Separata Moçambique

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LIFESAVING - SEPARATA ESPECIAL DE 3º ANIVERSÁRIO

Editores:

Eva Motero, Rúben Santos

LIFESAVING | AGOSTO 2019


Fotos gentilmente cedidas pelos respetivos intervenientes: Patrícia Cardetas António Gandra Vasco Monteiro Armindo Figueiredo Nuno Jordão

Design e Formatação: Pedro Silva

Separata Especial 3º Aniversário da Revista LIFESAVING Publicada em simultâneo com a Edição nº 13 de 5 de Agosto de 2019

2019


Moçambique 2019 Testemunhos de uma MIssão

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NOTA INTRODUTÓRIA

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PATRÍCIA CARDETAS—CRUZ VERMELHA PORTUGUESA

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ANTÓNIO GANDRA—EXÉRCITO PORTUGUÊS

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VASCO MONTEIRO—INSTITUTO NACIONAL DE EMERGÊNCIA MÉDICA

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ARMINDO FIGUEIREDO—MÉDICOS DO MUNDO

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NUNO JORDÃO—ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL

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ÍNDICE

SEPARATA ESPECIAL


Nota Introdutória A Revista LIFESAVING é um projeto editorial inédito em Portugal, que promove a partilha de conhecimento na área da emergência médica, e que nasceu a 5 de Agosto de 2016, empreendido pela Equipa de Médicos e Enfermeiros das Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação de Faro e Albufeira (VMER), pertencentes ao Centro Hospitalar Universitário do Algarve (UALG). Trata-se de uma publicação científica e técnica, de carácter inovador, emitida com periodicidade trimestral, em formato digital, que tem apresentado amplo crescimento e divulgação, graças ao interesse que tem suscitado. Para tal tem contribuindo claramente a grande diversidade de Rubricas na publicação, e a forma concisa e prática com que os temas são apresentados, enriquecidos ainda pelos contributos originais de fotografia e pintura. Nesta 13ª Edição da Revista LIFESAVING, que comemora o 3º aniversário da Publicação, os Editores da Rúbrica "Emergência Global", destinada sobretudo à publicação de experiências de emergência internacionais, assumiram um compromisso particularmente ambicioso, de concretizar a publicação de um extenso artigo dedicado ao tema da recente Missão de emergência humanitária em Moçambique, estruturado a partir de entrevistas realizadas a vários Intervenientes nas zonas atingidas pelo ciclone Idae. Desde cedo a Equipa Editorial se apercebeu que a dimensão e relevância da temática em estudo extravasava os limites de um simples artigo. Com a chegada dos contributos fotográficos gentilmente encaminhados pelos Entrevistados, foi tomada a decisão de desenvolver uma Separata Especial, com dedicação exclusiva ao tema, e que foi denominada "Testemunhos de uma Missão Humanitária em Moçambique". E assim, depois de todo o esforço e trabalho desenvolvidos, resultou um documento muito relevante que dá a conhecer a realidade vivenciada no terreno e as características da assistência às populações atingidas, retratando as várias perspetivas das Forças intervenientes na Missão humanitária em Moçambique, nomeadamente: Exército, INEM, Cruz Vermelha Portuguesa, Médicos do Mundo e Assistência Médica Internacional (AMI). Pretendendo dar seguimento a esta iniciativa, a Equipa propôs ainda a organizar uma Sessão à Comunidade, com a mesma temática, e com convite aos Autores para participação numa sessão informal de discussão, integrada no evento oficial de lançamento da 13ª Edição da Revista, procurando sensibilizar e despertar o interesse do cidadão para as vivências de uma Missão Humanitária.

Bruno Santos Coordenador Médico da Equipa das VMER de Faro e Albufeira Editor-Chefe da Revista LIFESAVING.



Patrícia Cardetas Enfermeira—Cruz Vermelha Portuguesa Nota Curricular

Boa tarde, antes de mais obrigada pela oportunidade de partilhar a minha experiência em Moçambique.

Licenciada em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (2010-2014)

Patrícia, 26 anos, enfermeira desde 2014, licenciada pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

Voluntária da Cruz Vermelha Portuguesa, na delegação de Coimbra desde 2014

Fiz o curso de Tripulante de Ambulância, ITLS e SAV e comecei a fazer parte da equipa da emergência pré-hospitalar na cidade de Coimbra).

Terminado o curso e devido à falta de emprego na região de Coimbra, surgiu a hipótese de trabalhar no Algarve. Foi então que comecei a trabalhar no Hospital Privado do Algarve e posteriormente mudei para o setor público onde faço parte do serviço de Urgência do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve – Faro.

Comecei por trabalhar na área de Cirurgia e Medicina, e recentemente (2016) faço parte da equipa da Urgência Geral do CHUA.

A primeira experiência em catástrofe foi nos incêndios de Pedrógão e recentemente a primeira internacional, em Moçambique.

Sou voluntária da Cruz Vermelha Portuguesa na Delegação de Coimbra já desde o período de estudante e não o deixei de ser após ter vindo viver para o Algarve. Para mim é um gosto enorme poder fazer parte desta grande “família”. Após a catástrofe do ciclone Idai a 14 de Março de 2019, a Cruz Vermelha Portuguesa decidiu realizar o apoio imediato a população da cidade da Beira através do envio de um Hospital de Campanha.

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E por isso não foram criadas expectativas. Como referiu várias vezes a chefe de missão Lara Martins “não esperar nada, preparados para tudo”. E isso fez-nos todo o sentido. Foram-nos dados conselhos também por parte da equipa de psicologia, que foram gerindo o nosso bem-estar. Como por exemplo, criar tempos de pausa, praticar exercício físico, fazer jogos, conversar sobre angústias ou algum sentimento que estivéssemos a viver, falar com a família também nos traz sempre algum ânimo e conforto emocional, alimentar convenientemente e hidratar era fundamental. O repelente, o protetor solar, a medicação diária que viríamos a fazer e as vacinas. E foi então a 24 de Março que partimos nesta missão chamada de Embondeiro. (Embondeiro é uma árvore caraterística de África e foi onde as pessoas esperaram ajuda durante dias até a primeira ajuda chegar, uma vez que toda a cidade estava submersa). Chegámos a 25 de Março à cidade da Beira onde já nos esperavam o Coordenador Nacional de Emergência Gonçalo Órfão e o logístico João Saraiva Gomes, que tinham embarcado um dia antes para preparar a nossa chegada em coordenação com a Cruz Vermelha Moçambicana, Federação Internacional da Cruz Vermelha e autoridades locais. A 21 de Março fui contactada a fim de fazer parte da equipa que iria partir em missão para a cidade da Beira. Equipa esta constituída por médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos e logísticos. O “sim” foi imediato. Era algo que já queria ter feito. Não sabíamos o que íamos encontrar na Beira, e por isso a preparação da equipa começou desde logo em Lisboa, como tal, recebíamos todas as informações possíveis sobre o cenário que iríamos encontrar e o tipo de situações que teríamos de lidar.

O dia da chegada foi passado no aeroporto a descarregar o material que tínhamos transportado no avião, eram cerca de 35 toneladas, com a ajuda de alguns locais. Ficámos a saber que iríamos montar o nosso hospital de campanha num dos bairros mais problemáticos da Beira, o bairro de Macurungo, cujo centro de saúde e maternidade estavam destruídos e que dá apoio a cerca de 36 mil habitantes. Os primeiros dias foram cansativos. Exigiu muito trabalho físico e logístico com a montagem das tendas e de todo o hospital de campanha, as temperaturas altas não ajudavam, tínhamos de perceber qual a dinâmica do centro de saúde, qual a melhor maneira de os poder ajudar, de

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forma a articular também o nosso modo de atuar e a divisão de equipas no terreno. A maior recompensa foi ver o hospital já pronto a funcionar e poder iniciar as nossas funções enquanto clínicos. Não os queríamos substituir, apenas queríamos ajudá-los e fazer parte das suas equipas, queríamos conquistá-los para que pudessem confiar em nós e no nosso trabalho, porque erámos a primeira equipa a chegar e isso poderia comprometer a missão, porque naquele cenário não podemos pensar que eles trabalham mal e nós é que estamos certos, aprendemos a adaptar-nos mutuamente e isso foi gratificante. Aprendemos muito com eles. Em Portugal temos tudo o que precisamos para prestar os melhores cuidados de saúde, o mesmo não acontece em Moçambique, todos

os dias tínhamos de ser criativos e a imprevisibilidade dos acontecimentos era sentida minuto a minuto. Se necessitássemos de uma “ambulância” para algum caso mais emergente, poderia levar horas a chegar. Ou em casos mais simples, por exemplo, se tivéssemos que medicar alguém, não poderíamos dizer “tome este comprimido após as três principais refeições”, quando naquele dia aquela pessoa não tinha comido ou não tinha o que comer. Foi uma gestão que fomos fazendo com a nossa farmácia que ia gerindo toda a medicação em parceria com a farmácia do centro de saúde e que também foi responsável pela vacinação. O nosso trabalho diário era tratar de pessoas com feridas e traumas resultantes do ciclone, outras situações já crónicas mas que não eram devidamente acompanhadas. Assistimos juntamente com as enfermeiras parteiras a vários partos, alguns mais complicados que outros, mas que em equipa fomos sempre dando resposta. Estas mulheres são realmente uma força da natureza, não há medicação analgésica, não há epidural, os gritos são em silêncio, não há cesarianas, não há malas preparadas em casa para a maternidade e muitas não têm a família a acompanhá-las. Parem e saem pelo próprio pé passado algumas horas. Outra equipa médica ficava responsável pela triagem no

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centro de saúde de situações mais graves e identificação de alguma diarreia aguda sugestiva de cólera a fim de serem prontamente encaminhados para o centro de tratamento de cólera. Existiam ainda as consultas desde bebés até idosos. Tínhamos também equipa de psicologia que para além de tratarem da equipa, faziam consultas a quem necessitasse e que teria sido previamente identificado com alguma vulnerabilidade. Era esta equipa também responsável pelos primeiros socorros psicológicos e a formar voluntários da cruz vermelha moçambicana para que a resposta fosse ainda mais eficaz. A união da equipa fez toda a diferença no sucesso da nossa missão, e é um dos aspetos mais positivos que vivenciem. A maior parte da equipa não se conhecia e todas as dificuldades sentidas acabou por nos unir bastante. Todos estávamos dispostos a ajudar, se um se sentia cansado era logo incentivado pelo restante grupo, gerou-se um espírito de equipa muito forte que foi crucial para o sucesso da nossa missão. Este sentimento foi unânime a toda a equipa uma vez que já num debrifieng final, este foi o fator mais positivo da missão.

A Cruz Vermelha Portuguesa não participava numa missão internacional há 10 anos, pelo que o desafio de criar uma estrutura de resposta internacional no epicentro da catástrofe foram enormes. Obstante, o Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa foi o primeiro Hospital de Campanha a aterrar em Moçambique, e permitiu uma aprendizagem única nas logística e organização envolvida, sendo, sempre, fatores a melhorar. A distância ao ponto de decisão superior a 24h, e com limitações de transportes, obrigaram a uma logística ímpar que não se coaduna com a logística nacional a que estamos habituados. A missão neste momento continua, os objetivos desde a nossa chegada até aos dias de hoje foram-se adaptando às circunstâncias e necessidades daquele povo. No início a nossa prioridade era tratar as vítimas do ciclone e identificar possíveis epidemias que daí surgissem, uma vez que a cólera era uma forte preocupação e por isso foram criados vários centros de tratamento de cólera. Posteriormente e após algum trabalho no terreno identificámos algumas necessidades das equipas de saúde, e por isso queríamos poder partilhar o nosso conhecimento e dar formação sobre cuidados de saúde. As enfermeiras principalmente eram muito recetivas à partilha de conhecimentos e penso que isso foi uma mais-valia para todos.

O que mais levo desta missão é a capacidade de resiliência deste povo, o que para nós é pouco, para eles pode ser tudo. A capacidade de resistência ao sofrimento e à dor física. A alegria das crianças que pouco tinham e os seus sorrisos tão genuínos ficarão para sempre guardados. Os carrinhos puxados a cordel e feitos com latas ou garrafas de água preenchiam-lhes as tardes. As cantorias e as danças que nos chegavam todos os dias eram uma constante até ao pôr-do-sol. Os abraços ou o colo aos mais pequeninos. A conversa com as mães ou avós que tinham perdido tudo e que nos faziam sentir pequeninos com tais histórias de vida. Os relatos impressionantes das pessoas que sobreviveram ao ciclone. As filas de pessoas que madrugavam à porta das tendas do nosso hospital e que esperaPÁGINA

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vam horas por uma consulta médica, os quilómetros que faziam, às vezes descalços para poderem serem tratadas. A fome que todos sentiam era visível por nós, pediam-nos diariamente comida ou água (as maravilhas que um pacote de bolachas Maria fazia). A falta de condições básicas de vida, como a alimentação ou água potável, uma casa com paredes e teto e trabalho era grandes dificuldades sentidas. Os preços dos bens básicos foram inflacionados e as pessoas não tinham dinheiro para comprar comida. Vinham-nos diariamente pedir trabalho para poderem alimentar os filhos. O sentimento de gratidão que faziam questão de nos transmitir preenchia os nossos dias. Sentíamo-nos úteis e valorizados pelo nosso trabalho.

Nenhum país está preparado para situações como esta de catástrofe. Apesar de toda a ajuda que chegava do mundo inteiro a recuperação nunca é fácil. É preciso despertar consciências e alertar que estes problemas acontecem por nossa responsabilidade. É preciso mudar comportamentos pois nenhum país está livre de sofrer uma catástrofe natural, uma vez que as alterações climáticas são cada vez mais visíveis. Moçambique continua a precisar de ajuda. A solidariedade deve ser sentida não só em situações de catástrofe.

É um povo incrível, muito afável, com uma cultura que nos faz despertar interesse. Realmente existe uma aura em África que se sente e que não deixa ninguém indiferente. É uma experiência que também nos transforma, sem dúvida. Ninguém regressa igual. E no final o que nos custou foi voltar a Portugal.

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LIFE SAVING

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António Gandra Major/ Médico — Exército Português Nota Curricular •

Major/ Médico

Especialidade em cirurgia geral.

Competência em emergência

Competência em medicina militar

Mestrado em catástrofe

Pós-graduação em saúde militar

Fellow da sociedade americana de cuidados intensivos

Membro do subcomite “Fudamentals disaster management”

Médico regulador CODU

Médico VMER e Helicóptero

Participação e coordenação em acidentes multivitimas e catástrofes nacionais e em moçambique

Participação em missão humanitária na guiné

Formador de vários cursos nas áreas de cirurgia geral, emergência, catástrofe e saúde operacional

Olá a todos os seguidores da emergência global, como não podia deixar de ser vamos falar sobre Moçambique, do desastre natural, o ciclone Idae, que no mês de Março provocou inúmeras inundações no pais e deixou um rasto de destruição com mais de 1000 mortos. O desenvolvimento da ajuda humanitária nos casos de desastre natural são muito complexas e representam uma combinação de diversos sistemas, nomeadamente do sistema de saúde, de resgate e o militar. Desta forma não podia faltar nesta rubrica alguém que representa a combinação de vários sistemas e que conhece muito bem as complexidades, riscos, necessidades e adversidades que comportam este tipo de missões. O Dr. António Gandra D’Almeida é um cirurgião militar português que dedica a sua vida a salvar outras, dentro e fora do sistema hospitalar. Temos o prazer de apresentar alguém com o qual todos podemos apreender muito, obrigada por partilhar a sua experiência. Ruben Santos Eva Motero Quando é que começou o seu interesse pela ajuda humanitária? Foi uma área que sempre me despertou muito interesse, sobretudo durante a minha formação em Medicina de Catástrofe uma vez que as duas áreas também estão intimamente relacionadas. Inclusivamente foi esse o âmbito da minha primeira missão no estrangeiro – Guiné. PÁGINA

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Das missões humanitárias nas quais colaborou quais são os fatores de maior complexidade? E Moçambique tem tido alguma diferença ou particularidade para fazer dela a mais complicada? As diferenças culturais e ideológicas compor tam, sempre, algum grau de complexidade. Mas faz parte saber integrar respeitar essas diferenças para melhor servir a população. Moçambique não foi diferente. A coordenação com os parceiros Moçambicanos e internacionais que estavam no teatro de operações foi fundamental, e só assim foi possível desenvolver assistência à população portuguesa na Beira e aos moçambicanos que precisavam.

Por último, lições aprendidas? Tendo a nossa missão decorrido sem intercorrências e tendo cumprido na totalidade todos os objetivos, ficamos com o sentimento de missão cumprida. Mas certamente há lições aprendidas e um enriquecimento de conhecimentos e mesmo pessoal.

Quanto tempo é que esteve lá e qual foi a logística da missão (uma breve explicação do que foste fazer lá)? Teve a duração de 11 dias. Sendo a primeira força europeia a chegar com capacidade para prestação de cuidados (apoio sanitário, busca e salvamento e engenharia), um objetivo fundamental foi o reconhecimento e adequação das necessidades. Além do que já estava planeado foram identificadas necessidades na área da vacinação (população portuguesa e moçambicana), tratamento de águas, comunicações e apoio na distribuição de viveres.

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Vasco Monteiro Enfermeiro—Instituto Nacional de Emergência Médica Nota Curricular

Formador e coordenador de diversas cursos do INEM.

Esteve já no estrangeiro por 3 vezes a representar o País ao serviço do INEM:

Iniciou funções no Hospital de faro onde iniciou VMER

Em 2008 requisitado pelo INEM.

Enfermeiro com a mestrado de especialização em Enfermagem Médico Cirúrgica na área do doente crítico.

Pós Graduação em em gestão de Unidades de Saúde

Desempenhou funções de Enfermeiro com funções de chefia da Delegação Regional do Sul

Enfermeiro responsável pelo melhor Hélicóptero INEM Algarve.

Possui todas as valências operacionais para os meios INEM, para além de equipas mais específicas nomeadamente proteção e Socorro a Altas Entidades e equipas de apoio as Forças de Segurança para ambientes de reposição de ordem pública ou ITP. PÁGINA

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2009 em timor leste como enfermeiro da equipa medica que acompanhava o contigente da GNR 2018 em STP onde foi oficial de ligação do INEM da equipa do INEM que acompanhou os Jogos Desportivos da CPLP. 2019 Moçambique no pós ciclone IDAI, destacado na equipa avançada do INEM que acompanhou a FOCON e voltaria uma segunda vez como deputy teamleader da segunda equipa clínica que operacionalizou o EMT1 do INEM em Mz.

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" Seguimos o nosso caminho por Moçambique para conhecer a actuação do sistema sanitário português , o INEM , da mão de um enfermeiro que faz Vmer em Faro , é muito difícil fazer o que ele faz , por um lado salva vidas num sistema organizado de pré-hospitalar com todos os meios avançados de que dispõe uma VMER , por outro lado vai para um pais devastado por um ciclone e tem que distribuir , organizar , cuidar e tratar com meios limitados e com estruturas eventuais ... como é óbvio queremos saber tudo ! vai ser um prazer apresentar-vos o Vasco Monteiro , porque vais ver um ser humano extraordinário que é capaz de transmitir optimismo, proatividade , empatia e segurança nas situações mais complicadas , liderança e conhecimento juntas , não podem perder esta entrevista” Ruben Santos Eva Motero

Qual foi o seu papel lá ? Pode explicitar toda a operação da sua missão ? ( preparação , viagem, o que encontraste já feito , o que tinhas que fazer e os meios que tinhas )

O INEM tinha acabado de certificar o seu EMT1 pela OMS, no dia em que o Governo Português enviou a primeira equipa para reconhecimento e avaliação. Existia um grupo de elementos do INEM que tinham efetuado uma formação especifica para operacionalizar o EMT em acordo com as orientações do Mecanismo Europeu de PC e das Nações Unidas. Este curso permite-nos estarmos mais preparados (teoricamente ) para estes ambientes. Foi-nos solicitado, voluntariamente, que nos preparássemos para o efeito, conforme CL para estes momentos. Afinei todos os pormenores familiares para poder estar ausente do país cerca de duas semanas.

Nas horas seguintes fui convocado para integrar a Força operacional Conjunta da ANEPC que iria ser projetada para Mz. Viajamos num avião fretado, sendo que iria fazer equipa, com a Responsável do Departamento de Emergência do INEM que tinha avançado no dia anterior.

Considera que Moçambique tem alguma particularidade , dificuldade , complicações ?

Africa é diferente. Como todos sabemos tem fragilidades estruturais, sociais e politicas. Não sendo a primeira vez que estive em Africa (tanto profissionalmente como pessoal) não estranhei a conjuntura. O desafio foi sobretudo pela afetação das estruturas de resposta em termos de saúde, a falta de informação do terreno para que se pudesse verdadeiramente iniciar o processo de focalização da ajuda a fornecer às populações. Em Moçambique, Portugal tinha uma vantagem, a língua, a historia recente e a comunidade portuguesa, que nos dava uma grande vantagem em relação aos outros países que se prontificaram a ajudar apos o ciclone IDAI. Tivemos um suporte muito importante do Consulado Português na cidade da Beira e também da comunidade portuguesa ali residente pese embora tenha sido severamente afetada esteve sempre pronta ajudar as equipas portuguesas que chegaram para ajudar. Mas, o principal fator desbloqueador foi mesmo o nosso Idioma, a língua de Camões. PÁGINA

Os primeiros passos em Mz, evidenciaram um claro desafio. A adaptação ao calor e humidade foram as principais dificuldades nas 24H seguintes. Os sinais do IDAI eram evidentes por toda a cidade e área envolvente ao aeroporto da Beira, local onde permaneci nos primeiros dias. Dormimos em tendas de campanha instaladas no perímetro interno do aeroporto, adormecendo e acordando com o ruido dos aviões. Foi a nossa primeira responsabilidade, enquanto equipa avançado do INEM, assegurar o EMT CC no cluster da Saúde, sobre a responsabilidade da UNDAC. Função que foi ocupada pela Equipa do INEM até a chegada dos elementos da UN. Logo, que fomos substituídos, centrámo-nos no assessement

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para a alocação do PT EMT1 – Fixo, do INEM, em Moçambique. Após termos concluído todo o processo logístico e burocrático, foi nos possível obter a luz verde para que os nossos colegas e material pudessem chegar a Mz e 24h depois de estarem em Mafambisse, poderem fazer aquilo que mais gostamos, SALVAR VIDAS! A Equipa Avançada da qual fiz parte, terminou a sua missão

aquele momento de concentração! Terminámos no passado dia 30 de Abril a missão de assistência às vítimas do ciclone Idai, em Moçambique. Ao longo de um mês, as duas equipas do PT EMT do INEM assistiram um total de 1.656 pessoas em 30 dias, cerca de 55 assistências diárias. 835 pessoas eram do sexo feminino e 761 do sexo masculino. 66% das pessoas assistidas tinham idades entre os 18 e 65 anos de idade, 26% tinham idades inferiores a 18 anos e cerca de 8% mais de 65 anos de idade. Foram assistidas 195 pessoas por patologias relacionadas com trauma, 151 foram observadas devido a infeções do sistema respiratório, febre, diarreia ou outras. A maior parte das assistências médicas (1.203) ficou a dever-se a outros problemas de saúde de menor gravidade. Foram ainda diagnosticados 81 casos relacionados com outras doenças como malária, tuberculose ou varicela. Assisti ao regresso de toda a minha equipa, tendo ficado mais 5 dias apenas com um colega para concluir todo o processo de despacho do nosso material que retorna a Portugal. Regressei ao final de 26 dias.

ao final de 12 dias, de intenso mas produtivo desempenho. Descansei durante alguns dias. Voltei ás minhas rotinas pessoais e profissionais durante duas semanas. Mas iria voltar. Voltei desta vez, como Deputy Team Leader na segunda equipa clinica do PT EMT, para Mafambisse. Foi a verdadeira experiencia, a experiencia mais clinica no terreno, naquilo que somos treinados para fazer, no que aprendemos, no que gostamos derradeiramente de fazer.

África não passou indiferente a nenhum de nós, por isso demos muito mais... Plantámos esperança, sorrisos, alegria, ensinámos gestos simples que poderão mudar a saúde e qualidade de vida desta comunidade tão afastada da nossa realidade.

Os dias de trabalho foram altamente desafiantes a todos os níveis. Aquele povos surpreendeu-me. Pela positiva e pela negativa. Povo afável, simpático, cheio de necessidades a todos os níveis! Muitas delas que não conseguem concretizar, por motivos diversos, não permitem colmatar. Já mais esquecerei estes momentos de intervenção, aqueles momentos de descontração, ou outros de convívio ou mesmo Considera que poderia ter sido melhorada ? Ficamos sempre com a sensação que nestas ocasiões a ajuda deverá chegar mais cedo. Mas, estes cenários são sempre complexos, muito complexos. Olhando já com esta distancia considero que a resposta internacional que a UN coordenou, mostrou-se eficaz, mitigando ao máximo uma mega catástrofe humanitária, que poderia ter acontecido, se a resposta não tivesse sido musculada. Para isso salienta-se a aposta nos EMT e na campanha massiva de vacinação, nomeadamente contra a cólera.

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Lições aprendidas

Neste tipo de ocorrências macro, temos sempre um processo de lições apreendidas. Existiu um continuo apreender de situações que ficaram registadas, que iremos agora desenvolver medidas de melhorias. Esse processo é um claro crescimento institucional e do próprio país, que no futuro estará mais capaz de responder na ajuda internacional e mesmo internamente, se existir essa necessidade. Ficaremos mais preparados, esperando sempre que não seja preciso. Mas, fica um legado para o futuro, a excelente cooperação com o EMT2 Espanhol.

Definiria esta experiência em moçambique numa expressão que utilizei varias vezes: insistir, persistir e nunca desistir.

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Armindo Figueiredo Médicos do Mundo

Nota Curricular Terminado o Curso de Medicina em 1984 na Universidade de Coimbra, de onde sou natural, vim para o Hospital de Faro em 1985, onde fiz os primeiros anos de formação geral. Depois estive na Madeira, na carreira de Clínica Geral, de 1987 até regressar ao Hospital de Faro em 1990 onde conclui a especialidade de Medicina Interna em 1994 e aqui me mantive. Desde então fiz algumas interrupções, permitidas para participar nas missões, habitualmente de 3 meses, primeiro no período de libertação de Timor Leste em 1999, depois no SriLanka em 2005 após o Tsunami, no Haiti após o Terramoto em 2010, nas cheias do Paquistão também em 2010 e finalmente em Moçambique após o ciclone Idai, no corrente ano de 2019.

Curiosamente, na ida para o Paquistão, no final de 2010, não me foi concedida a autorização pela nova administração de então. Para salvar a missão, dado na altura ser o único médico na equipa, já com as passagens aéreas adquiridas, fui obrigado a aceitar um acordo com a administração, pagando em horas extraordinárias não remuneradas, para compensar a minha ausência no hospital.

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Quando é que começou o seu interesse pela ajuda humanitária? O meu interesse começou cedo, muito antes de o conseguir concretizar, talvez por aquela visão romântica da medicina, que julgo manter, em vez da perspectiva mercantilista ou de funcionário público mecanizado pelo “picar do ponto”. O ajudar onde é mais preciso, onde se morre por falta de muito pouco. O momento surgiu em Setembro de 1999, quando o exército Indonésio decidiu não aceitar o referendo para a independência de Timor Leste e desencadeou uma vaga de violência e destruição, apoiados pelas Milícias Aitarak PróIndonésia. A mobilização de meios, tanto a nível nacional como internacional, para acudir à chacina dos timorenses, foi algo como nunca houvera visto. Os exércitos de inúmeros países, ao serviço e sob a coordenação da ONU, entraram no território e começaram a extinguir os focos de resistência indonésia, que continuaram a matar e destruir indiscriminadamente. A minha revolta pelo que estava a suceder e a necessidade imensa de ajuda às populações atacadas, privadas de tudo, sem meios para combater as doenças frequentes, como a malária, as infecções decorrentes das más condições sanitárias que sobrevêm às catástrofes, a desnutrição, os ferimentos e tantos outros, levou a que me oferecesse como voluntário. Das missões humanitárias nas quais colaborou quais são os fatores de mais complexidade? E Moçambique teve alguma diferença ou particularidade que possa fazer dela a mais complicada? Os factores de maior complexidade prendem-se sobretudo com a dificuldade de levar tudo o que é necessário para servir os indivíduos doentes, dado não haver meios para que os adquiram no meio em que estão. Tudo o que prescrevemos temos de ter e isso gera grande ansiedade, pois não é possível levar para uma missão de emergência todos os fármacos necessários para todas as situações. Tranquiliza -nos, porém, a ideia de que o que levamos, salva e dá bemestar a muita gente. No caso de Moçambique, não encontrei nenhuma particula-

Introdução: O ciclone Idae , que no mês de Março fez inundações no pais e deixou uma marca de mais de 1000 mortos à sua passagem, teve o envolvimento da ajuda humanitária que nos casos de desastre natural são muito complexos e representam uma combinação dos sistemas de saúde , de resgate e militar, por isso não podia faltar nesta entrevista alguém que representa a combinação dos ambos os sistemas e que sabe muito bem das complexidades, riscos , necessidades e adversidades que tem este tipo de missões. O Dr Armindo é uma referência no Hospital de Faro como médico internista com uma trajeto impecável dedicado a ajudar dentro e fora do hospital. Vamos falar com ele porque é um luxo ter alguém com tanto para ensinar. Ruben Santos Eva Motero PÁGINA

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ridade que fizesse sobressair alguma dificuldade acrescida, sendo cada uma das missões um caso com características próprias, nomeadamente as relacionadas com a cultura local, os hábitos e o grau de desenvolvimento prévio. Se procuro uma missão de que possa destacar uma particularidade com dificuldade acrescida recordo a do Sri-Lanka, pois o país vivia em guerrilha constante com a luta dos “Tigres Tamil” pela independência do seu território no norte da ilha, com culturas diferentes, religião, língua e até a escrita com caracteres diferentes. Por causa disso, nas “T-Shirts” identificadoras com que trabalhamos, fizemos imprimir também os mesmos símbolos da ‘Médicos do Mundo’ escrito em Cingalês e em Tamil, com os distintos caracteres dos alfabetos respetivos. Existiam mesmo fronteiras físicas a dividir os dois territórios, com procedimentos aduaneiros que chegavam a demorar 4 horas com revistas exaustivas para passar, apesar de oficialmente serem o mesmo país. As praias e as estradas não eram seguras pois havia campos de minas, que apesar sinalizados em zonas militares interditas, estas podiam ter-se deslocado pelo Tsunami ao avançar sobre a terra. As delegações da Médicos do Mundo foram distribuídas por diversos pontos do país, tendo cabido à delegação portuguesa a zona de Point Pedro no Norte, em território Tamil. Este litígio entre o povo Tamil e o governo Cingalês, veio colocar um factor acrescido na enorme burocracia usual, para importar e depois fazer atravessar a ajuda humanitária para o Norte, bem como na renovação dos vistos de permanência das equipas naquele país. Não é o facto de serem equipas de ajuda humanitária em catástrofe, que isenta as mesmas dos rotineiros e pesados procedimentos administrativos dos países, como eu supunha.

Quanto tempo é que esteve lá e qual foi a logística da missão? Esta missão foi mais curta que o habitual, pelo que estive um mês em Macurungo, na Beira, pois a Delegação Portuguesa da Médicos do Mundo foi em parceria com a Cruz Vermelha Portuguesa, que por sua vez se integrava na Federação Inter-

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nacional, com regras e metodologias próprias e as equipas eram revezadas a cada 3 ou 4 semanas. Os objectivos da missão vão definir a logística e a actuação pois as abordagens da ajuda podem ser muito diversas, mas de uma forma geral, no período de emergência todas as atenções estão viradas para a criação de condições para trabalhar, num local devidamente assinalado, geralmente pela equipa de coordenação da OCHA (Organização para a Coordenação dos Assuntos Humanitários da ONU) que avalia, monitoriza e distribui as organizações no terreno. Não invalida que posteriormente, haja elementos da equipa que façam avaliações na comunidade para projectar futuras intervenções. Mas neste período inicial o auxílio está focado na atenção aos cuidados mais prementes decorrentes da catástrofe. À medida que vão diminuído as emergências, há que iniciar a fase de desenvolvimento, onde cabem as campanhas de prevenção, com vacinações massivas (neste caso foi a da Cólera), educação para a saúde e com a adequação das estruturas da rede de cuidados de saúde do território, que, ou não existiam de todo ou foram destruídas pela catástrofe. No caso de Moçambique, os meios colocados no terreno e o financiamento para a sua continuação foram além das expectativas graças à participação de grupos económicos importantes como mecenas, associados ao apoio da comunidade civil. A nossa área de intervenção localizava-se num dos bairros mais populosos e mais carenciados da Beira, com o centro de saúde parcialmente destruído, bem como a Maternidade adjacente, que ficou apenas com uma sala de partos e em más condições, com 5 a 8 partos por dia, pelo que foi estabelecido como objectivo da nossa missão, a reconstrução do conjunto Maternidade e Centro de Saúde. Durante este período foi criada uma maternidade em tendas de campanha, equipada com todo o material necessário e fornecido apoio com uma enfermeira parteira, que foi ministrando acções de formação para melhorar os cuidados prestados na maternidade. Foi doado um ecógrafo à maternidade e efectuada formação às parteiras e à obstetra local. Esta actividade formativa foi muito bem aceite pelas equipas, como denota o

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facto de terem solicitado a sua continuação e a abordagem de era o atendimento dos doentes que nos procuravam, na sua novos temas. maioria por quadros infeciosos, micoses cutâneas, com inúmeros casos de parasitoses de que destaco a Malária, a Larva Montámos também um Hospital de Campanha no recinto migrans cutânea, muitíssimo frequente e casos de hematúria adjacente a este complexo destruído, que compreendia uma prolongada, de meses de evolução, que cessavam após antenda com três postos de atendimento, geralmente com dois tihelmintico, confirmando as suspeitas de Schistosomíase, médicos (uma Infecciologista e um Internista) e uma psicólo- Os casos que detectavamos com suspeita de cólera, transitaga. Noutra tenda, o atendimento de situações de urgência vam para um recinto vedado e equipado pela UNICEF, adjacom equipamento de SAV era efectuado por um Anestesista e cente às nossas tendas, com isolamento e internamento dos um enfermeiro, que colaboravam quando necessário com um doentes, controlado pelos Médicos Sem Fronteiras, incluindo Cirugião e três enfermeiros, na área de tratamentos cirúrgicos a desinfecção dos veículos que haviam transportado os doene pensos, com quatro macas. tes, com pulverização de soluto com hipoclorito de sodio. Havia ainda uma tenda para a Farmácia, necessariamente Considera que podia ter sido melhorada alguma actuação? equipada com ar condicionado para preservar os medicamentos, outra para armazenamento dos equipamentos e logística É sempre possível melhorar a actuação, mas quando se parte e outra para o posto de comandos e refeições. numa missão de emergência é necessário aceitar que não é possível prever todos os imponderáveis que possam ocorrer, A minha actividade, bem como a da colega de Infecciologia, pois não sabemos com que condições nos vamos deparar no

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terreno. À partida é preciso ir a contar com as piores situações, nomeadamente quanto ao alojamento e alimentação. Por vezes não há nada no local, pelo que é conveniente ir preparado para dormir num saco-cama numa tenda, durante meses. É necessário um grande trabalho de preparação, sem dúvida, com recurso às aprendizagens anteriores, atendendo às condições logísticas e à segurança, investigando as patologias mais frequentes no local, para nos munirmos dos tratamentos a efectuar. Tão importante como a equipa que vai é a que fica na sede das organizações, para conseguir organizar a partida e a continuação do envio do material necessário, bem como prestar auxílio para colocar no terreno os meios de repatriamento em caso de perigo para a equipa. Toda esta “máquina” tem de estar bem “afinada” para que seja útil e segura a nossa presença no terreno. Congratulo-me por ter conhecido e trabalhado com gente fantástica nesta missão, operacionais muito focados e com grande capacidade de trabalho e de resiliência, ultrapassando os enormes obstáculos surgidos, executando todas as tarefas por igual, como carregar e descarregar o avião, dado que as 35 toneladas de carga não couberam no porão e fo-

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ram assim transportadas à mão para o compartimento de passageiros (eramos só vinte e um e o resto era carga) e deste para os camiões, levando um dia inteiro na pista a descarregar; reacondicionar a carga nos dias seguintes e montar as enormes tendas do Hospital de campanha

Por último, lições aprendidas? A maior lição é talvez a mais óbvia pois a nossa confrontação com aquelas civilizações tão desfavorecidas, com taxas de mortalidade altissimas, comparando com as nossas, sem acesso regular a medicamentos, a meios de prevenção de doenças e sem acesso igual a recursos que permitam uma evolução cultural, compromete as hipóteses de desenvolvimento futuro, que conduzam a uma melhoria da sua condição, Isto faz com que os nossos problemas se reduzam a uma ínfima porção do que percecionamos, antes de vivenciar estas experiências.

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LIFE SAVING

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Nuno Jordão Enfermeiro—AMI

Nota Curricular: Nuno Alexandre Moita Jordão 33 anos (04/12/1985) Enfermeiro Especialista em Enfermagem Comunitária e Mestre em Migrações Internacionais, Saúde e Bem-estar (a exercer funções no Serviço de Cardiologia do CHUA, desde 2007). A minha primeira recordação acerca do voluntariado internacional remete-me para a infância quando assistia nos noticiários a presença de equipas de saúde a prestar cuidados médicos noutras partes do mundo, sujeitas aos riscos inerentes da situação. Era uma criança mas tudo isso me fantasiava. No entanto, nada foi forçado, penso que esta vontade tenha ficado adormecida até ao momento em que finalizei a licenciatura e decidi descobrir numa missão algo mais além da nossa realidade, em contextos mais pobres ou desfavorecidos, mas simultaneamente com uma incrível riqueza cultural, histórica e pessoal. De maneira a tirar mais proveito destes contextos, e independentemente de trabalhar em ambiente hospitalar, a maioria da minha formação académica assenta no âmbito da saúde comunitária e das migrações internacionais, tendo passado por missões em países como a Colômbia e a Grécia, ou ainda, nos enclaves espanhóis em Marrocos, Ceuta e Melilla.

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Qual foi especificamente a sua missão em Moçambique e quais as dificuldades que teve de enfrentar? Explique-nos de que forma se preparou para a missão, em termos pessoais, profissionais e organizacionais e que informações tinha do terreno. Actualmente existe um controlo por parte dos clusters da ONU e do país afectado acerca de quais as prioridades a ter em conta após a passagem de determinado fenómeno, sejam elas a nível da saúde, da alimentação, das comunicações, entre outras. No caso de Moçambique, o ciclone Idai deixou um rasto de destruição humana e material, o que

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Quais são os pontos que considera que podiam ser melhorados e quais foram as principais aprendizagens que trouxe desta missão?” Numa situação destas, a verdade é que estamos sempre num limbo, considerando que estamos num país diferente e a trabalhar com pessoas e situações que nos são estranhas no dia-a-dia. No entanto, o saldo que trago desta missão é extramente positivo. A equipa foi estupenda e muito unida, e poder partilhar e “beber” de toda a experiencia da AMI, na pele do Dr. Fernando Nobre e do Dr. José Luís Nobre é fantástico, pois são homens com muito currículo e experiência nesta parte. No entanto, a maior aprendizagem foi conhecer e conviver com a resiliência deste povo, conhecendo pessoas que tudo ou quase tudo perderam mas mesmo assim me diziam “Estamos Juntos” e isso arrepia, dá vontade se seguir em frente, mas seguir com elas numa viagem de ajuda, sofrimentos, sorrisos, dor, mas acima de tudo, muito amor.

permitiu também o descontrolo doutras doenças já existentes, tais como a cólera ou a malária. Foi neste sentido que a AMI, após atribuição de determinada zona para intervir (Manga Nhanconjo), decidiu incidir o seu trabalho no combate à cólera. Para tal, montamos um hospital de campanha para tratamento de diarreias agudas e despiste/ encaminhamento de casos de cólera. Confesso que acima de tudo, as maiores dificuldades se prendiam com a ausência da família, e com a sempre presente situação hipotética de precisarem de mim e eu não estar disponível. Por outro lado, a habituação climática bem como a mudança brutal das rotinas e hábitos de vida. Por último, a diferença abismal de condições materiais entre cá e lá, já que recorrentemente me deparava com a falta das coisas mais simples que aqui temos. Partir para o terreno em emergência não é feito de ânimo leve, já que tens uma gestão familiar e profissional para fazer, e neste ponto, agradeço à minha família e ao CHUA por me terem proporcionado esta oportunidade. Mas a preparação para esta missão não foi momentânea, aliás eu parti 3 dias depois de ser convidado a integrar a equipa e este tempo pouco permite. Por isso, na minha formação sempre procurei o máximo de conhecimentos a ter, caso fosse em missão, e sendo assim já tinha realizado o curso de medicina das viagens, bem como, cursos de voluntariado internacional, tanto a nível de coordenação como de emergência. Considerando que esta não era a minha primeira missão, apesar de ser num contexto de emergência, já levava alguma bagagem comigo. Assim que, no tempo que tive antes de partir tentei procurar o máximo de informação sobre o sucedido e sobre o país, e obviamente que também tive informações-chave por parte da equipa do departamento internacional da AMI.

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Sinto-me muito feliz e um privilegiado em estar junto destas pessoas. Costumo dizer que as missões me humanizam, e que me levam de volta ao essencial e simples da vida, que por vezes com a azáfama dos nossos dias tendemos a esquecer e a ser mais robotizados. Tudo isto implica algumas cedências pessoais e arriscar certas fragilidades, “ir até onde não há pé”, mas no final saio sempre mais rico, sábio e feliz de cada missão. Há sorrisos, palavras e abraços que perduram sempre. E no final não há respostas, apenas histórias e amor.

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