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Publicação mensal dos Sinepes, Anaceu, Consed, ABMES, Abrafi, ABM, IMDC e Fundação Universa

O desafio da UNESCO no Brasil e no mundo A importância da cooperação internacional para transformar o futuro da humanidade a partir de uma educação para o desenvolvimento sustentável

Entrevista

Pesquisa revela eficácia dos sistemas de ensino na rede pública do estado de São Paulo

Literatura

Machado de Assis, um desafio prazeroso

Educação confessional A presença do leigo nas instituições católicas

ANO 13 - FEVEREIRO 2010

Vincent Defourny Representante da UNESCO no Brasil

9 772176 441000

EDIÇÃO 143

ISSN 2176- 4417

00 1 4 3

R$10,00


capa

O desafio da UNESCO no Brasil e no mundo A importância da cooperação internacional para transformar o futuro da humanidade a partir de uma educação para o desenvolvimento sustentável

A

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foca sua atuação nas áreas de Educação, Ciências Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Cultura, Comunicação e Informação, definindo algumas ações estratégicas, tais como: apoiar os esforços nacionais para atingir os objetivos de uma educação de qualidade para todos; prestar cooperação técnica para o fortalecimento das políticas e práticas educacionais; promover a gestão integrada dos recursos hídricos, o acesso à informação, o uso de tecnologias de informação e comunicação na educação e o diálogo entre culturas e civilizações. Representante da UNESCO no Brasil desde maio de 2006, Vincent Defourny, em entrevista exclusiva à Revista Linha Direta, afirma que o desafio da organização, no Brasil e no mundo, é contribuir para que as políticas públicas sejam realmente colocadas em prática, em busca de uma sociedade mais sustentável, mais viável e baseada nos direitos humanos para uma cultura de paz.

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Para isso, a UNESCO atua no país por meio de projetos de cooperação técnica com o governo, tomando como base compromissos nacionais e internacionais firmados pelos estados-membros. Defourny acredita que é com cooperação internacional e com uma educação para o desenvolvimento sustentável que poderemos transformar o mundo. “Não é um problema só do Brasil, é do Brasil também. Então, não podemos agir isoladamente. O país tem que fazer seu dever de casa, como os EUA, a China e outros também devem fazer”, diz. Acompanhe entrevista com ele, que nasceu na Bélgica e é doutor em Comunicação pela Universidade Católica de Louvain. Como você avalia o esforço mundial pela educação? É muito claro que não podemos ter um mundo com desenvolvimento sustentável se não tivermos uma educação para o desenvolvimento sustentável. Uma educação em todos os sentidos, para as crianças, os jovens e os adultos. E não é só educar por educar, mas para transformar

vidas, transformar a sociedade, tornar mais sustentável o planeta no qual estamos vivendo, com mais justiça social e um compromisso ambiental forte. Temos que reconhecer que o analfabetismo, no Brasil e no mundo, é um problema ainda muito grande. E não se trata apenas de iletrismo, mas também da incapacidade de se ler um texto básico ou de interagir com a internet, com os novos meios de comunicação, com as novas tecnologias. Qual o grande desafio da UNESCO no Brasil? Para a UNESCO e a ONU em geral, o grande desafio é ajudar o país a tornar concreto o que está escrito nas leis. O Brasil tem se comprometido muito com grandes questões internacionais, como os Objetivos de Dakar, que são as seis metas para a educação de qualidade para todos até 2015. Tem colocado os direitos humanos, os direitos da mulher em seus textos. Leis há. Mas a implementação ainda está muito aquém do que poderia ser feito.


Ricardo Labastier

Qual o papel da UNESCO? Acompanhar o país para ajudá-lo a trabalhar uma realidade concreta e corrigir assimetrias, a fim de tornar o futuro mais coerente com as aspirações que estão nos textos fundamentais, tanto nacionais quanto internacionais. Isso significa que trabalhamos com o governo federal, os estados, os municípios, a sociedade civil e o setor privado para tentar mudar essa realidade. É um trabalho que tem várias dimensões. Às vezes, é ajudar a implementar as políticas públicas, é ser piloto de novas práticas, é trabalhar a comunicação e até um papel de cobrança dos governantes. A UNESCO significa uma aspiração, um desejo da comunidade internacional de criar uma cultura de paz, um desenvolvimento sustentável baseado nos direitos humanos. E todos esses elementos estão muito bem articulados em nosso trabalho pela ciência, educação, cultura e comunicação. Tudo isso é a esperança de um mundo melhor. Por isso, também estamos envolvidos com o projeto Criança Esperança, numa parceria com a Rede Globo. Mas, ao mesmo tempo que cobramos e dizemos qual a direção a seguir, mostramos, na prática, como isso pode acontecer. Por isso, trabalhamos a melhoria da gestão dos recursos hídricos e tentamos transformar a administração pública em uma administração mais aberta e capaz de se comunicar com o cidadão. Também estamos muito envolvidos com a questão do acesso à informação pública. Estamos trabalhando com a CGU [Controladoria Geral da União], com a Casa Civil,

Vincent Defourny Representante da UNESCO no Brasil

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para tornar o acesso à informação algo possível, porque isso é parte das democracias modernas. Qual a importância da integração entre as diversas áreas, como educação, ciência e cultura? A realidade é complexa. Não dá para olhar os problemas por um ângulo só. Temos que ver a problemática educacional e tocar no ponto da diversidade cultural, por exemplo. A questão dos afrodescendentes é cultural, mas tem tudo a ver com a educação e o desenvolvimento. Estamos trabalhando pela melhor implementação da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira. Estamos

te. Estamos falando das relações étnico-raciais, mas poderíamos falar das relações de gêneros. Na América Latina como um todo, há mais meninas que meninos na escola. Mas nos altos cargos há poucas mulheres. É uma situação de desequilíbrio que precisa ser trabalhada. É parte de nossos objetivos trazer essas temáticas para a agenda pública brasileira. E, como você falou, não podemos trabalhar individualmente educação, cultura, comunicação. Temos que articular, porque os problemas que vemos hoje existem por falta de educação, de conhecimento, de consciência ambiental e do respeito individual.

A UNESCO significa uma aspiração, um desejo da comunidade internacional de criar uma cultura de paz, um desenvolvimento sustentável... traduzindo para o português a história geral da África, uma obra de oito volumes. É a primeira obra escrita por pesquisadores africanos sobre a África. Trazer isso para o Brasil é uma forma de dizer que o continente africano tem uma história própria, que não aquela contada pelos europeus. E essa é parte da história brasileira também. É preciso traduzir e fazer uma adaptação pedagógica para as salas de aula. Isso tem a ver com reconhecimento da diversidade cultural. O Brasil dará o pulo de que precisa quando realmente entender os fundamentos de suas raízes. A própria história do Brasil é marcada por uma segregação forte, que ainda exis-

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O senhor acredita que estamos todos no caminho certo? Acredito que estamos avançando, olhando os problemas. Esse é o primeiro passo. O grande educador Paulo Freire falava muito disso, de primeiro entender sua própria realidade para poder transformá-la. Percebo que a agenda internacional está melhorando bastante. Existe um movimento mundial que não vai se satisfazer com palavras; precisamos de ação, de compromissos concretos, porque sabemos que nosso futuro está comprometido. Precisamos de uma atuação rápida e urgente. Temos problemas mundiais, como o ambiental.

Mas não é um problema só do Brasil, é do Brasil também. Então, não podemos agir isoladamente. O país tem que fazer seu dever de casa, como os EUA, a China e outros também devem fazer. É com essa cooperação internacional que podemos transformar o mundo, o futuro da humanidade. Os geólogos dizem que, da mesma forma que no passado tínhamos vários períodos geológicos, hoje estamos entrando em um período caracterizado pela interferência do homem sobre o próprio planeta. Claro que algo vai acontecer. Mas o nosso comportamento é que está em jogo. E como é estar à frente de uma organização que lidera esse movimento? Eu me sinto um funcionário da UNESCO, que é o clube de todas as nações. Temos que pensar que a UNESCO é esse compromisso comum dos 193 países do mundo em ter uma cultura de paz, um desenvolvimento humano e sustentável, que passa por uma cultura celebrada por sua diversidade, por uma comunicação capaz de transformar a realidade das pessoas. Acho que a UNESCO é todo esse conjunto de desejos. E, como representantes, tentamos fazer avançar essa agenda. Esse é o nosso papel. A diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova, em visita ao Brasil, foi muita clara ao dizer que temos que mobilizar a mídia, a opinião pública, para trazer essa agenda. A preocupação não é a visibilidade da organização, porque não vendemos absolutamente nada; o que pretendemos é indicar o norte e trabalhar essa agenda internacional para criar uma direção, importante para todos nós. ¢


intratexto

Um desafio prazeroso Nelson Dutra*

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achado de Assis é um autor de vital importância, atualíssimo, embora o refinamento sutil de seu estilo e de suas narrativas passe, muitas vezes, um tanto despercebido, e não só pelo estudante de Ensino Médio. Na verdade, Machado integra o conjunto daqueles autores que precisam ser relidos, e, por incrível que pareça, a cada releitura, suas obras ganham viço, mais mérito e novos significados.

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Conforme afirma Antonio Candido, “nas obras dos grandes escritores é mais visível a polivalência do verbo literário. Elas são grandes porque são extremamente ricas de significado, permitindo que cada grupo e cada época encontrem suas obsessões e as suas necessidades de expressão”. Todos esses fatores colocam o escritor no rol dos clássicos. No caso de Machado de Assis, ele é

um paradigma tanto da arte literária como do registro culto em língua portuguesa. Cabe ao professor de literatura do Ensino Médio a tarefa imprescindível de aproximar a linguagem de uma obra clássica, como a de Machado de Assis, do repertório linguístico do aluno. Mário Quintana disse que um livro é um espelho, em que a linguagem e o universo tanto do autor como do leitor estão num constante jogo desa-


fiador de significantes e de significados. Caso o estudante não se reflita no universo de uma obra, surge aquela famosa expressão: “livro chato”. Perde-se um leitor e, na verdade, quem mais perde é aquele que não entendeu e rejeitou a linguagem. É necessário, portanto, que o professor medeie o código literário desses autores e o do corpo discente, leia em sala de aula capítulos das obras estudadas, use os meios necessários para despertar o interesse do aluno e para colocá-lo diante do texto. É importante frisar que a essência da aula de literatura é a leitura e o comentário sobre a obra, e não a exposição intensa e simplificadora da história dos períodos literários. Essa abordagem simplesmente cronológica e historiográfica já foi praticamente abandonada nas principais provas do país, como as do Enem, as das universidades estaduais e federais. Enfim, a prática textual não pode ter menor duração que a contextualização ou a abordagem sobre traços biográficos ou históricos. Durante algum tempo, predominou, inclusive no curso de Letras, a linha de estudo que via como mais importante conhecer o pensamento dos teóricos da literatura do que a matriz de toda a teoria: o texto literário. Dentre a vasta produção machadiana, talvez a mais própria para a leitura em sala de aula seja a coletânea de contos realistas Várias Histórias. Nada impede que se leiam capítulos de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, para citar apenas as mais estudadas. Várias

Histórias (1896) é, segundo Alcides Villaça, “um dos poderosos livros de contos da maturidade do escritor (...)”. Machado foi talvez menos revolucionário nesse gênero que no romance (em Memórias Póstumas de Brás Cubas, permitiu-se todo tipo de ousadia), mas alguns de seus maiores críticos consideram que a forma do conto cai à perfeição para um escritor que explora a análise detalhista, miúda, de personagens e acontecimentos que se revelam mais nítidos em situações concentradas. Nos dezesseis contos de Várias Histórias, encontram-se os antológicos A Cartomante, Uns Braços, A Causa Secreta, O Enfermeiro, Conto de Escola, Um Homem Célebre, Um Apólogo. Nesse livro, Machado de Assis recolheu alguns textos que ele já havia publicado em jornais do Rio de Janeiro. Na Advertência, o autor faz o comentário irônico de que “há sempre uma qualidade nos contos que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos”. Os temas dos contos de Várias Histórias são atualíssimos. Começando pelo de A Causa Secreta, que tem como núcleo a dissimulação do sadismo de Fortunato. É interessante mostrar que essa perversão é recorrente e visível, por exemplo, em grande parte da programação da mídia sensacionalista, que repercute a tragédia alheia, sentindo o regozijo indisfarçável diante da cumplicidade do público e, principalmente, do aumento do ibope. Já em O Enfermeiro, nota-se a mudança moral cínica do narradorpersonagem, Procópio, para des-

frutar a herança de um doente irascível, o Coronel Felisberto, que talvez tenha sido morto por Procópio, quando este era enfermeiro e reagiu a um acesso de fúria de Felisberto. Em Conto de Escola, o narrador Pilar relembra a lição de vida que teve num episódio escolar traumático, descobrindo, pela própria experiência, a corrupção e a delação. Em Um Homem Célebre, aborda-se ironicamente o descompasso entre uma aptidão, rejeitada pelo protagonista Pestana, e a aspiração impossível da personagem, expressa no conflito do músico Pestana, que, apesar de ter o dom de fazer polcas de grande aceitação popular, desvaloriza essa qualidade, preferindo tentar compor música clássica, algo que jamais será realizado. Nota-se, nesse conto, o tema da insatisfação humana diante da aspiração ao ato completo. Já no título, vê-se a ironia, pois o caráter de célebre, atribuído pelo povo ao compositor, não é aceito pelo músico, que se considera um frustrado. Sobre o conflito de Pestana, pergunta Antonio Candido: “Se a fantasia funciona como realidade; se não conseguimos agir senão mutilando o nosso eu; se o que há de mais profundo em nós é, no fim das contas, a opinião dos outros; se estamos condenados a não atingir o que nos parece realmente valioso, qual a diferença entre o bem e o mal, o justo e o injusto, o certo e o errado?”. Enfim, na visão crítica de Machado de Assis, ressaltam-se o pessimismo, a ambiguidade moral, a dissimulação, a ironia, a metalinguagem e a análise psicológica. Revista Linha Direta

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Abordando-se um pouco mais analiticamente o conto, talvez, mais curto da obra machadiana, Um Apólogo, cujo título já indica uma fábula, narrativa de que se depreende um ensinamento moral, vê-se o emprego intenso do discurso direto. O diálogo envolve principalmente uma agulha e um novelo de linha. A discussão dessas personagens gira em torno do próprio grau de importância, qual delas tem mais destaque social. No final da fábula, a agulha metaforiza o trabalhador obscuro e desprestigiado, e o novelo de linha conota o oportunista que vai ao baile no corpo da baronesa, aproveitando-se do

do narrador, enfim, tipicamente machadiana. É interessante notar a construção sintática em que aparece o objeto direto preposicionado, dando ênfase à ação, como se nota em “Chegou a costureira, pegou no pano, pegou na agulha, pegou na linha”. Deve-se observar ainda que, no diálogo entre as personagens, é mudado o tratamento pessoal. Na conversa entre a agulha e o novelo de linha, a forma de tratamento é a terceira pessoa do singular: “Deixe-me, senhora”. Já na fala do alfinete, a forma de tratamento aparece na segunda pessoa do singular,

Vamos, então, ao desafio prazeroso e enriquecedor: ler Machado de Assis. trabalho da agulha, deixada para trás no balaio das mucamas. Já a personagem alfinete não abre caminho para ninguém; onde o espetam, ele fica. Devido à brevidade e à recorrência dos diálogos, esse conto presta-se inclusive à leitura dramática ou até à encenação. A ironia de Um Apólogo é total, pois o que trabalha não desfruta o prazer de ir ao baile, e o que não fez praticamente nenhum esforço tem esse privilégio. Do ponto de vista do novelo de linha, notase o desconcerto do mundo, isto é, a desarmonia da situação existencial em relação à expectativa otimista da personagem. Quanto à linguagem do conto, ela é sintética, com períodos curtos, alguns comentários digressivos

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tu: “Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho...”. Em Várias Histórias, há um outro conto, Viver!, cujo conflito também se instaura pelo diálogo. A conversa ocorre entre Prometeu, mito grego que criou o homem e, posteriormente, rouba o fogo dos deuses, dandolhe de presente à sua criatura, e Ahasverus, mito do errante, condenado a viver até o final dos tempos, por empurrar Cristo, quando este levava a cruz. No confronto desse diálogo, que ocorre na época do final do mundo, Prometeu revela a esperança numa nova época que, seguramente, vai surgir. Já Ahasverus demonstra um profundo fastio diante da existência e de qualquer possibilidade de redenção.

Nesse conto alegórico, podese ver o debate entre a atitude otimista de Prometeu, diante de uma nova perspectiva de existência, e o niilismo de Ahasverus, que paulatinamente vai sendo minado pelo discurso otimista de Prometeu. Na obra machadiana, de uma maneira geral, aparecem situações, conforme nota Antonio Candido, “onde os destinos e os acontecimentos se organizam segundo uma espécie de encantamento gratuito; quanto às outras, ricas de significado em sua aparente simplicidade, manifestando, com uma enganadora neutralidade de tom, os conflitos essenciais do homem consigo mesmo, com os outros homens, com as classes e os grupos. A visão resultante é poderosa, como esta discussão não seria capaz de sugerir. O melhor que posso fazer é aconselhar a cada um que esqueça o que eu disse, compendiando os críticos, e abra diretamente os livros de Machado de Assis”. Vamos, então, ao desafio prazeroso e enriquecedor: ler Machado de Assis. ¢ *Graduado em Letras Neolatinas e mestre em Literatura. Professor do Curso e Colégio Objetivo e autor do livro Os estilos literários e letras de MPB www.objetivo.br


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A presença do leigo nas instituições católicas V

ivemos uma realidade desafiadora em todas as esferas da sociedade. Passado o período inicial de encantamento com a evolução da ciência e da tecnologia, evidenciam-se, gradativamente, consequências, nem sempre positivas, da nossa maneira de viver e usufruir as inovações no cotidiano. Nesse cenário, a educação tornase foco central de interesse pelo reconhecimento crescente de seu papel e, ao mesmo tempo, pela ineficiência do atual modelo educacional. Dessa forma, altera-se o nível de exigência sobre a educação e os educadores, em competência e profissionalismo, e também a visão da educação católica, porque a sociedade vive um momento de resgate da educação como ação formativa no âmbito da integralidade do ser humano, uma concepção que sempre fundamentou a prática das instituições católicas. O grande desafio está em definir o que é necessário para uma formação efetivamente integral, principalmente para as nossas escolas, por força de sua identidade e finalidade. A educação oferece possibilidades para o conhecimento de si mesmo e do mundo, formando a capacidade de interpretar e atuar sobre ambos, definindo projetos pessoais e sociais e construindo a realidade. Muito se tem apresentado como necessidades e alternativas

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para esse momento, que indicam rumos para as questões conceituais, didáticas, metodológicas, mercadológicas e sociais. A escola católica, tendo em vista sua missão, tem como grande finalidade desenvolver uma proposta educativa que seja evangelizadora. O enfrentamento desse desafio torna necessário que os nossos educadores – religiosos e leigos – se unam e se complementem. Aos religiosos continua delegada a função de zelar pelo anúncio da Boa Nova, pela fidelidade ao Carisma e à tradição religiosa e institucional. Ao leigo é reservado um protagonismo essencial, específico como educador na escola católica. Primeiramente, no âmbito profissional, pois “um dos requisitos fundamentais do educador católico é possuir uma sólida formação profissional”. Esse profissionalismo engloba a competência para perpassar o Evangelho nos conteúdos, ou seja, educar “através da integração dos diversos conteúdos do saber humano, especificado nas várias disciplinas, à luz da mensagem evangélica”. Essa competência exige o “domínio de conhecimentos das verdades da fé e dos princípios da vida espiritual e a capacidade de conciliar a inteligência da fé e o agir cristão”. Cabe-lhe, ainda, a função de trazer a realidade secular e a experiência de vivê-la com fé, captando “os sinais dos tempos”.

Angela Christina Alves*

A missão da escola católica permite ao leigo “viver sua tarefa educativa como uma vocação pessoal na Igreja, e não só como prática de uma profissão”. Permite-lhe dar o testemunho da relação com a cultura como possibilidade para a comunhão, o bem de todos e a paz. A essa contribuição se integra a experiência de vida consagrada dos religiosos, gerando enriquecimento e complementaridade. Para tanto, é necessário estudo, permanente retomada do sentido da vida, da profissão e da vocação; viver, alimentar a fé em comunhão, inspirar-se sempre no sentido maior que ilumina e conduz a ação educativa e preservar a consciência de que as pessoas e o mundo de amanhã serão o resultado do que os alunos tiverem aprendido dos mestres que passarem por suas vidas. Assim, abrem-se possibilidades concretas de uma educação evangelizadora para os tempos atuais. Uma realidade possível se os educadores, religiosos e leigos, reconhecerem sua importância, o papel que lhes cabe, suas especificidades e assumirem o compromisso de, oferecendo e recebendo, agir em comunhão para educar pela formação de uma nova humanidade. ¢ *Diretora educacional da Rede Católica de Educação www.redecatolicadeeducacao. com.br


hipertexto

A gestão de pessoas e o sucesso das organizações E

le é formado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná. Trabalha como professor desde 1971, atuando, hoje, em conceituadas escolas de Gestão do Brasil, como Fundação Instituto de Administração (FIA/USP), Fundação Dom Cabral (MG) e Centro de Excelência Empresarial (CENEX/RS). Além disso, exerce as funções de conferencista, consultor e escritor, tendo publicado vários livros nas áreas de Gestão, Liderança, Desenvolvimento humano e profissional. É colunista das revistas Você/SA e Vida Simples, ambas da Editora Abril. Nesta entrevista que concedeu à Revista Linha Direta, Eugênio Mussak fala, dentre outras coisas, sobre a importância da educação corporativa e o papel do líder dentro das organizações. Confira! O que é a educação corporativa? Um movimento relativamente novo. A primeira educadora a falar sobre isso foi a americana Jeanne Meister, há cerca de 20 anos. De lá para cá, muita coisa aconteceu. As organizações perceberam que o aumento da competitividade só poderá ser atingido através de investimentos na competência das pessoas, e essa não pode ficar na dependência apenas da formação tradicional clássica das escolas e universidades. E que competências são essas? Divulgação

Existem algumas especificidades de atuação diante de cada organização. Uma pessoa que sai de uma empresa para outra do mesmo setor precisa aprender coisas ligadas à cultura e à estratégia da nova empresa. A educação corporativa está voltada para desenvolver pessoas que atendam às necessidades, aos desejos da organização. Uma coisa importante é quando falamos em competência como pressuposto da competitividade. Nós não podemos esquecer que a competência não está ligada apenas aos aspectos técnicos, mas, principalmente, aos comportamentais. Porém, as universidades, de um modo geral, investem mais na formação técnica do aluno do que nos aspectos do comportamento, o que tornou esse um capítulo muito importante e muito significativo na educação corporativa. O que difere a competência do conhecimento? O conhecimento é uma parte da competência. Hoje existe uma definição de competência que foi criada pelo americano David McLellan

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Eugênio Mussak


na década de 1960. Para ele, competência é o resultado do encontro de 3 qualidades: conhecimento, habilidade e atitude (CHA). A habilidade é a aplicação prática do conhecimento. Enquanto o conhecimento é o saber, a habilidade é o poder. A atitude é querer fazer as coisas, estar motivado, trabalhar para usar o conhecimento e a habilidade. Recentemente, publiquei um artigo na revista Você S/A, ampliando o conceito de competência do McLellan, que é a metáfora da CHAVE. O “V” significa valores, reforçando a ideia de que, se a pessoa não tiver valores, ela não será competente, e competência significa entregar um resultado que seja bom, ético, moral, belo, e não um resultado a qualquer custo. E o “E” significa entorno, que é a responsabilidade da empresa em criar um ambiente propício para que as pessoas possam exercer a sua competência. E como é que as empresas devem liderar esse processo? Tem que haver um líder, um gestor dentro delas? Os líderes, de modo geral, têm como um de seus papéis o desenvolvimento das pessoas. Gestão de pessoas é diferente de outras gestões (de processos, de projetos, de materiais, de dinheiro, de recursos), que estão ligadas a planejamento, organização,

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controle. Gestão de pessoas não. Pessoas não podem ser controladas. Conseguimos, através de sistemas, saber se alguém está de corpo presente, mas não temos como saber se o seu cérebro, o seu coração e principalmente a sua alma também estão. Gestão de pessoas, portanto, deve ser feita de forma diferente. Significa liderar, que, por sua vez, quer dizer motivar, inspirar, desafiar. É função de cada líder da organização estar atento para o desenvolvimento das pessoas. Existem empresas que mantêm um setor para cuidar disso, com um líder focado no desenvolvimento de outros líderes. Muito se fala que ninguém motiva ninguém. O senhor acredita que funciona assim mesmo? Motivação é um importante capítulo na gestão de pessoas. Há duas correntes: uma, como você falou, de que não é possível ser motivado por alguém, a pessoa tem que se automotivar. Essa é a ideia mais poética: a motivação é uma porta que só se abre por dentro. Outras teorias dizem que não é bem assim e que uma pessoa pode motivar a outra, inclusive sendo essa uma das responsabilidades dos líderes. Mas mesmo os adeptos da teoria da automotivação concordam que é possível fornecer elementos necessários para isso. Dessa maneira, motivação está próxima da liderança. Também a discussão do que motiva as pessoas é bastante

ampla. Simplificando, existem três grandes fatores motivacionais: o primeiro é o atendimento às suas necessidades. Trabalhamos porque precisamos do salário. Só que isso é apenas 1/3 da motivação. O outro 1/3 está ligado à satisfação, o prazer de trabalhar na empresa, do bom clima organizacional, do ambiente, da atmosfera psicológica que a organização tem – a empresa pode ter problemas, dificuldades, mas precisa de um clima de colaboração, de amizade, de respeito, de alegria. Ser sério não é ser carrancudo. Uma empresa séria pode ser alegre. E o terceiro fator é o que está ligado com o futuro, com a percepção de que existe uma política de crescimento e ascensão profissional. A empresa que oferecer esses três grandes fatores motivacionais terá profissionais mais dedicados, comprometidos, capazes, competentes e mais motivados a trabalhar. E qual o perfil de um bom líder? Eu uso a expressão “líder educador”. Não que o líder tem que ser um professor, mas tem que ter algumas características de educador. A primeira delas é ser um profissional que não separa resultados de pessoas. O resultado que o educador espera é o desenvolvimento e o aprendizado do aluno. No momento atual, acredito que uma característica moderna, eficaz e desejável nas organizações é os líderes se responsabilizarem pelos resultados,


tendo em mente que só conseguirão isso através das pessoas. E isso se aplica também ao gestor educacional? É lógico que uma organização educacional não escapa dos princípios de gestão de qualquer outra organização. Eu costumo comparar a escola com uma árvore, que tem uma parte rígida, que é a celulose, que a mantém de pé, e tem a seiva, que circula por dentro desse tronco, comunicando as várias partes da árvore e, em última análise, a terra com o sol. E é isso que dá vida à árvore. Uma escola também precisa dessas duas qualidades: uma base rígida, que é representada pela parte física – estrutura, limpeza, conservação, materiais, regimento, disciplina, gestão – e a seiva – as pessoas, a alegria, a irreverência, mas também o respeito, a ética, a criatividade, a curiosidade, a motivação. Inovação e criatividade são qualidades essenciais para a sobrevivência no mercado? O profissional criativo e inovador terá lugar garantido? Esses são conceitos correlatos: a inovação depende da criatividade e tem a ver com melhorar resultados da organização e, para isso, é necessário que haja criatividade com método. É um pouco arriscado dizer que a inovação é pré-requisito para a sobrevivência. Mas eu posso dizer

que ela é pré-requisito para a evolução, e, talvez, a evolução seja uma condição para a sobrevivência. Então, acho que as empresas de todas as áreas de atividades, incluindo a educação, têm que pensar em inovar, em trazer novas alternativas de qualidade, de aprendizagem, na relação professor/aluno, escola/ comunidade, conhecimento/prazer, enfim, todas as relações que constituem, no final das contas, um conjunto de fatores que vão contribuir para a aprendizagem. O que é necessário para um profissional ter uma carreira bem-sucedida? Primeiro, eu colocaria a insatisfação. O profissional não deve estar satisfeito com o seu desempenho, porque, o dia em que isso acontecer, ele irá se acomodar e começar a andar para trás. Então, estar insatisfeito é estar sempre procurando aprimorar-se, tanto do ponto de vista do conhecimento quanto do comportamento. Encontramos profissionais que são bem preparados no assunto a que se dedicam, mas que perdem contato com uma realidade maior e não se interessam por outras áreas do conhecimento. A conectividade é outra vantagem. É preciso ser capaz de estabelecer conexões entre a sua e outras áreas do conhecimento. De ser, ao mesmo tempo, especialista em alguma coisa, mas também um generalista. Outro ponto importante

é a gestão. Independentemente da área do conhecimento, o profissional tem que ser um gestor. Ninguém precisa saber a fundo a ciência da gestão, mas precisa saber que cada um é responsável por gerir a sua vida, o seu tempo, o seu conhecimento, o seu dinheiro, as suas relações e o seu futuro. Essa gestão de futuro é o que chamamos de planejamento, pensamento estratégico. Acredito que, com esses três componentes – a insatisfação, a visão de especialista e de generalista e a ideia da gestão –, teremos um profissional bem-sucedido, independentemente do que ele faça. Um texto diz que o erro não faz mal. Até que ponto ele deve ser tolerado? Falamos em inovação, que é um traço cultural. 80% das inovações de qualquer natureza – tecnológica, metodológica, de marketing, de gestão – não vieram de um departamento especializado nisso. Vieram das pessoas que têm contato com a realidade no cotidiano da empresa, coisa que o presidente não tem. Mas, para haver inovação como traço cultural, não é possível ter uma cultura de intolerância ao erro, porque não é possível inovar sem cometer alguns. Mas o erro precisa ser qualificado, porque há erros e erros. O que deriva da incompetência, da desatenção, do desleixo, da falta de comprometimento tem que ser punido. O que advém da tentativa de fazer diferente, desde que isso não comprometa a segurança ou a produtividade, tem que ser tolerado. Isso é a gestão do erro, e mais um dos atributos das lideranças modernas é saber como lidar com isso. ¢ Revista Linha Direta

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