A Arte de Viver no Século XXI
A ARTE DE
ESCOLHER SABER
Guia para uma outra versão de nós mesmos
Margarida Gaspar de Matos
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PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação
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ISBN edição impressa: 978-989-693-171-1 1.ª edição impressa: março 2024
Paginação: Carlos Mendes
Impressão e acabamento: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda. – Venda do Pinheiro
Depósito Legal n.º 528492/24
Capa: José Manuel Reis
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Introdução
Um penoso parto
Dizia Yuval Noah Harari, antes de saber que íamos passar por uma pandemia:
“Se a fome, as epidemias e as guerras estão a desaparecer, se a humanidade vive um período de paz e prosperidade sem precedentes, se a esperança de vida tem aumentado tanto, então tudo isso significa que os humanos serão mais felizes, certo? Não. Quando Epicuro definiu a felicidade como o bem supremo, avisou os seus discípulos de que ser feliz dá muito trabalho.”
Yuval Noah Harari, Homo Deus: História Breve do Amanhã, 2017, Elsinore, p. 44
A maior parte dos leitores desconhece o que se passa antes de um livro ser escrito. Quando um autor procura ideias, produz vários textos e encontra um editor.
Depois de vários anos a escrever com a minha equipa, maioritariamente livros técnicos para profissionais de saúde mental, surgiu a vontade de escrever obras para o grande público, partilhando conhecimentos e experiências. Tinha, também, a proposta de escrever sobre saúde mental, pessoas felizes e com saúde, e como ajudar outras pessoas a tornarem-se mais felizes e a sentirem-se bem no seu dia a dia. A minha ideia era escrever sobre as vivências do quotidiano, os seus prazeres e as suas dores,
sobre reflexões e mudanças que as pessoas podem procurar para melhor usufruir da vida que têm, assim como a abertura e a flexibilidade necessárias para tal.
Esbocei este texto, em 2018, durante a minha licença sabática, em Toulouse. Entretanto, a pandemia levou-nos a todos a um outro patamar de reflexão. Ficou mesmo difícil falar sobre “pessoas felizes e com saúde, e como ajudar outras pessoas a tornarem-se mais felizes e a sentirem-se bem no seu dia a dia”.
Concluí outros projetos editoriais, sobretudo centrados nos adolescentes e jovens1, e este foi ficando para trás, estranhamente, porque o tema tornou-se cada vez mais o centro das preocupações dos cidadãos.
Vou começar por contar a história que deu origem ao livro, ou pelo menos ao seu título: Epicteto foi um escravo, filho de uma escrava, que se tornou num filósofo conceituado no Império Romano. Nasceu pelo ano 55 d.C. e deixou-nos a Arte de Viver, traduzida por Carlos de Jesus2. O livro de Epicteto estende-se ao longo de 53 secções de “um livrinho para se ter sempre à mão”, como foi chamado no século ii por um outro filósofo. Não sei se a tradução está excelente, pois não só não conhecia Epicteto como desconheço o grego. Mas o português da tradução está sublime.
A Arte de Viver é um manual que se recomenda como uma curiosidade nas suas circunstâncias, mas que, visto
1 Matos, M.G. (2020). Adolescentes: As suas Vidas, o seu Futuro. Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Matos, M.G. (2021). Adolescentes: Tudo o que sempre quis saber sobre o que pensam, o que desejam, o que sentem. Oficina do Livro.
Matos, M.G. (2020). Liga-te na boa: A uma net segura! Nuvem de Letras.
2 Epicteto. (2023). A arte de viver. (C. de Jesus, Trad; 4ª ed.). Edições Sílabo. ©
do século xxi, revela um pensamento por vezes rígido, austero e conservador. Diria até algo abominável para a condição feminina, aqui reduzida ao absurdo da coisificação, e onde se usam expressões como “resignação”, “abnegação” e “a virtude das mulheres” que me enchem de dúvidas e arrepios.
Mas, na verdade, estávamos no século i e foi muito interessante, ao longo das páginas sentir um homem a pensar, ele próprio vítima das circunstâncias da vida e do seu tempo. Li o livro com curiosidade e interesse, embora com esforço para me situar no século i.
Pensei usar esta obra como musa, situando-a no meu século e nas minhas circunstâncias, levando os leitores e as leitoras numa viagem ao longo de três reflexões, baseadas na Ciência e na Existência no nosso tempo:
1 – Quem somos, o que valorizamos e o que fazemos;
2 – Distanciar e aceitar, mudar e viver;
3 – Olhar para dentro e para fora de nós.
Escrevi este livro para as pessoas, não necessariamente jovens, mas para adultos. Ao reler e editar aqui, em 2024, nem posso crer que, entretanto, sobrevivemos a uma pandemia.
E assim nasceu a ideia de:
A Arte de Viver no século xxi
– A Arte de Saber Escolher
(“um livrinho para se ter sempre à mão”, de leitura simples e descomplicada, mas com fortes raízes na Ciência Psicológica do nosso tempo).
1Quem Somos, o que
Valorizamos e o que Fazemos
Escolher as maçãs
Se formos presenteados com uma tijela de maçãs e apenas tivermos fome, ou tempo, para comer uma, certamente, olhamos para as maçãs e escolhemos a nossa favorita: para alguns será a mais rija, para outros a mais macia, para uns a maior, para outros a mais pequena, a mais amarelinha, a mais vermelha ou a mais verde. Uns apalparão as maçãs ligeiramente e outros cheirarão antes de escolher. Se houver doze maçãs para escolher uma, muito provavelmente escolher-se-á com base no critério de gosto ou estilo pessoal (ou ainda nas circunstâncias).
Podemos questionar-nos em cada escolha, “porque escolhemos esta ou aquela maçã?”, e chegaremos a respostas simples como “pareceu-me a mais apetitosa” ou “estava mesmo a olhar para mim”.
Na realidade, há um critério pessoal que nos leva a valorizar mais a cor, o cheiro, a textura, o grau de amadurecimento, se são caraterísticas que associamos a um sabor
que valorizamos mais ou que nos está a apetecer mais naquele momento. Assim, por exemplo, as maçãs rijas e vermelhinhas são mais aciduladas e excelentes se estamos ligeiramente nauseados; as maçãs acastanhadas e macias, tipo reineta, são as melhores se queremos fazer um crumble; e as maçãs firmes, de pele luzidia, são as que mais apetece trincar e comer pelo caminho.
A arte de viver no século xxi é muito provavelmente a arte de saber escolher, de ser capaz de desenvolver um estilo pessoal, que nos aproxime de nós e do que valorizamos.
Saber escolher, com abertura para as alternativas (e mesmo para o erro), com curiosidade, abertura e flexibilidade, de acordo com as necessidades e com as circunstâncias, mantendo-nos próximos do que valorizamos, do que nos faz vibrar e do que para cada um de nós é importante.
Ao contrário do que aconteceria no tempo de Epicteto (pelo menos visto dos olhos deste século), em que abundava a precariedade e o dia a dia era passado, muito provavelmente, a “matar o tédio” (ou a tentar sobreviver), no século xxi as solicitações são muitas (provavelmente demais) e a arte de viver implica ser capaz de escolher, ter um conjunto vasto de estratégias e competências que permitem ir indo, com curiosidade, abertura e flexibilidade, ao encontro de uma vida que nos faça sentido e de acordo com o que valorizamos.
Como dizem os velejadores experimentados, “não é possível controlar o vento, mas é sempre possível ajustar as velas levando-as a tirar o melhor partido do vento, e claro há sempre o motor, os remos, a âncora e o porto de abrigo, para qualquer emergência”.
As nossas prioridades
NA PRÁTICA
Proponho agora, se estiver de acordo, um exercício pessoal:
1. Agarre numa folha de papel, no sentido horizontal, e faça dois traços verticais paralelos de modo a dividir a folha em três colunas.
2. Faça, na primeira coluna, uma lista de coisas, situações ou pessoas que neste momento aprecia, que são importantes para si, que valoriza ou que de algum modo lhe fazem sentido no seu dia a dia e na vida.
3. Marque, na segunda coluna, para cada elemento da lista: “hoje”, “ontem”, “semana” e “mês”, querendo com isso dizer que fez essas coisas ou que esteve com essas pessoas no respetivo período.
4. Observe as partes da lista que ainda não têm qualquer indicação.
São necessariamente coisas, situações ou pessoas que aprecia, que são importantes para si e que lhe fazem sentido no dia a dia e na vida, mas com o que, ou com quem, no entanto, não teve contacto no último mês. O meu desafio seguinte é que se motive para fazer coincidir estas duas listas: “o que acha importante” e “o que faz na realidade”:
1. Crie um plano de ações úteis, por pequenas que sejam, que o aproximem do que valoriza e do que acha importante.
2. Escreva na terceira coluna: os seus “planos pessoais para se aproximar do que para si é importante”. Se preferir pode dividir esta última coluna em dois, discriminando as suas ações enquanto “útil” (para se aproximar do que valoriza) ou “inútil” (caso seja prejudicial para se aproximar do que valoriza).
Para este exercício pode usar o ANEXO 2, disponibilizado no fim do livro.
Distanciar, Aceitar, Mudar e Viver
A falar e a “desentender-se”?
Face a situações de fragilidade na vida, as pessoas dedicam uma parte significativa do seu tempo e energia para combater emoções, pensamentos, sensações, enfim, tudo o que as faz sofrer.
Apesar dessa luta, ou talvez exatamente por essa luta, não conseguem deixar de pensar ou sentir, nem sobra energia para ver que estes pensamentos e emoções não são realmente úteis para nos aproximar do que valorizamos, do que nos é importante.
É como se as pessoas ficassem “fundidas” com um pensamento, ou uma emoção, inútil para o seu bem-estar e para a resolução do assunto, de tal modo que, naquela altura, tudo o resto, por muito agradável e importante que seja, fica sem possibilidade de ser vivido.
As pessoas ficam agarradas àquela etiqueta, como se tivessem um post it colado na testa; como se aquela etiqueta fosse um descritor adequado de si ou como se não houvesse mais nada de si, para além da etiqueta.
Muitas pessoas seguem regras verbais, como “tenho de estar sempre a controlar as minhas emoções”, ou “não consigo viver a minha vida enquanto tiver motivos para estar triste” ou “tenho de fazer isto ou aquilo para ter valor”.
Quando se deixam invadir por estes pensamentos, grudantes que nem etiquetas, passam-lhes ao lado potenciais fontes de satisfação e bem-estar, de encontro consigo e muitas vezes nem dão por isso, de tão focadas estão em combater e vencer emoções dolorosas e obrigações que assumem.
Quando persistem nesta sua luta, desenvolvendo uma grande insensibilidade face ao ambiente, “colam” ao seu estado interior e alheiam-se completamente da vida que continua à sua volta.
Toda esta insensibilidade ao ambiente, provocada pela “fusão” a determinados pensamentos e emoções intrusivas, não as deixa usufruir de “pequenos nadas” agradáveis, nem mesmo testar a veracidade das suas regras verbais “catastróficas”.
Quando tentamos conversar sobre isso, as pessoas voltam a “fundir” ao passado e a regras verbais rígidas, afirmando coisas como “eu sou assim”, “eu sempre fui assim” e “já quando eu era miúdo, não era capaz”.
3 Olhar para “Dentro e Fora de Nós”
O nosso espaço interior
Quando passamos por maus momentos, tendemos a limitar toda a nossa vida a esses episódios, como se não houvesse ontem nem amanhã, como se não houvesse mais nada em nós (importante e interessante) que não fosse esse sofrimento.
Deixamos de ser nós, com toda a nossa complexidade, espessura e riqueza, e passamos a ser só um enorme sofrimento que nos invade e limita.
Mas, na realidade, nós somos mais do que essa crise pontual, existimos para além da crise e não nos esgotamos nela. Continuamos nós próprios.
Todos nós já nos sentimos destroçados e sem energia, somos os mesmos “nós” que já tiveram momentos de sucesso, de afeto e força, do mesmo modo como já passámos por outros menos positivos.
Todos temos várias facetas da nossa identidade, vários “pacotinhos de nós” com os quais passeamos pelo mundo, pelos nossos contextos de vida: nós com os colegas, nós com os filhos e netos, nós com o namorado/a ou marido/esposa, nós com o vizinho irritante, nós com o chefe impertinente, nós com o amigo do peito, etc. Como vimos, há pessoas e situações que nos põem no nosso melhor e outras, pelo contrário, que nos intoxicam e levam a extremos negativos.
A única coisa comum a todos estes momentos é a continuidade de nós e da nossa experiência, que os atravessa e que nos mantém “nós mesmos”, apesar desta oscilação do “eu no seu melhor” ao “eu no seu pior”, em função dos diferentes contextos de vida e dos nossos interlocutores.
Nós somos o “palco” por onde espreitamos o mundo e a nossa relação com ele.
Podemos aprender a ser capazes de ir buscar às nossas memórias de sucessos o “nós” que lá esteve e conseguiu ser bem-sucedido, assim como identificar o que é que fez com que, nessa situação, tivéssemos tido sucesso e ser capazes de identificar padrões de comportamentos bem-sucedidos (nos maus momentos, por vezes, fazemos exatamente o contrário e recordamos todas as memórias de insucesso para nos convencer que, realmente, somos um fracasso).
Identificar padrões de sucesso e insucesso da nossa história, ajuda a retirar aos insucessos o poder de definir (limitar) o nosso presente.
NA PRÁTICA ANEXO 1
Pessoas, coisas e situações que valoriza
Pessoas, coisas e situações tóxicas ou desinteressantes
NA PRÁTICA ANEXO 8
Situações ou pessoas fonte de aborrecimento:
Qualidades que lhes reconheço:
Situações ou pessoas fonte de inspiração:
Características que não lhes aprecio:
A Arte de Viver no Século XXI
A ARTE DE
ESCOLHER SABER
A Arte de Saber Escolher é um guia para uma outra versão de nós mesmos.
Através de uma escrita acessível, Margarida Gaspar de Matos questiona e desa a o leitor a re etir sobre as suas escolhas de vida.
Já deu por si com di culdade em parar para re etir sobre os seus
últimos anos? Vivemos numa era de constante mudança, não temos tempo para parar e aproveitar o momento, pois estamos constantemente preocupados com o que se segue.
Não nos permitimos re etir, valorizar ou distanciar.
No presente livro, a autora lança o desa o ao leitor de dedicar tempo a pensar em si, a pensar no seu quotidiano, com os seus prazeres e com as suas dores, levando-o a re etir nas mudanças que pode tentar para melhor usufruir da vida que tem, permitindo-se ser mais feliz e sentir-se bem com as suas escolhas.
Embarque nesta viagem baseada na Ciência Psicológica e na existência neste tempo presente.