FICHA TÉCNICA
DIRETOR
Bruno Santos
EDITOR-CHEFE
Daniel Nunez
COMISSÃO CIENTÍFICA
Ana Rita Clara, Ana Silva Fernandes, Carlos Raposo, Cristina Granja, Eunice Capela, Gonçalo Castanho, José A. Neutel, Margarida Rodrigues, Miguel Jacob, Miguel Varela, Nuno Mourão, Pilar Crugeiras,, Rui Ferreira de Almeida, Sérgio Menezes Pina, Stéfanie Pereira, Vera Santos.
EDITORES ASSOCIADOS
TEMAS EM REVISÃO
André Villarreal, Catarina Jorge, Guilherme Henriques, João Nuno Oliveira, Vasco Monteiro.
HOT TOPIC
Jorge Miguel Mimoso.
RUBRICA PEDIÁTRICA
Cláudia Calado, Mónica Bota.
CASO CLINICO ADULTO
Noélia Alfonso, Rui Osório.
CASO CLINICO PEDIÁTRICO
Ana Raquel Ramalho, Marta Soares.
CASO CLINICO NEONATAL/TIP
Nuno Ribeiro, Luísa Gaspar.
BREVES REFLEXÕES SOBRE A EMERGÊNCIA MÉDICA
Inês Simões.
CARTAS AO EDITOR
Catarina Jorge, Júlio Ricardo Soares.
VAMOS PÔR O ECG NOS EIXOS
Hugo Costa, Teresa Mota.
LIFESAVING TRENDS
Inês Portela.
Periodicidade: Trimestral
Linguagem: Português
ISSN: 2184-9811
IMAGEM EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
Catarina Costa, Henrique Patrício.
ILUSTRAÇÕES
João Paiva.
FOTOGRAFIA
Joana Oliveira, Pedro Rodrigues Silva, Maria Luísa Melão, Solange Mega.
AUDIOVISUAL
Pedro Lopes Silva.
DESIGN
Luis Gonçalves (ABC).
PARCERIAS
Caríssimos leitores, Estamos de regresso!
Apresentamos a mais recente edição da revista LIFESAVING Scientific, o número 3 do seu 3º volume de edições e não vamos sozinhos, acompanhamos à 29ª edição da LIFESAVING – Revista de Emergência Médica.
Desde o último número, as coisas mudaram e parece-nos que as águas acalmaram. O PROJETO continua e o faz com uma grande variedade de temas.
No número anterior falamos do verão, do risco dos acidentes nas piscinas. Mas o verão também é fogo, dor e destruição. Quem arrisca as suas vidas para nos proteger? Os que se vestem de vermelho, aqueles “anjos das chamas”, os BOMBEIROS. Neste número tratamos de apresentar como é o apoio sanitário operacional nos incêndios e como é a recuperação aos bombeiros.
Mas o binómio fogo e crianças está associado a queimaduras. Neste sentido propomos as melhores práticas na abordagem inicial.
A Morte, o quarto Cavaleiro do Apocalipse. Quais os critérios que sustentam a decisão de não reanimar um utente? Ou quando a vítima nos surpreende de forma súbita e inesperada, que estratégias adotamos no sentido de a recuperar e trazer de volta? Os nossos autores responderão a estas questões.
Steven Spielberg no início do século XXI já falava dela, a A.I. Inteligência Artificial. Mais recentemente o ChatGPT permite-nos sonhar com poderes antes inimagináveis.
Nós, neste número queremos perceber o impacto e utilidade da A.I. na Emergência Médica. Contudo, isto não é tudo. Revisão no tratamento das hipercaliemias, discussão das causas improváveis de dor abdominal...
Aos nossos leitores, pedimos que confiem em nós porque não os iremos defraudar.
Desfrutem da arte dos nossos colaboradores plasmadas em forma de desenhos e fotografias.
Caríssimos “Carpe diem”
Daniel Núñez Editor Chefe LIFESAVING ScientificARTIGO DE REVISÃO I
CRITÉRIOS DE NÃO REANIMAÇÃO VALIDADOS EM EQUIPAS DE EMERGÊNCIA EXTRA-HOSPITALAR LIDERADAS POR ENFERMEIROS OU PARAMÉDICOS
HIPERCALIÉMIA – REVISÃO DA LITERATURA SOBRE O TRATAMENTO EMERGENTE/URGENTE E APRESENTAÇÃO DE ALGORITMO DE TRATAMENTO COM BASE NA EVIDÊNCIA ATUAL
RUBRICA PEDIÁTRICA
QUEIMADURAS EM PEDIATRIA: REVISÃO DAS MELHORES
PRÁTICAS NA ABORDAGEM INICIAL
ARTIGO DE REVISÃO PEDIÁTRICA
MORTE SÚBITA CARDÍACA ABORTADA EXTRA-HOSPITALAR
EM IDADE PEDIÁTRICA
REFLEXÕES BREVES SOBRE A EMERGÊNCIA MÉDICA
APOIO SANITÁRIO OPERACIONAL EM INCÊNDIOS
E RECUPERAÇÃO A BOMBEIROS
LIFESAVING TRENDS - INOVAÇÕES EM EMERGÊNCIA MÉDICA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA EMERGÊNCIA MÉDICA
CARTAS AO EDITOR
PENSAR ALÉM DAS APARÊNCIAS
IMAGEM EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
UMA CAUSA IMPROVÁVEL DE DOR ABDOMINAL
ARTIGO DE REVISÃO I
OU PARAMÉDICOS
NON-RESUSCITATION CRITERIA VALIDATED IN OUT-OF-HOSPITAL EMERGENCY TEAMS LED BY NURSES OR PARAMEDICS
RESUMO
Enquadramento: A reanimação nem sempre está preconizada e, quando irreversível, é considerada fútil.
Objetivo: Analisar a evidência científica existente sobre critérios de não reanimação validados em equipas de emergência extrahospitalar lideradas por enfermeiros ou paramédicos.
Metodologia: Segundo a metodologia PRISMA, realizou-se a revisão dos artigos publicados entre 01/01/2016 e 15/03/2021 que incluíssem critérios clínicos para não iniciar ou suspender reanimação, a pessoas com idade igual ou superior a 18 anos, por enfermeiros ou paramédicos, em contexto extra-hospitalar. Pesquisa nas bases de dados científicas
PubMed, Scopus, Web of Science e EBSCOhost, e no Repositório da Universidade do Minho. Qualidade metodológica avaliada segundo as recomendações do Instituto Joanna Briggs®.
Resultados: Foram incluídos 14 estudos que permitiram identificar 6
regras: Basic Life Support-Termination Of Resuscitation; Advanced Life Support-Termination Of Resuscitation; Non-shockable initial rithm, Unwitnessed arrest, Eighty years or greater; Bokutoh; Jabre; Traumatic Cardiopulmonary Arrest.
Conclusão: Os critérios de não reanimação foram testados e validados em vários estudos, em diferentes países, agrupados em regras objetivas e facilmente aplicáveis.
Palavras-Chave: Venfermeiro; paramédico de emergência; paragem cardíaca extra-hospitalar; ordens de não ressuscitação; término da ressuscitação.
ABSTRACT
Background: Resuscitation is not always recommended and, when irreversible, it is considered futile.
Objective: To analyze the existing scientific evidence on nonresuscitation criteria validated in out-of-hospital emergency teams led by nurses or paramedics.
Methodology: According to the PRISMA methodology, a review was carried out of articles published
between 01/01/2016 and 03/15/2021 that included clinical criteria for not initiating or suspending resuscitation, for people aged 18 years or over, by nurses or paramedics, in an extrahospital context. Research in the scientific databases PubMed, Scopus, Web of Science and EBSCOhost, and in the Repository of the University of Minho. Methodological quality evaluated according to the recommendations of the Joanna Briggs® Institute.
Results: 14 studies were included that allowed identifying 6 rules: Basic Life Support-Termination Of Resuscitation; Advanced Life Support-Termination Of Resuscitation; Non-shockable initial rhythm, Unwitnessed arrest, Eighty years or greater; Bokutoh; Jabre; Traumatic Cardiopulmonary Arrest.
Conclusion: The non-resuscitation criteria were tested and validated in several studies, in different countries, grouped into objective and easily applicable rules.
Keywords:
CRITÉRIOS DE NÃO REANIMAÇÃO VALIDADOS EM EQUIPAS DE EMERGÊNCIA EXTRA-HOSPITALAR LIDERADAS POR ENFERMEIROS
INTRODUÇÃO
A Paragem Cardiorrespiratória (PCR) em contexto extra-hospitalar (PCREH) é um problema de saúde pública global. A incidência anual estimada é de “... 80 a 110 casos por 100000 habitantes, com aproximadamente 275000 casos na Europa, 350000 nos Estados Unidos da América e 110000 no Japão”1. Em Portugal e durante o ano 2019, encontram-se documentadas 19864 PCR-EH2. No Reino Unido, estimam-se aproximadamente 60000 PCR-EH por ano e estudos recentes indicam que a reanimação só é iniciada em cerca de 28000, sugerindo que em mais de 50% das situações, os serviços de emergência médica (Emergency Medical Services – EMS) consideram a reanimação fútil3
A reanimação extra-hospitalar (EH) requer recursos significativos, mas apesar desses esforços, só aproximadamente 11% dos doentes sobrevivem até à alta hospitalar4. Na última década, com investimentos substanciais na abordagem EH, a sobrevivência aumentou significativamente nos países desenvolvidos10. Apesar dos esforços iniciais de reanimação, na generalidade dos sistemas EMS, 60 a 70% dos doentes são transportados para o hospital para tratamento adicional5 e que em última análise, não sobrevivem6. No Reino Unido, a recuperação da circulação espontânea (RCE) é alcançada em apenas 25,8% dos casos e as estimativas relatadas de sobrevivência até à alta hospitalar e de desfecho com resultados neurológicos favoráveis são de 9,4% e 8,5%, respetivamente7
A World Medical Association (2015) define o tratamento médico fútil como um tratamento que não oferece nenhuma esperança razoável de melhoria ou de recuperação, ou do qual o doente é permanentemente incapaz de experimentar qualquer benefício. A identificação precoce, objetiva e confiável desses doentes, pode evitar esforços fúteis de reanimação e alocar os recursos EH e intra-hospitalares (IH) de forma mais adequada8
As manobras de reanimação no contexto de morte irreversível são consideradas fúteis, podendo aumentar os riscos ou as lesões aos profissionais de saúde7, desperdiçar recursos humanos e materiais limitados9 e sobrecarregar o sistema de saúde, já muitas vezes assoberbado10
Muitos doentes acabam por não ter RCE no local e são transportados com reanimação em curso. Dada a diminuição da qualidade do Suporte Básico de Vida (SBV) durante a reanimação11 acabam por, subsequentemente, ser declarados mortos no serviço de urgência (SU) ou na unidade de cuidados intensivos (UCI), contribuindo para o trauma psicológico dos familiares12 Está comprovado que terminar a reanimação fútil no local, conduz a uma redução no transporte hospitalar supérfluo e que por sua vez permite um aumento da disponibilidade dos serviços EMS e SU para doentes com maior probabilidade de sobrevivência13
A American Heart Association considera que não é ético que os sistemas EMS proíbam os seus colaboradores de terminar a reanimação, tal como espelhado no
código deontológico dos enfermeiros em Portugal14
O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), considera que todos os doentes devem ser tratados com dignidade e por isso defende a existência de critérios para assegurar que a decisão de iniciar ou não a reanimação é apropriada. Para o INEM é aceitável que não se inicie Suporte Avançado de Vida (SAV) “... nos casos em que o tempo que mediou a PCR e o início de SBV seja superior a 15 minutos, e o ritmo encontrado pela equipa não seja desfibrilhável”15 sendo “imperativo” que esteja corretamente documentada a ausência de sinais de circulação por um médico no local da ocorrência.
De acordo com a legislação em vigor em Portugal, a morte corresponde à cessação irreversível das funções do tronco cerebral e a sua verificação é da competência dos médicos16 exceto nas situações onde se confirmem lesões incompatíveis com a vida, tais como a decapitação, a hemicorporectomia, a carbonização e o avançado estado de putrefação15 Este imperativo legal obriga a que em todas as outras situações de PCR, no caso de não estar presente médico, a reanimação deva ser iniciada e mantida.
As regras que orientam o término da reanimação (termination of resuscitation – TOR) foram desenvolvidas para identificar doentes para os quais não está indicado o início ou a manutenção de manobras de reanimação.
Muitos sistemas EMS têm protocolos que orientam o TOR12 sendo que a maioria dessas regras são muito
eficientes na identificação de doentes com probabilidade muito baixa de sobrevivência, menos de 1% (alta especificidade)5 e com elevado valor preditivo positivo (VPP)1. Além disso, esses estudos indicam que a decisão com base nas regras TOR conduz a uma taxa de transporte mais eficiente de 40 a 70% de todos os casos de PCR-EH17
O objetivo deste estudo foi analisar a evidência científica existente sobre os critérios de não reanimação, validados em equipas de emergência EH lideradas por enfermeiros ou paramédicos.
portuguesa, espanhola, francesa ou inglesa e procedeu-se à definição de critérios de inclusão e exclusão, descritos no quadro n.º 1.
Universidade do Minho.
METODOLOGIA
Esta revisão sistemática teve como fio condutor a seguinte questão de investigação: Que critérios de não reanimação estão validados em equipas lideradas por enfermeiros ou paramédicos em contexto EH na Pessoa em PCR?
O protocolo de investigação foi submetido no dia 6 de Março de 2021 e aprovado pelo International Prospective Register of Systematic Reviews of the University of York (PROSPERO), com o número PROSPERO 2021 CRD42021238635 (https://www.crd.york.ac.uk/ prospero/display_record.
php?ID=CRD42021238635).
A metodologia de pesquisa foi realizada com base nas diretrizes do protocolo de revisões sistemáticas PRISMA.
Para a seleção dos artigos aplicou-se um horizonte temporal de 5 anos (01/01/2016 a 15/03/2021), restringiu-se a pesquisa aos artigos científicos publicados em língua
Os descritores de pesquisa foram definidos e validados na plataforma DECS – versão 202018 e inseridos nas bases de dados pela respetiva ordem apresentada e com as expressões AND e OR – (nurs* OR paramedic OR “emergency medical technicians”) AND (prehospital OR “emergency medical services” OR “emergency medical system”) AND (resuscitation OR “advanced cardiac life support” OR “heart arrest” OR “out-of-hospital cardiac arrest”) AND (“resuscitation orders” OR “Advanced directives” OR “termination of resuscitation” OR ethic*).
A pesquisa foi realizada no mês de Março de 2021, entre os dias 10 e 15, nas bases de dados científicas PubMed, Scopus, Web of Science (que incluiu Medline, Principal Coleção do Web of Science e Current contents connect) e EBSCOhost (que incluiu MEDLINE complete, CINAHL complete, Nursing & Allied Health Collection: Comprehensive, Cochrane central register of controlled trials e Cochrane database of systematic reviews), e no Repositório da
A opção metodológica para identificar os níveis de evidência dos estudos incidiu sobre o instrumento “The Joanna Briggs Institute Levels of Evidence for Prognosis” e a avaliação da qualidade metodológica foi efetuada por dois revisores tendo sido utilizada a ferramenta “The Joanna Briggs Institute Critical Appraisal tools checklist”19. Os dados foram extraídos por dois revisores independentes segundo as orientações do Instituto Joanna Briggs, tendo sido, posteriormente, discutidos pelos revisores pela metodologia de Delphi até ser alcançado consenso.
RESULTADOS
A pesquisa originou 2431 artigos potencialmente elegíveis, após remoção dos duplicados ficaram 1854. Na fase de triagem, com a leitura de títulos e de resumos, foi possível selecionar os estudos a incluir de acordo com os critérios estabelecidos, remover os que não estavam relacionados com o objetivo e determinar a sua relevância. Foram excluídos 1837 artigos e foram selecionados 17. Com a leitura
integral dos textos selecionados e a avaliação, de acordo com os mesmos critérios, permitiu validar 14 estudos (Fig. N.º 1).
Todos os estudos foram classificados, em termos de tipologia, como estudos de cohort, e em termos de grau de evidência como nível 3B (20). O quadro n.º 2 pretende caracterizar os 14 estudos incluídos.
Destes 14 estudos, 11 validaram regras TOR em PCR-EH dos quais 10 em PCR-EH não traumática e 1 em contexto de trauma.
Dos estudos que pretenderam validar as regras TOR, a maioria avaliou os resultados de sobrevivência para qualquer resultado neurológico, tanto no momento da alta hospitalar (ID 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 13, 14) como em 30 dias após a admissão (ID 1, 11). Por outro lado, os estudos 1, 2, 3, 4, 7 e 11 avaliaram os resultados de sobrevivência com bons resultados neurológicos (Cerebral Performance
Category – CPC 1-2) na alta hospitalar (ID 1, 2, 3, 4, 7) e 30 dias após a PCR (ID 1, 11).
Foram agrupados de acordo com os critérios que pretendiam validar, identificando-se 6 regras que são caraterizadas no quadro n.º 3.
O valor preditivo negativo (VPN), o valor preditivo positivo (VPP), a sensibilidade (“S”) e a especificidade (“E”) foram usados para validar a precisão da previsão das regras TOR.
A garantia de que a utilização das regras é segura e de que a reanimação é fútil, é fornecida pelos valores de VPP e de “E” que devem ser superiores a 99%. Ou seja, pelo VPP > 99% é seguro aferir que quando a regra propõe TOR a probabilidade do doente sobreviver é < 1%.
Relativamente a “E” > 99% é seguro aferir que, em menos de 1% dos doentes que sobrevivem, a regra sugeriria interromper a reanimação. O quadro n.º 4 pretende ser um quadro síntese dos resultados obtidos relativamente às regras TOR e inclui os critérios de não reanimação e os critérios de exclusão bem como os valores VPN, VPP, “E” e “S”.
DISCUSSÃO
As principais guidelines atuais sobre reanimação recomendam que todos os sistemas possuam protocolos que permitam a implementação das normas TOR com base em regras validadas. A sua validação permitirá identificar de forma rápida e confiável, aproximadamente 20% dos doentes com PCR-EH nos quais qualquer reanimação, após a confirmação desses critérios, é muito improvável de produzir resultados favoráveis8
Dos estudos que avaliaram a previsão das regras para a sobrevivência com resultados neurológicos favoráveis, os estudos 1, 2, 3 e 4, com VPP>99% e “E”>99% demonstraram que a utilização das regras é segura e que a reanimação é fútil, com percentagem de erro inferior a 1%. O estudo 1 comparou as regras BLS e ALS-TOR num sistema intermédio de emergência e concluiu que ambas são úteis na identificação de doentes que não teriam sobrevivido com resultados neurológicos favoráveis se a reanimação se mantivesse (VPP=100% e “E”=100%).
Relativamente à TCPA (ID 2), apesar da complexidade inerente à associação entre trauma fechado e os mecanismos de lesão contusos, esta
Quadro n.º 4 – precisão da previsão das regras TOR
Legenda:
Ex Exclusão
a) Causas não cardíacas (trauma, afogamento, overdose, etc)
b) Excluídos doentes em que a PCR-EH aconteceu durante o transporte ou após RCE
c) Omisso
d) Idade > 120 anos
e) Causas traumática, OVA ou hemorragia; PCR Testemunhada por equipa EMS; grávidas; previamente traqueostomizados ou ventilados; tratados com dispositivo de compressão torácica mecânica
f) PCR traumáticas (incluindo enforcamento e afogamento)
g) Mecanismos de lesão não contusos registados como enforcamento, trauma elétrico ou penetrante (arma branca ou de fogo), OVA ou intoxicação
demonstrou que pode ser utilizada com segurança – VPP e “E” de 100%. Os estudos que avaliaram a previsão das regras para a sobrevivência qualquer que fosse o resultado neurológico, e que incluem as regras BLS-TOR (ID 3, 8 e 14), Jabre (ID 8), ALS-TOR (ID 8 e 13) e a NUE (ID 4 e 5), têm valores de VPP e “E” acima dos 99% sendo seguras e com alta especificidade para a sobrevivência. Das regras com VPP e “E” superiores a 99%, a regra BLS-TOR (ID 1) é a mais sensível com 65,7% embora com VPN de 5,6%, representando uma baixa probabilidade de sobreviver quando propõe a manutenção da reanimação. No estudo 8, encontramse os valores mais altos de VPN, a regra Jabre com 32% e a BLS-TOR com 31%.
O estudo 11 formulou a regra Bokutoh, com base em resultados neurológicos a 30 dias, e obteve VPP=99,6%, “E”=95,5% e “S”=38,7%. O
estudo 7 procurou validá-la de forma independente, embora com dados referentes à alta, com VPP=99,5%, “E”=98,6% e “S”=22,7%, sendo o estudo de validação mais específico embora menos sensível que o da formulação. Apesar do valor elevado de “E”, não é suficiente para admitir que será segura a sua utilização, uma vez que em 1,4% dos sobreviventes a regra sugeria a interrupção da reanimação. Também o estudo 6, que avaliou o desempenho da regra BLS-TOR ao 6º minuto, teve VPP=98% e E=91% (embora em 30 min. “E” e VPP sejam iguais a 100% mas com menor “S”), não preenchendo o critério de futilidade médica. Com a implementação da regra BLS-TOR, a taxa de transporte hospitalar de doentes com reanimação em curso teve uma diminuição de 21,7% (ID 10), 15,6% (ID 12) e 39,2% (ID 14). O estudo 1 sustenta que a taxa de transporte
poderia diminuir dos originais 100% para 35,6% e 73,2%, com a aplicação das regras BLS e ALS-TOR, respetivamente. A aplicação da regra TCPA, também tem o potencial de diminuir o transporte desnecessário entre 16,4% e 29,0% (ID 2). Com a implementação da regra BLS-TOR (ID 10), houve um aumento da taxa de sobrevivência de 14,9% para 18,0% e de RCE associados à melhoria da qualidade do SBV. Por cada doente que sobrevive com condições neurológicas favoráveis (ID 7), são necessárias 91h do serviço EMS e 119 dias (7 semanas) de internamento hospitalar principalmente em UCI.
Ao avaliar o impacto da implementação de regras TOR na utilização de viaturas com médicos (ID 9), demonstrou um decréscimo de 2543 para 79 casos por ano, ou seja, diminuiu significativamente a
necessidade de um médico para TOR. Nos estudos 10 e 12, a taxa de conformidade das equipas EMS com a implementação da regra BLS-TOR variou entre 66,7% e 71,4%, respetivamente.
CONCLUSÃO
Os critérios de não reanimação utilizados por enfermeiros ou paramédicos em contexto EH, foram testados e validados em vários estudos e em diferentes países, e agrupados em regras objetivas e facilmente aplicáveis, e que permitem: i) reduzir a variabilidade nas estratégias de TOR; ii) apoiar a tomada de decisão baseada na evidência; iii) diminuir a reanimação e os transportes fúteis para o hospital; iv) reduzir o risco de lesões; v) identificar PCR’s para as quais o trauma e os custos da reanimação
são elevados e extremamente improváveis de resultar em sobrevivência; vi) otimizar a gestão de recursos EH e IH limitados; vii) diminuir custos associados e viii) aumentar a probabilidade de RCE e a taxa de sobrevivência.
As regras BLS-TOR, ALS-TOR, Jabre, NUE e TCPA apresentam valores de segurança para serem utilizadas enquanto que as regras Bokutoh e BLS-TOR ao 6º minuto, colocam em causa o conceito de futilidade médica na reanimação.
Atendendo à diferença de recursos para as diferentes regiões de Portugal continental e apesar das regras TOR apresentarem valores de segurança, sugere-se a realização de mais estudos com o objetivo de avaliar a sua potencialidade.
Face às barreiras e condicionantes na adesão das equipas EMS, sugere-se a realização de estudos de avaliação de
impacto na implementação das regras nos dois grupos envolvidos, familiares e equipas EMS, no que diz respeito às implicações ético-legais, psicológicas, sociais e económicas. A implementação com altas taxas de fidelidade, só será conseguida com formação especifica, com preparação psicológica e emocional para a notificação da morte, com reavaliações regulares de desempenho, assegurando-se a adequação de processos de auditoria internos e externos como forma de garantia de qualidade.
Considera-se como limitação do estudo, o número reduzido de estudos em que os critérios de não reanimação foram validados, com amostras heterogéneas, em diferentes países, com diferenças estruturais da emergência médica EH, e com múltiplos contextos, sociais, éticolegais e financeiros, o que leva a que a generalização dos resultados tenha de ser cautelosa e a sua interpretação tenha que estar enquadrada na realidade subjacente
BIBLIOGRAFIA
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19. Critical apraisal tools2020. Available from: https:// jbi.global/critical-appraisal-tools.
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HOT TOPIC
SOBRE O TRATAMENTO
HIPERCALIÉMIA – REVISÃO DA LITERATURA
EMERGENTE/URGENTE E APRESENTAÇÃO DE ALGORITMO DE TRATAMENTO COM BASE NA EVIDÊNCIA ATUAL
RESUMO
A hipercaliémia é um distúrbio eletrolítico, maioritariamente associado a condições clínicas predisponentes, como doença renal, insuficiência cardíaca ou Diabetes Mellitus bem como à utilização de fármacos usados no tratamento destas mesmas patologias como por exemplo, inibidores do sistema reninaangiotensina-aldosterona e diuréticos poupadores de potássio. Por este motivo, torna-se claro que a hipercaliémia pode acometer uma grande percentagem de doentes e, por isso, ser comummente observada nos serviços de urgência e emergência. Os efeitos tóxicos da hipercaliémia podem incidir sobre vários sistemas, mas os seus efeitos no sistema de condução cardíaco podem ser potencialmente fatais. O ECG é a pedra basilar na gestão, orientação e tratamento destes doentes. A estabilização da membrana com gluconato de cálcio e a deslocação transcelular de potássio com recurso a insulina e salbutamol, são as principais armas no tratamento da hipercaliémia. No entanto, apenas a diálise, agentes redutores de potássio e diuréticos de ansa removem o potássio do organismo. A monitorização destes
doentes bem como da concentração de potássio deve ser rigorosa de forma a avaliar o sucesso do tratamento.
Palavras-Chave: Hipercaliémia, tratamento, urgência, emergência
ABSTRACT
Hyperkalemia is an electrolyte disorder, mostly associated with predisposing clinical conditions, such as kidney disease, heart failure or Diabetes Mellitus as well as the use of drugs used in the treatment of these same pathologies, such as renin-angiotensinaldosterone system inhibitors and potassium-sparing diuretics. For this reason, it is clear that hyperkalemia can affect a large percentage of patients and, therefore, be commonly observed in the emergency department. The toxic effects of hyperkalaemia can affect several systems but its effects on the cardiac conduction system can be life-threatening. The ECG is the cornerstone in the management, guidance and treatment of these patients. The stabilization of the membrane with calcium gluconate and the transcellular displacement of potassium using insulin and salbutamol are the main weapons in the treatment
of hyperkalemia. However, only dialysis, potassium-reducing agents and loop diuretics remove potassium from the body. Monitoring of these patients as well as potassium concentration should be rigorous in order to assess the success of treatment.
Keywords: Hyperkalemia, treatment, urgency, emergency
INTRODUÇÃO
O potássio (K+) é um catião, maioritariamente intracelular, e de extrema importância na manutenção da homeostasia do corpo humano. Particularmente essencial para o bom funcionamento do sistema nervoso e cardíaco, pequenas variações na sua concentração podem ter consequências gravíssimas nestes sistemas.1 A hipercaliémia é um distúrbio eletrolítico comum, mais frequentemente encontrado em doentes com patologias crónicas, incluindo doença renal, diabetes e insuficiência cardíaca, que se define como uma elevação na concentração plasmática de potássio acima de 5 mmol/L. É um distúrbio potencialmente fatal que pode afetar
até 10% dos pacientes no serviço de urgência e, por isso, o seu reconhecimento é crucial.2,3
Por este motivo, a classificação da gravidade da hipercaliémia deverá ser baseada não só no valor absoluto de K+ mas também na presença ou ausência de alterações electrocardiográficas compatíveis com hipercaliémia de modo a poder estratifica-la e, atuar em conformidade. Assim, pode ser classificada em leve, moderada ou grave (tabela 1).1
METODOLOGIA
O objetivo do presente artigo foi realizar uma revisão da literatura mais atual sobre a hipercaliémia e o seu tratamento emergente/urgente culminando com a elaboração de um algoritmo de tratamento da mesma que se apresenta no final do artigo. Deste modo, procedeu-se à pesquisa de estudos relevantes através da base de dados Pubmed a partir dos seguintes descritores “Hyperkalemia”, “management”, “treatment” “emergent", “urgent”. De forma a obter a mais recente bibliografia a pesquisa foi limitada temporalmente ao período de 5 anos (2018-2023).
Os critérios de inclusão foram artigos publicados exclusivamente em inglês e que abordassem o tratamento emergente ou urgente da hipercaliémia. Foram excluídos todos os artigos que não estavam escritos em inglês, que abordassem o tratamento de hipercaliemia crónica e doentes em hemodiálise. De acordo com os critérios de inclusão, primeiramente realizou-se uma análise dos artigos com base
nas informações fornecidas no título e resumo. Posteriormente, os artigos completos foram examinados para todos os estudos considerados com potencial relevância para a revisão. As etapas de pesquisa e seleção de artigos deste processo foram documentadas e sistematizadas através de um fluxograma PRISMA. De salientar que para robustez do artigo foi também utilizado um livro de fisiologia médica.
HIPERCALIÉMIA NO PRÉ-HOSPITALAR
Tendo em conta os efeitos nefastos que os desequilíbrios hidroelectroliticos podem significar nos outcomes dos doentes, eles são
explicitamente mencionados nas causas reversíveis de paragem cardiorrespiratória o que significa que o seu reconhecimento, deteção precoce e tratamento podem ter impacto na sobrevida desses doentes. Neste sentido, tem sido cada vez mais estuda a possibilidade dos meios de emergência pré-hospitalar possuírem dispositivos móveis para a realização de testes que permitam a deteção rápida de desequilíbrios ácido-base e eletrolíticos facilitando o tratamento precoce e direcionando-o mesmo antes de chegar ao hospital. Num estudo de Gruebl, T. et al, publicado em 2021, foi demonstrado que a utilização de dispositivos de testes nos meios de atendimento pré-
-hospitalar não só não atrasou a resposta em situação de paragem cardiorrespiratória como permitiu ainda otimizar o processo de tratamento possibilitando direcionar o tratamento em função dos resultados obtidos e, desta forma, melhorar a probabilidade de sobrevivência dos doentes.5
FISIOPATOLOGIA DA HIPERCALIÉMIA
O K+ é essencial para a função celular e os seus níveis séricos são rigorosamente regulados pelo corpo de modo a manter a concentração plasmática de potássio entre os 3,5 e 5,0 mmol/L. O K+ localiza-se, maioritariamente, no espaço intracelular (aproximadamente 98%) sendo que a quantidade relativamente baixa que se encontra no espaço extracelular é necessária para manter o gradiente K+ através das membranas celulares que é largamente responsável pelo potencial de membrana das células excitáveis e não excitáveis. Portanto, mudanças na concentração de K+ podem causar distúrbios graves de excitação e contração. Assim, de forma a manter o equilíbrio na concentração de K+, existem mecanismos regulatórios que contrabalançam o K+ e a sua distribuição no corpo: a) captação gastrointestinal, a b) excreção renal e extrarrenal e c) a distribuição interna de K+ entre os compartimentos intracelular e extracelular.6
Por conseguinte, a fisiopatologia da hipercalemia envolve geralmente, a redução da excreção de K+, a movimentação do potássio intracelular para o espaço extracelular
ou, mais raramente, a ingestão excessiva de K+. A absorção de K+ ocorre no intestino delgado (e, em menor extensão, no cólon). No rim, o K+ é livremente filtrado pelo glomérulo, e aproximadamente 90% é reabsorvido proximalmente (no túbulo contornado proximal e ansa ascendente de Henle). O potássio é mais fortemente regulado nos nefrónios distais sensíveis à aldosterona sob a influência de vários fatores (incluindo aldosterona, fluxo tubular e distribuição distal de sódio), que aumentam a secreção de potássio. Alterações nesses fatores pode resultar em hipercalemia.7
No que concerne às alterações cardíacas estas, são as mais perigosas uma vez que a alteração dos níveis de K+ podem originar distúrbios de condução culminando em arritmias cardíacas que podem ser letais.8
A hipercaliémia intensifica a corrente externa de potássio, encurtando a repolarização. A repolarização encurtada juntamente com o aumento precoce da excitabilidade dos miócitos causam ondas T apiculadas, podendo ser estas as primeiras manifestações a nível eletrocardiográfico.9
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas da hipercaliémia podem variar desde doentes completamente assintomáticos a doentes com alterações neurológicas, musculoesqueléticas, cardíacas ou gastrointestinais.7
A gravidade dos sintomas não depende apenas dos níveis de K+ mas também de fatores como a velocidade de instalação, comorbilidades e medicação habitual dos doentes.2 Por conseguinte, a hipercalemia pode manifestar-se clinicamente por fraqueza muscular, parestesias e/ou fasciculações dos membros (sendo que estes podem ser considerados sinais precoces de hipercaliémia). É importante referir que, a fraqueza muscular associada ao aumento dos níveis de K+ é de característica ascendente o que pode assemelharse à Sindrome de Gullian-Barré. Podem ocorrer náuseas, vómitos e/ ou diarreia.7,8
A hipercaliémia diminui a magnitude do gradiente transmembranar da concentração de potássio retardando o seu efluxo e aumentando o potencial de membrana de repouso dos miócitos cardíacos, tornando-os menos eletronegativos. Inicialmente, a diminuição do potencial de membrana em repouso aproxima-se do limiar do potencial tornando as células mais excitávies. Contudo, à medida que a concentração extracelular de potássio continua a aumentar, o aumento do potencial de membrana em repouso reduz o número de canais de sódio dependentes de voltagem ativados conduzindo a um atraso no potencial de ação e, consequentemente, num prolongamento da despolarização. A nível do eletrocardiograma (ECG), verificar-se-á um prolongamento do intervalo PR prolongado e complexo QRS. À medida que o potássio sérico continua a subir, o número de canais de sódio ativados continua a diminuir, o que retarda ainda mais a propagação do potencial de ação. Os achados de ECG associados a esses efeitos são o aparecimento de uma onda sinusoidal (Tabela 2).9
TRATAMENTO EMERGENTE/ URGENTE
O tratamento agudo da hipercaliémia depende de vários fatores como por exemplo, valor absoluto da concentração de K+, cronicidade e/ou velocidade de instalação e comorbilidades adjacentes. Contudo, a maioria dos autores concorda que o tratamento emergente deve ser instituído sempre que a hipercaliémia seja considerada severa ou seja, sempre que o valor da concentração de K+ seja maior ou igual a 6 mmol/L com alterações ECG compatíveis ou para valores superiores a 6,5 mmol/L independentemente das alterações eletrocardiogáficas.1
a) ESTABILIZAÇÃO DA MEMBRANA
Sempre que existam alterações eletrocardiográficas, a primeira medida no tratamento da hipercaliémia deve visar a
estabilização da membrana com recurso a gluconato de cálcio. O cálcio antagoniza o efeito do K + permitindo reverter as arritmias e prevenir a paragem cardíaca. De forma a confirmar o benefício terapêutico, o ECG deve ser repetido de forma faseada uma vez que, se necessário, a dose inicial deve ser repetida dentro de 5 a 10 minutos. Tem sido reportado na literatura como efeito adverso do cálcio o risco de necrose tecidual se ocorrer extravasamento e isso é mais comumente associado ao uso de cloreto de cálcio, por isso, preferencialmente deverá ser utilizado o gluconato de cálcio. Por este motivo, o gluconato de cálcio é o fármaco preferencialmente usado e deve ser administrado na dose de 1g (10ml a 10%) e pode ser repetido até 3 vezes caso as alterações eletrocardiograficas persistam. 7,10
b) REDISTRIBUIÇÃO CELULAR
A insulina reduz o potássio sérico ativando a ATPase sódio-potássio (Na-K ATPase) e movendo o sódio para fora da célula em troca de potássio para o seu interior. O potássio pode começar a diminuir em aproximadamente 15 minutos após a administração de insulina, mas o seu efeito pode durar várias horas. Por conseguinte, o principal risco da insulinoterapia é a hipoglicemia (mesmo que tardia) e, por esse motivo, deve ser administrada dextrose (glicose) concomitantemente com insulina de modo a prevenir a hipoglicemia.7 Vários estudos têm sido realizados de forma a obter a dose ideal de insulina a administrar no caso de hipercaliémia. Numa revisão sistemática de Harnel e Kamel, citados por Lindner G, Burdmann os autores concluíram que a administração de 10 unidades de insulina de ação curta resultou numa redução do nível de K+ comparável com a administração de 20 unidades enquanto que o risco de hipoglicemia foi maior com a administração da dose maior. Assim, deve ser administrado juntamente com a insulina uma dose de dextrose de entre 25 a 50 gramas ambas por via intravenosa. Dado o risco iminente de hipoglicemia, a glicemia deve ser rigorosamente monitorizada. Em doentes cuja glicemia inicial seja superior a 200 mg/dl pode ser administrada insulina sem glicose adicional.8
Contudo, num cenário onde seja difícil este controlo rigoroso, como por exemplo em contexto pré-hospitalar,
ou se existem fatores de risco para o desenvolvimento de hipoglicemia ou seja, glicemia pré-tratamento inferior a 150 mg/dl com dois dos seguintes fatores de risco: doença renal –aguda ou crónica, peso inferior a 60 Kg, mulher e sem história de diabetes, deve ser assegurada a administração de 10 unidades de insulina com 50 gr de dextrose ou a administração de dextrose em perfusão (4 horas), minimizando assim o risco de hipoglicemia.3
Outra classe farmacológica que também promove a translocação de potássio de fora para o interior da célula pela ativação da bomba de Na-K ATPase, são os agonistas β-2 adrenérgicos. No entanto, estes devem ser utilizados como adjuvantes da insulina de forma a maximizar o seu efeito redutor de potássio.1
De acordo com uma revisão da Cochrane em 2015, a administração de salbutamol é igualmente eficaz quando administrados por via
intravenosa ou através de um nebulizador. O uso de 10 mg de salbutamol via nebulização resulta numa redução significativa do potássio com pico aos 120 minutos após administração. De notar que estes fármacos não são isentos de efeitos secundários e que, por esse motivo, os doentes devem ser também rigorosamente monitorizados principalmente pelos seus efeitos a nível cardíaco.7,8
O bicarbonato de sódio ativa a bomba NA+ - K+ corrigindo a acidemia metabólica subjacente e, por isso, em teoria, reduzindo o K+ extracelular. Contudo, a sua eficácia em reduzir efetivamente as concentrações de potássio extracelular tem-se revelado mínima pelo que a sua utilização deve ser exclusiva para cenários de acidose metabólica.1,8
c) ELIMINAÇÃO
Uma vez que as medidas já abordadas anteriormente não removem o potássio do organismo,
devem ser igualmente instituídas outras medidas que o façam. Os diuréticos de ansa inibem o co-transportador Na-K-2Cl e são amplamente usados na gestão e tratamento da hipercaliémia aguda. O mecanismo subjacente envolve o aumento da entrega distal de sódio e da taxa de fluxo para promover a secreção de potássio no lúmen e, consequentemente, a sua eliminação. Esses agentes podem ser considerados como terapêutica adjuvante na gestão da hipercaliémia emergente/urgente particularmente, se existir sobrecarga de volume como na insuficiência cardíaca.7,8
d) HEMODIÁLISE
A hemodiálise é uma opção para o tratamento da hipercaliémia aguda mas geralmente reservada para doentes refratários às medidas anteriormente instituídas nomeadamente, doentes com doença renal crónica significativa e persistente.1
ALGORITMO DE TRATAMENTO
e) AGENTES REDUTORES DE POTÁSSIO (ORAIS)
Embora os agentes redutores de K+ ainda não tenham sido aprovados para o tratamento da hipercaliémia emergente/urgente com risco de vida, eles são amplamente utilizados sendo que os mais recentes parecem ser seguros e eficazes na redução do potássio num cenário agudo.8
Os agentes redutores de potássio disponíveis são o sulfonato de poliestireno de sódio, patirómero e ciclossilicato de zircônio de sódio. O patirómero e o ciclossilicato de zircônio de sódio além de serem os mais recentes, são também os que
têm mostrado maior evidência na redução do K+ sendo que o patirómero, particularmente, parece ser o mais promissor no tratamento da hipercaliémia, no entanto são necessários mais estudos para confirmar a sua utilidade, eficácia e segurança, em cenários de emergência/urgência.1
Num cenário de hipercaliémia com K+ superior a 6 mmol/L (ou fortes indícios de hipercaliémia tendo em conta a história clínica) deve ser sempre realizado um ECG de 12 derivações. Se o exame apresentar alterações compatíveis com hipercaliémia devemos atuar de
forma emergente sendo a primeira e mais importante medida a estabilização da membrana com gluconato de cálcio. Seguidamente devemos tentar diminuir o valor da concentração de K+ através da redistribuição celular com insulina e dextrose (pode equacionar-se a administração de β-agonistas como coadjuvantes). Uma vez que nenhuma destas medidas diminui efetivamente os níveis de K+ no sangue, devem ser também instituídas medidas que visem a eliminação do K+ com recurso a diuréticos da ansa (e agentes redutores de K+). No cenário em que não existem alterações electrocardiográficas mas a concentração de K+ é ≥ 5,5 ( ou com aumento de pelo menos 1,5 mmol/L nas últimas 24 horas), deve ser instituído um tratamento emergente que passa pela redistribuição celular do K+ e pela sua eliminação forçada. Se não se verifica nenhuma das condições acima descritas, o tratamento instituído poderá passar apenas pela promoção da eliminação do K+ do organismo.2
CONCLUSÃO
A hipercalemia é distúrbio eletrolítico frequentemente observado nos serviços de emergência médica e com consequências potencialmente fatais. Contudo, existe ainda uma carência de estudos de qualidade sobre a gestão da hipercaliemia aguda. No entanto, a bibliografia disponível é unânime em relação ao seu tratamento recomendando-se a realização de um eletrocardiograma em todos os doentes com concentração de potássio
>6 mmol/L e, a todos os doentes que apresentem alterações eletrocardiográficas (compatíveis com hipercaliemia), deve ser imediatamente administrado gluconato de cálcio. Além disso, medidas de translocação celular devem igualmente ser instituídas para diminuir a concentração de potássio extracelular com destaque para a insulina (com glicose) e para os β-agonistas. A reavaliação frequente das concentrações de potássio sérico bem como a repetição seriada de eletrocardiogramas é essencial para monitorizar o sucesso do tratamento. A possibilidade de realização de testes em contexto pré-hospitalar pode ser uma vantagem para o tratamento destes doentes permitindo não só o reconhecimento precoce deste (e outros) distúrbios potencialmente reversíveis, mas também a instituição de um tratamento rápido e dirigido permitindo melhorar o outcome dos mesmos. Por fim, a evidência mais atual, sugere que os novos agentes redutores de potássio possam vir a tomar o seu o lugar no tratamento da hipercaliemia aguda, contudo serão ainda necessários mais estudos para avaliar quer a sua eficácia quer o seu perfil de segurança
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RUBRICA PEDIÁTRICA QUEIMADURAS EM PEDIATRIA: REVISÃO DAS MELHORES PRÁTICAS NA ABORDAGEM INICIAL
BURNS IN PEDIATRICS: REVIEW OF BEST PRACTICES IN THE INITIAL APPROACH
RESUMO
As queimaduras são lesões traumáticas que podem ser ameaçadoras da vida numa fase inicial e que têm geralmente um impacto multifacetado prolongado no tempo, condicionando alterações na função e profundo impacto na auto-imagem. Nas crianças, face às características anátomo-fisiológicas e comportamentais desta faixa etária, a abordagem inicial das queimaduras constitui um importante desafio tanto para as equipas de emergência pré-hospitalar como para a abordagem inicial em contexto de serviço de urgência, pelo que pretende este artigo efetuar uma breve revisão da melhor evidência disponível de forma a apoiar as melhores práticas.
ABSTRACT
Burns are traumatic injuries that can be life-threatening at an early stage and generally have a prolonged multifaceted impact over time, conditioning changes in function and profound impact on self-image. In children, given the anatomical, physiological and behavioral characteristics of this age group, the initial approach is challenging for both pre-hospital and emergency department teams, so this article intends to make a brief review of the best available evidence in order to support the best practices.
INTRODUÇÃO
As queimaduras são lesões relativamente comuns nas crianças, representando o quinto tipo de trauma mais comum a nível mundial, sendo a incidência de queimaduras mais elevada nas crianças do que nos adultos. O mecanismo de lesão mais comum é o contacto com líquidos a ferver, seguido do contacto direto com chama. As queimaduras elétricas, químicas e por radiação são raras1,2
As queimaduras têm um impacto multifacetado, nomeadamente nas crianças. Para além das óbvias condicionantes em fase aguda, como a dor e a desidratação, também a médio prazo ocorrem complicações importantes como a infeção e a longo prazo um forte impacto ao nível da auto-imagem. Ainda durante a fase aguda, a necessidade de internamento em unidade de cuidados intensivos dedicada a queimados pode condicionar o afastamento da criança da sua área de residência, da família, amigos e rede de suporte1
ABORDAGEM INICIAL DA CRIANÇA QUEIMADA
Em contexto extra-hospitalar está preconizada a remoção de todo o vestuário não aderente e o arrefecimento da queimadura com recurso a irrigação com água corrente durante 15 a 20 minutos (com exceção das queimaduras por cal viva). No caso de queimaduras por frio (raras no contexto nacional) a irrigação deverá ser feita com água corrente entre 8 a 15ºC. Após o arrefecimento, a queimadura deve ser coberta com lençol esterilizado ou com compressas esterilizadas humedecidas. Pode também ser utilizada película aderente (cling film), mas sem aplicação circunferencial de forma a evitar compressão dos membros ou do tórax. Deverão ser tomadas medidas de forma a evitar a hipotermia na criança com recurso a aquecimento ambiental e utilização de manta isotérmica. O arrefecimento da queimadura, se não efetuado no contexto extra-hospitalar, deverá ser realizado na abordagem hospitalar se a admissão for efetuada até 3 horas pós-queimadura4–7
As crianças queimadas podem ser conduzidas a qualquer unidade hospitalar e não apenas a centros terciários, pelo que todos os serviços devem estar preparados para a abordagem inicial, estabilização e ressuscitação da criança queimada. A abordagem inicial deve seguir os princípios de sistematização da abordagem ABCDE1,8
A análise do mecanismo de lesão constitui uma importante ferramenta para avaliar risco de compromisso da via aérea. Queimaduras em espaço fechado podem produzir inalação de
fumo e calor, condicionando risco de edema da via aérea1. Nestas situações, a entubação orotraqueal precoce pode estar indicada. O edema da via área não deve ser subestimado, sobretudo durante as 48 horas pós-queimadura. A vídeo-laringoscopia tem vindo a tornar-se, nos últimos anos, a técnica preferencial para a intubação, aumentando a segurança para o doente1,3
A administração de oxigénio deverá ser efetuada através de máscara de alta concentração a 10-15L/m inicialmente e posteriormente titulada para oximetrias de 94-98%. Suspeita de intoxicação por monóxido de carbono (frequentes em incêndios em espaços fechados) constituem exceção a esta regra, devendo ser administrado oxigénio a alto débito (15L/m) de forma contínua, independentemente da oximetria7
A administração de fluídos nas queimaduras em idade pediátrica continua a ser uma área controversa. De uma forma geral, a perda de fluidos associada à queimadura é diretamente proporcional à área de superfície corporal queimada (ASCQ). Após a queimadura, o aumento da permeabilidade vascular e a redução da resistência vascular periférica associada à resposta inflamatória sistémica induzem libertação de líquido para o terceiro espaço, com a consequente depleção de volume intravascular e aumento do edema intersticial. Para queimaduras minor, a rehidratação por via oral é aceitável. No entanto, queimaduras com ASCQ>10% exigem reposição de fluidos por via intravenosa (IV). Nos últimos anos têm sido instituídas medidas mais restritivas de reposição
de volume, sendo que atualmente defende-se a aplicação da fórmula de Brooke modificada, que consiste na administração de 2ml x kg x ASCQ. O produto indica o volume a ser administrado nas primeiras 24 horas, sendo que metade do volume deverá ser administrado nas primeiras 8 horas1,8,9. Tendo em conta o risco de hipotermia, a administração de fluidos deve ser aquecida7
A decisão se a fluidoterapia deve recair sobre cristalóides ou colóides é outra área que tem gerado controvérsia ao longo dos últimos anos. Durante a abordagem inicial, parece existir consenso quanto à administração de cristalóides balanceados, como o lactato de ringer1,8 ou o polieletrolítico simples. Numa fase mais avançada da ressuscitação poderá haver benefício na administração de albumina ou plasma9. A evidência é no entanto escassa e, por esse motivo, a escolha muitas vezes subjetiva1,3
A resposta da criança à fluidoterapia deve ser cuidadosamente monitorizada. Se por um lado a desidratação e hipovolémia relativa associada às queimaduras é prejudicial, a ressuscitação hídrica demasiado agressiva encerra também diversas complicações, como síndrome de dificuldade respiratória, disfunção multi-orgânica, síndrome compartimental e edema cerebral1
A colocação de acesso vascular constitui também um desafio nestas circunstâncias. Devem ser colocados preferencialmente longe da área queimada de forma a prevenir infeção, sendo a fossa antecubital o local de eleição, sempre que disponível4. Pode estar indicada a
colocação de acesso intraósseo em situações em que a necessidade de administração de fármacos e/ou fluidos seja emergente e não seja possível a canalização de acesso vascular periférico em tempo útil7
A implementação de medidas que garantam o controlo da temperatura na vítima de queimaduras em idade pediátrica é vital, uma vez que as queimaduras quebram a integridade da pele e pode provocar significativa perda de calor1
A monitorização da criança queimada é de particular relevância. A monitorização standard (estado de consciência, frequência respiratória, saturação periférica de oxigénio, pressão arterial e frequência cardíaca) pode por vezes constituir um desafio dependendo da área corporal queimada. A inserção de um cateter urinário (mandatória em queimaduras do períneo) pode ser útil na avaliação e monitorização do choque e da resposta aos fluidos1 mas deve ser cautelosamente assumida tendo em conta o risco de infeção associado, podendo estar indicadas em alternativa técnicas não invasivas de monitorização do débito urinário4
O controlo da dor na criança queimada pode ser difícil e desafiante, uma vez que a dor é influenciada por múltiplos fatores. Deverá ser utilizada uma escala de dor apropriada para cada grupo etário, que deve ser aplicada de forma seriada, para permitir uma avaliação e monitorização da eficácia das medidas farmacológicas e não farmacológicas implementadas8. A utilização de opióides é frequente, devendo ser acompanhada pela administração de anti-eméticos, sobretudo antes e durante o transporte
intra ou inter-hospitalar. Pode ser administrada morfina 0,1mg/kg IV, repetindo se necessário a cada 15 minutos até à dose máxima de 0,2mg/ kg8. A administração de antiinflamatórios não esteróides não está indicada nas queimaduras com necessidade de reposição hídrica devido ao seu efeito na mediação da resposta inflamatória e na lesão renal aguda7
Tendo em conta o risco de infeção, está indicada a aplicação de agentes antimicrobianos tópicos como a sulfadiazina de prata4,8. Na presença de flictenas, a sua drenagem deve ser efetuada apenas sob técnica asséptica8. No grande queimado está sempre indicada a administração de profilaxia do tétano8. A administração profilática de antibioterapia IV não está recomendada4
Nos casos raros de queimaduras elétricas ou químicas deverão ser adotadas pequenas alterações na abordagem da criança. Pelo risco de insuficiência renal aguda por rabdomiólise nas queimaduras elétricas, é fundamental a hidratação da criança e monitorização analítica seriada da função renal e de eletrólitos, podendo estar indicada a administração de bicarbonato de sódio8. No caso de queimaduras elétricas deverá também ser obtido um ECG de 12 derivações e colhido sangue para marcadores de necrose miocárdica com o objetivo de detetar precocemente alterações cardíacas4 Nas queimaduras químicas, a área contaminada deve ser irrigada profusamente com água, com exceção às queimaduras por cal viva. Nestas situações, o produto químico deve ser removido sem recurso a água.
AVALIAÇÃO DA EXTENSÃO E PROFUNDIDADE DA QUEIMADURA
A avaliação da extensão e profundidade da queimadura enquadra-se na avaliação secundária, mas reveste-se de elevada importância, já que determina a necessidade de administração de fluidos e a decisão de encaminhamento para um centro de queimados 1
Relativamente à profundidade da queimadura, atualmente são consideradas5:
• Queimadura epidérmica –eritema da pele, não devendo ser considerada no cálculo da ASCQ para efeitos de reposição de volémia;
• Queimadura superficial de espessura parcial – envolve a epiderme e a derme papilar;
• Queimadura profunda de espessura parcial – envolve a epiderme, toda a camada papilar da derme até à derme reticular;
• Queimadura profunda completa – envolve além de toda a espessura da pele, os tecidos subjacentes, como o músculo ou o osso.
A estimativa da área de superfície corporal queimada (ASCQ) deve ser realizada com recurso à tabela de Lund and Bowder que se adapta às alterações anatómicas de acordo com a idade8. Uma estratégia alternativa é a utilização da palma da mão do doente, que representa 1% de ASCQ. A regra dos nove é outra estratégia frequentemente utilizada na estimativa da ASCQ. No entanto, e apesar das diversas alternativas
existentes, o cálculo da ASCQ continua a ser um desafio e é frequentemente sobrestimada1. Hoje em dia podem ser utilizadas inúmeras aplicações para smartphone que facilitam, a estimativa da ASCQ pela equipa na fase aguda1
As queimaduras com pontas de cigarro são muitas vezes resultado de abuso ou negligência, apresentando-se como queimaduras circulares com cerca de 1cm de diâmetro e cuja aparência varia entre um eritema até uma lesão tipo bolha com limite circunferencial claramente bem demarcado11
• Queimaduras da face, pescoço, tórax, períneo, mãos e pés;
• Queimaduras circulares do torax ou dos membros;
• Queimaduras elétricas;
• Queimaduras químicas;
• Carboxihemoglobina>10%;
QUEIMADURAS NÃO ACIDENTAIS EM PEDIATRIA
As queimaduras não acidentais em pediatria, causadas por abuso ou negligência, representam entre 6 e 14% de todas as queimaduras em crianças admitidas em centros de queimados, com maior prevalência nas faixas etárias mais baixas10,11. As equipas de emergência devem estar despertas para o despiste de sinais que possam indicar causas não acidentais. Inconsistência na história com o padrão de lesão e atraso na procura do socorro são dois fatores que devem levantar suspeita e considerar a notificação das autoridades competentes1,7,10
Não existindo sinais óbvios de negligência ou abuso na história clínica, a identificação de queimaduras não acidentais constitui um enorme desafio para as equipas de emergência. Neste contexto, o padrão da queimadura poderá constituir uma pista nestas situações. Queimaduras situadas na região dorso-lombar, região nadegueira e períneo estão muitas vezes relacionadas com um padrão intencional.
Relativamente ao mecanismo da queimadura, as queimaduras provocadas por água a ferver parecem estar mais associadas a padrão de intencionalidade, enquanto que as provocadas por comida ou bebida a ferver estão geralmente ligadas a causa acidental10
Os maus tratos em crianças são classificados como crime público pelo que devem ser notificados sempre que identificados pelas equipas de saúde.
• Inalação de fumo ou de substâncias tóxicas;
• TCE ou trauma musculoesquelético associado;
TRANSPORTE E ENCAMINHAMENTO
Depois da abordagem inicial e de implementadas todas as medidas de ressuscitação, deve ser identificado o melhor local para transporte e encaminhamento da criança. Em contexto pré-hospitalar, esta decisão é tomada de acordo com a indicação do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), que definirá a unidade hospitalar responsável pela receção da criança e agilizará a comunicação de forma a melhor preparar a receção hospitalar. Poderão existir, no entanto, situações em que os pais ou cuidadores dirigem-se com as crianças diretamente aos serviços de urgência.
Nestes casos, e após a abordagem inicial, deverão ser identificados os critérios de transferência para um centro de queimados, nomeadamente as situações constantes na norma 022/2012 da DGS, atualizada a 11/20158:
• Idade<5 anos;
• ASCQ>10%;
• Queimaduras 2º grau>5% ASQC em lactentes;
• Queimaduras 3º grau >2% ASQC;
• Co-morbilidades associadas, nomeadamente diabetes mellitus, doença hepática, doença renal, doença cardíaca, doença psiquiátrica, doença neurológica, neoplasias e imunodepressão;
• Suspeita de maus tratos;
• Necrose epidermólise tóxica (síndrome de Lyell).
Apesar dos critérios supracitados, e tendo em conta a limitação de vagas em contexto de cuidados intensivos, com a dupla especificidade de cuidados dirigidos a queimados e à idade pediátrica, esta gestão dependerá sempre da adequada articulação com as Unidades de Cuidados Intensivos e com o CODU
MENSAGENS A RETER
• O arrefecimento da queimadura, através da irrigação com água corrente durante 15 a 20 minutos é fundamental na redução da área e da profundidade da queimadura;
• Após o arrefecimento, a queimadura deve ser coberta com lençol esterilizado ou com compressas esterilizadas humedecidas, podendo também ser utilizada película aderente (cling film);
• A administração de oxigénio deverá ser efetuada através de máscara de alta concentração a 10-15L/m inicialmente e posteriormente titulada para oximetrias de 94-98%, exceto na suspeita de intoxicação por monóxido de carbono em que o oxigénio deve ser administrado a 15L/m, de forma contínua;
• Relativamente à administração de fluidos, têm sido instituídas medidas mais restritivas de reposição de volume, sendo que atualmente defende-se a aplicação da fórmula de Brooke modificada, que consiste na administração de 2ml x kg x ASCQ;
• As equipas de emergência devem estar treinadas e preparadas para identificar e notificar sinais de queimadura não acidental, resultado de negligência ou maus tratos.
replacement measures have been instituted, and the application of the modified Brooke formula, which consists of the administration of 2ml x kg x ASCQ, is currently advocated;
• Emergency teams must be trained and prepared to identify and report signs of nonaccidental burn, resulting from neglegence or abuse.
9. Lang TC, Zhao R, Kim A, et al. A Critical Update of the Assessment and Acute Management of Patients with Severe Burns. 2019;00(00):1-27. doi:10.1089/wound.2019.0963
10. Loos MLHJ, Almekinders CAM, Heymans MW, de Vries A, Bakx R. Incidence and characteristics of non-accidental burns in children: A systematic review. Burns. 2020;46(6):1243-1253. doi:10.1016/j.burns.2020.01.008
11. Gray A. Paediatric Guideline Non Accidental Burns and Scalds in Children Care of Burns in Scotland.; 2019.
TAKE HOME MESSAGES:
• Burn cooling through irrigation with running water for 15 to 20 minutes is critical in reducing burn area and depth;
• After cooling, the burn should be covered with sterile sheet or with sterile wetted compresses, and cling film can also be used;
• Oxygen should be administered by a high-concentration mask at 10-15L/m initially and then titrated for oximetry of 94-98%, except for suspected carbon monoxide poisoning where oxygen should be administered continuously at 15L/m;
• Regarding fluid administration, more restrictive volume
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ARTIGO DE REVISÃO PEDIÁTRICA
MORTE SÚBITA CARDÍACA ABORTADA EXTRA-HOSPITALAR EM
IDADE PEDIÁTRICA
RESUMO
A morte súbita cardíaca abortada (MSCA) define-se como morte súbita devida a paragem cardíaca em que ocorre recuperação da circulação espontânea (RCE) após medidas de reanimação.
Foi realizado um estudo unicêntrico, observacional e retrospectivo em que foram identificados todos os casos de MSCA num Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos (CIPE) durante um período de 20 anos, com o objetivo de caracterizar esta população e avaliar o estado funcional a médio prazo.
Foram admitidas por MSCA 14 crianças, 64% com antecedentes patológicos conhecidos. A mediana de idades foi 12 anos, diagnosticando-se cardiopatia em todas. Foi iniciado imediatamente SBV em 8. O ritmo de paragem mais frequente foi desfibrilhável. A mortalidade global foi 43% e nestes casos verificou-se maior tempo até ao início de SBV (mediana 3,5 minutos) e até RCE (mediana 44,5 minutos). Dos sobreviventes, foi iniciado SBV imediato em 63% e a mediana de tempo até RCE foi 20
minutos. Ao 1º ano após evento, 75% apresenta bom estado funcional. Verificou-se uma correlação negativa moderada entre o período de tempo até RCE e o EF (p=0,03). Em 6 doentes foi implantado cardioversordesfribilhador implantável.
A MSCA pode ser a primeira manifestação clínica de cardiopatia. O ritmo de paragem é na maioria desfibrilhável, pelo que o SBV com recurso a DAE é fundamental para a precoce RCE, tendo impacto na prevenção de morbimortalidade.
Palavras-Chave: Cardiomiopatia; morte súbita; pre-hospitalar
ABSTRACT
Aborted sudden cardiac death (ASCD) is defined as a cardiac arrest in which resuscitation restored spontaneous circulation. In an unicentric, observational and retrospective study, all cases of ASCD were identified in a Pediatric Intensive Care Unit (PICU) during a 20-year period, with the objective of characterizing this population and evaluation mid-term functional status. Fourteen children were admitted due to ASCD, 64% with known previous
pathological medical history. The median age was 12 years. In all a possible cardiac cause was identified. Basic life support (BLS) was started immediately in 8 patients. Most arrest rhythm were defibrillable. Global mortality was 43%. Those patients waited longer times for basic life support to be provided (median 3,5 minutes) and had longer times until return of spontaneous circulation (RSC) (median 44,5 minutes). In those who survived, BLS was provided immediately in 63% and the median time until RSC was 20 minutes. At 1 year after the event, 75% had a good functional status. There was a moderate negative correlation between the time until RSC and the functional status (p=0,03). A cardioverter defibrillator was implanted in 6 patients.
ASCD can be the first manifestation of a cardiac disease. Most often the arrest rhythm is defibrillable, and as such BLS with the use of an automatic external defibrillator is key to RSC, having an impact in the prevention of morbimortality.
Keywords: Cardiomyopathies; death, sudden; emergency team
INTRODUÇÃO
Eventos com paragem cardíaca em idade pediátrica são raros, variando a incidência entre os 0,6 e os 6 por cada 100.000 por ano.1
Estima-se que cerca de um quarto dos episódios ocorram no contexto da prática desportiva,2 podendo a incidência atingir os 1:25000 por ano nesta população.3
Apesar de globalmente raros, podem resultar em morte súbita se não tratados atempadamente e são responsáveis por até um terço das mortes antes dos 21 anos.4
A maioria dos eventos tem uma causa subjacente, tornando importante os programas de rastreio, sobretudo na população de atletas e na presença de história familiar de morte súbita em idade jovem. Na maioria das séries, as causas subjacentes mais comuns são a miocardiopatia hipertrófica (MCH) e
anomalias das artérias coronárias.2 Quando as manobras de reanimação são eficazes na recuperação da circulação espontânea (RCE) o evento é referido como “morte súbita cardíaca abortada” (MSCA).
Objetivo: Caracterização dos episódios de paragem, identificação de patologias cardíacas subjacentes, fatores de risco e de mau prognóstico e avaliação do estado funcional (EF) antes e após o episódio de MSCA.
Métodos: Estudo unicêntrico, observacional e retrospetivo. Foi consultado o Registo Nacional de Paragem Cardiorrespiratória (PCR) e processos clínicos de crianças internadas num Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos (CIPE), cujo motivo de internamento foi MSCA, entre 2002 e 2021. Para avaliação do EF foi aplicada a Functional Status
Scale (Anexo 1), ao 1º e 5º anos após o episódio. Para identificação de variáveis que pudessem influenciar o EF foi utilizada a correlação de Pearson.
Resultados: Durante os 20 anos a que reporta o estudo foram admitidos no CIPE de um hospital de Nível 3 14 crianças por MSCA. A mediana de idades foi 12 anos, sendo que 36% não apresentavam antecedentes patológicos. As principais características demográficas e contextuais dos episódios de MSCA encontram-se sumarizadas na tabela 1. A mortalidade global foi 43%. Foi iniciado imediatamente SBV em 8. Nos casos não sobreviventes verificou-se maior tempo até ao início de SBV (média de 8,3 vs 1,2 min) e até à RCE (mediana 44,5 vs 24 min).
O ritmo de paragem mais frequente foi desfibrilhável (o mais comum fibrilhação
transplantação cardíaca.
Na avaliação do estado funcional, ao 1º ano após evento, 75% apresenta bom estado funcional. Verificou-se uma correlação negativa moderada entre o período de tempo até RCE e o EF (p=0,03).
Tabela
Caracterização demográfica e contextual da população pediátrica com episódios de morte súbita cardíaca abortada. Legenda: DAE – Desfibrilhador automático externo; FV – Fibrilhação ventricular; MCD – Miocardiopatia dilatada; MCH – Miocardiopatia hipertrófica; PCR – Paragem cardiorrespiratória; SQTL – Síndrome do QT longo; WPW – Wolff-Parkinson-White. 1 1 caso de SQTL tipo 1 e 1 caso de SQTL tipo 3; 2 1 caso de destro -transposição simples das grandes artérias e 1 caso de atrésia da válvula pulmonar com comunicação interventricular.
ventricular (FV) em 50%). Foi utilizado desfibrilhador automático externo (DAE) em 71% dos doentes, com um número de choques até RCE mediano de 1,5 choques (Q1 1; Q3 3). Foi realizada entubação endotraqueal no local em 64%. No estudo etiológico, foi possível identificar na maioria dos casos uma causa para a MSCA. Identificaram-se 5 casos de MCH (4 com mutação no gene MYBPC3), 2 casos de miocardiopatia dilatada (MCD), 2 casos de síndrome do QT longo (SQTL), 2 casos de fibrilhação
ventricular idiopática, 1 caso de síndrome de Wolff-Parkinson-White (WPW), 1 caso de transposição das grandes artérias (TGA) previamente submetido a cirurgia de switch arterial e 1 caso de atrésia da válvula pulmonar com comunicação interventricular previamente corrigida cirurgicamente. Em 6 doentes foi colocado CardioversorDesfibilhador Implantável (CDI), o doente com WPW foi submetido a ablação por radiofrequência com sucesso e 2 foram posteriormente submetidos a
Discussão: A prática desportiva é um fator de risco conhecido em crianças com predisposição para MSCA. No entanto, apenas um quarto dos casos ocorre neste contexto,2 em concordância com o que verificámos neste estudo (tabela 1).
Na maioria dos casos foi possível atribuir uma causa para a MSCA em idade pediátrica,2 tendo sido possível identificar a etiologia em todos os casos desta série.
A MCH foi a causa mais frequente de MSCA, estando descrita como sendo responsável por cerca de um terço das mortes súbitas cardíacas (MSC) em jovens atletas.5 Trata-se de uma doença genética autossómica dominante frequente (atinge cerca de
1 em cada 500 indivíduos,6 na maioria das vezes silenciosa. O eletrocardiograma (ECG) pode revelar critérios de hipertrofia ventricular esquerda e alterações da repolarização, mas em idades precoces mesmo portadores da mutação, podem não apresentar alterações morfológicas ou/e eletrocardiográficas. A causa de MSC está associada à ocorrência de arritmias ventriculares malignas, que ocorrem mais frequentemente quando alterações estruturais cardíacas já estão presentes.2
A MCD, embora menos frequente, é uma causa importante de MSCA como observado nesta amostra. A etiologia é diversa, mas em idade pediátrica são especialmente relevantes as causas genéticas e a MCD secundária a miocardite e tóxica. As causas genéticas são variadas, estando identificados múltiplos genes. Em cerca de metade não se identifica uma causa, sendo estes casos referidos como MCD idiopática. Pensa-se que uma grande proporção desses casos tenha uma etiologia genética.7
Eventos exclusivamente arrítmicos como os casos de SQTL, FV idiopática e WPW descritos nesta série, são globalmente menos frequentes mas, ainda assim, muito
relevantes. Embora por vezes a MSC seja a primeira manifestação destas doenças, é frequente ser precedida de síncope recorrente. Isto reforça a importância da colheita de uma história clínica cuidada e da obrigatoriedade de realização de ECG nos casos de síncope recorrente.(2)
Uma proporção significativa da MSC de causa arrítmica pode ser detetada num ECG de 12 derivações, sendo esta uma das bases para a recomendação da realização deste exame a todos os atletas.8
A doença cardíaca congénita atinge cerca de 1 em cada 100 nados-vivos, com variáveis graus de complexidade, sendo que apenas uma minoria requer cirurgia cardíaca. Sabe-se que o risco de morte súbita cardíaca varia em função da complexidade da patologia subjacente, sendo mais comum nos grupos das cardiopatias congénitas cianóticas e nas doenças obstrutivas do coração esquerdo. Neste estudo ambos os casos de MSCA em doentes com cardiopatia congénita verificaram-se no grupo de cardiopatias congénitas cianóticas.
A MSC pode ser resultado de arritmias, eventos embólicos ou de fenómenos circulatórios, como é o caso das crises cianóticas na Tetralogia de Fallot (TDF). Os doentes com TDF e os doentes com
fisiologia de ventrículo único submetidos a cirurgia de Fontan estão particularmente em risco de arritmias ventriculares. Já os doentes com TGA submetidos a cirurgia de switch arterial têm maior risco de obstáculo ao fluxo coronário, possível complicação resultante da reimplantação das artérias coronárias.9
Anomalias das coronárias estão descritas na literatura como sendo a segunda causa de morte súbita em jovens,5 no entanto não identificámos nenhum caso nesta série.
Embora o principal objetivo seja o rastreio e adequada prevenção da MSCA através do tratamento dirigido a cada situação específica, isso dificilmente permitirá identificar toda a população em risco. Como verificámos neste estudo e, como bem estabelecido na literatura, o ponto fulcral para um bom prognóstico é a rápida instituição de manobras de SBV e desfibrilhação quando indicada. O uso de desfibrilhadores automáticos externos (DAE) tem sido cada vez mais generalizado, embora a sua disponibilidade ainda seja limitada no nosso país. Estima-se mesmo que uma ampla disponibilidade de DAE em lugares de grande concentração de pessoas e de prática desportiva
possa prevenir cerca de 25% das MSC pediátricas.10
Após o manejo agudo dos eventos de MSCA é essencial, quando possível, a identificação da causa, porque como verificado neste estudo, uma grande proporção de doentes após MSCA terá indicação para implantação de um CDI. Os CDI tratam-se de dispositivos totalmente implantáveis que permitem a identificação e tratamento de arritmias malignas. Têm sido cada vez mais utilizados em idade pediátrica, quer como prevenção primária, quer como prevenção secundária, sendo pouco significativas as complicações descritas com o seu uso (inferiores a 3%).11
Estão descritos vários preditores do estado funcional após MSCA, nomeadamente o tempo até à RCE e a utilização de DAE. Nesta população verificámos uma elevada taxa de utilização de DAE e um reduzido tempo até ao início de manobras de reanimação, o que pode explicar o bom estado funcional verificado em 75% dos doentes. Verificámos uma correlação negativa entre o período de tempo até RCE e o EF, o que também está em concordância com a literatura.12,13 A Functional Status
Scale encontra-se validada em doentes pediátricos e permite uma ótima discriminação dos doentes com disfunções moderadas a grave.14
CONCLUSÃO: A MSCA é rara, mas pode ser a primeira manifestação clínica de uma doença cardíaca subjacente. O ritmo de paragem é na maioria desfibrilhável, pelo que o SBV com recurso a DAE é fundamental para a precoce RCE, tendo impacto comprovado na prevenção de morbimortalidade
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REFLEXÕES BREVES SOBRE A EMERGÊNCIA MÉDICA
APOIO SANITÁRIO OPERACIONAL EM INCÊNDIOS E RECUPERAÇÃO A BOMBEIROS
OPERATIONAL SANITARY SUPPORT IN FIRES AND RECOVERY TO FIREFIGHTERS
RESUMO
No combate a incêndios urbanos, industriais e rurais é expectável existirem incidentes. Nas últimas duas décadas, existem registos que provam a ocorrência elevada de feridos e mortes, por acidentes de viação, intoxicações, trauma, eventos cardiovasculares súbitos, stresse térmico, queimados, entre outros. O estudo teve como objetivos identificar a perceção dos gestores de emergência relativamente aos riscos dos operacionais durante o combate a incêndios, caracterizar o apoio sanitário a incêndios em Portugal, recomendar intervenções e ações para que o apoio sanitário, a prevenção de incidentes e a vigilância da saúde dos operacionais sejam foco de maior atenção.
Foi realizada pesquisa bibliográfica, aplicado um questionário a gestores de emergências e efetuada uma análise de modo a perceber que necessidades existem no Apoio Sanitário em Portugal.
ABSTRACT
In the fight against urban, industrial and rural fires, it is expected that there will be incidents. In the last two decades, there are records that prove the hight occurrence of injuries and deaths, due to roads accidents, poisoning, trauma, sudden cardiovascular events, burns, etc. The objetive of the study was to identify the perception of emergency managers regarding the risks of operatives during firefighting, to characterize sanitary support for fires in Portugal, to recommend interventions and actions so that sanitary support, inicident prevention and fire surveillance operational health are the focus of greater attention.
In this work, a bibliographical research was carried out, a questionnaire was applied to emergency managers and a analysis was carried out in order to understand what needs exist in Sanitary Support in Portugal.
Keywords: Sanitary support; fires; health; rehabilitation; firefighters.
INTRODUÇÃO
São vários os fatores que exponenciam os riscos para a saúde dos bombeiros durante o combate aos incêndios.
Bandeira (2021) e Amaro (2009) referem um deficiente programa de saúde ocupacional nos corpos de bombeiros. Kahn et al (2017) e a National Institute for Occupational Safety and Health (2007) relatam desconhecimento dos bombeiros sobre a importância da hidratação antes, durante e após o esforço físico intenso, o desconhecimento sobre a importância do arrefecimento e alimentação, o não uso de equipamentos de proteção individual respiratório em determinadas fases do combate a incêndios. Ferreira et al. (2014) refere que a maior exposição ao CO é durante o rescaldo. Também os elevados fatores cardiovasculares nos bombeiros, o trabalho prolongado sem descanso e falta de protocolos de segurança são considerados riscos para a saúde dos bombeiros. Pretende-se com este artigo, contribuir para uma melhor resposta dos cuidados de saúde a operacionais expostos aos riscos para a saúde durante o combate a incêndios.
Objetivo geral
Identificar a perceção dos gestores de emergência relativamente aos riscos dos operacionais durante o combate a incêndios, caracterizar o apoio sanitário a incêndios em Portugal, recomendar intervenções e ações para que o apoio sanitário, a prevenção de incidentes e a vigilância da saúde dos operacionais sejam foco de maior atenção.
Objetivos específicos
Realizar uma avaliação do estado da arte do Apoio Sanitário a Incêndios. Entender que meios e níveis de diferenciação devem ser ativados para os teatros de operações. Como podem as equipas médicas colaborar para prevenir eventos súbitos e intervir rapidamente, com qualidade e em segurança.
A equipa de Apoio Sanitário Operacional e Recuperação (ASOR), em articulação com oficial de ligação no Posto de Comando, pode realizar a vigilância do estado da saúde do bombeiro no período de descanso e recuperação através de:
• Técnicas de arrefecimento corporal: segmentado (através de imersão de antebraço em água e gelo), multissegmentado (através de imersão do corpo em água com temperatura inferiores a 35ºc), arrefecimento natural (sombra com utilização de ventiladores com nebulização), e ingestão de bebidas frescas;
• Vigilância da saturação periférica de monóxido de carbono (SpCO) e a presença de sinais e sintomas de intoxicação, de forma a detetar intoxicação por
monóxido de carbono (CO) e atuar de imediato através da administração de oxigénio por máscara de Hudson. TURGUT e YAVUZ (2020), referem que administração de oxigénio através de Continuous Positive Airway Pressure diminui o CO de forma mais rápida e eficaz;
• Vigilância de sinais e sintomas de intoxicação por cianetos e administração de Cyanokit® (hidroxocobalamina) endovenosa, antídoto para Intoxicação por cianetos (extremamente tóxica);
• Gestão de esforço, tentando cumprir tempos de descanso emanados pela National Fire Protection Association;
• Controlo de níveis de hidratação e alimentação.
Esta vigilância é fundamental para evitar situações de rabdomiólise, stresse térmico (golpe de calor), detetar precocemente eventos cardiovasculares, intoxicação por monóxido de carbono e por cianetos, entre outros. Além de mitigar os riscos para a saúde dos bombeiros durante o combate a incêndios, permite recuperar fisicamente o operacional para um melhor desempenho nos trabalhos, e tendo a equipa ASOR capacidade em Suporte Imediato de Vida (SIV) ou Suporte Avançado de Vida (SAV), intervir em caso de incidente grave. Através do pulsoCOxímetro, a avaliação da SpCO superior a 10% indica intoxicação e é a partir destes valores que surgem as manifestações clínicas, prevalecendo a avaliação clínica, de forma a administrar oxigénio (antídoto do CO).
TAKE HOME MESSAGE>
São manifestações clínicas da intoxicação por CO: cefaleias, dispneia, tonturas, vómitos, náuseas, confusão, síncope, taquicardia, convulsão, apneia, coma. O antídoto do CO é o oxigénio, e pode ser administrado por máscara de alto débito, CPAP e se intoxicação grave (SpCO>25% considerar tratamento hiperbárico).
O diagnóstico de intoxicação por cianetos ainda é um desafio para os profissionais de saúde e requer alta suspeita clínica. As manifestações clínicas são a hiperventilação, cefaleia, náuseas, vómitos, palpitações e ansiedade, e mais tardiamente e grave, originam convulsões, e falência cardiovascular. O fármaco de eleição para o tratamento de pacientes com suspeita de intoxicação por cianetos é a hidroxicobalamina. Trata-se de um fármaco com rápido início de ação e com efeitos adversos minor.
TAKE HOME MESSAGE>
Tanto da exposição a altas temperaturas, como do esforço físico excessivo, pode surgir a rabdomiólise. Podem desenvolver-se os seguintes sintomas: arritmias, cãibras, convulsões, irritação, náuseas, vómitos, urina escura e cansaço. É diagnosticada através de pesquisa de creatina quinase. O tratamento passa por repouso, ingestão de líquidos, arrefecimento e fluidoterapia.
METODOLOGIA
Estudo quantitativo e descritivo. Realizado um questionário (resposta múltipla e uma questão de resposta livre) para diagnóstico dos conhecimentos dos riscos para a saúde, por parte dos operacionais de combate a incêndios, e de como são acionados os serviços de emergência médica. Critérios de inclusão no estudo: os inquiridos teriam de pertencer ao quadro de comando de bombeiros em Portugal Continental e elementos da estrutura de comando da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Numa população de 1189 gestores de emergência, obteve-se uma amostra de 152 participantes.
A recolha de dados realizou-se entre 10 e 30 de junho de 2021.
Foi realizada revisão bibliográfica sobre os riscos para a saúde dos bombeiros e o sistema de apoio sanitário em Portugal e em países estrangeiros.
RESULTADOS
79,6% dos inquiridos já presenciaram incidentes durante o combate a incêndios e em 71,1% já esteve em grandes incêndios sem a presença do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
À questão colocada aos inquiridos “Que sintomas relaciona com a exposição a fumos, temperaturas elevadas ou exercício intenso?”, de resposta verdadeiro/falso, quanto aos seguintes sintomas como: cefaleia, dispneia, hipertermia, cãibras, dor torácica, palpitações, alteração do estado de consciência, 1/3 das respostas estavam incorretas. Sobre a necessidade de formação “Riscos para a Saúde do Bombeiro”, 87,5% dos participantes consideraram necessária formação nesta temática, concluindo-se que o conhecimento dos gestores para os riscos para a saúde dos bombeiros não é o
Algumas destas manifestações clínicas de diferentes etiologias podem originar outros incidentes, como por exemplo, traumatismos, queimaduras e acidentes de viação.
suficiente e reconhecem a necessidade de formação. 53,9 % dos inquiridos consideraram que o Comandante das Operações de Socorro (COS) deve ser apoiado por um médico ou enfermeiro com funções na avaliação da condição física e de saúde dos operacionais para melhor gestão de esforço das equipas de combate e realização de “Recuperação” ao bombeiro. Na questão de resposta livre “Que sugestão daria para mitigar incidentes durante o combate a incêndios, e para melhorar o apoio sanitário?”, 18 dos inquiridos mencionaram “Gestão de Esforço e Recuperação” e 16 mencionaram “Articulação ANEPC/ INEM, e Ativação de Equipa de Apoio Sanitário”.
DISCUSSÃO
Os gestores de emergência não dominam os riscos para a saúde dos operacionais, resultando na não ativação de meios de emergência com enfermeiro ou médico. No entanto, reconhecem a necessidade do enfermeiro ou médico para apoiar na gestão de descanso, recuperação e intervenção.
Apesar da ativação de meios do INEM, em Portugal, nenhuma entidade realiza “Recuperação” aos
bombeiros durante o combate a incêndios, e assim não se promove a mitigação dos riscos para a saúde dos bombeiros.
TAKE HOME MESSAGE> A extensão das lesões causadas pela intoxicação por CO e cianetos dependente da concentração do mesmo, da duração da exposição e das comorbidades do indivíduo exposto. Os valores de CO e cianetos são mais elevados durante a fase de rescaldo, salvamento e no combate a incêndios rurais.
A equipa médica ativada para realizar prevenção a um incêndio deve estar atenta às manifestações clínicas de intoxicação por CO, já que os meios de emergência pré-hospitalar não dispõem do pulsoCOximetro. O médico e/ou, o enfermeiro devem estar também alerta para o risco de stresse térmico.
CONCLUSÃO
Pela previsão da ocorrência mais frequente de mega-incêndios ou incêndios com comportamento extremo devem ser tomadas atitudes para proteger quem socorre. Concluise existir desconhecimento, por parte dos gestores de emergência, dos riscos para a saúde dos bombeiros,
durante o combate a incêndios florestais e estruturais, e ainda a necessidade de formação destes, sendo então sugerido a realização de formação e sensibilização sobre os riscos para a saúde dos bombeiros. Foram identificados problemas na ativação das equipas de emergência pré-hospitalar, compreendendo-se que deve existir uma melhor articulação entre o COS e o Centro Distrital de Operações de Socorro (CDOS). A implementação mais precoce do Oficial de Segurança em fases do incêndio, mostrou-se relevante para uma melhor gestão e cooperação com o Apoio Sanitário. À semelhança de estruturas estrangeiras, com a criação de um Oficial de Saúde é possível uma melhor articulação entre os intervenientes do teatro de operações. Desta forma, é possível obter uma efetiva gestão de esforço dos operacionais e recuperação, assim como intervenção em caso de ocorrência de emergência. Através do questionário foi possível avaliar a perceção do nível de resposta (SBV, SIV, e SAV).Para as fases I e II do Sistema de Gestão Operacional (SGO) devem ser ativados meios de SBV, para a fase III devem ser ativados meios SIV, e meios SAV fase IV.
Com a criação de um veículo devidamente equipado (com dispositivos de diagnóstico, arrefecimento, fármacos, entre outros) e equipas ASOR, é sugerido alteração à Diretiva Operacional Nacional (DON) 1 e 2 para ativação destas equipas e equipas SIV e SAV pelo CDOS através do escalamento das fases do SGO.
REFLEXÕES BREVES SOBRE A EMERGÊNCIA MÉDICA
Tal como esperado, em Portugal não é realizado apoio sanitário operacional com recuperação de bombeiros, pois nenhuma entidade (INEM, Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, Bombeiros, Cruz Vermelha Portuguesa) realiza “Recuperação”, e assim não é possível mitigar incidentes. Apesar do INEM ser ativado para um número reduzido de incêndios, em Portugal não é realizada recuperação ao bombeiro por nenhum profissional de saúde, nem mesmo por enfermeirosbombeiros.
A bibliografia consultada mostra que é possível rentabilizar os operacionais através do descanso, hidratação, alimentação e arrefecimento. E ainda, que através de avaliação diferenciada por um enfermeiro e/ou médico, é possível triar os elementos que podem continuar os trabalhos com melhor performance física, e os que necessitam de recuperação, diminuindo assim o risco de incidente súbito associado ao combate a incêndios
BIBLIOGRAFIA
1. Amaro, A. D. (2009). O socorro em Portugal. Organização, formação e cultura de segurança nos corpos de bombeiros, no quadro da Protecção Civil. Dissertação para à obtenção do grau de Doutor em Geografia Humana. Faculdade de Letras, Universidade do Porto.
2. ANISP. (2014). Guide Bonne Pratique – Soutien sanitaire opérationnel au sein des SDIS. Association Nationale des Infirmiers Sapeurs-Pompiers.
3. Bandeira, R., Leão R., Gandra, S., Reis, A., Gandra R. (2009.). Riscos de fumos de incêndio: atualidade e controvérsias nas intoxicações. Obtido de http:// hdl.handle.net/10316.2/36164
4. Bandeira, P. (2021). Saúde Ocupacional do Bombeiros Voluntários no Distrito de Aveiro: Um estudo de caso. Dissertação de Mestrado em Gestão de Emergência e Socorro do ISCIA.
5. Coelho, Francisco (2021). Riscos para a Saúde dos Operacionais Durante o Combate a Incêndios e Necessidades no Apoio Sanitário em Portugal. Dissertação apresentada para obtenção de grau de Mestre em Gestão de Emergência e Socorro.
6. Ferreira, A. (2014). “Avaliação das alterações respiratórias induzidas por exposições ocupacionais através de metodologia não invasiva”. Tese de Doutoramento em Ciências da Saúde. Faculdade de Medicina da Univercidade de Coimbra.
7. Kahn, S., Palmieiri, T., Sen, S., Woods, J., Gunter, O.. (2017). Factores Implicated in Safety-related Firefighters Fatalities. Obtido de pubmed.ncbi.nim. nih.gov/27606562/
8. Kasim Turgut, Erdal Yavuz (2020). Comparison of non-invasive CPAP with mask use in carbonmonoxide poisoning. American Jounal of Emergency Medicine 38 (2020)1454-1457.
9. NFPA (2015). Norma 1584 NFPA Standard on the Rehabilitation Process for Members During Emergency Operations. Batterymarch Park, Quincy, MA 02169-7471, USA: NFPA.
AGRADECIMENTOS
Gratos à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e à Liga dos Bombeiros Portugueses pela colaboração na divulgação do questionário utilizado neste estudo.
10. NIOSH (2007). , Prevenção de mortes entre bombeiros por ataques cardíacos e outros eventos cardiovasculares agudos . Obtido de https://www.cdc.gov/spanish/niosh/docs/2007133_sp/default.html~.
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12. Quintal, P. (2012). Caracterização do stresse térmico no combate a incêndios e avaliação de sistemas de arrefecimento individual. Dissertação apresentada para a obtenção do grau de Mestre em Engenharia.
13. Viegas, X., Almeida, M., (…), Silva , l., (2017). Relatório Grande Incêndio Florestal de Pedrogão Grande Concelhos Limítrofes. Universidade de Coimbra.
EDITORA
LIFESAVING TRENDS - INOVAÇÕES EM EMERGÊNCIA MÉDICA
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA EMERGÊNCIA MÉDICA
O avanço tecnológico nos últimos anos refletiu-se na criação de computadores capazes de executar tarefas anteriormente dependentes da cognição humana, tais como o reconhecimento do discurso, perceção visual, aprendizagem e capacidade de decisão1
A integração de novas tecnologias na área da medicina está em constante evolução e a aplicação da inteligência artificial (IA) na medicina de emergência, em particular, é promissora e apresenta várias possibilidades2
Machine Learning é um ramo da IA em expansão na medicina, uma vez que se foca no desenvolvimento de algoritmos e modelos capazes de aprender e melhorar automaticamente a partir de dados, sem serem explicitamente programados3. Estes algoritmos são desenhados para analisar grandes conjuntos de dados, identificar padrões e aprender com eles, permitindo, posteriormente, que o sistema preveja e tome decisões com base nesses padrões2. Hoje em dia, esta tecnologia é utilizada principalmente como orientação de diagnóstico na área da radiologia, por exemplo, na interpretação de mamografia, deteção de hemorragia
no sistema nervoso central ou nódulos do pulmão em tomografias computadorizadas e calcificação das coronárias em ressonância magnética2
Outro ramo da IA é Natural Language Processing, que permite os computadores entenderem e interpretarem a linguagem humana, sendo útil na análise de dados não estruturados como receitas médicas, registos clínicos e literatura científica, de forma a extrair informações relevantes3. Assim, esta tecnologia pode ser utilizada para analisar dados clínicos, realizar diagnósticos, prever resultados de terapêutica, ajudar na tomada de decisões clínicas e otimizar os cuidados de saúde em situações de emergência.
- Triagem e diagnóstico: A IA pode ajudar a acelerar o processo de triagem em situações de emergência. Estes algoritmos analisam informações clínicas rapidamente, como sinais vitais, sintomas e história prévia, identificando casos mais urgentes2,4. Um estudo observacional retrospetivo, que utilizou um algoritmo de IA para prever a necessidade de cuidados diferenciados em situações de emergência pré-hospitalar, verificou que a precisão da IA foi superior à
dos médicos especialistas. Isto pode ser explicado pela maior capacidade da IA em processar múltiplas variáveis simultaneamente, cruzando informações clínicas de várias fontes. Adicionalmente, a combinação da ação do médico com a IA apresentou a maior precisão de previsão3,5
- Auxílio na tomada de decisões: a IA pode ajudar na interpretação de exames de imagem, por exemplo, tomografias computadorizadas e radiografias, sugerindo opções de tratamento baseadas em informações clínicas e na evidência científica atualmente disponível2
- Mitigar o erro: a IA pode reduzir erros de metacognição e correlações ilusórias dos profissionais de saúde cujo processo de tomada de decisão é sujeito a viés e heurística3,4
- Otimização da organização do trabalho: a IA pode ser utilizada na organização e priorização dos doentes, alocação e gestão de recursos, por exemplo, através da análise em tempo de real de tempos de espera, disponibilidade de camas e afluência ao serviço de urgência4
- Educação: IA pode ser usada para treino dos profissionais de saúde, com recurso a simulações e ambientes virtuais realistas e seguros, permitindo melhorar a
consolidar as habilidades dos profissionais.1
A implementação da IA na medicina de emergência requer considerações éticas e um regulamento adequado, nomeadamente em relação à privacidade de dados, responsabilidade médica e interpretação correta dos resultados apresentados, de modo a garantir a segurança e eficácia destes algoritmos. A regulamentação específica para a utilização da IA na área da saúde ainda não está desenvolvida e garantir o seu uso de forma ética e legal é, ainda, um desafio.
- Responsabilidade legal: com a utilização da IA na tomada de
decisões clínicas, pode surgir a questão de quem é responsável por erros ou danos causados por decisões tomadas pelo sistema de IA. Neste aspeto, os profissionais devem aprender quando e como implementar as recomendações de diagnóstico e tratamento da IA, utilizando-a mais como uma ferramenta confirmatória para apoiar decisões clínicas do que apenas seguir as suas indicações1
- Privacidade e proteção de dados: a utilização de IA na medicina requer o acesso a informações clínicas sensíveis, sendo essencial garantir que essas informações se encontram adequadamente protegidas1, em
conformidade com as leis de privacidade e proteção de dados, como o Regulamento Geral de Proteção de Dados na União Europeia.
- Validade científica: a utilização de IA deve ser validada cientificamente de modo a garantir a sua eficácia e segurança, sendo que os profissionais devem compreender as suas limitações. Importa destacar que, uma vez que algoritmos de Machine Learning são baseados em dados de uma população específica, podem não fornecer as recomendações mais adequadas, se forem aplicados a uma população
com características diferentes1
- Viés: a tomada de decisão clínica pode ser enviesada erradamente no caso de falha da IA, se existir um apoio excessivo neste recurso1
- Autonomia e consentimento informado: é fundamental informar os doentes acerca da utilização da IA, garantindo o direito a dar ou a recusar o consentimento informado para a sua utilização1
Apesar de a utilização de algoritmos de IA na medicina abrir uma panóplia de possibilidades, torna-se importante destacar que os sistemas de IA devem ser desenhados para funcionar como ferramentas de auxílio, e não como sistemas que substituem o julgamento clínico. Adicionalmente, como o bom funcionamento dos algoritmos depende de um grande conjunto de dados clínicos para desenvolver modelos precisos, nem sempre os registos existentes apresentam qualidade suficiente para produzir resultados confiáveis, uma vez que se encontram frequentemente incompletos ou desorganizados. Além disso, é fundamental que a implementação da IA na medicina respeite os princípios da beneficência, autonomia, justiça e não maleficência.
Outro desafio à sua implementação na medicina é a transparência e interpretação dos seus resultados. À medida que os modelos se tornam mais complexos, pode tornar-se difícil para os profissionais de saúde compreenderem o raciocínio adjacente a uma tomada de decisão por parte da IA. Especialmente em cenários críticos, como na medicina de emergência, é fundamental que os
profissionais possam compreender e confiar nas recomendações da IA. A interação entre a IA e a medicina está em constante evolução, com novas técnicas e abordagens, com o objetivo de melhorar a assistência médica e os cuidados de saúde. Superando os vários desafios existentes com a colaboração entre profissionais da área da IA, saúde e direito, a sua utilização na área da saúde, com vista à melhoria dos cuidados prestados, já não é uma realidade assim tão longínqua
BIBLIOGRAFIA
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3. Kirubarajan A, Taher A, Khan S, Masood S. Artificial intelligence in emergency medicine: A scoping review. J Am Coll Emerg Physicians Open. 2020;1(6):1691-1702. doi:10.1002/emp2.12277
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CARTAS AO EDITOR
PENSAR ALÉM DAS APARÊNCIAS
O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é uma das emergências médicas mais frequentes, mantendo-se como a primeira causa de morte em Portugal e uma das principais causas de incapacidade no adulto a nível mundial, com enorme impacto social e económico. Apresenta-se com instalação aguda de défices neurológicos e o seu tratamento evoluiu consideravelmente nos últimos anos, ao contrário do AVC hemorrágico. A utilização da trombólise e trombectomia mecânica mudaram radicalmente o seu prognóstico. No entanto, efetuar o diagnóstico correto e em tempo útil, para possibilitar o uso dessas terapêuticas continua a ser um desafio, quer em contexto préhospitalar ou hospitalar precoce, porque "tempo é cérebro". Para ilustrar esta dificuldade apresenta-se o seguinte caso clínico. Homem de 68 anos, trazido ao serviço de urgência acompanhado pela equipa da viatura médica de emergência e reanimação (VMER). Doente encontrado caído no chão do parque da cidade por um casal, que prontamente ligou 112.
Informaram o médico da VMER que este episódio era recente, pois na volta anterior ao circuito, o homem estava sentado no banco a ler o jornal. Entre o acontecimento e a chamada para INEM, teriam passado no máximo 20 minutos. O doente apresentava-se obnubilado, tentativa de comunicação apenas algumas palavras, sem sentido. Escala de coma de Glasgow de 11, hemodinamicamente estável (PA: 155/84mmHg, FC: 70 bpm). Apirético. Saturação periférica de oxigénio 99% em ar ambiente. Glicemia capilar 112 mg/dl. Não foi possível colher os antecedentes médicos quer no sistema informático quer através de contato com familiares. Apresentava hemiparesia direita grau 1 em ambos membros. Sem alterações da oculomotricidade. Pupilas sem alterações. Exame neurológico difícil de realizar por não colaboração do doente. No exame físico à inspeção não se detetaram lesões, nomeadamente na face e no crânio. Eletrocardiograma: FC de 70 bpm, ritmo sinusal, sem alterações do segmento ST. Provável hipertrofia ventricular esquerda segundo critérios de Sokolov-Lyon. Gasometricamente, hipocaliemia ligeira de 3,4 mmol/L e
lactatos 1.9 mmol/L. Pedido estudo analítico e doente levado a realizar uma de TAC crânio e angiotomografia cerebral, que não mostraram alterações importantes, excluindo área de lesão isquémica ou hemorrágica. Considerado tratar-se de AVC isquémico com início inferior a 2 horas realizou trombólise, sem intercorrências. O resultado do estudo analítico revelou uma ligeira neutrofilia, mas sem alterações dos parâmetros inflamatório, um aumento da CK para sensivelmente o dobro do limite superior normal e a hipocaliemia ligeira previamente descrita. Exame toxicológico negativo. Cerca de 6 horas desde a admissão hospitalar, o doente ficou consciente, colaborante, orientado no tempo e espaço. Resolução dos défices motores à direita, com exame neurológico totalmente normal. Informou que tinha como antecedentes epilepsia e hipertensão arterial, para as quais fazia carbamazepina 400mg, duas vezes por dia, e a associação azilzartan/clorotalidona, respetivamente. Medicação que diz cumprir. Sem outros fatores de risco para AVC, excetuando hipertensão arterial. Refere que última convulsão
tinha sido há mais de 4 anos e que envolveu o membro superior direito. Do que se recorda, esta convulsão terá começado de modo semelhante, mas ao contrário das anteriores perdeu consciência. Refere ser seguido por neurologista particular e não ter médico de família. Na posse destas simples informações, o diagnóstico de parésia de Todd poderia ter sido feito. A história clínica e os antecedentes médicos são fundamentais para fazer diferenciação do AVCi. Sem o contexto apropriado, que não foi possível apurar, foi feito diagnóstico incorreto de AVCi. Diagnósticos falsos positivos são designados como ‘stroke mimics’ (SM), e diagnósticos falsos negativos como ‘stroke chameleons’. Isto deve-se ao facto de diferentes entidades clínicas terem uma forma de apresentação semelhante, com défices neurológicos focais. Os SM são responsáveis até cerca de 25% de todos os casos admitidos como possíveis AVCs.1 Entre os quais se incluem;1) distúrbios metabólicos como hipoglicemia, hiperglicemia, hiponatremia ou hipercalcemia; 2) as desmielinizantes, como esclerose múltipla; 3) Drogas de abuso ou toxicidade por fármacos; 4) síndromes psicogénicas; 5) convulsões com estado pós-ictal, paresia de Todd . As convulsões são o mais frequente SM.1
A paresia de Todd é uma perda transitória da força muscular num membro ou ambos do lado contralateral ao local de origem da convulsão. Geralmente ocorre após uma convulsão focal, mas pode ocorrer após qualquer tipo de convulsão. Outros sintomas como afasia, alterações oculomotoras, apraxia entre outros, podem ocorrer.
É uma situação benigna com bom prognóstico, que resolve espontaneamente. Pode demorar horas, mas não ultrapassa as 48 horas.2 Quando uma convulsão se apresenta com défices neurológicos focais o risco de ser diagnosticado erradamente como AVCi aumenta consideravelmente. O seu diagnostico, assim como de outros SM, torna-se fundamental pois a atitude terapêutica é radicalmente diferente.1 Além de podermos sujeitar estes doentes a trombólise com as suas possíveis complicações, algumas fatais, também estamos a atrasar o tratamento correto do SM que pode igualmente pôr a vida do doente em risco.3 Felizmente, existe cada vez mais evidência que a trombólise em doentes com SM diagnosticados erradamente como AVCi, é globalmente segura.3,4 Em caso de dúvida, a trombólise deve ser realizada e não deve ser atrasado o seu início, o risco-benefício é favorável. Deve-se realçar que, por outro lado, o seu uso não aumenta o risco de uma nova convulsão.5 Portanto, é de extraordinária importância o diagnóstico correto de AVCi ou de um SM, para uma adequada orientação, pois é possível mudar consideravelmente o prognóstico destas situações COMISSÃO
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IMAGEM EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA
UMA CAUSA IMPROVÁVEL DE DOR
ABDOMINAL
Homem de 87 anos, com antecedentes relevantes de adenocarcinoma colorretal, submetido a hemicolectomia esquerda em 2021, dirige-se ao serviço de urgência com dor abdominal com cerca de dois dias de evolução, associada a distensão abdominal e obstipação. Ao exame objetivo, o doente encontrava-se hemodinamicamente estável com abdómen globoso, pouco depressível e globalmente doloroso à palpação profunda, sem defesa, com ruídos hidroaéreos de timbre normal, mas frequência aumentada. Dos meios complementares de diagnóstico realizados, destacam-se as imagens abaixo.
Qual o diagnóstico do doente?
A. Oclusão intestinal
B. Síndrome de Chilaiditi
C. Perfuração intestinal/ Pneumoperitoneu
D. Hérnia diafragmática
TEXTO EXPLICATIVO
Embora na radiografia torácica simples realizada inicialmente pelo doente, pareça existir ar livre entre a margem hepática superior e o hemidiafragma direito, a verdade é que na TC abdominal realizada imediatamente após, podemos verificar que se trata de uma ansa cólica, não existindo ar ou fluído livres na cavidade abdominoperitoneal. Este achado radiológico denomina-se Sinal de Chilaiditi e é caracterizado pela interposição de ansas cólicas entre a margem hepática superior e o hemidiafragma direito, resultando num pseudo-pneumoperitoneu. Pelo facto de estar acompanhada de sintomatologia, como obstipação e dor abdominal, podemos afirmar estar na presença de Síndrome de Chilaiditi
O diagnóstico desta entidade só deve ser feito após serem excluídas hipóteses mais graves, nomeadamente vólvulo intestinal, perfuração ou oclusão intestinal. Neste doente, pelo facto de não existir ar ou fluído livre, podemos excluir a presença de perfuração; o diafragma encontrava-se íntegro, pelo que também foi excluída a possibilidade de hérnia diafragmática. No estudo imagiológico, também foi possível excluir a presença de obstrução e dilatação evidente a montante.
O tratamento desta entidade é maioritariamente conservador, passando por repouso no leito, fluidoterapia e recurso a laxantes, podendo ser necessária descompressão com enemas.
Em casos mais graves e com complicações, a cirurgia pode ser necessária
BIBLIOGRAFIA
1. Moaven O, Hodin RA. Chilaiditi syndrome: a rare entity with important differential diagnoses. Gastroenterol Hepatol (N Y). 2012 Apr;8(4):276-8. PMID: 22723763; PMCID: PMC3380266.
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CRITÉRIOS DE PUBLICAÇÃO
1. Objectivo e âmbito
A Revista LIFESAVING SCIENTIFIC (LF Sci) é um órgão de publicação pertencente ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) e dedica-se à promoção da ciência médica pré-hospitalar, através de uma edição trimestral.
A LF Sci adopta a definição de liberdade editorial descrita pela World Association of Medical Editors, que entrega ao editor-chefe completa autoridade sobre o conteúdo editorial da revista. O CHUA, enquanto proprietário intelectual da LF Sci, não interfere no processo de avaliação, selecção, programação ou edição de qualquer manuscrito, atribuindo ao editorchefe total independência editorial.
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2. Informação Geral
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3. Direitos Editoriais
Os artigos aceites para publicação ficarão propriedade intelectual da LF Sci, que passa a detentora dos direitos, não podendo ser reproduzidos, em parte ou no todo, sem autorização do editor-chefe.
4. Critérios de Publicação
4.1 Critérios de publicação nas rúbricas
A LF Sci convida a comunidade científica à publicação de artigos originais em qualquer das categorias em que se desdobra, de acordo com os seguintes critérios de publicação:
Artigo Científico Original
- Âmbito: apresentação de resultados sobre tema pertinente para atuação das equipas em contexto de emergência pré-hospitalar de adultos.
Dimensão recomendada: 1500 a 4000 palavras.
Temas em Revisão
- Âmbito: Revisão extensa sobre tema pertinente para atuação das equipas em contexto de emergência pré-hospitalar de adultos.
Dimensão recomendada: 1500 a 3500 palavras.
Hot Topic
- Âmbito: Intrepretação de estudos clínicos, divulgação de inovações na área pré-hospitalar recentes ou contraditórias.
Dimensão recomendada: 1500 a 3500 palavras.
Rúbrica Pediátrica
- Âmbito: Revisão sobre tema pertinente para atuação das equipas em contexto de emergência pré-hospitalar no contexto pediátrico.
Dimensão recomendada: 1500 a 3500 palavras.
Casos Clínicos (Adulto)
- Âmbito: Casos clínicos que tenham interesse científico, relacionados com situações de
emergência em adultos. Dimensão recomendada: 1000 palavras.
Casos Clínicos (Pediatria)
- Âmbito: Casos clínicos que tenham interesse científico, em contexto de situações de emergência em idade pediátrica. Dimensão recomendada: 1000 palavras.
Casos Clínicos (Neonatalogia)
- Âmbito: Casos clínicos que tenham interesse científico, que reportem situações de emergência em idade neonatal. Dimensão recomendada: 1000 palavras.
LIFESAVING Trends - Inovações em Emergência Médica
- Âmbito: Artigo com estrutura de "Correspondência", privilegiando a divulgação de novidades tecnológicas, de dispositivos inovadores, ou de atualizações de equipamentos ou práticas atuais.
Limite de Palavras: máximo 1500 palavras; Limite de tabelas e figuras:6
Imagem em Urgência e Emergência - Âmbito/Objetivo: divulgar imagens-chave no diagnóstico e abordagens de patologias no âmbito da urgência e emergência. Podem ser obtidas através do exame físico, investigação básica ou estudo imagiológico. O consentimento informado escrito é requerido no caso em que a imagem contenha a face ou outro detalhe que permita identificar os intervenientes.
Estrutura do artigo: Título (que não deve conter o diagnóstico); autores e filiação; nota introdutória com descrição breve da imagem e/ou do seu contexto; 1 a 2 imagens; questão de escolha múltipla com 4 hipóteses (apenas uma resposta correta); texto explicativo da resposta correta com referência à literatura. Máximo de 300 palavras. Imagem: em formato .jpeg, com resolução original.
Bibliografia: máximo de 5 referências
4.2 Critérios gerais de publicação
O trabalho a publicar deverá ter no máximo 120 referências. Deverá ter no máximo 6 tabelas/figuras devidamente legendadas e referenciadas.
O trabalho a publicar deve ser acompanhado de no máximo 10 palavras-chave representativas. No que concerne a tabelas/figuras já publicadas é necessário a autorização de publicação por parte do detentor do copyright (autor ou editor). Os ficheiros deverão ser submetidos em alta resolução, 800 dpi mínimo para gráficos e 300 dpi mínimo para fotografias em formato JPEG (.Jpg), PDF (.pdf). As tabelas/figuras devem ser numeradas na ordem em que ocorrem no texto e enumeradas em numeração árabe e identificação. No que concerne a casos clínicos é necessário fazer acompanhar o material a publicar com o consentimento informado do doente ou representante legal, se tal se aplicar.
No que concerne a trabalhos científicos que usem bases de dados de doentes de instituições é necessário fazer acompanhar o material a publicar do consentimento da comissão de ética da respetiva instituição.
As submissões deverão ser encaminhadas para o e-mail: revistalifesaving@gmail.com
4.3 Critérios de publicação dos artigos científicos.
Na LIFESAVING SCIENTIFIC (LF Sci) podem ser publicados Artigos Científicos Originais, Artigos de Revisão ou Casos Clínicos de acordo com a normas a seguir descritas.
Artigos Científicos
O texto submetido deverá apresentado com as seguintes secções: Título (português e inglês), Autores (primeiro nome, último nome, título, afiliação), Abstract (português e inglês), Palavras-chave (máximo 5), Introdução e Objetivos, Material e Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão, Agradecimentos, Referências.
O texto deve ser submetido com até
3 Take-home Messages que no total devem ter até 50 palavras.
Não poderá exceder as 4.000 palavras, não contando Referências ou legendas de Tabelas e Figuras. Pode-se fazer acompanhar de até 6 Figuras/Tabelas e de até 60 referências bibliográficas.
O resumo/ abstract não deve exceder as 250 palavras.
Se revisão sistemática ou meta-análise deverá seguir as PRISMA guidelines.
Se meta-análise de estudo observacionais deverá seguir as MOOSE guidelines e apresentar um protocolo completo do estudo.
Se estudo de precisão de diagnóstico, deverá seguir as STARD guidelines.
Se estudo observacional, siga as STROBE guidelines. Se se trata da publicação de Guidelines Clínicas, siga GRADE guidelines.
Este tipo de trabalhos pode ter no máximo 6 autores.
Artigos de Revisão
O objetivo deste tipo de trabalhos é rever de forma aprofundada o que é conhecido sobre determinado tema de importância clínica.
Poderá contar com, no máximo, 3500 palavras, 4 tabelas/figuras, não mais de 50 referências.
O resumo (abstract) dos Artigos de Revisão segue as regras já descritas para os resumos (abstract) dos Artigos Científicos.
Este tipo de trabalho pode ter no máximo 5 autores.
Caso Clínico
O objetivo deste tipo de publicação é o relato de caso clínico que pela sua raridade, inovações diagnósticas ou terapêuticas aplicadas ou resultados clínicos inesperados, seja digno de partilha com a comunidade científica.
O texto não poderá exceder as 1.000 palavras e 15 referências bibliográficas. Pode ser acompanhado de até 5 tabelas/ figuras. Deve inclui resumo que não exceda as 150 palavras, organizado em objetivo, caso clínico e conclusões.
Este tipo de trabalho pode ter no máximo 4 autores.
Cartas ao Editor
- Objetivo: comentário/exposição referente a um artigo publicado nas últimas 4 edições da revista promovendo a discussão e visão crítica. Poderão ainda ser enviados observações, casuísticas particularmente interessantes de temáticas atuais que os autores desejem apresentar aos leitores de forma concisa.
- Instruções para os autores:
1. O corpo do artigo não deve ser subdividido; sem necessidade de resumo ou palavras-chave.
2. Deve contemplar entre 500 a 1000 palavras, excluindo referências, tabelas e figuras.
3. Apenas será aceite 1 figura e/ou 1 tabela.
4. Não serão aceites mais de 5 referências bibliográficas. Devendo cumprir as normas instituídas para revista.
5. Número máximo de autores são 4. Breves Reflexões sobre a Emergência Médica
Âmbito: artigo de reflexão/opinião, com a exposição de ideias e pontos de vista sobre tema no âmbito da emergência médica, do ponto de vista conceptual, podendo a argumentação do Autor convidado, ser baseada na sua experiência pessoal ou na citação de livros, revistas, artigos publicados, entre outros recursos de pesquisa, devidamente assinalados no texto;
Estrutura do artigo: título, Autor(es) e afiliação; resumo e palavras-chave
(facultativos), introdução, desenvolvimento, conclusão final, referências bibliográficas.
Limite de palavras: 1500 Resumo (facultativo): máximo 100 palavras, em formato bilingue (português e inglês)
Palavras-chave: máximo 5 palavras chave, em formato bilingue (português e inglês)
Limite de tabelas e figuras: 3 Bibliografia: máximo 5 referências bibliográficas
“Vamos pôr o ECG nos eixos”
- Âmbito: Análise e interpretação de traçados eletrocardiográficos
clinicamente
contextualizados
- Formato: Título; Autores – máx. 2 autores (primeiro nome, último nome, título, afiliação); 2 palavras-chave; 1 imagem (ECG ou tira de ritmo, em formato JPEG com resolução original); Legenda explicativa com breve enquadramento clínico e interpretação do traçado (ritmo, frequência, alterações da despolarização ou repolarização pertinentes no contexto) – máx. 300 palavras; Referências bibliográficas.
5. Referências
Os autores são responsáveis pelo rigor das suas referências bibliográficas e pela sua correta citação no texto. Deverão ser sempre citadas as fontes originais
publicadas. A citação deve ser registada empregando Norma de Vancouver.
6. Revisão por pares
A LF Sci segue um processo single-blind de revisão por pares (peer review).
Todos os artigos são inicialmente revistos pela equipa editorial nomeada pelo editor-chefe e caso não estejam em conformidade com os critérios de publicação poderão ser rejeitados antes do envio a revisores. A aceitação final é da responsabilidade do editor-chefe. Os revisores são nomeados de acordo com a sua diferenciação em determinada área da ciência médica pelo editor-chefe, sem necessidade de justificação adicional. Na avaliação os artigos poderão ser aceites para publicação sem alterações, aceites após modificações propostas pela equipa editorial ou recusados sem outra justificação.
7. Erratas e retrações
A LF Sci publica alterações, emendas ou retrações a artigos previamente publicados se, após publicação, forem detetados erros que prejudiquem a interpretação dos dados