O Que Devo Saber sobre Tempestades de Fogo -(9789897528859)

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Vegetação e Combustíveis Propriedades da vegetação Modelos de combustível Comportamento Extremo do Fogo Comportamento dinâmico do fogo Modos de comportamento extremo do fogo

Simulação Numérica dos Processos Físicos Simulação numérica Processos físicos nos incêndios florestais Simuladores numéricos de modelos empíricos e semiempíricos Simuladores numéricos dos modelos físicos Modelos acoplados de fogo-atmosfera Conclusões e direções futuras

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Proteção das Comunidades Introdução e enquadramento Planeamento Antes do incêndio Durante o incêndio Após o incêndio Notas finais Conclusões

No projeto FireStorm, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, equipas de investigação da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial da Universidade de Coimbra, do Departamento de Ambiente da Universidade de Aveiro, do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, com a colaboração de diversas pessoas e entidades, estudaram os processos associados aos grandes incêndios florestais, a fim de melhorar a compreensão existente sobre os mesmos. Neste livro apresentam-se os principais resultados desse estudo, numa abordagem que se propõe ser acessível ao cidadão comum (mesmo não dispondo de formação prévia na temática dos incêndios florestais), com o objetivo de lhe facultar os conceitos básicos, necessários para compreender o que são os grandes incêndios, e de despertar a sua curiosidade para aprofundar conhecimentos.

ISBN 978-989-752-885-9

9 789897 528859

Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto PCIF/GFC/0109/2017.

Domingos Xavier Viegas

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Impacto do Fumo Emissões Dispersão Efeitos

Os grandes incêndios florestais que têm assolado Portugal e vários outros países, nos últimos anos, constituem autênticas «tempestades de fogo», tal é o seu poder destrutivo, a sensação de incapacidade e o medo que induzem em quem tem de enfrentá-los. Apesar de todos os esforços da sociedade, constituem um fenómeno que continuará a fazer parte da realidade dos desastres que ocorrem na Natureza, com potencial crescente para atingir qualquer lugar ou pessoa. Por este motivo é importante que todos os cidadãos disponham de um conhecimento, pelo menos básico, dos principais conceitos e processos físicos associados ao desenvolvimento dos grandes incêndios – o que inclui a meteorologia, os combustíveis, a sua ignição e propagação, bem como a emissão e a dispersão do fumo e o seu impacto sobre as pessoas e o ambiente.

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Condições Meteorológicas e Clima Um clima em mudança e implicações nos incêndios florestais Alterações climáticas em Portugal e o alargamento da época de incêndios Os grandes incêndios em Portugal Os padrões de circulação sinótica e a distribuição dos grandes incêndios em Portugal Variabilidade vertical das condições meteorológicas nas zonas de montanha Interação entre escoamentos atmosféricos e os incêndios florestais: uma perspetiva observacional oferecida por radares meteorológicos

O que devo saber sobre tempestades de fogo?

10,6mm

O que devo saber sobre tempestades de fogo?

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Apresentação Nota sobre os incêndios florestais em Portugal O que são tempestades de fogo

17,2 x 24 cm

17,2 x 24 cm

9 x 24 cm

C oorde na ç ã o

Domingos Xavier Viegas

O que devo saber sobre tempestades de fogo?

Domingos Xavier Viegas é Professor Catedrático Convidado do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra e diretor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial. Tem-se dedicado ao estudo dos incêndios florestais desde 1985, em várias temáticas, mas, em especial, na área do comportamento do fogo e da segurança pessoal. Participou em 70 projetos de investigação com financiamento nacional e internacional, alguns dos quais coordenou. Promoveu a criação do Laboratório de Estudos sobre Incêndios Florestais, na Lousã. É autor de mais de uma centena de artigos publicados em revistas internacionais, tendo colaborado na publicação ou edição de mais de quatro dezenas de livros. Dirigiu 19 teses de doutoramento e promoveu a realização de nove conferências internacionais sobre investigação em incêndios florestais, assim como de várias dezenas de cursos especializados sobre esta temática. Foi distinguido pela International Association of Wildland Fire com o Wildland Fire Safety Award em 2017 e com o Ember Award em 2022.


O QUE DEVO SABER SOBRE TEMPESTADES DE FOGO? COORDENAÇÃO

DOMINGOS XAVIER VIEGAS

Lidel – edições técnicas, lda. www.lidel.pt


ÍNDICE AUTORES .........................................................................................................................................................

V

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................. VII GLOSSÁRIO  ....................................................................................................................................................................

XI

SIGLAS E ACRÓNIMOS .................................................................................................................................... XV EXTRATEXTO A CORES .................................................................................................................................... XVII CAPÍTULO 1 • Apresentação .............................................................................................................................................

1.1. Nota sobre os incêndios florestais em Portugal .................................................................................. 1.2. O que são tempestades de fogo ................................................................................................................. CAPÍTULO 2 • Condições Meteorológicas e Clima .................................................................................................

2.1. Um clima em mudança e implicações nos incêndios florestais ................................................... 2.2. Alterações climáticas em Portugal e o alargamento da época de incêndios ........................ 2.3. Os grandes incêndios em Portugal ............................................................................................................ 2.3.1. A seca, as ondas de calor e os incêndios florestais em Portugal .................................... 2.3.2. Relação entre os incêndios florestais e a seca ao nível das NUT3 .................................. 2.4. Os padrões de circulação sinótica e a distribuição dos grandes incêndios em Portugal ......................................................................................................................................................... 2.4.1. Os tipos de tempo: frequência ........................................................................................................ 2.4.2. Os eventos extremos de incêndios florestais, dias críticos e tipos de tempo críticos ......................................................................................................................................................... 2.4.3. Os tipos de tempo críticos: padrão sinótico médio, características meteorológicas e anomalias médias ........................................................................................... 2.4.4. Distribuição regional dos grandes incêndios .......................................................................... 2.4.5. O índice meteorológico de perigo de incêndio florestal, o FWI e os tipos de tempo críticos ................................................................................................................................... 2.5. Variabilidade vertical das condições meteorológicas nas zonas de montanha .................. 2.6. Interação entre escoamentos atmosféricos e os incêndios florestais: uma perspetiva observacional oferecida por radares meteorológicos ...................................

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CAPÍTULO 3 • Vegetação e Combustíveis ..................................................................................................................

3.1. Propriedades da vegetação ........................................................................................................................... 3.1.1. Classificação dos combustíveis florestais .................................................................................. 3.1.2. Propriedades dos elementos combustíveis ............................................................................. 3.1.3. Propriedades do leito combustível ............................................................................................... 3.2. Modelos de combustível ................................................................................................................................

1 1 6 9 10 12 14 14 16 17 18 18 19 22 23 24 28 35 35 35 37 41 45

CAPÍTULO 4 • Comportamento Extremo do Fogo ................................................................................................. 51

4.1. Comportamento dinâmico do fogo .......................................................................................................... 51 4.1.1. Modos e tipos de comportamento ............................................................................................... 51


IV • O QUE DEVO SABER SOBRE TEMPESTADES DE FOGO?

4.1.2. O triângulo dos fatores do fogo................................................................................................ 54 4.1.3. Velocidade básica de propagação: efeito do teor de humidade................................... 56 4.1.4. Efeito do declive e do vento....................................................................................................... 57 4.1.5. O quadrado dos fatores do fogo............................................................................................... 57 4.1.6. Comportamento oscilatório do fogo...................................................................................... 58 4.1.7. Papel da estrutura vertical da atmosfera............................................................................... 59 4.2. Modos de comportamento extremo do fogo ...................................................................................... 60 4.2.1. Comportamento eruptivo do fogo.......................................................................................... 60 4.2.2. Fogos de junção.............................................................................................................................. 61 4.2.3. Vórtices de fogo.............................................................................................................................. 62 4.2.4. Focos secundários.......................................................................................................................... 63 4.2.5. Fogos de copas................................................................................................................................ 64 CAPÍTULO 5 • Impacto do Fumo ..................................................................................................................................... 65

5.1. Emissões ................................................................................................................................................................. 5.2. Dispersão ................................................................................................................................................................ 5.3. Efeitos ....................................................................................................................................................................... 5.3.1. Saúde ........................................................................................................................................................... 5.3.2. Visibilidade ...............................................................................................................................................

66 68 70 70 72

CAPÍTULO 6 • Simulação Numérica dos Processos Físicos ................................................................................. 75

6.1. Simulação numérica ......................................................................................................................................... 6.2. Processos físicos nos incêndios florestais ............................................................................................... 6.3. Simuladores numéricos de modelos empíricos e semiempíricos .............................................. 6.4. Simuladores numéricos dos modelos físicos ........................................................................................ 6.5. Modelos acoplados de fogo‑atmosfera .................................................................................................. 6.5.1. Vantagens e inconvenientes ............................................................................................................ 6.6. Conclusões e direções futuras .....................................................................................................................

75 76 79 81 85 87 87

CAPÍTULO 7 • Proteção das Comunidades ................................................................................................................ 89

7.1. Introdução e enquadramento ...................................................................................................................... 89 7.2. Planeamento ........................................................................................................................................................ 91 7.3. Antes do incêndio .............................................................................................................................................. 92 7.3.1. Prevenção .................................................................................................................................................. 92 7.3.2. Preparação ................................................................................................................................................ 99 7.4. Durante o incêndio ............................................................................................................................................ 104 7.5. Após o incêndio .................................................................................................................................................. 105 7.6. Notas finais ............................................................................................................................................................ 107 CAPÍTULO 8 • Conclusões .................................................................................................................................................. 109 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................. 111 ÍNDICE REMISSIVO .......................................................................................................................................... 121


AUTORES COORDENADOR E AUTOR Domingos Xavier Viegas

Diretor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEIF) da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI)/Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica (LAETA)/ Universidade de Coimbra. Professor Catedrático Convidado do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. Coordenador do projeto FireStorm.

AUTORES Álvaro Pimpão Silva

Colaborador da Organização Mundial da Meteorologia. Licenciado em Geografia e Mestre em Sistemas de Informação Geográfica.

Ana Isabel Miranda

Professora Catedrática no Departamento de Ambiente e Ordenamento da Universidade de Aveiro. Parti‑ cipou em 30 projetos nacionais de investigação, coordenando cinco, e em 25 projetos europeus, sendo a responsável científica nacional de quatro desses projetos. O seu trabalho de investigação na área da qualidade do ar resultou na publicação de mais de 650 trabalhos científicos. Além disso, é responsável pela orientação de 40 teses de mestrado e 12 teses de doutoramento concluídas.

Carlos Borrego

Professor Emérito de Engenharia do Ambiente da Universidade de Aveiro. Trabalha há mais de 46 anos nos desafios ambientais, representa Portugal em vários conselhos e comités científicos nacionais e in‑ ternacionais, tem experiência em consultoria profissional. Foi investigador principal de 72 projetos de investigação, responsável por 21 teses de doutoramento, 34 dissertações de mestrado e ensinou mais de 3000 alunos de mais de 40 cursos.

Carlos Ribeiro

Mestre em Engenharia Mecânica desde 2014 pela Universidade de Aveiro. Tem duas pós­‑graduações na área da Proteção Civil: Gestores de Emergência e Socorro e Gestão Municipal de Proteção Civil. É inves‑ tigador no CEIF­‑ADAI na área do comportamento extremo de fogo.

Daniela Alves

Mestre em Engenharia do Ambiente pela Universidade de Coimbra. É investigadora no CEIF­‑ADAI na área da meteorologia aplicada aos incêndios florestais.

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Diogo Lopes

Investigador da Universidade de Aveiro, com um doutoramento em Engenharia Civil pela Universidade de Macau. Participou em 19 projetos internacionais/nacionais (coordenando dois) e em atividades de consultoria ambiental relacionadas com a estimativa de emissões e modelação numérica da poluição atmosférica. A sua atividade técnico­‑científica inclui a publicação de mais de 100 documentos e a orien‑ tação de alunos a nível nacional e internacional.


VI • O QUE DEVO SABER SOBRE TEMPESTADES DE FOGO?

Ilda Novo

Licenciada em Física e Mestre em Engenharia das Ciências da Terra, vertente Meteorologia, pela Faculda‑ de de Ciências da Universidade de Lisboa. Meteorologista no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Carreira profissional na área da previsão do tempo, estudando, na última década, a relação das condições meteorológicas nos incêndios florestais.

Isilda Cunha Menezes

Licenciada em Ciências Geofísicas, na variante meteorológica. Possui mestrado em Clima e Ambiente Atmosférico e doutoramento em Ciências Agrárias, especialidade em Ciências Florestais. Entre 2002 e 2021, trabalhou em projetos nacionais e internacionais, na área da meteorologia, floresta e vinha, e na modelação, e deu aulas de Física. Desde 2021 é a principal investigadora de um projeto científico.

João Ferreira

Técnico Superior do IPMA. Mestre em Ciências Geofísicas – especialização em Meteorologia.

João Rio

Meteorologista. Mestre em Engenharia das Ciências da Terra, vertente Meteorologia, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

José Guilherme Góis

É atualmente IT/Data Science Developer na Roche. Mestre em Engenharia Mecânica pela Universidade de Coimbra. Foi bolseiro de investigação na ADAI.

José Pereira

Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica do Instituto Superior Técnico (IST). Especialista em Mecânica dos Fluidos Computacional aplicada a escoamentos com transmissão e calor, turbulência ou combustão.

Luís Mário Ribeiro

Investigador sénior do CEIF­‑ADAI da Universidade de Coimbra. Departamento de Engenharia Mecânica, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.

Miguel Almeida

Investigador sénior e membro do Conselho de Administração da ADAI. Professor Convidado na Univer‑ sidade de Coimbra.

Mohammad Reza Modarres Investigador e estudante de doutoramento em Engenharia Mecânica.

Nuno Moreira

Técnico Superior do IPMA. Mestre em Ciências Geofísicas – especialização em Meteorologia.

Paulo Pinto

Meteorologista do IPMA desde 1992 (licenciatura em Ciências Geofísicas, variante de Meteorologia). Desempenha atividades de diversa ordem nos domínios do Nowcasting, com destaque para a utilização da observação remota (radar meteorológico) no diagnóstico e previsão a prazo imediato e muito curto prazo. É ponto focal do IPMA para a área de Nowcasting (EUMETNET Nowcasting).

Pedro Silva

Meteorologista. Licenciatura em Ciências Geofísicas, vertente Meteorologia/Oceanografia.

Tiago Rodrigues

Investigador doutorado no CEIF­‑ADAI da Universidade de Coimbra. Doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.


INTRODUÇÃO

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DOMINGOS XAVIER VIEGAS, DANIELA ALVES E TIAGO RODRIGUES

Os incêndios florestais constituem uma realidade cada vez mais presente em todo o mun‑ do, impactando múltiplos setores da sociedade, do ambiente e da natureza. Devido a um con‑ junto de fatores, o problema dos incêndios florestais tem vindo a agravar­‑se em vários países e regiões do mundo em que já existia, e tem vindo a surgir, de forma crescente, noutras regiões onde era praticamente inexistente. De uma forma particular, em Portugal, a persistência dos incêndios florestais durante as últimas décadas tem levado a sociedade a habituar­‑se à existência do problema, embora sem grande reação, como se fosse uma fatalidade em relação à qual pouco ou nada se pode ou deve fazer. Os eventos dos anos de 2003 e de 2005 mostraram à sociedade que, em condições meteorológicas extremas, o país pode ser atingido por grandes incêndios com efeitos devas‑ tadores no território e com o potencial para causar um elevado número de vítimas entre os agentes operacionais e a população. Foram, no entanto, os incêndios de junho e de outubro de 2017, com uma área ardida de 530 mil hectares (ha) e 112 vítimas mortais, que produziram um grande sobressalto em toda a sociedade, da classe política ao cidadão comum, passando pelas diversas entidades que participam na gestão do risco de incêndio em Portugal e na Europa. O facto mais saliente destes períodos de grandes incêndios é a ocorrência do que em ciência designamos por eventos de incêndios extremos, que, por vezes, designamos por «tempestades de fogo», durante os quais se desenvolvem vários processos de comportamento extremo do fogo, que podem ter um efeito destruidor muito grande. São naturalmente estes os incêndios que mais preocupam as autoridades e os cidadãos. Neste livro, pretende­‑se explicar estes conceitos numa linguagem simples e acessível ao cidadão comum e aos jovens estudantes, com a finalidade de expor e explicar os processos mais importantes que ocorrem nos grandes incêndios, para proporcionar uma formação básica acerca destes fenómenos e para corrigir algumas ideias erradas que algumas pessoas possam ter. Este livro resulta do trabalho realizado por um conjunto de especialistas das universidades de Coimbra, de Aveiro e de Lisboa e do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), que, durante quatro anos, investigaram as tempestades de fogo, num projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), designado por FireStorm. É o seu propósito apresentar não apenas os conceitos fundamentais, que devem ser do conhecimento de todos os cidadãos, como também algumas das linhas de investigação em que estamos a trabalhar nestas matérias. Não se trata de um livro científico, embora haja a preocupação de usar rigor na exposição e de conferir um suporte científico às justificações. Devido à limitação do espaço, houve muita seletividade nos conteúdos, pelo que vários temas, porventura de interesse para alguns leitores, terão de ser procurados noutros trabalhos. A fim de não sobrecarregar o texto com referências bibliográficas, estarão presentes apenas as citações mais importantes para indicar as fontes utilizadas ou recomendadas para aprofundar determinados assuntos. O conjunto de referências bibliográficas utilizado aparece no final do livro, separado por capítulos para facilitar a sua consulta.


VIII • O QUE DEVO SABER SOBRE TEMPESTADES DE FOGO?

Embora o livro seja fruto do trabalho desenvolvido pelo conjunto de investigadores do projeto, dado o carácter especializado dos temas abordados em cada capítulo, indicam­‑se os nomes das pessoas que contribuíram mais diretamente para a sua elaboração, embora várias outras tenham contribuído com resultados, sugestões ou revisões. No capítulo 1, apresenta­‑se uma visão geral sobre os incêndios florestais em Portugal, o historial de ocorrências e de alguns dos fatores condicionantes e as suas causas, assim como uma definição de «tempestades de fogo». No segundo capítulo, estuda­‑se o tema do clima e da meteorologia, dada a sua grande importância na ocorrência de grandes incêndios. Aborda­ ‑se a mudança climática e a sua influência na ocorrência de incêndios. Estudam­‑se os prin‑ cipais tipos de tempo (WT, do inglês Weather Types) que estiveram associados aos grandes incêndios em Portugal e, com base em estudos realizados durante o projeto, mostra­‑se a im‑ portância de medir com maior detalhe as condições meteorológicas em regiões montanhosas e as capacidades do recurso aos radares meteorológicos existentes para analisar os processos convectivos complexos de interação entre a atmosfera e o fogo nos grandes incêndios. No terceiro capítulo, analisa­‑se a vegetação que cobre os espaços rurais, entendida como um potencial combustível. Descrevem­‑se as principais tipologias de vegetação e as suas proprie‑ dades, quer ao nível dos estratos combustíveis, quer das partículas. Descrevem­‑se os modelos de combustível que atribuem a cada estrato de vegetação um conjunto de propriedades físicas predefinidas que permitem simular o comportamento do fogo numa grande diversidade de situações. O quarto capítulo é dedicado ao importante tema do comportamento do fogo, sendo analisados os principais processos relacionados com a propagação de um incêndio. Presta­ ‑se particular atenção ao facto de estes serem dinâmicos, ou seja, explicitamente dependen‑ tes do tempo, sendo que, por vezes, a velocidade de propagação pode assumir valores que ultrapassam a capacidade de supressão, o que designamos por comportamento extremo. Apresentam­‑se alguns exemplos de comportamento extremo do fogo, que têm uma grande importância nas tarefas de gestão dos incêndios e na segurança dos agentes operacionais e dos cidadãos. Alguns destes temas foram desenvolvidos no âmbito do projeto FireStorm. No quinto capítulo, estuda­‑se o problema do fumo que é emitido pelos incêndios e se dispersa na atmosfera, impactando negativamente o conforto e a segurança dos cidadãos, limitando a visibilidade e as operações e afetando a saúde das pessoas em áreas muito mais extensas e numa duração muito superior às do próprio incêndio. São apresentados resultados recentes da modelação destes processos, ilustrados com casos concretos. No sexto capítulo, aborda­‑se o tema da modelação matemática dos incêndios florestais, explicando as dificuldades que lhe são inerentes quando se pretende prever o comportamento do fogo. São apresentados os principais tipos de modelos, explicadas as suas limita‑ ções e identificadas as linhas futuras de desenvolvimento. O sétimo capítulo é dedicado ao problema, cada vez mais importante, da interface urbano­‑florestal (IUF), na qual a floresta, as habitações, o fogo e as pessoas se juntam, para formar aquele que constitui um dos aspetos mais complexos de toda a temática dos incêndios florestais e da sua gestão. O número crescente de acidentes mortais envolvendo cidadãos, que ocorrem em geral nesta interface, leva a que se atribua uma atenção redobrada a este pro‑ blema, que é mais do que a soma do incêndio florestal e do incêndio em estruturas. Aborda­ ‑se com detalhe o papel primordial desempenhado pela comunidade e pelos cidadãos neste problema.


INTRODUÇÃO • IX

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No início do livro, apresenta­‑se um glossário de termos e siglas utilizados pelas pessoas que lidam com a gestão dos incêndios florestais. Muitos deles são mencionados nas notícias, que difundem o estado de alguns incêndios nos meios de comunicação, por vezes acompa‑ nhados de siglas e acrónimos, que não são de conhecimento comum. Espera­‑se que a sua inclusão neste livro ajude os leitores a ter uma compreensão mais exata do que se quer dizer, por exemplo quando se anuncia que um incêndio «está dominado», ou «está extinto», ou a perceber melhor a diferença entre «reativação» e «reacendimento» de um incêndio, uma vez que o uso correto destes termos técnicos deverá ser um cuidado a ter por todos quando nos referimos a estes assuntos.


GLOSSÁRIO O presente Glossário é apresentado para facilitar ao leitor a identificação de vários con‑ ceitos, termos ou siglas que são utilizados correntemente na informação acerca dos incêndios florestais, quer seja na literatura ou em meios de comunicação social, como a imprensa. Foram também incluídos termos que não foram utilizados neste livro de forma que o leitor tenha um entendimento técnico mais completo sobre esta área.

A Aceiro: Uma zona do território onde foi removido parcial ou totalmente o combustível e onde, por carência deste combustível, o incêndio perde intensidade ou não consegue evoluir. Neste local torna­‑se mais fácil e seguro o combate. Adaptação ao fogo: A capacidade que plantas ou espécies animais apresentam de recuperar, reagir e/ou evoluir após a passagem de um incêndio. Análise de incêndio: Processo de avaliação do comportamento e efeitos que um determinado incêndio ou grupo de incêndios apresentam e definição das melhores estratégias e ações para os suprimir. Área ardida ou área queimada: Uma área que foi percorrida pelo fogo e que apresenta uma aparência negra pois todo ou quase todo o combustível que se encontrava nesse local foi queimado. Ataque ampliado (ATA): Constitui a segunda fase da intervenção de combate ao incêndio, que se sucede ao ataque inicial, se este não tiver sido bem sucedido nos seus 90 minutos iniciais ou se o comandante das operações de socorro (COS) assim o determinar. Ataque direto: Uma tática ofensiva de supressão do fogo que envolve o combate diretamente nas chamas utilizando um agente extintor, por exemplo água. Este ataque direto poderá ser realizado também recor‑ rendo ao uso de ferramentas manuais. Ataque indireto: Uma tática que passa pela implementação mais afastada da zona de incêndio. Neste caso, a abertura de um aceiro/faixa de contenção pode ser considerada como ataque indireto a um incêndio. Ataque inicial (ATI): Constitui a primeira intervenção que é realizada após o alerta, isto é, depois de ser conhe‑ cida a existência de uma ocorrência. É, em geral, realizado por meios terrestres, em articulação com meios aéreos, se estes estiverem disponíveis. Deve iniciar-se antes de terem passado 20 minutos desde o alerta e termina com a extinção do foco de incêndio, ou quando tiverem passado mais de 90 minutos desde o seu início.

B Brífingue: Uma reunião na qual são transmitidas informações relevantes para o desenrolar de um determi‑ nado trabalho.

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C Cabeça de incêndio ou frente principal: A parte principal e mais ativa de um incêndio num determinado momento. Nesta parte, o incêndio apresenta­‑se com maior atividade e intensidade comparando com outras partes do incêndio. Carga de combustível: A quantidade de combustível presente numa determinada área. Esta é expressa pela razão entre a quantidade de combustível e a área que este ocupa (kg/m2 ou ton/ha). Cauda ou retaguarda: A parte do incêndio que apresenta uma menor atividade, comparando com a cabeça de incêndio, porque, regra geral, tem condições desfavoráveis de vento ou declive. Causa de incêndio: Evento ou ações que produziram uma fonte de ignição que, em contacto com os com‑ bustíveis, provocou a ignição.


Área ardida /Dia (ha)

EXTRATEXTO A CORES 1000000 1993 a 1997

100000

1998 a 2002 2003 a 2007

10000

2008 a 2012 2013 a 2017 2017

1000

2022

100

10

1

0,1 1

10

100

Ocorrências /Dia

Figura 1.4 • Relação entre o número de ocorrências por dia e a área ardida por dia, em cada quinquénio – 1993­ ‑1997, 1998­‑2002, 2003­‑2007, 2008­‑2012 e 2013­‑2017 – e individualmente nos anos de 2017 e 2022. Fonte dos dados: ICNF, 2022.

Tendência de Temperatura Média 1993-2022

-0.5

-0.4

-0.3

-0.2

-0.1

-0.0

0.1

0.2

0.3

0.4

0.5

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Tendência (°C por década)

Figura 2.1 • Tendência da temperatura média do ar à superfície (°C por década) no período de 1993-2022, baseada na NOAA Global Surface Temperature (NOAAGlobalTemp, v5.0.0-20230108). Fonte: NOAA, 2023.


1

CAPÍTULO

APRESENTAÇÃO DOMINGOS XAVIER VIEGAS, DANIELA ALVES E TIAGO RODRIGUES

1.1. NOTA SOBRE OS INCÊNDIOS FLORESTAIS EM PORTUGAL A fim de situar os leitores e de os enquadrar na dimensão relativa do problema dos incên‑ dios florestais em Portugal, analisaremos a evolução temporal de alguns indicadores com que é costume avaliar o impacto dos incêndios. A Figura 1.1 apresenta a evolução do número de ocorrências de incêndios florestais e a área ardida em Portugal entre os anos de 1943 e 2022. Chama­‑se a atenção para o facto de o eixo vertical desta figura estar em escala logarítmica para evidenciar a variação de ordens de grandeza que estes dois parâmetros tiveram em Portugal neste período. Como se pode ver, tanto o número de ocorrências como as áreas ardidas anualmente cres‑ ceram de valores de algumas centenas de ocorrências ou poucos milhares de hectares (ha) ardidos até 1980, para cerca de 20 ou 30 mil ocorrências anuais e para cerca de 100 mil ha de área ardida após 2000, com anos catastróficos como foram os de 2003, 2005 e 2017. 1 000 000 Área ardida (ha) Ocorrências

100 000

Ocorrências >1ha

10 000

1 000

100

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2021

2018

2015

2012

2009

2006

2003

2000

1997

1994

1991

1988

1985

1982

1979

1976

1973

1970

1967

1964

1961

1958

1955

1952

1949

1946

1943

10

Figura 1.1 • Número de ocorrências de incêndios florestais e área ardida anualmente em Portugal entre 1943 e 2022. Fonte dos dados: Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), 2022.

Foram múltiplos os fatores que contribuíram para esta situação (Viegas et al., 2011), podendo citar­‑se entre eles o desenvolvimento do coberto florestal, que ocorreu a partir dos anos 40 do século xx, o abandono dos espaços rurais, a mudança de hábitos de gestão e uso dos combustíveis no meio rural e a mudança climática – ainda em curso –, que, com o aumen‑


16 • O QUE DEVO SABER SOBRE TEMPESTADES DE FOGO?

2.3.2. Relação entre os incêndios florestais e a seca ao nível das NUT III A análise da seca efetuada com base nos valores mensais dos três índices de seca men‑ cionados (PDSI, SPI6 e SPI3) ao nível das NUT III para uma série de 38 anos (1981­‑2018) não evidenciou forte correlação entre as ocorrências de incêndios e a área ardida nos meses de junho a outubro e a situação de seca na pré­‑época. Verificou­‑se que a correlação decrescia rapidamente com o aumento do desfasamento temporal (lag). Os melhores resultados foram encontrados quando não existia desfasamento temporal (lag 0), ou seja, para a correlação en‑ tre a seca de um mês e os incêndios nesse mesmo mês. Encontraram­‑se pequenas diferenças consoante o mês, o índice de seca e a NUT III. Os meses que apresentaram maior correlação fo‑ ram os de início e fim de verão, junho e outubro, em particular, no Norte e Centro do território continental. Os meses de menor correlação foram julho, agosto e setembro em particular na região Sul. Os melhores resultados da correlação entre os incêndios e a seca foram, em geral, os obtidos para o índice de seca SPI3. Quanto à distribuição espacial, as correlações mais ele‑ vadas verificaram­‑se na região Centro e no Noroeste do continente, enquanto no Alentejo a correlação foi muito baixa ou inexistente. A Figura 2.6 mostra a correlação entre as ocorrências no mês de julho ao nível das NUT III e o índice de seca PDSI para desfasamentos de quatro meses (março), três meses (abril), dois meses (maio) e um mês (junho) e sem desfasamento (julho). Para um desfasamento de dois meses (lag 2) ou superior, a correlação não teve, em geral, significância estatística (Figura 2.6 B). O valor do índice PDSI nos meses de maio e junho e na maioria das NUT III das regiões Norte e Centro mostrou correlação estatisticamente significativa (pelo menos de 90%) com as ocorrências de incêndios e, em menor grau, com a área ardida em julho naquelas NUT III (Figura 2.6 B). A

MAR (lag-4)

APR (lag-3)

MAY (lag-2)

JUN (lag-1)

JUL (lag-0) Correlação (r)

Significância (p)

B

Figura 2.6 • Correlação entre as ocorrências de incêndios em julho e o PDSI ao nível das NUT III, com desfasa‑ mento mensal de março a julho e significância estatística. A – Correlação negativa em tons de verde (incêndios relacionados com a seca) e correlação positiva em tons de castanho (incêndios relacionados com a chuva). B – Valor do nível de significância, p, correspondente à correlação. Ver figura a cores em extratexto. Figura gen‑ tilmente cedida por IPMA.


VEGETAÇÃO E COMBUSTÍVEIS • 43

lutamente universal, mas, por exemplo, Pyne et al. (1996) afirmam que, para que isto aconteça, a descontinuidade deve ser pelo menos igual a 1,5 vezes a altura potencial da chama. A

B

Figura 3.3 • Continuidade (A) e descontinuidade (B) vertical. Fonte: Ribeiro, 2011.

3.1.3.5. Combustibilidade

A combustibilidade corresponde à facilidade relativa de um leito combustível suportar e propagar um fogo com chama para as partículas vizinhas. Distingue­‑se da inflamabilidade (descrita na secção 3.1.2.4) na medida em que esta expressa a facilidade de uma partícula entrar em ignição. A combustibilidade pode ser caracterizada pela velocidade de propagação, R0, da frente de chama num plano horizontal sem vento. Esta grandeza depende de todos os parâmetros descritos anteriormente. O sistema Behave (Andrews, 1986) define quatro categorias para classificar a combustibi‑ lidade segundo dois parâmetros: a intensidade frontal da chama e o comprimento da chama (Tabela 3.1). Tabela 3.1 • Classes de combustibilidade e respetivos valores de intensidade frontal e comprimento de chama. Adaptado do sistema Behave. Intensidade frontal da chama, I (kW/m)

Comprimento da chama, L (m)

Descrição

Baixa

I < 500

L<1

Propagação lenta com chamas de dimensões reduzidas.

Moderada

500 < I < 2000

1<L<2

Propagação do fogo com velocidades médias e com chamas de maiores dimensões.

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Combustibilidade

Elevada

2000 < I < 4000

2 < L < 3,5

Propagação do fogo de moderada a alta em que o comportamento do fogo depende do arranjo espacial dos combustíveis e da sua composição, podendo ocorrer em certas situações fogo de copas e projeções de partículas a curtas distâncias.

Muito elevada

4000 < I < 10 000

L > 3,5

Velocidade de propagação elevada em que podem ocorrer fogos de copas com muitas projeções a distâncias moderadas.

kW/m – quilowatt por metro.


COMPORTAMENTO EXTREMO DO FOGO • 55

4.1.2.2. Papel da vegetação

A vegetação existente nas áreas rurais pode considerar­‑se um combustível potencial, na medida em que pode dar origem e suportar a propagação de um incêndio. Constitui o único fator que pode ser modificado pela intervenção humana (Rothermel, 1972, 1983; Weise e Biging, 1994; Viegas et al., 2013). No caso geral, a vegetação pode existir em três camadas ou estratos: i) solo, ii) superfície, e iii) copas. Cada um destes estratos deve ser caracterizado por um grande conjunto de parâ­ metros, que se podem modificar ao longo do tempo. Referindo­‑nos ao estrato superficial, vamos reter as seguintes propriedades: • Carga de combustível – quantidade de combustível por unidade de área, Mc [kg/m2]; • Teor de humidade – quantidade de água presente no combustível, expressa em percen­ tagem da massa seca do mesmo, mf [%]; • Porosidade – relação entre o volume de ar contido no leito combustível e o volume total do leito, β [­‑]. Se o combustível for muito compacto ou se as partículas de combustível estiverem muito separadas, o fogo não se propaga com eficiência no leito. Existe assim, para cada combustível, uma porosidade ótima, para a qual as condições de propagação são as melhores; • Dimensão das partículas – traduzida pela relação entre a superfície exterior da partícula e o seu volume, σ [cm­‑1]; é inversamente proporcional à dimensão mínima da partícula e por isso tem valores mais elevados para as partículas finas. Quando sujeitas a uma fonte de calor estas são as que atingem mais depressa a temperatura de ignição, por isso as partículas finas são as mais importantes nas fases de ignição e de propagação do fogo; • Tempo de residência – é o tempo que demora a consumir uma partícula ou uma secção do leito combustível, to [s]. 4.1.2.3. Papel da meteorologia

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De entre a multiplicidade de fatores meteorológicos que afetam direta ou indiretamente o comportamento do fogo, iremos reter alguns parâmetros, que consideramos ser os mais importantes. • Fatores condicionantes – afetam o desenvolvimento da vegetação e determinam espe­ cialmente o teor de humidade mf das plantas, o que condiciona, de modo importante, o comportamento do fogo. Entre estes, contamos os seguintes parâmetros: – Temperatura do ar – medida em estações meteorológicas a 2 m acima do solo, expressa como T (graus Celsius [º C]); valores elevados da temperatura favorecem a secagem dos combustíveis; – Humidade relativa do ar – medida em estações meteorológicas a 2 m acima do solo, corresponde à massa de vapor de água existente no ar, em relação à massa de vapor necessária para saturar o ambiente, é expressa como H (percentagem [%]); um valor de humidade relativa do ar igual a 100% corresponde a uma atmosfera saturada, em que há condensação, ao passo que um valor de 30% ou menos corresponde a um ar muito seco, que favorece igualmente a secagem dos combustíveis; – Precipitação – mede­‑se pela altura da massa de água que seja recolhida numa su­ perfície plana, P (milímetros [mm]); é medida diariamente num período de 24 horas.


CAPÍTULO

7

PROTEÇÃO DAS COMUNIDADES MIGUEL ALMEIDA, MOHAMMAD REZA MODARRES E TIAGO RODRIGUES

7.1. INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO

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Os incêndios na interface urbano­‑florestal (IUF) têm vindo a ganhar uma importância cres‑ cente face aos impactos decorrentes, que cada vez são maiores e mais mediatizados. O êxo‑ do da população ativa para as áreas urbanas, o envelhecimento da população rural e, entre outros fatores, o abandono das atividades do setor primário, sobretudo das explorações de subsistência, levaram ao aumento da carga de combustíveis espontâneos na proximidade das áreas edificadas. A designação de IUF surge associada à coexistência com expressão significativa de vege‑ tação, pessoas e infraestruturas. Pode ser analisada em diferentes escalas (Figura 7.1), nomeadamente: i) a microescala, ou escala da propriedade, que se refere a uma construção e à sua envolvente imediata (até cerca de 50 metros [m]); ii) a mesoescala, ou escala da comunidade, que abarca a área interior do perímetro do aglomerado de edifícios, assim como a faixa exte‑ rior com 100 m em torno das infraestruturas periféricas; iii) a escala da transição, onde surgem as várias infraestruturas de suporte à comunidade, tais como a rede viária de acesso, as redes de transporte e comunicação e as instalações industriais, entre outras infraestruturas; e iv) a macroescala, ou escala da paisagem, que consiste normalmente numa área florestal que con‑ duz o incêndio florestal até à IUF, podendo apresentar algum edificado isolado e disperso. Este capítulo será dedicado à escala da comunidade.

Figura 7.1 • Esquema de um cenário de IUF com os seus vários níveis de escala. Fonte: Almeida et al., 2020. Ver figura a cores em extratexto.


PROTEÇÃO DAS COMUNIDADES • 103

Num país como Portugal, em que as construções são maioritariamente de pedra ou betão, a maioria das casas, desde que sujeitas a uma gestão apropriada de combustíveis na sua envolvente, são bons locais de abrigo familiares ou coletivos. Assim, deve ser feito um levantamento das casas que podem constituir um abrigo e estimular o acordo entre vizinhos nos planos familiares de emergência. É importante que se encontrem alternativas às evacua‑ ções espontâneas, isto é, não determinadas pelas autoridades, que podem colocar em risco a integridade das pessoas, como se verificou na tragédia de 2017, em Pedrógão Grande (Viegas et al., 2017). Existem outros equipamentos com grande relevância para a gestão dos incêndios comu‑ nitários como os kits de primeira intervenção (KPI). Estes equipamentos são essencialmente compostos por um reservatório de água, um sistema de motobombagem com mangueiras e agulheta e diverso material de sapador, que são transportados numa viatura. Tal como referido anteriormente, deve evitar­‑se o uso de atrelado para transporte do KPI, pela dificuldade que faz acrescer às manobras, as quais podem ter de ser realizadas em situações de emergência. Finalmente, convém referir que a comunidade deve estar dotada de um sistema de comu‑ nicações e de alarme que seja compreendido por toda a população. Como referido, na fase de planeamento, devem ser levantados todos os casos de limitação física ou psíquica que, entre outros impedimentos, possam representar dificuldades na perceção ou compreensão do sinal de alarme. Estes casos devem ser tratados individualmente, tal como será abordado de seguida.

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7.3.2.2. Formação e treino de populares

Por melhores que sejam os equipamentos, se não forem utilizados de forma apropriada, a sua eficiência será comprometida, assim como a segurança das pessoas e a salvaguarda dos seus bens. A este respeito, relembra­‑se o acidente mortal que aconteceu em 2013, em Queirã (Vouzela, Viseu), quando a falta de prática com o funcionamento de um KPI que tinha sido adquirido pouco tempo antes levou à perda de controlo de uma frente de chama, acabando por vitimar o presidente da junta de freguesia local, que estava a operar com este sistema (Viegas et al., 2013). É muito comum, durante um incêndio, encontrar­‑se populares dispostos a participar na sua resolução. No entanto, frequentemente estes populares estão mal equipados, por vezes calçando chinelos e trajando calções, e não sabem o que fazer, acabando por ser um estorvo e desaproveitando­‑se o seu potencial. Assim, tendo em vista uma atuação mais eficiente e em maior segurança, é fundamental que os populares recebam a devida formação sobre os prin‑ cipais aspetos do fogo e sejam treinados para atuarem em caso de emergência. No presente capítulo, a «formação» é entendida como aulas teóricas ou teórico­‑práticas em contexto de sala, enquanto o «treino» pressupõe a realização de exercícios no terreno. Na organização da formação e do treino a serem realizados numa comunidade, deve ter­‑se em consideração o papel que cada um pode assumir numa situação de incêndio. Apresenta­‑se de seguida uma possível divisão do tipo de formação que pode constar de um plano de formação e treino para a gestão do fogo em comunidades: • Generalidade das pessoas: devem ser transmitidos conhecimentos gerais acerca do fogo, apresentado o PGIFRC, incluindo o comportamento espectável do fogo naquela área e os procedimentos a adotar em caso de incêndio rural, entre outros aspetos gerais con‑


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