Vida Urbana

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PETRร NIO BRAZ DE CARVALHO

VIDA URBANA

Uma anรกlise sociolรณgica das cidades


PETRร NIO BRAZ DE CARVALHO

VIDA URBANA Uma anรกlise sociolรณgica das cidades


A EDITORA A Livros Ilimitados é uma editora carioca voltada para o mundo. Nascida em 2009 como uma alternativa ágil no mercado editorial e com a missão de publicar novos autores dentro dos mais diversos gêneros literários. Sem distinção de temática, praça ou público alvo, os editores ilimitados acreditam que tudo e qualquer assunto pode virar um excelente e empolgante livro, com leitores leais esperando para lê-lo. Presente nas livrarias e em pontos de venda selecionados, tem atuação marcante online e off-line. Sempre antenada com as novidades tecnológicas e comportamentais, a Livros Ilimitados une o que há de mais moderno ao tradicional no mercado editorial. Copyright © 2010 by Petrônio Braz de Carvalho Copyright desta edição © 2015 by Livros Ilimitados LIVROS ILIMITADOS Conselho Editorial: Bernardo Costa John Lee Murray ISBN: 978-85-63194-09-1 Direitos desta edição reservados à Livros Ilimitados Editora e Assessoria LTDA. Rua República do Líbano n.º 61, sala 902 – Centro Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20061-030 contato@livrosilimitados.com.br www.livrosilimitados.com.br

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DEDICO ESTE LIVRO: Ao meu filho, Petrônio Júnior, fonte inspiradora para a minha luta diária. HOMENAGEM Ao meu bisavô, Brasiliano Braz, que quase octogenário, presenteou a cidade de São Francisco com a sua insuperável obra, São Francisco nos Caminhos da História. Pessoa que a firmeza de caráter, o respeito à coisa pública e o compromisso aos companheiros, são os maiores orgulhos dos seus familiares e servem de exemplos para aqueles que querem trilhar a vida pública em nosso município de São Francisco/MG.


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INTRODUÇÃO Nesse trabalho será debatida a vida urbana, analisando o conceito de cidade, a sociedade urbana e os problemas sociais urbanos, para vislumbrar as possibilidades de desenvolvimento das capacidades oferecidas pela cidade e dos problemas decorrentes da vida em cidades. O presente trabalho é dividido em três capítulos o primeiro trata do conceito de cidade, onde são abordadas duas posições da sociologia a cerca da cidade, que são os posicionamentos do Materialismo Histórico, principalmente o posicionamento de Frederic Engels e o posicionamento da sociologia weberiana. O segundo capítulo aborda a estruturação e o modo de vida da sociedade urbana e finalmente no terceiro capítulo os problemas sociais urbanos e para concluir é feita uma breve consideração sobre a vida urbana, suas potencialidades e seus problemas. O trabalho tem por finalidade oferecer uma leitura de fácil compreensão para os estudantes de ensino médio, estudantes de Ciências Sociais e áreas afins, planejadores públicos, políticos e demais interessados na vida urbana. Favorecendo o debate sobre alguns dos mais variados temas que envolvem a vida urbana, essa realidade da modernidade.


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CAPÍTULO 1 Conceito de cidade A origem da cidade se vincula à necessidade dos seres humanos de contato, comunicação e troca. A política é fruto da vida na cidade. Com os gregos nasceu o vínculo entre participação ativa e vida na cidade. (Oliveira, 2001, p. 01) O mundo contemporâneo é urbano, local de incessantes lutas e jogos de interesses. Ser cidadão e morador na cidade é ter consciência dos seus direitos e saber reivindicá-los, e ser cumpridor das suas responsabilidades e deveres para com a sociedade em que vive. (ibidem)

O SURGIMENTO DAS CIDADES SOB O ÂNGULO DO MATERIALISMO HISTÓRICO O surgimento das cidades modernas, a partir dasrevoluções capitalistas, expõe um novo tipo de sociedade, onde se revela a predominância do econômico. (Lefebvre, 1972, p. 10) O surgimento das máquinas transfigurou radicalmente a vida dos tecelões, destruindo famílias que viviam de forma honesta e laboriosa nos campos, nas cercanias das cidades, mas que, no entanto separados destas. Eram pessoas com boa saúde, sendo a sua imensa maioria de analfabetos, religiosos, dificilmente se preocupavam com a política. Não eram muito afeitos à vida contemplativa (formulação de pensamentos explicativos da vida), deleitavam-se com os exercícios físicos e ouviam a leitura da Bíblia. A revolução industrial veio modificar por completo esses operários, reduzindo os ao papel de máquina, arrancando-lhes os últimos fragmentos de atividade independente, só que lhes obrigando simultaneamente a exercerem o seu papel de homens. Assim, as classes que até então, viviam na apatia, foram arrastadas para a história. Na França pela atividade política e na Inglaterra pela atividade industrial. (ibidem, p. 10 -11) Essas transformações revolucionárias têm como causa o surgimento de novas técnicas (em especial a máquina de fiar ‘”jenny” e a “mule”, nos fins do século XVIII, e obviamente a máquina a vapor). A conse-


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qüência dessas transformações, como nos diz Frederic Engels (apud Lefebvre, p. 11) foi o surgimento de grandes cidades voltadas para as atividades industriais e mercantis do Império Britânico, que surgiram em decorrência das profundas mudanças tecnológicas que estavam ocorrendo. (ibidem, p. 11) De acordo com Engels (apud Lefebvre, p. 11) o capitalismo possui duas tendências concentradoras, uma de concentração demográfica e a outra de concentração de capital. Com a instalação de uma fábrica de porte médio, surge em seu entorno uma povoação, que leva a um aumento demográfico, o que acaba por atraí outras indústrias que se instalam com a finalidade de explorar a grande quantidade de mãode-obra barata concentradas ali. Aquela povoação transforma-se em uma pequena cidade e finalmente em uma grande cidade. Nessas cidades acabam por se congregarem todos os elementos da indústria: mão-de-obra (trabalhadores), as vias de comunicação (necessárias ao escoamento da produção da cidade, ao seu abastecimento, ao transporte de matérias-primas), que são os canais, as estradas de ferro e vicinais, máquinas e técnicas, mercado, bolsa, ou seja, tudo aquilo que se torna necessário ao desenvolvimento da produção capitalista, isso leva a um vertiginoso e espantoso crescimento das grandes cidades industriais. A tendência centralizadora da cidade leva a melhor e a cada nova indústria que nascia no campo ela trazia em si o gênesis de uma nova cidade industrial. (ibidem, p. 11-12) Na Europa Medieval, a relação cidade-campo, torna-se conflituosa. Os bárbaros invadiram a Europa Antiga, onde investiram contra as cidades e fizeram emergir uma nova sociedade que era tribal e comunitária. A burguesia medieval em busca da supremacia política e da capacidade de explorar economicamente os campos fez da cidade a sua fortaleza, para que pudessem tomar dos senhores feudais o recolhimento do sobre-trabalho (rendas da terra) e destruindo até mesmo a propriedade feudal do solo. O sistema urbano acaba assim, por representar a ruptura do sistema feudal. A cidade gera as mudanças que levaram ao surgimento de uma nova ordem, a ordem capitalista, No plano econômico, faz surgir à indústria. No plano social a propriedade de bens móveis e no plano político gera o Estado. (ibidem, p.44)


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A indústria e o comércio vão alcançar o seu mais completo desenvolvimento é nas cidades e como conseqüência são elas que se manifestarão de forma nítida as conseqüências que o proletariado sofrerá por esse desenvolvimento. As cidades acabam favorecendo a concentração de bens e elevam ao máximo a destruição dos antigos costumes e condições de vida. (ibidem, p.12) Em sua obra As Grandes Cidades Friedrich Engels, mostra o horror da realidade urbana onde relata que a prodigiosa riqueza social, conquistada sob a égide econômica e política da burguesia, tinha uma dolorosa contrapartida que era os sacrifícios, especialmente da classe dominada, o proletariado. O propalado desenvolvimento urbano, de Londres, por exemplo, sacrificou a vida de muitos londrinos, para que apenas uma pequena minoria pudesse se desenvolver. O ritmo frenético e competitivo das cidades faz com que haja uma correria geral na busca pelo capital que gera uma indiferença brutal, um isolamento insensível, um egoísmo estreito, que se manifestam com impudência nas cidades. É percebendo isto que esse autor vai introduzir o tema da multidão solitária e da atomização, que é a verdadeira problemática da rua. (ibidem, p. 15) Para Engels, o trabalho cria uma sociedade, cujas relações de produção a marcam, fazendo sentir o domínio e o poder da classe dominante. A sociedade gerada pelas relações de produção não é exterior. Para exemplificar fala de Londres, que significa comércio, mercado mundial, tráfico generalizado e as suas conseqüências. Sendo a força opressora dos fracos e a riqueza geradora da pobreza, mas é também a civilização e seus milagres. Eis aqui as contradições da vida urbana. (ibidem, p. 16) Lefebvre (1972, p.16 -17) comentando as posições de Engels sobre a cidade, nos fala que esse autor: ...expõe os resultados que esta prodigiosa acumulação de poder e de riqueza que é a grande cidade moderna traz para os trabalhadores. A classe operária, aliás, não é a única atingida, como classe; é toda a sociedade, incluindo os dominadores, os que se servem da riqueza produzida porque dirigem a utiliza-


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ção dos meios de produção e da força de trabalho. Há uma espécie de ricochete. “Eis abertamente declarada a guerra social, a guerra de todos contra todos”. Cada um encara o outro unicamente do ponto de vista da utilidade, todos exploram o seu semelhante, e os capitalistas que são os mais fortes apropriam-se de tudo. Nesta guerra geral, a arma da luta é o capital, ou seja, a propriedade direta ou indireta dos meios de subsistência e dos meios de produção. Ninguém se importa com quem não tiver capital nem dinheiro; se não encontrar trabalho, que roube ou morra de fome. “Graças a polícia, morrerá de fome tranquilamente, sem incomodar a burguesia”. O espaço urbano, com os seus contrastes, as suas liberdades e as suas fatalidades, são deste modo o espaço repressivo, o espaço do “crime social” que, na opinião dos seus operários, a sociedade... Constantemente comete.

Podemos perceber no enunciado acima que para Engels a cidade é o local onde a contradição capitalista se expõe, onde a crescente acumulação de riqueza nas mãos de poucos acaba por gerar uma crescente desigualdade social, que leva a uma guerra social, onde todos lutam contra todos. Cada habitante da cidade procura explorar o seu semelhante. O capitalista por ser o mais forte apropria-se de tudo, pois a arma dessa luta é o capital e ninguém o possui mais do que a burguesia. O autor denuncia ainda a indiferença para com aqueles que não encontram trabalho e graças à ação repressora do Estado através da polícia, quase não incomodam a burguesia que vive tranquilamente absorvendo as benesses da vida urbana. Enquanto para a classe dominada sobram as fatalidades e a repressão do meio urbano. A ordem capitalista gera o caos urbano. Analisando a cidade de Manchester (Inglaterra), Engels descortina uma característica geral de quase todas as cidades que é a segregação e a decomposição do centro. A segregação é vista como espontânea, até


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mesmo inconsciente, mas por isso não deixa de ser rigorosa e afeta a própria cidade e a sua imagem citadina. A segregação chega a tal ponto que habitantes dos bairros burgueses, podem morar por longos anos em uma cidade e não conhecer um bairro operário. Assim a burguesia consegue uma obra-prima que é esconder de si mesma a imagem da miséria que acabaria por ofuscar a grandeza das cidades criadas pelo impulso industrial comandado pela burguesia, e isso acaba por ajudar a dissimular a exploração e seus efeitos. Vejamos a fala do próprio Engels: “Os bairros operários, tanto por acordo inconsciente e tácito como por intuição consciente e confessada estão rigorosamente separados das zonas da cidade reservadas à classe média”. E simultaneamente a essa segregação o centro, bairro comercial, durante a noite se decompõe ficando deserto e vazio. (ibidem, p. 18 – 19) Ainda analisando os bairros operários de Manchester, Engels começa a traçar as linhas daquilo que hoje chamamos de urbanismo e nos diz: “È impossível imaginar o amontoado desordenado das casas, literalmente apinhadas umas sobre as outras, verdadeiro desafio a qualquer espécie de arquitetura racional”. E completando as palavras do parceiro de Marx, Lefebvre nos fala: “A confusão atinge o cúmulo; onde quer que o urbanismo anterior tenha deixado um espaço livre, construiu-se e remendou-se ‘até que deixou de haver um centímetro de espaço entre as casas...’ Deste amontoado nasce a poluição – da atmosfera, das águas, de todo espaço” (ibidem, p. 21) Outra denúncia feita por Engels sobre os bairros operários, é que a indústria não só tratou como coisa o trabalhador que havia conseguido se libertar da servidão, mas encerrou-o dentro de moradias em péssimas condições, onde as paredes caem em ruínas. Mesmo diante dessas péssimas condições, os operários têm que pagar altíssimos preços aos burgueses proprietários dessas moradias. Os burgueses buscando aumentar o seu lucro utilizou o mínimo espaço possível para as construções, fazendo com que o valor fundiário crescesse paralelamente ao impulso industrial e quanto mais este crescia mais se intensificava o ritmo das construções. (ibidem, p.21) De acordo com Engels, a forma como se satisfaz a necessidade de habitação indica um critério para se avaliar como são satisfeitas todas


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as outras necessidades do trabalhador, como vestuário e alimentação. A sociedade burguesa impõe aos operários a encomenda de prover as necessidades básicas próprias e das suas famílias, mas não lhe fornece os meios para que possam satisfazer essas necessidades de forma eficaz e duradoura. Isso resulta em uma instabilidade da condição operária, que apresenta nas grandes cidades uma gama de modos diferentes de vida, que vai desde uma vida momentaneamente assegurada por um trabalho até a miséria sem limites, que pode levar a morte por inanição. “De um modo geral as habitações dos operários são mal agrupadas, mal construídas, mal conservadas, úmidas e insalubres.., e na maioria dos casos uma família inteira dorme numa única divisão. O arranjo interior é miserável, chegando-se pouco a pouco à total ausência dos móveis indispensáveis. (ibidem, p. 23 –24) Finalmente, para o Materialismo Histórico, na perspectiva dos seus fundadores, Marx e Engels, podemos dizer que a cidade é: • O local da concentração, não só demográfica como também dos instrumentos de produção, do capital, as necessidades, as fruições, ou seja, tudo o que faz uma sociedade e, tudo isso em oposição ao campo, que é o local da dispersão e do isolamento. A existência da cidade implica na existência da necessidade de administração, de polícia, de impostos, ou seja, necessita da organização comunitária, numa palavra necessita da política; • A separação da cidade e campo mutila e bloqueia a totalidade social, pois esta depende da divisão do trabalho material, do trabalho intelectual. Dentro desta separação fica o campo com o trabalho material que não exige muito do intelecto enquanto, a cidade cabe o trabalho enriquecido e desenvolvido pelo intelecto, inclusive as funções de administração e de comando. Essa divisão é perversa, pois gera: uma dominante da outra e limita a potencialidade humana, pois gera um animal rural e um animal urbano. • Essa separação entre cidade e campo deve ser superada, assim como a divisão do trabalho. A abolição dessa separação é um dos primeiros passos para o surgimento da sociedade dita comunista.


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Para Engels e Marx existe uma tendência histórica que irá levar a abolição da separação entre cidade e campo. (ibidem, p. 51 e 52) As cidades produziram a burguesia e os primeiros proletários, que é a primeira classe dominada com consciência política, consciência essa adquirida na vida nas cidades. Esse fenômeno surge a partir da divisão do trabalho dentro do mundo urbano. Os trabalhadores divididos se completam, por que são necessários uns aos outros, pois, um grupo, produz instrumentos o grupo que dela se serve é indispensável à sociedade. A divisão do trabalho substituiu uma sociedade simples por outra mais complexa, mais harmoniosa, nos diria Dukheim. Para Marx, não, os resultados da divisão do trabalho se completam, mas atividades divididas se confrontam e se afrontam, gerando desigualdades e conflitos. Assim, podemos dizer, de acordo com os Materialistas Históricos, que a economia industrial capitalista com o seu enorme poder concentrador, gerou as cidades, local por excelência dessa concentração. A vida na cidade ampliou a divisão do trabalho e a oposição entre cidade e campo, gerando enfrentamentos e afrontas entre as classes em disputa, fazendo com que a imensa maioria da população viva em meios miseráveis enquanto uma pequena parcela, a burguesia, se deleita das benesses da vida urbana. Mas, é na cidade que a classe dominada, pela primeira vez toma consciência da sua posição, das suas condições miseráveis de sobrevivência e assim ganha consciência política, nascendo o proletariado.

CONCEITO E CATEGORIAS DE CIDADES NA VISÃO WEBERIANA De acordo com o sociólogo alemão, Max Weber, existe várias formas para se definir a cidade. Mas, a forma mais comum é conceituála como sendo um estabelecimento, uma localidade compacta. Um local onde as casas estão geralmente bastante juntas, via de regra, com as paredes encostadas. Outra idéia corrente é tratar a cidade como sendo uma grande localidade, essa caracterização, no entanto é im-


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precisa, pois, levase em consideração apenas a densidade demográfica. (Weber apud Velho, 1979, p. 68) O tamanho por si só seria incapaz de classificar uma dada localidade como cidade, pois, como exemplifica Max Weber, na Rússia existem aldeias maiores que muitas cidades da antiguidade e nem por isso recebem o status de cidade. A definição da cidade pelo prisma econômico nos levaria a classificá-la como uma localidade onde as maiorias dos habitantes vivem do comércio e da indústria e não da agricultura. Mesmo assim, não seria adequado classificar todas as localidades com essa característica, com o status de cidade. Por exemplo, as aldeias industriais da Ásia e da Rússia, que exercem atividades da indústria, mas que são dominadas por um clã que exercem atividades industriais hereditariamente fixadas. Outro mecanismo de classificação seria a diversidade de ocupações industriais e comerciais, mas mesmo assim não teríamos um conceito decisivo de cidade. (ibidem, p.69) Para Weber a cidade pode se fundar de dois modos, o primeiro é através da existência de um domínio territorial, uma sede, um centro de uma localidade em que exista uma indústria em regime de especialização capaz de satisfazer as suas próprias necessidades políticas e econômicas, e por isso comerciam mercadorias. Outra característica para poder se falar de cidade seria a existência de um intercâmbio regular e não somente periódico de mercadorias na localidade, como sendo o principal elemento da atividade lucrativa e do abastecimento dos habitantes, estando falando, portanto, de um mercado. Vejamos a fala do próprio Weber: ...Falaremos de “cidade” no sentido econômico quando a população local satisfaz uma parte economicamente essencial de sua demanda diária no mercado local e, outra parte essencial também, mediante produtos que os habitantes da localidade e a povoação dos arredores produzem ou adquirem para colocá-los no mercado. Toda cidade no sentido que aqui damos a essa palavra “é um local de mercado”, quer dizer, conta como centro econômico do estabelecimento com um mercado local e no qual em vir-


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tude de uma especialização permanente da produção econômica, também a população não-urbana se abastece de produtos industriais ou de artigos de comércio ou de ambos e, como é natural, os habitantes da cidade trocam os produtos especiais de suas economias respectivas e satisfazem desse modo suas necessidades. É normal que a cidade tão logo se apresenta com uma estrutura diferente do campo, seja por sua vez de sede de um senhor, ou de um príncipe, e lugar de mercado, ou possua centros econômicos de ambas as espécies – oikos e mercado – e também é frequente que tenham lugar periodicamente na localidade, além do mercado regular, feiras de comerciantes em trânsito. Porém a cidade... é um estabelecimento de mercado. (ibidem, p. 69 – 70)

O primeiro modo de surgimento de cidades está na existência de um mercado que tem a sua base, na maioria dos casos, em uma concessão ou garantia de proteção oferecida pelo senhor do domínio ou pelo príncipe, o qual se interessa, primeiro por uma oferta regular de produtos mercantis e industriais estrangeiros que são oferecidos pela feira, direitos alfandegários, direitos de escolta e proteção, direitos de mercado, de justiça entre outros. Segundo pela necessidade de um estabelecimento local de comerciantes e industriais que possam arcar com os impostos, e como o mercado traz em si um estabelecimento geral espera-se lucrar também com a utilização do solo. (ibidem, p. 70) No segundo modo os surgimentos das cidades se deram sem o apoio da corte do príncipe, através da reunião de intrusos, piratas ou comerciantes colonizadores ou nativos, que se dedicavam ao comércio. (ibidem, p. 70) Weber então estabelece as categorias de cidade: Cidade de Principado: é aquela em que a maioria dos habitantes depende de maneira dominante, direta ou indiretamente do poder aquisitivo da grande propriedade do príncipe e de outras grandes propriedades, é aquela cidade em que o poder aquisitivo de outros


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grandes consumidores, quer dizer, os que vivem de rendas, determina decisivamente o leque de oportunidades de lucros dos artesãos e comerciantes que a habitam. (ibidem, p.71) Cidade de Consumidores: nesta cidade é decisivo para as possibilidades aquisitivas de seus artesãos e comerciantes o domicílio urbano de grandes consumidores, que podem ser de dois tipos, diversos um do outro em virtude da classe e da origem de suas rendas. O primeiro tipo de grandes consumidores é formado por funcionários que gastam as suas rendas constituídas legalmente ou não nesses tipos de cidade. O segundo tipo é formado por proprietários territoriais e chefes políticos que gastam as suas rendas imobiliárias de fora da cidade ou outras rendas, de caráter político na cidade. Em ambos os casos esse tipo de cidade se aproxima da cidade de principado, pois se repousa em rendas patrimoniais e políticas que são a base do poder aquisitivo dos grandes consumidores. (ibidem, p. 71 -72) Cidade Industrial: esse tipo de cidade é o oposto da cidade de principado ou cidade de consumidores, pois, essa é uma cidade de produtores, onde o crescimento da população e do poder aquisitivo repousa nas fábricas, nas manufaturas, nas indústrias nelas existentes e abastece o exterior, isso nas cidades de tipo moderno. Temos ainda dentro dessa categoria de cidades produtoras ou industriais, o tipo asiático, antigo e medieval que possuem indústrias artesanais que mandam para fora os seus produtos. Ambas têm como consumidores do seu mercado local os grandes consumidores, agora formados por empresários, que podem residir ou não nessas cidades e por outro lado a grande massa de consumidores formada por trabalhadores e artesãos. (ibidem, p. 72) Cidade Mercantil: Nessa o poder aquisitivo dos grandes consumidores tem a sua base na venda a varejo de produtos estrangeiros no mercado local, ou então, na venda para fora de produtos naturais ou de artigos produzidos por moradores da cidade ou ainda na aquisição de produtos estrangeiros para disponibilização em áreas fora da cidade (com ou sem estoque nas cidades) e por fim a combinação de todas essas formas de poder aquisitivo dos grandes consumidores. Nessas não existe uma exploração industrial local, vivem do comércio de produtos produzidos em outras localidades. (ibidem, p. 72 – 73)


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Cidade Agrária: é aquela que apesar de ser uma localidade de mercado e de indústrias, grande parte da sua população cobre as suas necessidades através de uma economia própria e até produzem para o mercado. (ibide-, p.73) Concluindo podemos dizer que as cidades na visão de Max Weber, possuem uma inter-relação de dependência mútua com o campo. Na maioria das vezes, quanto maior é uma cidade, menor é a disponibilidade de terras de cultivo para o sustento dos seus habitantes, salvo em raríssimas exceções em cidades atuais e na maior parte das cidades típicas da Antiguidade, onde os habitantes dessas conseguem e conseguiam cobrir as suas próprias necessidades através do consumo próprio. Muito menos possuem áreas de pasto e bosques suficientes para assegurar as suas necessidades. A relação da cidade, baluarte da indústria e/ou do comércio, com o campo, fornecedor dos meios de subsistência faz parte de um complexo econômico que se convencionou chamar-se de economia urbana. (ibidem, p. 73 – 75) A cidade se diferencia da aldeia não só por ser um aglomerado de habitações, não só por ser uma associação econômica com receitas e despesas próprias, não só por depender da satisfação das suas necessidades de subsistência através da produção do campo. Para se conceituar uma localidade como sendo uma cidade, além desses conceitos econômicos, temos também os conceitos políticos, pois, a cidade tem que se apresentar em algum nível, como sendo um aglomerado demográfico possuidor de instituições políticas e administrativas especiais. Assim, a origem da cidade, dos burgos, está ligada também ao domínio militar de uma dada região. Os artesãos dedicados a satisfazer as necessidades da corte ou dos senhores guerreiros recebiam em troca a proteção e a regulamentação das suas atividades. E a proteção recebida pelos burgueses, para desempenhar as suas atividades lucrativas é fundamental para o processo constitutivo das cidades. (ibidem, p. 73 – 89)


Vida Urbana é o livro de estréia do sociólogo, Petrônio Braz de Carvalho, nesta obra o autor faz uma análise das condições desse fenômeno social que é a urbanização. A vida em cidades traz uma gama de possibilidades, bem como diversos problemas. O autor procura em breves linhas, mas com rigor científico, analisar as possibilidades e os problemas da vida urbana, para isso busca os conceitos de cidade em duas vertentes clássicas da sociologia a marxiana e a weberiana, estuda os meandros da sociedade urbana e por fim os seus problemas. É obra de linguagem clara, bem típica do autor, que pode e deve ser utilizada e estudada não somente por sociólogos, mas pelos profissionais de História e Geografia, assim como por Planejadores Públicos e Políticos, ou simplesmente lida por aqueles que desejam conhecer um a complexidade da Vida Urbana. Maria do Socorro Martins De Oliveira Cavalcante Professora de Geografia da E.E. Coelho Neto São Francisco/M

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