortalecimento da Petrobrás, que pode contribuir com a reindustrialização, e a permanência da política de campeões nacionais. "Você não pode entrar na competição global com uma carroça e concorrer com os caras que estão em carros de Fórmula 1", disse na entrevista que segue. Como o senhor está vendo a economia? Luiz Gonzaga Belluzzo- Eu vejo a economia brasileira eivada de contradições e, às vezes de aporias – contradições que não se resolvem. Hoje o Brasil tem dificuldade para lidar com o regime de metas e para colocar a inflação na meta. Ouço muita gente dizer: vamos fazer uma recessão e colocar a inflação na meta. Pensar isso é ótimo, mas você vai ter que enfrentar as consequências políticas. Os economistas em geral navegam numa abstração em que o homem real e concreto não é levado em consideração – é como se dissessem, se você vai se estrepar o problema é seu. É difícil explicar alguns problemas na linguagem dos economistas. Por que coloco a inflação em primeiro lugar? Porque esse é o tema que no momento mais suscita debates, mas a questão vai além. Se você olhar ao longo do tempo fica muito claro que, desde a estabilização, a inflação está, na média, em 5,7%. É uma situação peculiar. Recentemente, isso chamou a atenção de um economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) chamado Shaun Roache. Ele escreveu sobre essa persistência da inflação. Falei sobre isso em um artigo na Carta Capital. Roache fez uma análise econométrica muito sofisticada para identificar essa persistência. A sua conclusão é: não há certeza se essa situação se deve ao fato de a indexação ainda sobreviver na economia ou se o problema decorre da reação do Banco Central, que, na expectativa dos agentes, é inadequada. No fundo, há um conflito entre o passado e o presente na política de metas. A política de metas não considera que as pessoas olham para o passado. Mas os agentes olham o passado – olham a indexação. Está correto olhar para frente, mas isso não permite que você elimine a indexação. Quando a gente fala isso, as pessoas ficam nervosas porque, para muitos os agentes, os formadores de preços, olham apenas para as condições futuras – quando na verdade não é bem assim. Os salários, por exemplo, estão indexados e, por isso, permitem que qualquer choque de preço passe adiante. Eu costumo usar o exemplo do tomate. O choque de preço do tomate passa para o salário, para o transporte, para a educação. Dentro a indexação dentro da Facamp (Faculdades de Campinas, instituição da qual Belluzzo é sócio e professor). Sofremos, por exemplo, a indexação das tarifas públicas. Falava sobre isso ontem com João Manuel (economista João Manuel Cardoso de Mello, também sócio e professor da Facamp). A segunda questão é o crescimento. Outra vez: se olharmos uma base longa, perceberemos que o Brasil vem tendo problemas para crescer. A partir dos anos 80, sofreu uma crise bastante importante que teve efeitos de longo prazo e estruturais. São 30 anos desde então. Primeiro, houve a década perdida. 2
Eu, infelizmente, fui para o governo depois da crise da dívida externa. A situação era incontrolável. O financiamento organizado pelo comitê dos bancos (Comitê Assessor dos Bancos, representante dos credores) e pelo do Fundo Monetário Internacional nos mantinha com a água aqui no queixo. Havia a tensão sempre presente do estrangulamento cambial, que obrigava a desvalorização do câmbio. Houve vários choques na tentativa de se conter a inflação. A economia teve um comportamento errático e o crescimento, na média, foi muito baixo. Depois da estabilização, tivemos problemas de política fiscal, monetária e cambial. A estabilização foi feita com a âncora cambial. Se você pegar a taxa média de juros da economia, a Selic, do período verá que ela foi de 22% real ao ano. Houve momentos de grande tensão, por causa das crises. Fernando Henrique Cardoso pegou a crise mexicana, a crise asiática, a Russa – e a política econômica imaginada não era adequada para o momento porque supunha que os ganhos de competitividade viriam de uma valorização cambial que forçava os empresários a tomar providências. Isso é pelo menos duvidoso. Nenhum país em desenvolvimento fez isso. É muito fácil dizer que o governo de Fernando Henrique foi de baixo crescimento – de 2,3%, 2,4% na média –, mas houve as crises. O governo Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) teve a seu favor uma melhora sensível das condições internacionais por conta da China. O preço das commodities abriu espaço para que ele fizesse as políticas corretas, sociais, com distribuição de renda. Isso foi inédita no período. A exceção de alguns emergentes, o movimento foi o contrário. O mundo aumentou a desigualdade. Não que se tenha feito aqui uma nova classe média – fico nervoso quando ouço isso. Mas foi feito um avanço social importante, que teve repercussões até na forma de crescimento da economia. Entre 2004 e 2008, 2010, a taxa de crescimento foi mais elevada. Mas houve uma espécie de deslocamento da economia brasileira em relação ao que está acontecendo na economia internacional. Não conseguimos nos aproximar, nos articular, nas chamadas cadeias globais de valor. As mudanças no mundo nesses últimos anos foram muito profundas. É essencial entender alguns fenômenos. Uma deles foi a mudança da manufatura para a Ásia. Criou-se um cluster asiático, principalmente com a China e suas relações com países asiáticos. A China tem a liderança na produção de várias manufaturas. Ocorreu uma reconfiguração da setor manufatureiro em escala global. Você produz na China, mas as empresas que estão capturando os ganhos não estão lá. Veja o caso da Foxconn, que produz o iPad para a Apple. Ela produz um iPad por US$ 150 na Ásia, mas nos EUA ele é vendido por US$ 500. A Apple não produz quase nada nos Estados Unidos. O Brasil ficou fora dessa reconfiguração. Não avançamos na mesma direção que a industria global – tanto do ponto de vista da organização empresarial, quanto dos setores. Até o início da crise da dívida, diria que estávamos par e passo com o resto do mundo. Até o final dos anos 60, mais ainda. Se olharmos as taxas de crescimento e a diversificação da indústria brasileira, vamos perceber que estávamos bem ali, colados no que era a última palavra em indústria. Não é mais assim. Por que falei de inflação e depois de crescimento? Porque há uma relação entre as duas questões – e essa é uma questão que vai estar presente nos próximos anos. Vários aspectos dessa recuperação tem relação com a condução da política anti-inflacionária. Temos ai um problema. É impossível recuperar – ou pelo menos buscar alguns nichos industriais – sem uma política cambial compatível com essa reindustrialização. Eu espero que ninguém esteja lendo minha entrevista tente o suicídio. O que estamos vendo agora? O Banco Central fazendo um esforço enorme para impedir que a inflação avance. Para isso, está admitindo uma certa valorização do câmbio. As vezes noto, com surpresa, as pessoas dizerem que é ótimo o câmbio estar se valorizando. É ótimo no curto prazo, mas no longo é 3
muito ruim porque afeta a indústria brasileira. Muitas indústrias se transformaram em importadoras. Muitas empresas praticamente fecharam as linhas de produção. Para a empresa, nenhum problema. Ela continua ganhando dinheiro importando. Mas isso pode nos custar muito no futuro. Vamos retomar a questão do crescimento. No segundo governo Lula, as taxas de crescimento foram maiores também porque a política econômica foi compatível e tivemos o benefício da melhoria dos termos de intercâmbio e o bom comportamento da balança comercial. O déficit em transações correntes era muito pequeno, perfeitamente financiável. Quando os agentes do mercado internacional viram o comportamento das commodities, correram para os países que eram produtores de commodities. Não só para nós. Foram também para Rússia, para Austrália. Os capitais entraram generosamente – tanto que acumulamos US$ 375 bilhões de reservas. Foi o grande benefício desse período. Nunca tivemos reservas tão elevadas, nem em proporção do PIB. A política do salário mínimo e a política social trouxeram um contingente importante de brasileiros para o mercado de consumo. Também ai houve um fator chinês. O preço das manufaturas despencou e o câmbio facilitou a aquisição de bens duráveis. Foi possível nesse momento, incorporar uma fração importante ao mercado de consumo e ao mercado de crédito. Nesse ponto vem a história da perda de dinamismo econômico. Houve um momento, logo depois da crise, em 2009, em que o governo tomou as medidas de restauração do crédito, a compra de carteiras, a mobilização do fundo garantidor do crédito – tudo isso porque o Brasil sofreu um contágio em 2009. O PIB caiu 0,3%, mas todo mundo, de repente, cortou os programas de investimento. Os empresários ficaram apavorados. Não se sabia a dimensão da crise. O governo foi muito feliz ao reestimular o consumo. Mas houve neste ponto, na minha opinião, um hiato, uma demora em perceber que o ciclo de consumo tem suas limitações – tanto pelo lado do crédito, quanto pelo lado da natureza do bem. A não ser famílias, como dizem os franceses, nanti (abastadas em francês), ninguém compra três carros, três geladeiras. Há também o peso da dívida sobre a renda disponível. O nível de renda aqui das classe mais baixas é bem diferente da dos Estados Unidos ou da Espanha. Logo se atinge um limite. Houve uma demora em coordenar a transição para os investimentos, principalmente em infraestrutura. Ao mesmo tempo, ocorreu algo muito delicado de se tratar: uma crise de confiança, que teve impacto sobre a decisão de investimento dos empresários e afetou muito a disposição dos bancos em conceder crédito. No último ano, quase 100% do crédito veio de bancos públicos. Os bancos privados se retraíram um pouco. Desde o Getúlio Vargas até o regime militar, a relação entre Estado e setor privado, por razões históricas, que não cabe tratar aqui, sempre ocorreu entre tapas e beijos. Eu lembro que ainda em pleno segundo PND (Plano Nacional de Desenvolvimento dos anos 70), escreveram o Documento dos Oito (assinado por empresários do setor de bens de capital para romper a aliança do setor e o governo). Eu ajudei a escrevê-lo. Ele trazia a ambiguidade dessa relação, que tem momentos de auge, de satisfação, e momentos de desconfiança mútua. É normal. No momento, por diversas razões, há baixa confiança. Há uma dependência muito grande da opinião do setor financeiro. Eles tem um peso enorme. E não por acaso, porque eles vivem de confiança. Vou fazer uma reflexão. As avaliações são muito voláteis nessa área. Seria bom que os economistas relessem a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, de Max Weber, para ver como ele desloca a crença para o crédito. Crédito vem do latim credere, crença. A questão da confiança é importante e não é calculável. Lá na China, o Estado tem o comando da economia e autonomia para tomar decisões. Mas aqui no Brasil, o Estado não tem essa autonomia. Tem a restrição de ter de fazer o jogo de convencimento para virar as expectativas do mercado ao seu favor. Não adianta querer subir 4
na parede contra isso porque sempre foi assim. E pesa ainda o fato de o Brasil não ter uma classe empresarial parecida com a americana e com a inglesa. Aqui você precisa lidar com o problema de uma economia que não inova, que precisa de incentivo do Estado. A construção desse espaço de confiança é importante. Esse é um desafio para o nosso crescimento. O desafio para 2015 é esse mesmo que todo mundo fala: é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo. Os críticos dizem que o governo Dilma cometeu um erro de diagnóstico: fez uma aposta errada em mais consumo, quando deveria apostar em mais oferta e que isso levou a mais inflação e pouco crescimento. Luiz Gonzaga Belluzzo- É bom você perguntar, porque acho essa análise um tanto simplista. Eu não sou tão crítico do governo assim, mas eu falei isso antes de muita gente. Falei porque, a despeito das minhas relações afetivas com pessoas do governo, eu não vou me comportar como se fosse um porta-voz. Eu não sou um porta-voz deles. Graças a Deus, consegui sobreviver com uma certa independência. É correto o que está sendo dito do ponto de vista da demora do governo para perceber a mudança. Escrevi um artigo sobre isso dizendo que não era para fazer mais do mesmo. O governo deveria ter preparado os programas de investimento em infraestrutura. Demorou muito. Além disso, houve um descompasso também em relação à Petrobrás, que tem um peso importante no aumento do investimento - ela tem uma participação na formação de capital e, mais que isso, um horizonte pela frente com o pré-sal. A política em relação à Petrobrás também prejudicou o setor de etanol. Foi um pena, um descuido. A ideia original era desenvolver ao mesmo tempo o pré-sal e as energias renováveis. O Brasil com a cana tem vantagens em relação ao milho dos Estados Unidos, no entanto, pecamos nesse ponto que faria uma enorme diferença para o País. Vai ser preciso reestruturar o setor, criar uma nova política de estímulo porque não dá para continuar com esse preço que está ai. Enfim, houve um descompasso. Eu também fiquei preocupado ao ver a ideia de que era preciso tabelar a taxa interna de torno da economia. Eu falei, várias vezes que isso não dava. O Guido (Guido Mantega, ministro da Fazenda) chegou a ficar chateado comigo, mas depois admitiu que eu tinha razão. Enfim, atrasou e não foi favorável à conquista da confiança dos empresários. A demora foi corrigida e as coisas começaram a andar. A Petrobrás agora também começa a se recuperar. Temos que olhar para frente. Apesar de tudo, o Brasil tem um horizonte de investimento – coisa que não ocorre em muitos países. Do ponto de vista do longo prazo, é preciso explorar nichos para a reindustrialização. O que a Petrobrás demanda, por exemplo, de equipamentos e serviços são coisas muitas sofisticadas. Não estamos vendo, mas muitas empresas estão fazendo joint ventures para atuar no setor de petróleo e gás e também no de infraestrutura. O Brasil conta com esses dois marcos, infraestrutura e Petrobrás, e se você me perguntar o que vejo quando olho para frente, vou dizer que o Brasil tem horizonte favorável. Diferentemente de outras pessoas, não creio que a China vá desacelerar. Achei engraçado que um jornal publicou que a china tinha desacelerado de 7,5% para 7,4%. O Estado atua sobre o crescimento da China e ele não vai ficar abaixo disso. A demanda por commodities agrícolas e minerais vai se manter. Concordo com o presidente do Centro de Estudos Internacionais da Academia de Ciências que a China é outro arranjo entre Estado e setor privado. Lá o setor privado é muito maior. Há uma articulação maior entre privados e empresas estatais. O sistema de gestão da economia é muito eficaz. Mas, apesar de 5
tudo isso, eu acho que o pacote de 2015 não vai ser fácil de desembrulhar – você vai encontrar coisas boas e coisas ruins. Na hora que o pacote for desembrulhado, há um primeiro problema a atacar? Luiz Gonzaga Belluzzo- A política econômica vai ter de caminhar em um corredor muito estreito. Eu disse outro dia que a economia brasileira está metida numa camisa de 11 varas – é uma expressão velha, da minha avó, mas define. Seria muito ruim se tivéssemos uma perda do controle da inflação – até pelas razões que eu mencionei. Muito rapidamente o vício da indexação pode ser retomado porque ainda não conseguimos debelá-lo. Também é preciso considerar que o Brasil tem problema para administrar a inflação quando boa parte do mundo ruma para a deflação. A Europa está com deflação. O Japão não conseguiu se livrar do risco. Os Estados Unidos também está numa situação de baixo crescimento, com mercado de trabalho sem dinamismo. Há uma proporção muito alta de jovens desempregados. Os republicanos dizem que estão preocupados com a inflação nos Estados Unidos. Não sei por qual razão. Como diria Keynes (economista inglês John Maynard Keynes), só estando num hospício para não ter deflação. Se você não tem crédito, não tem estímulo, não tem mercado de trabalho, como ter inflação? Até na China o cenário é de deflação. A tendência quando se tem sobrecapacidade é ter deflação. O Brasil está na outra ponta. Tem tendência à persistência da inflação. Isso obriga o governo a ser muito cauteloso, principalmente com o ajuste do câmbio. Eu tenho lido no jornal o comportamento da balança comercial. A economia está com baixo crescimento, mas as importações crescem. Isso tem relação com preços relativos, não com o nível de absorção doméstica. Isso quer dizer: o câmbio está fora do lugar. Isso não ajuda em nada o processo de reindustrialização – ainda que a gente tenha essa perspectiva de investimento da infraestrutura e do investimento da Petrobrás. É claro que é possível subsidiar com políticas domésticas. Vou discutir um pouco essa questão das encomendas das Petrobrás e da compra no mercado doméstico. Eu vejo que há uma discussão muito grande dos economistas sobre isso – que a Petrobrás compra mais caro. É verdade, porém, não se pode ter duas coisas ao mesmo tempo. Ou você tenta recuperar a indústria nacional com essa política de compras – que está correta – ou acelera os investimentos da empresa e libera a empresa de comprar no mercado doméstico, perdendo uma oportunidade para recompor uma parte do setor industrial, como o metal mecânico e o de informática, entre outros. É claro que ai há outro conflito – o do câmbio com a inflação, o da política de investimento e com a política econômica. E não adianta fazer protecionismo a antiga. Aliás, um comentário: lendo o artigo de um rapaz em O Globo outro dia, que falava dos pudores desenvolvimentistas da Unicamp (Universidade de Campinas), eu perguntei para o João Manual: João, nós somos desenvolvimentistas? Essa é uma palavra vaga. Na verdade, nos tentamos entender como funciona o capitalismo brasileiro em suas várias etapas e momentos. Não somos desenvolvimentistas. Somos outra coisa. Para vocês saberem: o desenvolvimentismo é algo muito datado. Vem dos anos 30 e vai até os anos 70. Os militares deram sequência ao desenvolvimentismo nos anos do milagre. A preparação foi feita por Roberto Campos (economista e ex-ministro do Planejamento). Campos era como Monsieur Jourdain (personagem central da peça "O Burguês Fidalgo", do francês Molière, que deseja se tornar aristocrata). Era um desenvolvimentista sem saber, assim como Jourdain fazia prosa sem saber. Roberto era uma figura admirável porque falava uma coisa e fazia outra. Na 6
verdade, reestruturou todo o sistema de empresas estatais, recompôs as tarifas, na reforma feita logo depois da revolução. A gente não pode cometer o erro de fazer esse anacronismo em relação ao desenvolvimentismo. Voltando à contradição, ao problema do câmbio com a inflação. Hoje, muitos componentes são importados. Se você mexe no câmbio, o efeito sobre os preços e sobre a inflação é instantâneo. Na veia. O Banco Central está entendendo isso. É preciso conduzir isso com muito cuidado. Mas como se combate a inflação com esses limites? Os críticos do governo dizem que boa parte da inflação veio do aumento dos gastos públicos e de uma redução dos juros que teria sido forçada... Luiz Gonzaga Belluzzo- Essa questão do gasto público, no fundo, tem relação com a questão da confiança. Eu não imagino que estejam falando, neste momento, que a inflação surge porque o gasto público está produzindo excesso de demanda. Acho que tem relação com o comportamento das dívidas. Pela necessidade de o governo produzir um superávit primário que garanta a estabilização da dívida – e da dívida bruta, porque a líquida, francamente, está muito baixa, pelas razões que nós conhecemos. Quando o câmbio é desvalorizado, a dívida líquida cai por um efeito meramente contábil. Para mim, seria muito mais razoável se o governo, nesse momento, fizesse um esforço fiscal maior. Eu já disse isso: colocaria menos peso sobre a política monetária. Como eu já disse, a questão da confiança está metida no meio da economia. A despeito de toda a oposição de economistas que pensam como eu e têm certa resistência em aceitar isso, acho que é um sacrifício necessário ter um superávit fiscal maior. Por que a resistência? Luiz Gonzaga Belluzzo- Não vale a pena falar. Às vezes é um keynesianismo de pé quebrado. Não quero criticar meus amigos, mas, do meu ponto de vista, é crucial para o governo dar esse sinal para o mercado – vai ganhar pontos e ter mais espaços para fazer um política menos apertado. Esse ganho de confiança teria um impacto sobre a inflação. A pior solução seria manter a taxa de juros nas nuvens e elevar o câmbio para combater a inflação. O Banco Central, acho, está sendo cauteloso para usar esses instrumentos. Seria o caminho mais adequado do meu ponto de vista. Vai ser positivo se combinar o avanço dos investimentos em infraestrutura com os da Petrobrás – que, apesar de toda essa confusão, está indo bem melhor. Ela está batendo recordes seguidos de produção. Projeta 4,2 milhões de barris para 2020. Aliás, quero fazer um parênteses: é inaceitável o que aconteceu na Petrobrás. Uma coisa dessa não pode ser. O sr. está falando de Pasadena? Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim. No mínimo, para você ser gentil, houve um erro de avaliação. Não sou promotor público e não quero ser – apesar de meu pai ter tentado fazer com que eu fosse. Agora, outra coisa é dizer que a Petrobrás vai quebrar. Isso não tem pé nem cabeça. A Petrobrás teve R$ 23 bilhões de lucros no ano passado. Tem um estoque de reservas a ser exploradas. Ela tem um problema de alavancagem, sim. Deve ter um problema de caixa, sim. Mas não vai quebrar. Mas, enfim, como eu estava dizendo, é preciso que o governo tenha esse ganho na área fiscal. Vai abrir espaço para que tenha uma política monetária menos dura. Nós já vimos esse filme. As pessoas esquecem o passado. A taxa de juros a 19% e a inflação a 5,5%. Ou não teve esse momento? Teve. O Armínio (Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central) 7
mudou a meta da taxa de juros quando teve um choque. Ele mudou para 8%, com intervalo de 2 pontos porcentuais. Vocês não lembram disso? Mas o senhor acha que seria o momento de fazer algo parecido? Luiz Gonzaga Belluzzo-Não. Estou dizendo que, na verdade, as apreciações são muito diferentes Pergunto porque algumas pessoas chegaram a falar em mudar a meta. Luiz Gonzaga Belluzzo- Não acho que seja o caso. O próprio regime permite que o prazo para colocar a inflação na meta seja estendido. Isso está no modelo. Mas ainda há uma inflação represada... Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim. Eu ia falar disso - e quanto mais você demorar para ajustar isso, vai ser pior. Qual o tamanho do superávit necessário? Luiz Gonzaga Belluzzo- Acho que caminhar para 3% seria mais confortável. O senhor não está dentro do governo, mas onde seria mais fácil cortar para administrar esse superávit? Luiz Gonzaga Belluzzo- Quem está no governo sabe que há coisas no orçamento que podem ser cortadas – só não pode cortar o investimento, que já é baixo. Se eu fosse examinar o orçamento, em detalhe, poderia suspender vários contratos. Há emendas parlamentares também que, mesmo com as dificuldades políticas, podem ser adiadas porque não são urgentes. Há espaço para fazer cortes. Se a economia não cresce, fica mais difícil gerar o superávit. Se a economia tem recessão, você não consegue vencer a tendência ao déficit. Como dizia um bom keynesiano, o Joseph Stiglitz (economista americano, prêmio Nobel em 2001), o déficit e o superávit são endógenos: você pode determinar quanto você pode gastar, mas não pode determinar o resultado dessa decisão. Isso depende do funcionamento do resto da economia, de como ela reage. Veja o exemplo dos países europeus que estão tentando reduzir o déficit com corte de gastos. É complicado. É difícil. A atividade cai e a receita do Estado cai junto. É endógeno. De qualquer maneira, é possível decidir onde cortar sem afetar setores cujo impacto é maior sobre a economia. É por isso que um bom keynesiano gostaria de ter um orçamento de capital aparte, separado do orçamento corrente. É o que Keynes recomendava. O orçamento de capital é o regulador da economia. Ele determina qual vai ser o fluxo de gasto que você vai sinalizar para o setor privado reagir na direção de seus próprios investimentos. O investimento é a coisa mais sensível que existe. Qualquer desconfiança em relação a realização do que foi projetado, leva à retração. Veja o caso americano. As empresas americanas estão com trilhões no caixa e não investem porque não estão confiando que a economia vai deslanchar. Essa proposta de Keynes, que é antiga, diz que é preciso haver uma coordenação entre estados e municípios para se articularem. Aqui no Brasil, temos uma problema sério, que não mencionei, mas que inibe o crescimento. Há um controle ex-ante do gasto do Estado, feito de uma maneira institucional, muito séria, que bloqueia a agilidade do Estado. Ao invés de fazer a ação ex post, temos o ex-ante. Fico rindo quando dizem que formaram um cartel aqui em São Paulo. O cartel já existia. Em nível internacional, já existia. Se for olhar o nível de concentração de empresas globais, vai descobrir 8
que é brutal. O número de empresas do setor ferroviário, por exemplo, não passa de cinco, seis. Isso é um empecilho. É preciso mudar as regras, encontrar outra forma de acompanhar isso. Hoje, quem perde pode entrar com recurso e bloquear todo o processo. Outro dia, Andrea Calabi (secretário da Fazenda do Estado de São Paulo)me contou: não consigo gastar. O problema do estado hoje é que ele não consegue gastar. A Justiça pode ir lá e bloquear. Criouse um emaranhado burocrático no Brasil. O pessoal confunde a ação do Estado com essa burocracia que ninguém aguenta. A irracionalidade do sistema fiscal, dos impostos, obrigar as empresas a contratarem um número absurdos de funcionários. Qualquer um pode, de repente, receber uma multa da Receita Federal sem saber de onde ela veio. Há um emaranhado burocrático enorme. A usina de Belo Monte é um exemplo. Teve tantas interrupções que já se perdeu, há tempos, quantas foram. As pessoas precisam pensar que Estado elas querem. Um Estado enxuto? Bem, com certeza, é um estado mais eficaz. É uma bobagem discutir se o Estado deve ou não intervir na economia. Essa discussão é uma bobagem. Nem Adam Smith (filósofo e economista escocês) acredita nisso – ele era bem mais esperto do que se pensa. Ele era muito mais sofisticado do quem alguns fazem parecer. Mas, enfim, Adam Smith morreu faz tempo e escreveu a Teoria dos Sentimentos Morais sobre o setor privado. Muita gente deveria ler a Teoria dos Sentimentos Moraes de fato, é preciso reorganizar o sistema brasileiro e reduzir o peso da burocracia. Não dúvida que se você compara a facilidade de fazer negócio na China – que é um Estado pesado, mas eficaz – e compara do com o Brasil você perceber uma diferença brutal. Não tem esses empecilhos. Algumas coisas, eles deixam soltas. Aqui no Brasil, controlam o setor externo, sobretudo o movimento de capital de curto prazo, e têm controle sobre o sistema financeiro. A China tem isso, o máximo de competitividade, com o máximo de controle – mas controle onde interessa. Não adianta fazer controle empurrando uma coisa aqui, outra ali. Essa é uma questão que as vezes me aborre porque os liberais brasileiros falam que o Estado não pode nada, enquanto os outros acham que o Estado pode tudo – mas não pode. Ficou provado que a economia de comando fracassou e que as economias que vão melhor têm uma coordenação entre os setores público e privado. Nós podemos falar de vários. Podemos falar da China. Podemos falar da Suécia, que vai muito bem. Podemos falar da Noruega, que é um exemplo interessantíssimo. Vocês mesmos fizeram uma matéria mostrando isso – claro que são 5 milhões de pessoas. Mas com certeza o modelo de exploração do petróleo lá deu certo. Mas, enfim, o caso do Brasil não é que o Estado se meta muito na economia. Ele se mete de maneira inadequada. E mais do que isso, ele tem esse emaranhado burocrático. Há três coisas que preciso falar. Uma é que nós perdemos um mecanismo importante de coordenação – as empresas estatais. Nos destruímos as empresas estatais nos anos 70. Seguraram tarifa. Elas foram obrigadas a tomar financiamentos lá fora porque havia abundância de financiamento externo. Efetivamente, perdemos coordenação, porque o investimento delas funcionavam como uma coordenação, um harmonizador das expectativas do setor privado. A segunda questão está diretamente relacionamento com o desmonte feito dentro do Estado. Por exemplo, havia o Geipot (Grupo de Estudos para a Integração da Política de Transportes).
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Ao invés de termos 35 ministérios, poderíamos ter grupos executivos, com empresários e burocratas, no moldes do que foi feito pelo Juscelino (ex-presidente Juscelino Kubitschek). Era uma coisa muito mais eficiente do que a maluquice de ter 35 ministérios. A terceira coisa é resolver de maneira legal, institucional, o investimento público. Não adianta colocar um monte de controles "ex antes" (antes). Com isso, o que vai aparecer são dificuldades feitas para se vender facilidades. Ao invés de bloquear a corrupção, você incentiva a corrupção. O que deve haver é controle "ex post" (após). Se você pegou o cara fazendo coisa errada, prende. Tem que fazer. O que não pode é usar isso como argumento para manter leis e estruturas burocráticas que só servem para impedir que o Estado faça alguma coisa. Nos últimos anos, o Brasil virou isso. O sr. falou da função das estatais na condução da economia. Temos o exemplo de Petrobrás, que teve os preços de seus produtos represados e virou a empresa mais endividada do mundo. A Eletrobrás teve R$ 6 bilhões de prejuízo. A Infraero está numa situação difícil. Como o sr. avalia a situação das estatais no governo Dilma e o que é preciso fazer para corrigir os problemas – se que é o sr. vê algum problema? Luiz Gonzaga Belluzzo- Essa ideia de segurar as tarifas foi aplicada nos anos 70 e deu no que deu. A Petrobrás tem um horizonte que permite que a gente entenda que essa alavancagem vai cair. Já mencionei que esse tentativa de segurar o preço teve efeito sobre o setor de etanol e setores correlatos, como os fabricantes de equipamentos para o setor de etanol, que também foi afetado. Isso não é bom. Afeta a capacidade e a velocidade do investimento da empresa – que tem um papel prioritário. Sei que tem impacto sobre a inflação. Mas lá atrás, quando era necessário subir o preço, tinha que ter sido feito. Era para absorver o impacto sobre a inflação. Não há o melhor dos mundos. É preciso fazer escolhas. Parece que numa reunião recente, com banqueiros, alguém perguntou o que fazer. Eu vejo alguns economistas falarem – inclusive alguns que deram entrevistas para vocês – como se soubessem os caminhos das pedras. Ninguém sabe o caminho das pedras. Você avança pulando de pedra e pedra para não afogar. Algumas questões que vem lá de trás, não foram tratadas tempestivamente, o que vai acontecer? Você vai pagar pela decisão. Não tem jeito de enrolar e dizer que não está acontecendo nada. Eu me lembro que em maio de 2013, quando discuti esse tema com algumas pessoas, eu disse: está na hora, a inflação esta retrocedendo. Você não pode ter todas as vantagens ao mesmo tempo. Mas agora vai ter de trata com cuidado esse problema da Petrobrás. O senhor no começo falou muito do papel da Petrobrás no crescimento e agora que as estatais foram importantes para guiar os investimentos. A Petrobras tem um papel importante em um eventual novo modelo de crescimento? Qual seria esse modelo? Luiz Gonzaga Belluzzo- Acho que a Petrobrás tem importância, mas mais ainda tem importância o pré-sal e o modelo de partilha escolhido. É pertinente e permite que se tenha controle mais adequado dos recursos. Essa fonte de recurso precisa ser tratada como um patrimônio do País porque não é renovável. Não pode – vou usar uma expressão futebolística – mandar pau nesse dinheiro. Precisa colocar no fundo soberano e usar apropriadamente, como fazem outros países, com destinação específica. O dinheiro está destinado para a educação. A Petobrás produz hoje 1,9 milhão de barris. Logo chegará a 2 milhões. Está projetando para 2020, 4,2 milhões barris. A Petrobrás é hoje uma das 20 maiores empresas de petróleo e, certamente, será uma das maiores. Vai ficar, eu diria, tranquilamente, entre as 10 maiores. A Petrobrás em parte pertence ao governo brasileiro, mas em parte precisa dar retorno aos 10
acionistas. Qual o benefício que ela vai gerar pelo fato de ter se mantido como estatal? É o benefício do modelo de partilha. Nessa crise da Petrobras, eu vejo gente defendendo que se retorne ao modelo de concessão. O modelo de concessão é apropriado para achar petróleo. A Petrobrás já achou o petróleo. Quantas plataformas ela tem em operação? Nove – até onde sei. Eu posso estar enganado e ter aparecido mais uma. Mas é por ai. Agora, o importante é definir o ritmo da operação e a destinação dos recursos, porque são recursos finitos. Não podemos nos comportar como a elite venezuelana. Durante anos, ela capturava as rendas do petróleo e ia para Miami. O resultado disso foi o Chávez (Hugo Chávez, ex-presidente falecido). Esse foi um mérito do governo Dilma. Ela montou direitinho um modelo de partilha. O resultado disso vamos ver lá na frente. Boa parte da sobrevivência do Estado de bem e dos avanços na Noruega se deve ao fato de que eles usaram corretamente da renda do petróleo. Não é difícil. Mas é preciso resistir às pressões. Além do mais, não pode segurar o preço da gasolina. E se tratando do setor elétrico. Vai ser preciso fazer uma reestruturação? Como o sr. avalia a setor. Luiz Gonzaga Belluzzo- O setor elétrico tem vários problemas. Não se vocês se lembram, havia um movimento dos empresários acusando as tarifas de energia serem as mais altas do mundo. De fato são – e não era para ser assim. Há um problema de coordenação no setor elétrico. Na verdade, temos uma reserva de recursos hídricos importante. Poderíamos ter usado outras formas de geração, sobretudo quando os preços dos painéis solares estão caindo – até por força dos chineses terem adotado uma política mais ativa nesse produto. Mas acho que o problema está na forma como foram feitas as concessões e o cálculo de reajuste das tarifas. Não tem cabimento corrigir tarifa pelo IGP-M. Depois disso, o problema foi agravado por uma falta de percepção de como integrar o setor. Tínhamos falado do modelo de crescimento. Um dos pontos centrais mencionados pelo senhor é que o câmbio – com essa limitação da inflação. Como a economia pode voltar a crescer sem o motor do câmbio e como tratar o câmbio no próximo governo? Luiz Gonzaga Belluzzo- Essa questão do câmbio é muito difícil de ser tratada. Se produzir um deslizamento mais suave, ao longo do tempo, o efeito sobre a inflação não será grave. O problema é a desvalorização abrupta. Já falei: com a atual estrutura de fornecimento vai ser um problema. O câmbio não suficiente para reanimar a indústria. São necessárias outras medidas, incentivos para recuperar certos elos das cadeias produtivas que foram eliminados. É preciso uma política de investimento e de "funding" (financiamento). Estou sempre pensando como fazem os asiáticos. Eu seu que esse é um exemplo complicado, mas o General Park Chunk-hee, o grande responsável pela industrialização coreana, decidiu fazer a petroquímica, os economistas dele disseram para ele não fazer. Mas ele insistiu e disse que iria dar incentivos, estímulos à industria do setor. Isso porque não faz industrialização apenas com câmbio. É preciso ir devagar. Não se pode mais permitir um período tão longo de valorização, como foi permitido porque ai temos outra questão – temos uma moeda não conversível. Somos um País ainda em crescimento. Precisamos de uma política específica para o câmbio. Se outros países mais desenvolvidos não tem é porque as moedas deles são conversíveis. Não sofrem choques. O senhor está defendendo o controle de capitais? 11
Luiz Gonzaga Belluzzo- Claro. Temos de ter o controle de capitais como outros países. Recentemente, o Fundo Monetário Internacional publicou um documento importante sobre essa questão do controle de capitais dizendo, claro, que o controle de capitais não é desejável em si mesmo, mas é preciso que se tenha a capacidade de dirigir a entrada de capitais de forma a te beneficiar. Muitos países já fizeram isso. Não é nenhuma heresia econômica. O que é inconveniente é ter momentos de euforia e depressão. O senhor falou da necessidade de recuperar a confiança. Mas isso não provocaria o efeito inverso, na medida que controlaria a retirada de dinheiro do Brasil? Luiz Gonzaga Belluzzo- Seria preciso fazer o controle da entrada de capitais. É evidente que o capital de curto prazo, que vem apenas fazer arbitragem, especulação com a sua moeda, não é desejável. Os chineses permitem a entrada de capital. Aliás, o crescimento chinês foi feito com a entrada maciça de capitais estrangeiros... O sr. fala muito dos asiáticos, da China, da Coreia. O modelo deles presume os campeões nacionais e demanda muitos recursos. É possível aplicar a receita no Brasil? O senhor defende a volta dos campeões nacionais? Luiz Gonzaga Belluzzo- Boa pergunta. Eu estava esquecendo de uma questão que você levantou. Eu tive a pachorra de ler inteirinho o World Economic Outlook Database (relatório de perspectivas econômicas globais do FMI). É muito chato, mas é bom para se informar sobre o que está ocorrendo nos gabinetes dos organismos bilaterais. Eles publicaram o Global Financial (no original Global Financial Stability Report, relatório de análise da estabilidade financeira, também do FMI) e o World Economic. Lendo a análise, bem feita e muito mais arejada do que foi no passado, escrevi até um artigo um artigo na carta Capital sobre isso. Eles fizeram um estudo muito cuidadoso para fazer a relação entre poupança e crescimento. Fizeram um painel com cento e tantos países, se bem me lembro, que mostra claramente que o crescimento precede a poupança. Essa é uma velha discussão: o Brasil não cresce porque tem baixa poupança? No Brasil, o mercado de capitais não consegue mobilizar esses recursos para o investimento de longo prazo. Só há uma fonte de financiamento de longo prazo, o BNDES. Até li, com satisfação, que o BNDES destinou R$ 3 bilhões para a compra e a venda papéis. Isso é muito importante, porque o Brasil não tem a tradição dos países anglo saxões de ter um "market maker" (provedor de liquidez). Você emite um debênture ou mesmo uma ação e precisa de liquidez para mobilizar o mercado de capitais. Espero que não achem que isso seja uma intervenção do governo na economia, que vejam como uma atitude benéfica. Mas o que mostra o estudo é que esses países aceleraram o crescimento usando o sistema de crédito, alavancando. A China está com 250% do PIB de endividamento total, principalmente das empresas e do governo, porque o das famílias é baixo. Em todas os países asiáticos houve alta alavancagem das empresas. Mas havia um sistema de absorção dos choques, de modo que as empresas não sofressem, com taxa de juros baixas e controle de capitais. O Banco do Japão, o banco central japonês, funcionava com um provedor de liquidez para os bancos ligados às empresas. Até um tempo atrás, o Japão não tinha uma mercado de capitais desenvolvido. Eram sistema bancário que fazia o crédito. Enfim, em todos os asiáticos as empresas eram muito alavancadas, porque o crédito vem na frente da poupança. O capitalismo tem dessas maravilhas. Inventou o sistema bancário que empresta um múltiplo de seus depósitos. Esses múltiplos poderiam ser infinitos se não fossem as medidas prudenciais. A Ásia tem taxa de poupança alta, tem, mas ela é "ex post". Para aumentar a 12
poupança, é preciso crescimento. Você não pode aumentar a poupança sem que a renda cresça. Para que você tenha renda, alguém precisa estar gastando. Esse é o paradoxo. Voltando ao BNDES. Ele acabou se tonando o grande agente financiador brasileiro de longo prazo. No fim, o BNDES não acaba inibindo a expansão do mercado? Vou dar um exemplo: nas concessões, o BNDES entrou para suprir 70% do crédito. Mas esse não teria sido um momento para tentar alternativas de financiamento que pudessem fomentar e ampliar o mercado? Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas os bancos privados dão empréstimos de longo prazo de quanto? Cinco anos? A concessão é de 30 anos. Precisamos de crédito de mais longo do que isso. Eu não entendo como o BNDES pode inibir o setor privado. O argumento é que o BNDES recebe recursos do Tesouro e o BNDES consegue oferecer uma taxa de juros menor. Luiz Gonzaga Belluzzo- É a taxa de juros do setor privado que não consegue atrair os empresários. É um contra senso. Quando o Tesouro coloca dinheiro no BNDES e o BNDES empresa para a empresta, no fundo está criando um ativo rentável lá na frente – esperamos. É como dar injeção na veia. É assim que o Banco de Desenvolvimento da China faz. Você falou dos vencedores. O Banco de Desenvolvimento da China, muitas vezes, só começa a cobrar o empréstimos quando a empresa já está operando. Tirando os Estados Unidos e a Inglaterra, quase todos os emergentes asiáticos usaram essa estratégia - subsidiaram. Eu não vejo problema. Ao contrário: acho que o BNDES pode servir como um estímulo para os bancos. Qual é o problema dos bancos? Não é só um risco de crédito. É um risco de liquidez também. Porque o banco, quando empresta, individualmente, fica menos líquido, fica atrelado àquele negócio. Dar liquidez permite que ele securitize, saia e venda no mercado. É isso que o BNDES vai fazer agora. Todos os países asiáticos e sistemas financeiros fizeram coisas parecidas. Na verdade, nos períodos mais agudos da industrialização, eles não tinham mercado de capitais. Tinham bancos. O desenvolvimento da Alemanha também foi assim no século 19. Os bancos se juntando às empresas. Nos Estados Unidos foi diferente, porque, desde logo, tinha uma relação com a praça de Londres. E, desde logo, tinham mercado de capitais. Desenvolveram o mercado de capitais com os bancos de investimento. O Luciano Coutinho (presidente do BNDES) deu uma entrevista para o Estado anunciando que havia desistido da política de campeões nacionais. O sr. acha que deveria ser retomada? Luiz Gonzaga Belluzzo- Acho que nós temos problemas sérios de reestruturação da indústria brasileira. Não conversei com o Luciano. Faz tempo que eu não converso com ele. Você não pode entrar na competição global hoje com uma carroça e os caras concorrendo com um carro de Fórmula 1. Como se escolhe um campeão nacional? Luiz Gonzaga Belluzzo- Por exemplo, a Petrobrás é um campeão nacional natural. Ela é uma das grandes empresas petrolíferas do mundo. Não precisou de nenhuma política especial para transformá-la nisso. Quais os setores que você vai escolher? Tem que escolher os setores em que você tem vantagens e pode conduzir a um bom termo. Isso é uma coisa construída porque não há mais vantagens comparativas. Os asiáticos perceberam isso. Hoje está muito mais difícil. Os chineses estão... 13
Mas isso não gera favorecimento de grupos empresariais? Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas isso é a lógica do capitalismo. Ou você acha que você tem concorrência perfeita? Mas isso é um incentivo, não? Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim, mas funciona assim. "I'm sorry". Peço desculpas. Na verdade, o capital se centralizou. Te passo, se você quiser, uma lista de todos os setores para você ver quantas empresas estão no controle. São cinco. São duas. No máximo. Por exemplo: a indústria automobilística tem dez. Na indústria farmacêutica, pouquíssimas. Mas em que momento você para de financiá-las? Por exemplo, o JBS, na pecuária, um setor escolhido. Recebeu ajuda, se tornou o maior do mundo, mas a ajuda continua, agora no setor de papel. Em que momento a empresa caminha sozinha? Luiz Gonzaga Belluzzo- Tem um momento em que você precisa reduzir mesmo o impulso. Mas você como você acha, por exemplo, que a Coreia se transformou no maior estaleiro do mundo... Mas a Coreia era uma ditadura. A China não é uma ditadura? Luiz Gonzaga Belluzzo- Mais ou menos. A China é um regime político peculiar. Como disse o Fernando Henrique para mim, voltando da China, 'ninguém lá atinge suas liberdades políticas, agora você não pode falar mal do Estado chinês'. Você tem restrições. A Coreia foi uma ditadura. O General Park Chunk-hee fez aquilo. Mas o Japão fez isso com o Partido Liberal. Não era uma ditadura. Mas era uma situação diferente, o pós-guerra, com apoio dos Estados Unidos, com bases militares no país... Luiz Gonzaga Belluzzo- A Coreia também teve apoio americano. No caso do Japão... É possível manter a economia fechada, como foram Japão e Coreia? Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas elas não foram fechadas. No começo, Japão e Coreia adotaram restrições... Luiz Gonzaga Belluzzo- Sim, mas não eram economias fechadas. Ao contrário. Mas é claro que foram favorecidas por critérios geopolíticos. Nós, na verdade, montamos um modelo de crescimento puxado pelas exportações. A Coreia teve taxas de câmbio múltiplas, como o Brasil teve também. Por que? Ela fez o controle de importação de bens de consumo, não tinha mesmo. Mas importação de bens de capital tinha, sim. De componentes, etc. Depois eles foram substituindo. Diferentemente do nosso modelo de substituição de importações em que, na verdade, você foi permitindo, pelo estrangulamento cambial, a substituição durante um bom período. No caso da Coreia, fizeram uma política intencional de controle das importações, não há dúvida nenhuma. Eu fui à Coreia. Nas lojas, havia aquela coisa de não comprar produtos que não fossem coreanos. Mas pega a composição da importação deles e vê como, na realidade, se apropriaram das tecnologias mais avançadas para produzir.
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O governo adotou uma medida mais protecionista no início do mandato da presidente Dilma e o empresariado tem pedido maior abertura da economia... Luiz Gonzaga Belluzzo- Mas o que quer dizer isso, na verdade? Se você faz isso, nestas condições, com o câmbio valorizado, você vai tomar uma invertida. Eu acho que na atual conjuntura – já escrevi isto num artigo com o Julinho (Julio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial) – você tem que importar para exportar. Porque você está perdendo peso nas exportações globais de manufatura. Não vamos fazer isso com câmbio desvalorizado, nem com ausência de política industriais. O que quer dizer mais abertura? Que você vai dar uma de "liberou geral"? Não existe isso no mundo. Nem os países asiáticos fazem isso. Eles, na verdade, regulam. A China é uma grande importadora. Tem déficit com os outros asiáticos, mas tem superávit com Estados Unidos. Os chineses montaram uma estratégia inteligente. Para eles, na verdade, as importações mais baratas – porque eles são grandes montadores – são importantes. Assim como o Brasil também. Fico preocupado com essas oposições binárias. Ou é abertura total ou é então você é protecionista. Tem que fazer política de comércio exterior. Os americanos fazem política de comércio exterior, a despeito deles terem perdido o controle para o conjunto de empresas deles. Elas não querem saber de voltar a produzir nos Estados Unidos. Essa história da reindustrialização americana está mal contada. Não que as empresas americanas estejam indo mal, elas estão indo muito bem. O sistema empresarial americano vai muito bem, o que não vai bem é a economia territorial americana. Tem mais essa questão – ocorreu a globalização. As pessoas falam ahhhh globalização, globalização – mas ela ocorreu de fato, com implicações que tornaram muito mais difícil você ter uma política industrial. Os chineses têm dificuldades de criar seus campeões nacionais. Eles estão muito bem do ponto de vista da organização da sua produção doméstica, com auxílio do investimento externo, mas criar os seus campeões nacionais está difícil. O que estão fazendo? Estão saindo. Compraram agora uma parte da maior empresa francesa de automóveis, a Peugeot. Compraram 30%. Eles estão saindo pelo mundo. Se você for olhar, estão começando a comprar em vários lugares. Hoje existe o problema da concorrência da marca. Os chineses não têm marca. Eles são os maiores produtores de automóveis do mundo. Mas eles exportam muitos automóveis? Não exportam. Essa coisa da marca na concorrência é importante. Você conhece alguma marca brasileira que tenha se destacado, que você perceba como um a marca de reputação? Porque isso faz parte de um padrão de consumo contemporâneo. Por 30 anos, o Brasil ficou praticamente afastado dessa construção. Perdeu vários passos que tinham de ter sido dados. Essa questão da criação de campeões nacionais é muito mais complicada hoje do que foi, por exemplo, quando os coreanos criaram a Samsung, a LG. Porque eles entraram numa brecha. Quando é que aconteceu isso? Nos anos 1980. Eles entraram numa brecha aberta pelo Reagan (Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos) no mercado americano, quando o Reagan valorizou o dólar. Numa das campanhas eleitorais, o adversário dele disse: "de fato, o Reagan colocou um frango na panela e dois carros na garagem dos americanos, só que os dois carros são japoneses e coreanos". Hoje em dia é muito mais complicado. Os asiáticos entraram no mercado num momento muito favorável. A China estava começando a jogar o jogo.
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Mas a escolha é sempre complicada, não? A Coreia escolheu segmentos de ponta, eletroeletrônicos, automóveis, estaleiros. O Brasil escolheu pecuária e, ao mesmo tempo, matou o etanol.. Luiz Gonzaga Belluzzo- O etanol é um bom exemplo. ...O etanol que talvez seria o trunfo na nova fase da energia no mundo... Luiz Gonzaga Belluzzo- Exatamente. O etanol é um bom exemplo, não só em si mesmo. O Brasil fez a escolha errada no II PND. Por que? Que setores foram escolhidos no II PND? Escolheram setores básicos. Mas já estava ocorrendo, estava em gestação, a Terceira Revolução Industrial. Não que as pessoas não soubessem disso. A revolução na eletroeletrônica, na automobilística, como está ocorrendo agora outra revolução tecnológica. E o Brasil, como faz? Um país deste tamanho? Nós perdemos ali, naquele momento, porque escolheram setores errados. Setores velhos. E agora, fizeram as melhores escolhas? E o exemplo do etanol? Luiz Gonzaga Belluzzo- Estou te dando razão no caso do etanol. Nós deveríamos ter levado o etanol como um projeto importante para o Brasil. Foi o que o Lula fez. O Lula moveu este negócio do etanol. Você tem razão. Nós escolhemos errado. É um setor que tinha vantagens já quase absolutas. Nós podíamos ter avançado pelo lado do etanol. Mas o problema não se restringe a isso. Nós perdemos o padrão de industrialização da Terceira Revolução Industrial – essa que é a questão. Uma questão mais estrutural. E, agora, criar campeões nacionais é muito mais difícil. O que os asiáticos, japoneses, coreanos criaram nessas empresas, uns nos anos 1960 e 1970, outros nos anos 1980, foi com a determinada configuração da economia mundial. Hoje em dia, a configuração é completamente outra. Você me permite a oportunidade de falar de outra coisa: o eixo hegemônico está mudando de lugar. Isso demora para acontecer, mas está acontecendo. Está mudando do Atlântico para o maciço eurasiano, incluindo a Rússia. Não sei se você está vendo: os russos e os chineses estão fazendo um movimento recíproco de cooperação. Eles são economias complementares. Os russos são muito bem dotados de recursos naturais, como nós somos. Outro dias, eu estava vendo as maiores companhias petrolíferas do mundo. Das vinte maiores, três são russas. Eles têm vantagens na mineração e na manufatura. Eles estão, na verdade, caminhando na direção dos chineses. Se você quer que eu te diga uma coisa correta que o Brasil está fazendo, entre as críticas que eu fiz, é a aproximação com os Brics. É dessa aproximação que vai nascer o novo dinamismo da economia global. Esse grupo muito poderoso, de qualquer ponto de vista. Do ponto de vista da dotação de recursos, do ponto de vista da disponibilidade de água. A questão da água é fundamental para os próximos anos – e o Brasil é um dos únicos países que dispõe de abundância desse recurso natural. Não vai ser fácil resolver este problema global. O Brasil não tem que escolher ninguém, mas tem que ser estratégico, precisa se juntar onde o mundo está começando a redefinir suas relações entre as regiões. E essa região, com Rússia, China e Índia, é a região que terá o desempenho mais favorável. As pessoas não falam que nos Brics o Brasil tem um fundo de estabilização de US$ 100 bilhões com a China, com a Rússia. Eles estão criando um banco de desenvolvimento porque os chineses têm, e nós também devemos ter ambições – inclusive e sobretudo na América Latina – de ter investimentos binacionais ou trinacionais, o que você quiser. E os chineses estão menos voltados para a África e mais para a América Latina. 16
Os russos, por razões estratégicas, têm dificuldades de lidar com o Ocidente. Então o Brasil está fazendo uma escolha correta do ponto de vista geopolítico. Isso não tem nada a vez com os campeões nacionais. Tem a ver com a integração econômica mais razoável e com mais probabilidade de dar certo. O sr. é um interlocutor frequente da presidente Dilma? Luiz Gonzaga Belluzzo- É o seguinte: depois que ela assumiu a presidência, falei duas vezes com ela. Não sou tão frequente assim. A frequência era muito maior com o presidente Lula. Com ela, foram duas vezes. Porque é o estilo dela. Eu não quero também me apresentar como interlocutor frequente da presidente. Você ficar assoprando coisas no ouvido do "príncipe". Eu vejo que muitos economistas ficam envaidecidos com essa possibilidade de falar com o presidente. Isto não é legal. Você tem que falar com o público. Não chegar lá e começar a soprar coisas. Com o Lula, tenho muita liberdade. Conheço o Lula desde os anos 70, quando ele ainda estava criando o PT. Eu secretariei a primeira Conclat (Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras), em Niterói. Sou amigo dele, gosto muito dele. Ele chamava a mim e ao Delfim (Delfim Netto, economista) com muita frequência. Ele ouvia a gente, ouvia mais gente, ouvia todo mundo e tomava a decisão. Eu nunca tive a ilusão porque sou conselheiro do presidente. É uma coisa ridícula. Posso dar minha opinião de outras formas. No caso dele, eu o considero uma pessoa amiga, pela qual tenho grande admiração pessoal. Ele é uma pessoa afetiva. Gosta dos amigos dele. Eu gosto muito dessa coisa do cara que gosta dos amigos. Ter amigo é bom. Eu me considero amigo dele, apesar das nossas divergências futebolísticas. Para dizer a verdade, ele era muito sábio nestas coisas. Ouvia todo mundo e tomava a decisão que achava conveniente. Foi assim na crise. Ele escolheu o caminho. Ele e o Guido Mantega – que, aliás, é muito injustiçado porque na crise ele foi muito bem. Agora, no caso dela, não. Ela tem outro estilo. Eu tenho até carinho por ela. Foi minha aluna. Mas isso não tem nada a ver. Não é um estandarte que se deva estar erguendo toda hora. Acho uma coisa muito ruim, muito brasileira, essa ideia de "tenho ali minha relação particular com o presidente". Não é legal. É melhor que seja uma coisa mais impessoal – até porque me dá liberdade para falar o que eu falei para vocês sobre os problemas do governo. Se não, você fica driblando na área. Da mesma maneira, você não pode tratar o teu adversário na democracia como um inimigo. Eu vejo que, mesmo nas entrevistas que vocês fizeram, as pessoas têm um ressentimento partidário. Isso não é bom na discussão. Eu posso ter minhas preferências partidárias, mas não posso usar isso para elogiar ou para criticar. Eu tenho de fazer um esforço para me afastar dessa coisa. É muito difícil você dizer que nessa questão você vai fazer uma análise objetiva. Vocês são jornalistas e sabem que objetividade é uma questão relativa. Tem que, na realidade, tomar distância. Ser objetivo é um problema filosófico complicado. O que é a objetividade? O que é o real? Não vamos discutir isso. Mas você tem que se destacar e dizer com clareza, como eu estou dizendo aqui, partindo da minha visão de economia. Schumpeter (Joseph Alois Schumpeter, economista natural da República Checa) é que dizia: a análise vem depois. Primeiro vem a visão. Uma visão geral da questão, de como é que funciona. Como é que funciona esta economia capitalista hoje? Tem que partir desta visão. Pode ser que eu esteja completamente equivocado. Não obstante, nos últimos anos na análise dos antecedentes da crise, eu não me equivoquei tanto. Mas você se equivoca porque, na verdade você, não tem capacidade de incluir todos os dados que são relevantes na sua hipótese. 17
Tem que admitir que sua análise está sujeita a falhas. A coisa que mais incomoda nos economistas são as certezas esféricas. Quando se olha por todos os lados, tem as mesmas certezas. É preciso ponderar. Tem que dizer o seu ponto de vista, mas considerar que é possível que as coisas não sejam assim.
Brasileiros que não querem trabalhar chegam a 17,4 mi O número de pessoas interessadas em trabalhar despencou no intervalo de um ano. Esta é a principal explicação para a taxa de desemprego ter se mantido em abril no menor patamar para o mês desde 2002. Os que respondem à pesquisa do IBGE que não gostariam trabalhar eram 17,375 milhões de pessoas em abril deste ano, 5,7% mais do que os 16,436 milhões do mesmo mês do ano passado. Eles correspondiam a 91% dos chamados inativos nas seis principais regiões metropolitanas do país. O restante, em sua grande maioria, são os que entram e saem do mercado de trabalho em momentos específicos ou os que fazem "bicos", mas não estavam empregados nem à procura de trabalho nos 30 dias anteriores à pesquisa. Esse é o período de referência para compor o grupo que está empregado ou à procura de uma vaga --na força de trabalho de modo efetivo. Os inativos são o segundo grupo mais importante da população em idade para trabalhar (10 anos ou mais, pela pesquisa). Perdem só para os ocupados: 22,9 milhões em abril de 2014, grupo estagnado na comparação anual. Sem crescimento da oferta de vagas, a taxa de desemprego tem ficado nos menores patamares históricos (4,9% em abril) apenas pela reduzida procura por trabalho. "A taxa de desocupação não quer dizer nada num cenário de fraco desempenho do emprego e redução da população economicamente ativa [quem está disponível para trabalhar], ainda mais num período de menor crescimento econômico", diz José Francisco Gonçalves, economista-chefe do banco Fator. PERFIL O perfil das pessoas que não estão dispostas a trabalhar é composto, em sua maioria, por mulheres (que, em geral, não chefiam a família), jovens até 24 anos (o que indica que há um foco maior na qualificação profissional e condiz com os dados de aumento da escolaridade desde o Plano Real) e idosos (contam com a aposentadoria). Esse grupo, diz o IBGE, se concentra nas regiões de maior rendimento e de população mais envelhecida: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre. "O grosso dessas pessoas está nos extremos da pirâmide etária. Pode haver uma relação com o envelhecimento da população e com o aumento da renda nos últimos anos, não só do trabalho, mas de aposentadorias e transferências [de programas sociais]", diz Adriana Berenguy, técnica do IBGE. Com folga no orçamento, quem não é chefe de família, diz, pôde postergar a entrada no mercado de trabalho ou se dedicar a atividades como cuidar da casa e dos filhos. Os dados do IBGE apontam ainda uma freada no processo de formalização, com um ritmo menor de crescimento do emprego com carteira no primeiro quadrimestre. Já a queda dos trabalhadores sem carteira se intensificou, o que sugere que parte desse grupo saiu do mercado de trabalho. Outro sinal de piora é a queda de 1,9% do emprego na indústria nos quatro primeiros meses de 2014. O setor é importante porque demanda profissionais terceirizados e de outros ramos, como o de serviços.
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O emprego em dois Brasis Menos gente procura trabalho, e o número de pessoas empregadas está praticamente estagnado desde outubro de 2013, está muito claro e sabido, situação confirmada outra vez pela pesquisa mensal de emprego do IBGE de abril, divulgada ontem. Apesar do baixo desemprego, tal situação sugere que a economia esfriou e implica a princípio que há um empecilho adicional para a retomada do crescimento (força de trabalho estagnada). A pesquisa mensal do IBGE, porém, trata apenas do mercado de trabalho de seis metrópoles, São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Recife. O que acontece no resto do Brasil? Não sabemos muito bem, ainda. O que sabemos cria alguma confusão na análise, pelo menos a respeito do futuro da oferta de trabalho. Que a economia está esfriando, parece não haver muita dúvida. A interpretação do que se passa no país fica nebulosa devido a informações de outra pesquisa do IBGE, a Pnad Contínua. No início deste ano, como se sabe, o IBGE passou a divulgar outra estatística de desemprego, de abrangência nacional, com dados de emprego para cada trimestre desde janeiro de 2012. A informação mais recente da Pnad Contínua refere-se ao quarto trimestre de 2013. A estagnação da oferta de trabalho e do emprego nas grandes metrópoles começou justamente em outubro de 2013. No entanto, na comparação com 2012, o trimestre final de 2013 na Pnad Contínua (de âmbito nacional) parece bem melhor que o trimestre final de 2013 na Pesquisa Mensal de Emprego (PME, restrita a seis metrópoles). A ocupação (gente trabalhando) e a oferta de trabalho (gente empregada ou à procura de emprego) crescem na Pnad, caem na PME. Tal comparação, porém, é arriscada. Primeiro, não se conhecem as manhas da Pnad contínua, que é muito recente (trata de apenas dois anos, ante os 12 anos da PME); não se sabe como, nesta pesquisa, o emprego reage a outras mudanças. Segundo, a Pnad Contínua é trimestral. Terceiro, abrange mercados de trabalho ainda mais diferentes entre si que aqueles da PME (inclui cidades médias, pequenas, grotões, o dinâmico Centro-Oeste, o rico interior paulista etc). A qualidade dos empregos e as idas e vindas desses mercados são diferentes. A abrangência nacional da Pnad Contínua a princípio vai permitir que se contem histórias, se façam interpretações e políticas públicas melhores. Isto posto, a Pesquisa Mensal de Emprego não deixa os analistas a pé quando se trata de interpretar as ondas de variação do crescimento da economia, ora em baixa. Mas a aparente divergência na situação do emprego nas metrópoles e no conjunto do país cria dificuldades temporárias para projeções de médio prazo, como aquelas que apontam o problema de a oferta de trabalho no Brasil crescer cada vez menos, tendência derivada do ritmo menor de crescimento da população (quão devagar? Onde?). No momento, em seis metrópoles, a quantidade de gente disposta a trabalhar cai provavelmente porque mais jovens preferem estudar, porque a renda das famílias cresceu e porque deve haver mais gente desanimada de procurar emprego, pois a economia anda devagar. É uma situação anormal de desemprego em baixa recorde e de nível de emprego estagnado faz um semestre.
Empresa em falência terá benefício fiscal federal Um artigo incluído na lei sobre tributação do lucro de multinacionais no exterior, sancionada há duas semanas pela presidente Dilma, vai facilitar as condições de pagamento de dívidas de empresas, sobretudo bancos, à Receita Federal.
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A medida isenta empresas em liquidação judicial, extrajudicial ou em falência de pagar o Imposto de Renda e a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro) sobre ganhos de capital, contanto que o dinheiro da venda de bens seja usado para quitar dívidas com o Fisco. O Imposto de Renda sobre ganhos de capital é de 15% e incide em situações como a venda de ativos a preços maiores do que o valor registrado pela empresa. Até então, empresas em situação de falência e recuperação judicial só podiam abater 30% do imposto devido com "prejuízos fiscais" de anos anteriores. Com a nova lei, não há mais limite. A medida deve ajudar a reforçar o caixa do governo, que tenta cumprir a meta fiscal.
Os inimigos ocultos das exportações Nas últimas décadas, o Brasil deixou acumular graves problemas que agora travam as exportações. Para o agronegócio, a atividade extrativa e uns poucos ramos da indústria de transformação, tais obstáculos não foram impeditivos de vendas em grande volume para o exterior. Os bons preços internacionais e os avanços de produtividade nesses setores compensaram as distorções mais graves, embora não neutralizassem por completo desperdícios e perdas de receitas. Essas ilhas exportadoras, porém, não foram suficientes para tirar o Brasil da posição relativamente marginal que ocupa no comércio global --apenas o 22º lugar no ranking dos maiores exportadores, em parte devido à baixíssima competitividade industrial. Nossa exportação de bens manufaturados encontra-se rigorosamente estagnada desde 2008. Trata-se de um período indubitavelmente fraco para o comércio mundial em razão da crise global, mas que também reflete em cheio o atraso, os custos e a falta de produtividade da indústria brasileira. O foco excessivo no Mercosul e o afastamento de mercados como EUA e União Europeia ajudam a explicar como chegamos a esse estágio. Mas há ainda outros entraves menos visíveis, que igualmente conspiram contra o comércio exterior do país. Uma pesquisa da CNI (Confederação Nacional da Indústria), realizada com 639 empresas exportadoras, mostra que o excesso de burocracia, a regulação inadequada e mesmo deficiências empresariais têm gravidade próxima ou semelhante às barreiras mais evidentes, como a falta de câmbio e a infraestrutura precária. O câmbio aparece no topo das preocupações, mencionado por quase metade dos empresários consultados, e a infraestrutura, segundo a pesquisa, atrapalha mais do que ajuda a exportação. A burocracia alfandegária e em menor escala a tributária também despontam entre os destaques negativos. Incorporados à rotina, tais fatores fazem da exportação um processo lento, complexo e custoso. Funcionam como inimigos ocultos da internacionalização da economia brasileira. Pouco discutidos, deveriam entrar na agenda de debates essenciais. A nosso ver, o ponto mais revelador do levantamento é uma espécie de "autocrítica" das empresas, ao apontar entraves que lhes são inerentes. Nada menos que 75% reconhecem que além de dificuldades externas existem bloqueios internos para o aumento das exportações. Como seria de esperar, o percentual é menor entre as empresas maiores, mas é digno de nota que quase 65% delas tenham declarado que problemas domésticos constituam barreiras para exportar. Tais problemas diferem segundo o porte das empresas. Para as grandes, as dificuldades estão no crédito à exportação, assim como na adequação de produto e processo produtivo e no conhecimento da legislação dos países importadores --quesitos que, convenhamos, não deveriam ter destaque algum, se tivéssemos verdadeiramente uma orientação exportadora das empresas atuantes no Brasil. Noutro extremo, as micros, pequenas e médias empresas relacionam itens típicos de quem dispõe de poucos recursos para prospectar mercados, contratar representação externa e acessar canais de comercialização. Resumindo, as principais barreiras próprias às empresas se dividem entre a falta de atrativo e de cultura exportadora e limitações de recursos e de pessoal capacitado. Há uma multiplicidade de temas a enfrentar para que o Brasil se torne uma economia com maior expressão no comércio exterior. Tais questões vão da redefinição da política de relações 20
comerciais com o mundo à melhora da infraestrutura e simplificação de processos alfandegários e tributários, passando pela temática microempresarial. Se quisermos desenvolver uma cultura exportadora entre nossas empresas, devemos ter em mente dois blocos distintos de estratégias. Num caso, merecem prioridade aportes e facilidades para que as empresas menores superem as restrições de recursos e de pessoal especializado; no outro, canalizar esforços para despertar e pe- renizar o interesse empresarial pelo comércio exterior e, para isso, nada melhor que aproximar o país dos mercados mundiais mais dinâmicos.
Confiança do consumidor registra menor nível desde 2009 SÃO PAULO - O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), medido pela da Fundação Getulio Vargas (FGV) caiu 3,3% entre abril e maio, para 102,8 pontos, o menor nível desde abril de 2009, quando marcou 99,7 pontos. Com o resultado, o índice manteve-se abaixo da média histórica, de 116,4 pontos, pelo 16º mês seguido. Na comparação com o mesmo período do ano passado, houve recuo de 9,6%. De acordo com o levantamento, os consumidores continuam pouco satisfeitos com a situação atual e pessimistas em relação aos rumos da economia. O Índice da Situação Atual (ISA) cedeu 3,9% ante abril, ficando 107,2 pontos, a menor marca desde maio de 2009. O Índice de Expectativas (IE) declinou pelo sexto mês seguido e registrou a menor leitura desde março de 2009 - houve queda de 2,9%, para 100,6 pontos. O indicador que mede o grau de satisfação dos consumidores com a situação financeira pessoal diminuiu 3,8% em maio, para 105,1 pontos, o menor nível desde agosto de 2009. A proporção de consumidores que avaliam a situação como boa saiu de 22,5% para 19,2%, enquanto a dos que a julgam ruim aumentou de 13,2% para 14,1%. Com relação ao futuro, os consumidores mostram-se também preocupados com orçamento doméstico. O indicador que mede o grau de otimismo em relação à situação financeira familiar foi o quesito que mais influenciou a queda do ICC esse mês, ao recuar 3,4%, para 124,7 pontos, o menor nível desde fevereiro de 2010. A parcela de consumidores projetando melhora foi de 35,6% para 32% e a dos que preveem piora passou de 6,5% para 7,3%. A Sondagem de Expectativas do Consumidor é feita com base numa amostra com cerca de 2 mil domicílios em sete das principais capitais brasileiras. A coleta de dados para a edição de maio de 2014 foi realizada entre os dias 2 e 20 de maio.
Indicadores mostram piora da confiança em maio Em meio à economia fraca e piora no ritmo de abertura de vagas no mercado de trabalho, empresários e consumidores elevaram o tom do pessimismo em maio. Duas entidades, a Fundação Getulio Vargas (FGV) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), divulgaram ontem indicadores que mostraram os piores resultados em anos para os níveis de confiança da indústria e de intenção de consumo do mês. Houve recuo de 4,6% na prévia do Índice de Confiança da Indústria (ICI) de maio ante abril. Caso confirmado, será o pior resultado desde dezembro de 2008 (-9,2%). Já a CNC apurou queda de 2,3% na Intenção de Consumo das Famílias (ICF), no mesmo período, passando para 122,4 pontos - o menor nível da série histórica, iniciada em janeiro de 2010. 21
Economistas da FGV e da CNC foram unânimes em concordar que a continuidade de fatores como persistência inflacionária; juros elevados e crédito mais caro têm derrubado a demanda interna nos últimos meses, com reflexo negativo tanto para o desempenho da indústria, quanto para o do varejo. Mas foi a ausência de perspectiva de melhora, aliada a sinais de deterioração no mercado de trabalho, que derrubaram de vez o humor de industriais e de consumidores em maio. A proximidade da Copa do Mundo, que deve diminuir o número de duas úteis e postergar compras, também influenciou os resultados negativos no índices. "No curtíssimo prazo, não vejo como mudar esse cenário para a indústria", afirmou o Superintendente Adjunto de Ciclos Econômicos do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV), Aloisio Campelo. Na prévia, que abrange dois terços da pesquisa (807 empresas), a ser anunciada na próxima quarta-feira, o especialista pôde observar que todas as quatro categorias de uso da indústria da transformação apresentaram confiança em baixa em maio. "Até mesmo segmentos que estavam otimistas, como os relacionados à construção e aos não duráveis, mostraram confiança menor". Campelo lembrou que, desde o início do ano, a atividade econômica não dá sinais de recuperação sustentável. Isso tem tido impacto na demanda, principalmente na indústria automotiva, que também foi afetada pela crise na Argentina. No caso de duráveis, o especialista comentou que, nos primeiros meses do ano, houve sinais de reação devido à Copa - que historicamente eleva procura por itens como televisores. "Mas esse efeito está no fim", acrescentou. Ao mesmo tempo, há um entendimento geral, por parte do empresariado, de que não haverá mais medidas de estímulo à indústria, por parte do governo. Isso porque a União, preocupada com suas próprias contas e com o superávit primário, não teria mais tanta margem de manobra para tal, como houve no passado, e não pode mais prescindir de impostos, como em anos anteriores. "Há uma 'ressaca do IPI' em alguns setores", resumiu. O governo reduziu e isentou o Imposto sobre Produtos Industrializados em automóveis, móveis e linha branca. "Dessa vez, foi a perspectiva desfavorável de produção [nos próximos meses] que mexeu com o humor dos empresários e influenciou a prévia", afirmou. Em meses anteriores, os estoques elevados eram as maiores preocupações.
Renda volta a cair em abril, aponta PME Depois de acelerar em ritmo mais forte no início do ano, o avanço dos salários começa a dar sinais de enfraquecimento. Em abril, como mostra a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), o rendimento médio real do trabalho recuou 0,6% sobre março, para R$ 2.028, quando já tinha diminuído 0,3% em relação ao mês anterior. No confronto com igual período de 2013, o ritmo ainda é forte, com alta de 2,6%, mas já está a um ponto percentual de distância da variação de janeiro, de 3,6%. Mariana Hauer, do banco ABC Brasil, afirma que a inflação elevada no mês passado ajudou a corroer o ganho dos salários. Em abril, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), deflator usado na pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acelerou de 5,6% para 5,8% em doze meses.
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A redução dos salários, contudo, é também um reflexo da perda de fôlego da atividade, pondera a economista. Caso se mantenha nos próximos meses, essa perda de valor pode motivar as pessoas que estavam fora do mercado - porque eram sustentadas pelo aumento da renda familiar, por exemplo - a buscar novamente uma vaga e pressionar o indicador de emprego. "Mas ainda não esperamos que a taxa suba muito neste ano. Ela deve oscilar em torno desses 4,9% que vimos em abril", estima. Rafael Bacciotti, da Tendências Consultoria, ressalta que, além da remuneração média, a massa de rendimentos - o volume de recursos efetivamente disponível para o consumo -, também diminuiu no mês passado, em 0,5% sobre março. A retração é a segunda consecutiva neste ano e resulta da combinação entre o ritmo fraco de geração de vagas e o menor aumento da renda por trabalhador. Divulgado ontem, o levantamento do IBGE mostrou que a taxa de desemprego passou de 5% para 4,9% em abril. A saída de pessoas do mercado de trabalho, traduzida nos números negativos de incremento da População Economicamente Ativa (PEA), continua sendo um dos principais responsáveis pela manutenção da taxa em patamar historicamente baixo. Em abril, a PEA caiu 0,1% sobre março e 0,8% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Mariana, do ABC Brasil, chama atenção para o crescimento da População não Economicamente Ativa (Pnea). Em relação a abril de 2013, o grupo daqueles com idade para trabalhar, mas que preferem não fazer parte do mercado de trabalho ganhou 772 mil pessoas, um aumento de 4,2%. "Isso reitera a análise de que os jovens demoram cada vez mais para entrar no mercado", diz. A ocupação continuou avançando modestamente. Nas seis regiões metropolitanas que compõem a amostra da pesquisa, ela subiu 0,1% tanto sobre o mês anterior como ante abril de 2013. O resultado veio em linha com o cenário mostrado nesta semana pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), com a indústria registrando a maior queda no nível de emprego, de 1,9% sobre março. Adriana Beringuy, técnica da coordenação de trabalho e rendimento do IBGE, observa que, mesmo os segmentos que poderiam ser estimulados pela Copa, como a construção civil e os serviços de alojamento, armazenagem e transporte, também não registraram um aumento significativo nas contratações até abril. "Temos de esperar o evento em si para ver se vai haver impacto positivo", afirma.
Para economistas, ação gera endividamento público 23
A defesa do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de que o apoio da instituição a projetos de empresas brasileiras no exterior favorece a exportação de bens e serviços de alto valor agregado, e traz, portanto, benefícios para a economia brasileira não se sustenta, segundo a maioria dos economistas ouvidos pelo Valor. Eles alegam que ao financiar investimentos de empresas brasileiras em outros países, o banco de fomento está gerando mais endividamento público - em um cenário onde quase não há espaço fiscal para tal. Para Marcos Mendes, doutor em economia pela Universidade de São Paulo (USP) e consultor legislativo no Senado Federal, a questão fundamental a ser analisada é que o Brasil tem poupança agregada muito baixa. "O BNDES é um banco público, que usa recursos públicos, e o governo brasileiro tem poupança negativa. Para botar dinheiro no BNDES para ele emprestar a alguém, o governo tem que ir a mercado e pegar poupança do setor privado emprestada", disse Mendes. Em sua análise, ao fazer isto para financiar obras fora do Brasil, o governo retira do mercado recursos que poderiam financiar investimentos no país. Segundo Mendes, a poupança nacional agregada (pública e privada) brasileira não passa de 15% do Produto Interno Bruto (PIB). "Em um ranking de 156 países, estamos em 112º lugar. Ou seja, estamos entre os 30% de mais baixa poupança", observou. O professor do Insper e especialista em contas públicas, Sério Lazzarini, concorda. "O BNDES argumenta que ao financiar projetos de empresas brasileiras no exterior não está deslocando recursos de outras áreas, mas no fundo está. Mesmo que o empréstimo em si não seja com condições subsidiadas, este recurso poderia ser aplicado em outro projeto, e a necessidade de subsídios poderia cair", observou. Ele e Mendes explicam que ao extrair dinheiro do mercado de crédito para repassar ao BNDES, a poupança disponível para financiar demais agentes da economia cai e o crédito fica mais caro para os candidatos a financiamento. Lazzarini questiona o que motiva estes financiamentos. "Até agora não vi nenhum estudo afirmando que sem o BNDES esses projetos não iriam para frente. O mercado está presente nos países onde o BNDES financia empreendimentos por meio de empresas brasileiras ou se trata mais de uma questão de importância geopolítica?", questionou. Mendes concorda: "Se as operações do BNDES para financiar investimento no exterior fossem, de fato, simples operações de apoio à venda de serviços de engenharia no mercado externo, os países beneficiados por essas vendas seriam definidos com base em critérios de mercado. Faz-se investimento em infraestrutura em todos os lugares do mundo, e nossas 'multinacionais da engenharia' deveriam estar buscando clientes em todos os continentes, mas 76% dos recursos foram direcionados a apenas quatro países", argumentou. São eles Angola (33%), Argentina (22%), Venezuela (14%) e Cuba (7%), de acordo com a apresentação do presidente do BNDES, Luciano Coutinho, ao Senado, em março. O ex-secretário de política econômica do ministério da Fazenda, Julio Gomes de Almeida, discorda da visão de Lazzarini e Mendes. Para ele o BNDES faz apenas o que qualquer banco de apoio a exportação de outros países faz, e justamente porque o Brasil não tem uma agência nestes moldes. "Japão, Coreia, Estados Unidos, todo mundo tem o seu eximbank, o BNDES faz o papel do nosso eximbank já que nós não temos", observou. Para ele, financiar projetos de empresas brasileiras é importante para estimular a internacionalização de empresas, e impulsiona também a exportação de serviços, equipamentos e bens brasileiros de uma maneira geral. Almeida afirma que a crítica ou a defesa da atuação do BNDES depende da concepção que a pessoa tem sobre a internacionalização de empresas. "Particularmente acho que os países emergentes que fizeram da globalização uma limonada foram países que conseguiram fazer 24
bem a dobradinha de exportar mais e por outro lado, internacionalizar suas empresas. A internacionalização de empresas é um item fundamental para se alcançar maior desenvolvimento", disse. Para ele, ao se internacionalizar, a empresa fica "prisioneira" de ser uma empresa de qualidade, produtiva, inovadora. E acrescenta que o BNDES só acumula muitos papéis porque o Brasil não tem o mercado de capitais bem desenvolvido, além de não possuir um sistema bancário que financia a prazos mais longos. "A atuação do BNDES da forma como é hoje é uma consequência de uma grande falha de mercado", continuou. Almeida reforçou a necessidade de ampliar investimentos e financiamentos para a aumentar a internacionalização de empresas brasileiras.
Novo ciclo de alta de juro entra em pauta A inflação desacelerou, a atividade enfraqueceu e o mundo tem mais apetite por ativos emergentes - o que fortalece o real ante o dólar. A combinação desses fatores deve servir de argumento para a interrupção do ciclo de aperto monetário iniciado em abril de 2013 na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da próxima semana, segundo a maior parte dos economistas ouvidos pelo Valor. Mais do que isso, esse cenário, que ganhou contorno mais definido nos últimos dias, pode colocar em xeque as apostas em uma nova onda de alta de juros - que constam dos cenários de boa parte dos entrevistados. Dos 42 economistas entrevistados, 38 acreditam que a Selic ficará inalterada em 11% no encontro do Copom de 27 e 28 de maio. A ideia de mais alguma elevação da Selic - entre 0,25 ponto e 0,5 ponto ainda este ano está no cenário de 27 deles. E a maioria (29) conta com mais altas em 2015. Três analistas preveem corte de juros no ano que vem, dois trabalham com estabilidade e cinco não apresentaram projeções para esse horizonte de tempo. Para o curto prazo, a desaceleração da inflação confirmada pelo IPCA de abril (+0,67%) e pelo IPCA-15 de maio (+0,58%) é um argumento fundamental para a expectativa de fim de ciclo. Afinal, o Banco Central deixou claro, em abril, que iria monitorar o cenário até o encontro seguinte para, então, decidir sobre os próximos passos. E, de fato, o choque dos alimentos, que provocou a disparada dos índices entre fevereiro e março, mostrou-se pontual. E não foi só a inflação que cedeu mais do que o antecipado. O desempenho da economia foi mais fraco e esbarrou no consumo e no mercado de trabalho, que ainda exibiam vigor. A queda das vendas no varejo, de 0,5% em março ante fevereiro, o recuo do IBC-Br, proxy do PIB mensal calculado pelo Banco Central, de 0,11%, e a geração tímida de empregos em abril, de pouco mais de 105 mil novas vagas, segundo o Caged, ilustram esse quadro. Sem falar nos indicadores de confiança da indústria, comércio e consumidor, que voltaram para níveis de 2009. "O quadro de atividade e confiança para baixo, e inflação de alimentos desacelerando em linha com o discurso do Banco Central corroboram a aposta em fim do ciclo em maio", diz o economista-chefe da MCM Consultores, Fernando Genta. Ele chama a atenção para o fato de o Banco Central ter dado, nas últimas manifestações de seus diretores, grande ênfase ao efeito defasado da política monetária, especialmente após a forte dose de alta de 3,75 pontos da Selic. De todo modo, Genta ainda trabalha com um cenário de novo ciclo de aperto monetário começando em janeiro, com uma dose adicional de 1,5 ponto do juro, o que levaria a Selic para 12,5%. "Acredito que o mercado pode passar por uma reavaliação de qual será o tamanho do novo aperto, mas ainda acredito ele será necessário", diz. Ele observa que muito da perda de confiança recente dos agentes econômicos tem a ver com a incerteza sobre qual será a política econômica da próxima gestão. "E isso vai se dissipar logo após as eleições", diz. 25
Já para Octavio de Barros, diretor do Departamento de Estudos e Pesquisas Econômicas do Bradesco, os indicadores de atividade podem, sim, colocar em xeque a necessidade de maior aperto monetário adiante. Ele espera a manutenção da Selic nos atuais 11% na próxima reunião e mantém em seu cenário base mais um ponto de alta até o fim de 2015. "Se o desânimo continuar prevalecendo e o cenário de racionamento se materializar, o esperado aperto monetário adicional não deverá ocorrer", afirma Mauro Schneider, economista-chefe da CGD Securities. Ele também conta com mais uma elevação de um ponto percentual da Selic, que terminaria 2015 em 12% ao ano. Isso por considerar as perspectivas para a inflação no médio prazo muito preocupantes. De todo modo, ele ressalta que o cenário para a atividade no próximo ano está em processo de deterioração, por conta da queda da confiança dos agentes econômicos, do risco de racionamento de energia e água e do espaço muito limitado para a adoção de medidas anticíclicas por parte do governo. Para Sérgio Silva, gestor da área macro e renda fixa da Quest Investimentos, o que pode ser discutido é a magnitude do aperto, e não o ciclo em si. "Vale ressaltar que ainda temos vários fatores que não só atividade vão impactar a decisão do BC. Nível do dólar, atividade global, perspectivas da inflação para 2015 e 2016 e resultado da defasagem das medidas de política monetária já implementadas". Carlos Kawall, economista-chefe do J.Safra, vê um novo ciclo de alta de juros logo após o segundo turno das eleições. Mas não descarta uma interrupção do aperto monetário se a atividade econômica tiver uma desaceleração mais profunda. No entanto, o ex-secretário do Tesouro Nacional lembra que o Brasil tem inflação resistente e inércia elevada, com o mercado de trabalho apertado. "Assim, acho a alta de juros pós-eleições o cenário mais provável", diz. Da mesma forma, Alessandra Ribeiro, economista da Tendências, reconhece que os indicadores de atividade têm surpreendido para baixo, mas pondera que não o suficiente para colocar em dúvida a necessidade de mais alta na taxa Selic. "O quadro inflacionário segue muito complicado e o risco de estouro do teto da meta no ano, elevado. A inflação de serviços não mostra tendência de perda de ritmo", afirma.
Juros recuam com sinais de economia mais fraca Os juros futuros passaram por uma nova onda de queda no pregão de ontem. O movimento foi alimentado pela percepção de que a atividade ainda fraca no Brasil e no exterior deve manter ou até reforçar os estímulos monetários globalmente. E, aqui, pode limitar o espaço para um novo aperto monetário no futuro.
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Segundo profissionais, a queda dos DIs reflete não apenas ajustes de posições como uma reavaliação do preço justo dos ativos. Na cena local, depois de consolidar a aposta de que o ciclo de alta de juros será interrompido em maio, o mercado começa a colocar em questão as perspectivas para uma segunda onda de aumento da Selic. A ideia de que a taxa voltará a subir continua valendo e claramente está colocada nos preços. Mas, com a atividade tão negativa, a convicção nesse movimento sofre os primeiros arranhões. "Havia plena certeza que, após o fim do ciclo, o próximo passo do Banco Central seria de alta de juros. Mas os recentes indicadores de atividade deixaram o mercado receoso em apostar com tanta força nesse cenário", explica um operador.
Há um mês, os DIs embutiam em seus preços uma elevação de cerca de dois pontos percentuais ao longo de 2015. No começo da semana, essa projeção já havia sido reduzida para 1,5 ponto. E, ontem, com a queda das taxas, a curva aponta para uma alta de apenas 1,25 ponto. Na quarta-feira, os dados do Caged, mostrando uma clara piora do mercado de trabalho, foram considerados fundamentais nessa nova leitura. O mercado de trabalho ainda apertado é considerado um importante motor para o crescimento econômico e também para a inflação. É a última variável que ainda resistia ao cenário geral de fraqueza econômica. Mas analistas chamam ainda a atenção para a recente piora dos dados de confiança. Ontem, a FGV informou que o índice de confiança da indústria cedeu 4,6% em relação a abril na prévia do mês de maio. Confirmada a leitura, a queda terá sido a maior no ano e o nível do indicador, o mais baixo desde junho de 2009. As questões locais acabam potencializando os efeitos do ambiente externo, bastante favorável a juros baixos. O debate a respeito de qual é o juro neutro americano, em meio a indicadores econômicos fracos nos Estados Unidos, mantém rendimento dos Treasuries em níveis baixos, ao redor de 2,5%, estimulando o apetite por risco. Ao mesmo tempo, a Europa discute novos estímulos monetários, reforçando a perspectiva de busca por melhores retornos e, consequentemente, fortalecimento das moedas de países emergentes. Foi nesse ambiente que a Turquia decidiu ontem cortar o juro básico de 10% para 9,5%. No fechamento do pregão, o DI de janeiro de 2017 tinha taxa de 11,81%, de 11,91% na véspera. O vencimento de janeiro de 2016 fechou em 11,55%, ante 11,62% da sessão anterior. Seguindo o mesmo movimento, o rendimento das NTN-Bs, títulos públicos atrelados ao IPCA, voltou a ceder. O papel com vencimento em 2050, o mais longo da dívida interna, foi negociado ontem a 6,12%. Para se ter uma ideia, em leilão realizado pelo Tesouro nesta semana, o retorno ao investidor havia ficado em 6,24%.
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Após alívio em abril, geradoras esperam pelo pior A exposição das geradoras de energia hídrica ao mercado de curto prazo foi praticamente nula em abril, livrando as companhias de um gasto bilionário. Em março, como as hidrelétricas entregaram um volume 6% menor que o previsto em seus contratos, a geradoras tiveram de comprar essa energia pelo preço spot, o que lhes custou R$ 2 bilhões. Em todo primeiro trimestre, a conta já se aproximou de R$ 3 bilhões. Sempre que há um déficit na geração, as empresas precisam comprar a diferença no mercado para atender 100% da quantidade assegurada aos seus clientes. Apesar do breve alívio em abril, as perspectivas para o restante do ano continuam ruins, afirmou o diretor de planejamento e controle da Tractebel, Edson Luiz da Silva. Segundo ele, o rombo na oferta de energia hídrica pode custar ao setor entre R$ 13 bilhões e R$ 24 bilhões neste ano. O valor final vai depender do comportamento dos preços. Em julho, estima-se que o déficit na produção hídrica possa saltar para 13%, cenário que, se concretizado, levaria as geradoras a uma exposição de até R$ 3,75 bilhões somente naquele mês se o preço spot do megawatt-hora permanecer no teto regulatório, de R$ 823. De acordo com Silva, o fator de geração das hidrelétricas, conhecido pela sigla GSF, voltou a se aproximar de 1 em abril, o que correspondeu a 100% do volume assegurado no sistema hidroelétrico nacional. Quando o GFS é menor que 1, as geradoras ficam descobertas (short) e precisam comprar energia no mercado disponível. Em abril, o Operador Nacional do Sistema (ONS) voltou a puxar mais energia das hidrelétricas. Ao que tudo indica, isso foi feito para compensar, temporariamente, uma menor geração nas usinas nucleares, disse Silva. É a primeira vez que isso ocorre neste ano, já que as hidrelétricas têm sido poupadas devido à escassez de água. Em março, o GSF das hidrelétricas caiu para 0,94, o que correspondeu a um déficit de 6% em relação ao total contratado. Essa exposição custou ao setor R$ 1,88 bilhão. Nos meses de janeiro e fevereiro, o GSF também havia sido menor que 1, alcançando 0,96 e 0,98, respectivamente, levando a uma exposição de R$ 580 milhões em janeiro e de R$ 510 milhões. Com exceção de abril, é esperado que o GSF volte a despencar, atingindo 0,96 em maio e 0,90 em junho. Em julho, o GSF pode mergulhar para 0,87, o mais baixo patamar do ano, oscilando entre 0,89 e 0,91 entre agosto e setembro. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira dos Autoprodutores de Energia (Abiape), Mario Menel, os custos com o GSF só agravam os problemas no setor elétrico. A Abiape reúne 11 grandes grupos industriais, como Vale, Votorantim, Alcoa e Gerdau, que investem em empreendimentos de geração de energia para reduzir custos, como na usina de Belo Monte. Os autoprodutores possuem 7,2 mil MW de capacidade instalada. Na avaliação de Menel, o mercado livre de energia caminha para a "extinção" após as medidas anunciadas pelo governo, que destinou 100% da produção das hidrelétricas que tiveram suas concessões renovadas para as distribuidoras (mercado regulado). Desde 2010, os autoprodutores não investem em novos projetos, o que diminuiu de 6,4% para 5,7% a participação detida por essas empresas na capacidade instalada de geração de energia do país, disse o executivo. Menel e Silva participaram ontem de um seminário promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). 28
Montadoras sentem a força da desaceleração da economia Está difícil para o governo, e talvez não seja conveniente, encontrar formas de amenizar os efeitos da redução da produção de automóveis neste ano. A economia toda está se movendo em marcha lenta e, no passado recente, os recordes sucessivos de fabricação das montadoras foram, em boa parte, turbinados pela redução ou zeragem do IPI. Agora, uma conjunção de fatores leva o setor a se adequar a um ritmo bem mais moderado do consumo. Em dez anos (2003 a 2012), a produção de veículos (incluindo ônibus e caminhões) praticamente dobrou, de 1,8 milhão de unidades para 3,4 milhões. Com isso, a relação do número de habitantes por carro encolheu de 2003 até o ano passado em 40%, de 8,4 para 5, enquanto que o país passou a possuir a sétima maior frota mundial e tornar-se o quarto maior mercado do globo. Uma da consequências desse êxito pode ser vista nas ruas das grandes cidades. Sem planejamento, o trânsito dos centros urbanos se tornou um inferno após vários anos de recordes na produção de carros. O consumo reprimido de um bem que é símbolo de status social embalou as montadoras, mas não só ele. Os preços ficaram até relativamente bem comportados com o ganho de escala, houve desoneração de impostos, enquanto que a oferta de crédito deu um salto e o preço dos combustíveis foi excessivamente contido - subsidiando a demanda. Esse período de bonança parece ter chegado ao fim, ou, pelo menos foi interrompido por um bom tempo. As montadoras tinham em 2012 uma capacidade de produzir 4,5 milhões de unidades e, no passado, a produção atingiu os 3,7 milhões de veículos. No primeiro quadrimestre, a produção recuou 12% e as vendas, 5%. Os estoques nos pátios das fábricas e revendas atingiram o maior nível desde a crise de 2008 e estima-se que haja uma capacidade ociosa, hoje, em torno dos 30%, que deve crescer. As montadoras sempre foram protegidas por uma alta alíquota de importação. Ainda assim, o governo resolveu conter as compras externas, que dispararam com o real forte. Ele taxou mais as empresas que não tinham fábricas instaladas no país. Novos competidores continuam chegando em um mercado que pode encolher pelo resto da década. A válvula de escape das exportações não está funcionando, em uma indústria formada integralmente por empresas estrangeiras, cujo objetivo principal é explorar o mercado doméstico. De 1940 até 2012, o saldo acumulado de exportações e importações de autoveículos e máquinas agrícolas foi de apenas US$ 1,5 bilhão. No ano passado a indústria exportou 563 mil veículos, mas em 2014 o mercado externo tem lhe causado dissabores. Os principais mercados consumidores estão em retração ou estagnados. A exportação para a Argentina - são mais de 80% do total - caiu 26,2% no primeiro quadrimestre. Para o México, destino de 8% das vendas externas, a queda foi de 66%. E as vendas para a Venezuela, que já foi um cliente importante, estão em queda livre, associada à falta de dólares para pagamento. No front externo, assim, pouco pode ser feito. Há a queda de poder competitivo da produção brasileira, que um realinhamento cambial demora a trazer de volta. O principal parceiro comercial tem problemas cambiais e joga duro na mesa de negociações para que o saldo comercial lhe seja mais favorável. No mercado doméstico, onde o governo tem se mostrado sempre sensível aos pleitos das montadoras, há medidas em estudo, embora cercadas de dúvidas sobre sua eficácia ou mesmo conveniência. O governo namorou com a ideia de criação de um fundo para garantir os bancos 29
e deslanchar de novo o crédito para a compra de carros. Os grandes bancos puseram o pé no freio das concessões, pois nesse ramo específico a inadimplência foi mais alta. Isso significa que, para eles, quanto maior for a oferta de empréstimos, mais o calote vai subir. É improvável que um fundo resolva um problema que, de fato, é de disponibilidade de renda. Ao longo do tempo, as montadoras obtiveram boa flexibilidade trabalhista. Surgiu agora a intenção de reduzir a jornada de trabalho, com parte da perda do salário dos trabalhadores sendo paga pelo governo. Não prosperou porque não é possível, nem legítimo, criar esse esquema apenas para a indústria automobilística e não para todos os setores da economia. O dilema com o problema dos carros é o mesmo da política econômica: estimular o consumo dá cada vez menos resultados.
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