Que raios de eleição é essa?

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Jackson Vasconcelos

QUE RAIOS DE ELEIÇÃO É ESSA? como são as estratégias na política e os bastidores de campanhas eleitorais


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JACKSON VASCONCELOS, consultor de campanhas, analista político, professor e escritor, usa sua vasta experiência para demonstrar a importância da estratégia na construção dos resultados de campanhas eleitorais e projetos políticos. Esta importância se dá em vários ramos de atividade, já que há eleições e política em vários setores da vida pública e privada. Desde adolescente, ao rondar os corredores do Congresso Nacional para fazer companhia ao seu pai, que lá trabalhava, o autor começou a desenvolver uma paixão pela política ao ouvir das galerias da Câmara e do Senado inflamados debates políticos. Com um perfil observador, analítico e de realizador, Jackson Vasconcelos iniciou a relação com as campanhas eleitorais na primeira metade dos anos 1980, como voluntário. Em 1998, deixou uma promissora e estável carreira no Banco do Brasil para atuar como profissional no mercado de campanhas políticas. A partir dos riscos da política, construiu uma carreira com muitas vitórias, poucas derrotas, mas várias lições.

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“Collor era o caçador de marajás, o político austero e corajoso suficiente para eliminar a corrupção. Uma imagem maquiada. Deu no que deu. Dilma Rousseff idem. Eles foram forjados com base nas pesquisas e no “Quem vence a markeeleição ting eleitoral.”

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QUE RAIOS DE ELEIÇÃ ELEIÇÃO O É ESSA? como são as estratégias na política e os bastidores de campanhas eleitorais


A EDITORA A Livros Ilimitados é uma editora carioca voltada para o mundo. Nascida em 2009 como uma alternativa ágil no mercado editorial e com a missão de publicar novos autores dentro dos mais diversos gêneros literários. Sem distinção de temática, praça ou público alvo, os editores ilimitados acreditam que tudo e qualquer assunto pode virar um excelente e empolgante livro, com leitores leais esperando para lê-lo. Presente nas livrarias e em pontos de venda selecionados, tem atuação marcante online e off-line. Sempre antenada com as novidades tecnológicas e comportamentais, a Livros Ilimitados une o que há de mais moderno ao tradicional no mercado editorial. Copyright © 2017 by Jackson Vasconcelos Copyright desta edição © 2017 by Livros Ilimitados Conselho Editorial: Bernardo Costa John Lee Murray ISBN: 978-85-63194-73-2 Projeto gráfico e diagramação: John Lee Murray DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) V331q

Vasconcelos, Jackson Que raios de eleição é essa? Como são as estratégias na política e os bastidores de campanhas eleitorais / Jackson Vasconcelos. – Rio de Janeiro: Livros Ilimitados, 2017. 178 p. ; 21 cm. ISBN 978-85-63194-73-2 1. Campanha eleitoral – Brasil – Administração. 2. Eleições – Brasil. 3. Tática política – Brasil. II. Título. CDD- 324.70981

Direitos desta edição reservados à Livros Ilimitados Editora e Assessoria LTDA. Rua República do Líbano n.º 61, sala 902 – Centro Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20061-030 contato@livrosilimitados.com.br www.livrosilimitados.com.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.


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Dedico este trabalho aos meus netos.



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Agradecimentos: Sem magoar algumas, eu não conseguiria listar todas as pessoas que foram importantes para a existência desta obra. Pelo tema, resumo todos os agradecimentos, em memória, ao meu pai, que me introduziu no mundo admirável da política e confuso, mas maravilhoso, do Congresso Nacional e, por consequência, das campanhas eleitorais.



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ÍNDICE Prefácio................................................................................................ 13 Introdução ........................................................................................... 15 A Campanha......................................................................................... 19 Estratégia 1: Criar um candidato para posicionar um partido.

Campanha de 1982: Moreira X Brizola, deu Medina.............................23 Diário de Campanha: o pior é que é verdade... Quando uma galinha é a estratégia.........................................................29

Estratégia 2: Eleição é como lavoura. Os meios de comunicação irrigam. Mas só o contato direto semeia.

Aperte a mão e ganhe o coração ............................................................33

Conde, o bom velhinho de César Maia..................................................35

Uma oportunidade perdida ....................................................................37

Estratégia 3: Posicione sua imagem no ambiente correto. Estratégia 4: Manter e defender as conquistas.

Diário de Campanha: o pior é que é verdade.... Aliança a qualquer preço .......................................................................38

Estratégia5: Posicionar-se onde se posiciona o eleitor.

Outros vieram antes... .....................................................................................41 Estratégia 6: Respeitar a aritmética.

Extrema direita + extrema esquerda = centro .........................................43

Jornal é veículo, o candidato é conteúdo ................................................47

Não é que deu o PFL ............................................................................49

Nem tudo o que reluz é ouro, mas tudo que balança cai ........................51

Velho favorito, moço venceu ..................................................................55

Estratégia 7: A comunicação direta é a mais eficiente.

Estratégia 8: Opinião + clientela, distribuídos regionalmente = vitória. Estratégia 9: A escolha do partido é questão de vida ou morte.

Estratégia 10: Os instrumentos de navegação são elementos essenciais para formular a estratégia.


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Estratégia11: Para marcar o compromisso de um candidato, é necessário considerar o que vem antes e o que vem depois.

Agenda de político não é calendário de eventos ....................................57

Aliança do PFL .....................................................................................61

Aliança não é um caso de amor .............................................................65

Garrincha x César Maia ........................................................................69

A cabeça do eleitor.................................................................................71

Escalada da montanha ...........................................................................75

Eleições no Fluminense Football Club ..................................................81

Traição ou conveniência? .......................................................................85

Uma apunhalada nas costas ...................................................................87

2004: Denise x Eduardo Paes ................................................................95

Jockey x Fluminense ..............................................................................97

Os erros do PSDB ...............................................................................101

2014: Marina errou, Aécio errou duas vezes ........................................105

Estratégia 12: Na política, mais do que na Justiça, um acordo mesmo que razoável é melhor do que uma boa briga.

Estratégia 13: É preciso compreender que a estratégia é uma ferramenta fria. Estratégia 14: É impossível escolher o adversário. Estratégia 15: Ouvir o eleitor antes de agir.

Estratégia 16: Não perder as posições conquistadas e avaliar os erros.

Estratégia 17: As estratégias e táticas que valem para um setor valem também para outros. Estratégia 18: Entender todas as decisões como decisões de conveniência. Estratégia 19: Não se deixe enganar.

Estratégia 20: A estratégia se faz com o desenho de futuros plausíveis, chamados de cenários.

Estratégia 21: O eleitor precisa saber quem é o realizador. Estratégia 22: Na dúvida, o eleitor não ultrapassa.

Estratégia 23: A mensagem em linha com o público alvo.


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Estratégia 24: No jogo de imagem, conhecer o ponto fraco é mais importante que conhecer o ponto forte.

Campanha é um jogo de imagens ........................................................109

Nenhum voto é inútil ..........................................................................111

Estratégia 25: Conquistar todos os votos que você conseguir.

Diário de Campanha: o pior é que é verdade... Toda oportunidade é boa para pedir votos ...........................................112

Estratégia 26: A esperteza nem sempre é uma boa tática.

César Maia x Garotinho ......................................................................115

A política e as cobras............................................................................117

O amém de César à urna .....................................................................119

O fenômeno Roseana ..........................................................................121

Lições de David para Ciro Gomes ......................................................125

César x César........................................................................................127

Cavalo de Tróia ....................................................................................131

Mais vale um vereador na mão do que uma presidência voando ..........133

Estratégia 27: Mude a pele quando a atual já não suporta o calor e o frio. Estratégia 28: Defina o inimigo corretamente, depois dê nitidez a ele.

Estratégia 29: Antes de se lançar numa campanha, resolva as suas fragilidades. Estratégia 30: A embalagem não é suficiente para eleger o conteúdo. Estratégia 31: Estratégia é razão pura, não tem lugar para a emoção.

Estratégia 32: Todo traçado estratégico precisa prever um comitê de crise. Estratégia 33: Aproveitar as oportunidades, afastar as ameaças e manter as conquistas.

Diário de Campanha: o pior é que é verdade... Sapatos de Cinderela ...........................................................................134

Estratégia 34: Avaliar os pontos fortes do adversário, não apenas suas fraquezas.

César X Conde.....................................................................................137

A senhora acredita nele? ......................................................................139

Estratégia 35: Não subestime. Também, nunca superestime. Sempre considere o adversário com o tamanho que ele tem.


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Estratégia 36: Em campanha, não confie nem no seu pai.

Casal do barulho ..................................................................................141

Dilma, a presidente “errante” ...............................................................143

Eduardo Paes: sempre pela conveniência .............................................145

A guerra do Freixo ...............................................................................149

Apertem os cintos, o marqueteiro fugiu ...............................................151

A pauta da campanha para a prefeitura do Rio em 2016 .....................153

A lição de Crivella................................................................................155

Estratégia 37: Antes tarde que nunca é uma frase que a estratégia não engole. Estratégia 38: Para a arte de conquistar e manter o poder, o sistema não lê e sequer identifica a ética.

Estratégia 39: Das ameaças, crie oportunidades. Estratégia 40: A farsa não é a melhor estratégia.

Estratégia 41: Quem faz a pauta decide a eleição.

Estratégia 42: Com rejeição? Fique exposto o menor tempo possível.

Diário de Campanha: o pior é que é verdade... Pai nervoso ..........................................................................................156

Estratégia 43: Observar o calendário para prever a decisão do eleitor é uma boa medida. Até saber se vai chover é importante.

É melhor ir à praia. ..............................................................................159

Denise Frossard x Sérgio Cabral ..........................................................161

Estratégia 44: Mantenha o discurso, faça-o atemporal.

Diário de Campanha: o pior é que é verdade... O namoradinho do Rio........................................................................163 Estratégia 45: Antes de uma campanha, é inútil qualquer exercício para entender a direção que tomará uma eleição.

Trump .................................................................................................165

Estratégia 46: Cuidado ao falar através dos meios de comunicação.

Tivemos a tragédia. Teremos a farsa? ...................................................171

A corrupção na política brasileira .........................................................175


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Prefácio Este livro aborda um tema essencial no conceito de democracia – eleições. Nele, Jackson Vasconcelos expõe o “enredo” de algumas campanhas eleitorais observadas com olhar de quem conhece do riscado e tem a estratégia como elemento fundamental de formulação. A leitura revela que estamos diante do trabalho de um profissional apaixonado, que compreende as campanhas eleitorais como espécies do gênero político, instrumento para alcançar o poder pela não violência. A sociedade é um borbulhar de conflitos. Para resolvê-los há duas alternativas: pela lei do mais forte – violência – ou pela política, que, por definição, é o meio pacífico para conciliar divergências. Não esperem encontrar no livro aulas de estratégia. Ele é uma cadeia de exemplos de materialização de uma ciência que lida com as oportunidades, as ameaças e a preservação das conquistas. A estratégia está no livro em flashes, para demonstrar que ela é um elemento a auxiliar a construção do resultado das campanhas eleitorais e dos projetos políticos. Ela não define, a priori, os resultados. Mas, é ferramenta que ajuda muito na composição deles. Conheci Jackson Vasconcelos no finalzinho de 1981. Ele atuava no Congresso Nacional com a função de assessor parlamentar do Banco do Brasil e eu cumpria o quarto mandato consecutivo de deputado federal pelo Rio de Janeiro. O tempo era de esgotamento do governo dos generais, mas o trabalho dos assessores parlamentares do Poder Executivo não era tarefa fácil. Eles faziam a interface do governo dos tecnocratas, que eram avessos à política, com a “casa da política”, o Congresso Nacional. Os assessores parlamentares tinham a obrigação de encaminhar as reivindicações dos deputados e senadores aos gabinetes de burocratas, normalmente insensíveis à atividade parlamentar. Notei que Jackson Vasconcelos cumpria bem a missão, não era um mero despachante de pedidos, mas um conscientizador da importância da representação como instrumento da política, da solução de conflitos. Jackson Vasconcelos participou intensamente da campanha para minha reeleição para o quinto mandato consecutivo. Tornamo-nos amigos e ele esteve em todas as minhas campanhas eleitorais de 1982 a 1998. E nos intervalos delas, ele me ajudou a exercer os mandatos. Dezesseis anos!


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A política nos uniu. Atravessamos juntos momentos importantes da história recente da política nacional, como a primeira eleição direta para governador de estado, quando fizemos juntos a minha campanha para deputado federal e a do Wellington Moreira Franco para o governo do estado do Rio de Janeiro. Eu fui o segundo deputado federal mais votado no estado. Moreira Franco teve desempenho surpreendente. Em 1985, Jackson me ajudou a formular a estratégia da minha campanha para a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, fato importante, por ser a primeira campanha para eleição direta para as prefeituras das capitais. Jackson não pôde estar à frente da campanha porque exercia uma função relevante na Caixa Econômica Federal. Em 1982, ocorreria a primeira eleição direta para governador, depois de iniciado o período dos generais presidentes. Eu tinha feito uma aposta comigo mesmo em favor do Brasil. Em 1986, fui reeleito deputado federal, mas para o papel de constituinte. Jackson me assessorou no trabalho de encaminhar e debater propostas para compor a nova Constituição. Lembro que passamos um aperto enorme quando entendi que deveríamos acabar com o monopólio do petróleo. A medida estava avançada demais para aquele tempo. Depois veio a primeira eleição para presidente da República. Jackson caminhou comigo. Foi uma campanha intensa, que fez o Brasil vibrar. A elaboração estratégica para campanhas eleitorais não é fácil no Brasil, a maneira de fazer campanhas muda a cada eleição porque as regras mudam para aprimorar o sistema, mas, quase sempre o tornam pior. A preciosismo tem tirado das campanhas a alegria e o calor de uma festa democrática. Jackson tem demonstrado como profissional que a estratégia é elemento importante na definição dos resultados eleitorais. E neste conceito, ele enquadra a qualidade da gestão dos mandatos conquistados. Neste ponto reside um diferencial relevante para quem queira compreender que a diferença entre os que fazem o marketing das campanhas e dos que elaboram o mapa estratégico. Este conceito está presente nos textos que o livro contém. Boa leitura! Rubem Medina Empresário, economista e político brasileiro

que exerceu nove mandatos de deputado federal pelo Rio de Janeiro


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Introdução Comecei a minha relação com a política na adolescência, durante as visitas que fazia ao meu pai no trabalho dele na Câmara dos Deputados, anos 1960. Eu ia lá pelo menos uma vez por mês para cortar os cabelos no salão que atendia os funcionários, os deputados e os dependentes deles. Cumprida a principal tarefa, eu fazia hora nas galerias dos plenários da Câmara e do Senado, aguardando o momento de voltar para casa com meu pai. Eu gostava de ouvir os debates. Apesar de serem os anos de chumbo, as discussões eram inflamadas e faziam todo o sentido. Depois me afastei. Mudei de barbeiro. Em 1975, passei em um concurso do Banco do Brasil e imaginei que aquele seria o meu mundo dali por diante. O mundo de uma carreira sem risco, voltado para as finanças e operações de crédito. Fiquei ocupado na agência central em Brasília, até que, em 1979, o novo presidente da República, João Figueiredo1, entendeu que era o momento de distensionar as relações do governo com o Congresso. Aléssio Vaz Primo, ex-gerente da agência de Londrina, assumiu a Diretoria de Crédito Rural do banco e resolveu organizar no gabinete uma assessoria de relacionamento com o Congresso. Descobriu que eu existia e me chamou. Nas relações com o Congresso, conheci Rubem Medina, um deputado federal do Rio de Janeiro, que estava no terceiro mandato consecutivo. Em 1982, a convite dele e do governo federal, cheguei ao Rio de Janeiro para a minha primeira experiência como coordenador de campanha. Quando assumi, o quadro era totalmente desfavorável, mas fizemos uma campanha fantástica, com a estratégia correta e a operação perfeita. Rubem Medina saiu de uma posição de risco para o segundo lugar no ranking dos deputados federais mais votados no estado. Participei intensamente, por proximidade, da campanha do candidato Wellington Moreira Franco2, para o governo do estado. Quase levamos, mas foi Brizola3 quem venceu. 1 João Baptista de Oliveira Figueiredo nasceu em 15 de janeiro de 1918, faleceu em 24 de dezembro de 1999) geógrafo, político e militar brasileiro. Foi o 30º presidente do Brasil, de 1979 a 1985, e o último presidente do período do regime militar.

Wellington Moreira Franco é um político brasileiro, filiado ao PMDB. Em 2016 tornou-se ministro-chefe da Secretaria-Geral da presidência do governo Michel Temer. Foi deputado federal pelo Rio de Janeiro, prefeito da cidade de Niterói, de 1977 a 1982, e governador do Rio de Janeiro, de 1987 a 1991.

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Leonel de Moura Brizola nasceu em 22 de janeiro de 1922, faleceu em 21 de junho de 2004, foi um engenheiro civil e político brasileiro. Foi prefeito de Porto Alegre, deputado estadual e governador do Rio Grande do Sul, deputado federal pelo Rio Grande do Sul e pelo extinto estado da Guanabara, e duas vezes governador do Rio de Janeiro. Por duas vezes foi candidato a presidente do Brasil pelo PDT.

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Com Rubem Medina segui para a campanha de 1985, para a prefeitura do Rio. Agora por um novo partido, o PFL – Partido da Frente Liberal. Foi a primeira eleição direta para as prefeituras das capitais. Ocupei um papel de conselheiro à distância. Foi uma campanha realizada num ambiente completamente adverso e com a estratégia equivocada. Uma eleição em único turno, com a esquerda representada pelo candidato Saturnino Braga4, que tinha o apoio de Leonel Brizola, então governador do Estado, e do Marcello Alencar5, que ocupava a prefeitura. Dezenove candidatos disputaram a eleição, dezoito pela oposição. Eleição de um turno apenas. Trabalhamos muito, Rubem Medina, eu e outras pessoas para tentar unir, numa chapa só, os candidatos que tinham perfil semelhante. O esforço maior foi feito com o deputado federal Álvaro Valle. Com a oposição desunida, a situação venceu. Pouco tempo após assumir o mandato, Saturnino Braga decretou a falência do município. Em 1986, eu não poderia participar da campanha por estar vinculado ao quadro de funcionários do Banco do Brasil. Encontrei um meio. A solução foi registrar-me candidato a deputado estadual, consegui uma licença de três meses e parti para dentro. Rubem Medina venceu e eu participei do Diretório do PFL. Vieram depois as campanhas de 1990, 1994 e 1998. Cada uma delas com as variações essenciais de envolvimento com as campanhas para o governo do estado, presidência da República, Senado, deputados estaduais, prefeitos e vereadores. Em 1996, ocupei a última função no governo, a Superintendência Estadual do INSS no Rio de Janeiro. A experiência me disse que estava de bom tamanho a minha participação nos governos. Em dezembro de 1998, renunciei ao cargo de superintendente e, em abril de 1999, deixei também o Banco do Brasil. Abri uma empresa de consultoria para elaboração de estratégias para campanhas eleitorais e gestão de mandatos eletivos, que, na composição da estratégia de um projeto político, é elemento importantíssimo. Em 2002, veio a campanha da juíza Denise Frossard para a Câmara dos Deputados. Ela, com imagem forte e estratégia correta, alcançou 385.111 votos, o melhor resultado proporcional do partido dela, PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira, no Brasil todo. E, no Rio, a 4 Roberto Saturnino Braga é um político brasileiro. Foi deputado federal, prefeito e vereador da cidade do Rio de Janeiro e senador da República. 5 Marcello Nunes de Alencar nasceu em 23 de agosto de 1925, faleceu em 10 de junho de 2014, foi político e advogado. Foi prefeito da cidade do Rio de Janeiro por dois mandatos e governador do estado do Rio de Janeiro por um mandato durante a década de 1990.


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diferença de votos entre ela e a segunda colocada, Jandira Feghali, foi de 120.727 votos. Uma enormidade! Depois, chegamos a 2006. Denise Frossard disputou o governo do estado. Chegou ao segundo turno deixando pelo caminho políticos com histórico expressivo de votos, como Marcelo Crivella e Eduardo Paes – uma campanha e tanto. E seguimos nosso caminho, com novas campanhas a cada dois anos. Em 2010 aconteceu uma novidade. Fui chamado para fazer a campanha para um dos candidatos à presidência do Fluminense Football Club. Vencemos com mais de 60% dos votos. Haveria reeleição em 2013, uma boa oportunidade para testar a tese: um bom mandato, uma excelente eleição nova. Para fazer a experiência, assumi a função de principal executivo do clube. Então, vencemos a reeleição com mais de 80% dos votos. As duas eleições aconteceram em ambientes adversos. Em se tratando de um clube de futebol, vencemos a primeira eleição, como oposição, com a situação comandando um time que sagrou-se campeão brasileiro. Na reeleição, deu-se o inverso: pela situação, vencemos, com o time na porta de entrada da segunda divisão. E assim tem sido a minha vida. Um saldo de vinte campanhas, com poucas derrotas, muitas vitórias e excelentes lições. A estratégia de uma campanha e da gerência de mandatos eletivos é um universo complexo, que envolve o conhecimento das relações com a imprensa, da elaboração dos questionários de pesquisas, a leitura correta dos cenários, avaliação do potencial e dos pontos fracos dos adversários. Um pouco da experiência, que é vasta, está aqui nesta obra.



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A Campanha O historiador Jorge Caldeira6 aponta a identidade perfeita entre a história política do Brasil e eleições. O voto popular para escolha de vereadores acontece no Brasil desde 1532, quando houve a primeira eleição na primeira vila do Brasil colônia, São Vicente. Daquele tempo até hoje não houve descontinuidade. O Brasil elege deputados e senadores há quase 200 anos. Temos o terceiro mais antigo parlamento do mundo. Ele só deixou de funcionar no Estado Novo, na ditadura de Getúlio Vargas, entre 1937 e 1945. E quando e onde há eleições, há campanhas. Quando esticamos o conceito para além das funções do Estado – vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores e presidente – o universo das campanhas eleitorais é quase infinito. Sempre há campanhas para presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil, para presidentes de clubes de futebol, síndicos de prédios, sindicatos de trabalhadores, associações de moradores e muito mais. Quase tudo no Brasil se decide no voto. Até assembleias de acionistas. Onde se busca o voto cria-se espaço para fazer campanhas. Mas, como definir uma campanha eleitoral? Ela é nada mais nada menos do que uma campanha de comunicação. Vence eleição a comunicação que convencer o maior número de eleitores. Quem gerencia uma campanha eleitoral, na verdade, gerencia os argumentos de convencimento dos eleitores, tanto conteúdos como veículos. Faz-se muita confusão sobre o papel do marketing numa campanha eleitoral. Por onde vou, a tendência natural dos candidatos é apresentar-me como “marqueteiro”. Não sou. Nas campanhas eu chego antes deles. Eu organizo a estratégia da campanha, que, por conseguinte, é uma estratégia de comunicação. E como se define de forma simples uma estratégia? Ela é o mapa para se chegar ao resultado. Alguém que sai de casa para uma viagem ou, simplesmente, para chegar ao local de trabalho, pode fazer isso sem nenhum ou com algum planejamento, para se precaver, por exemplo, contra uma forte chuva anunciada pelo serviço de meteorologia ou fugir de um engarrafamento. A estratégia é o planejamento. Jorge Caldeira é um escritor, doutor em Ciência Política, mestre em sociologia e bacharel em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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Ela dá garantia de um bom resultado? De forma alguma. Com estratégia ou sem estratégia se perde e se vence eleições, entretanto a formulação estratégica diminui o risco de insucesso. Tão somente isso. Mas, uma campanha eleitoral pode ser tomada como fim ou meio. Será fim, se divorciada de um projeto político. Neste caso, só a vitória interessa. Vencer a qualquer preço, sem medir esforço ou consequência. Quando a campanha é elemento de um projeto político, a qualidade da vitória e as lições de uma derrota interessam como elementos da formulação estratégica. Está no conceito de estratégia o cuidado com as ameaças, o aproveitamento das oportunidades e a preservação das conquistas. Este conceito está completo em uma campanha que pretende ser instrumento de um projeto político. O candidato é fundamental. Por mais óbvia que seja a afirmação, sabe-se de campanhas que não se importam com as qualidades e defeitos do candidato. Tenha ele as qualidades ou defeitos que tiver, em cima dele, se constrói um personagem identificado nas pesquisas como ideal para vencer a eleição. Atribui-se a Abraham Lincoln, sem certeza, uma frase que tem serventia neste trecho: “Pode-se enganar todos por algum tempo, alguns por todo o tempo, mas não se consegue enganar todos, o tempo todo.” O Brasil, em quatro candidatos eleitos presidentes da República, cassou dois. Exatamente porque eles foram forjados com base nas pesquisas e marketing eleitoral. O candidato fabricado foi dissolvido. O método seguro é usar as pesquisas para saber como o eleitor se posiciona diante do candidato, como ele é. Com a resposta é possível saber que instrumentos e tipo de conteúdo se deve construir para que o eleitor seja convencido de que aquele candidato, exatamente como ele é, será a melhor escolha. As pesquisas são instrumentos essenciais para posicionar o candidato no ambiente eleitoral, e não para deformá-lo. E quando nos referimos ao posicionamento, o escritor Ludwig Von 7 Mises pode ser um bom indicativo. No livro Ação Humana, uma obra dedicada à ciência econômica, ele faz uma afirmação que sempre uso nas formulações de estratégias para as campanhas eleitorais. Ludwig afirma que o ser humano só troca de posição na vida diante de duas circunstâncias: na certeza de que a posição em que se encontra é desagradável e que a mudança será para melhor. E me atrevo, pelas experiências que tive com o tema, a inserir uma novidade: na dúvida o eleitor não ultrapassa. Ludwig Heinrich Edler von Mises nasceu na Áustria em 29 de Setembro de 1881, faleceu em 10 de Outubro de 1973, foi filósofo e economista teórico judeu de nacionalidade austríaca e, posteriormente, americana, que foi membro da Escola Austríaca de Pensamento Econômico. É conhecido principalmente por seu trabalho no campo da Praxeologia, o estudo dedutivo das ações e escolhas humanas.

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Lula8 venceu a primeira eleição para presidente da República com um discurso que dizia ao eleitor: “a sua situação, minha amiga, meu amigo, é ruim com o PSDB. Mude. Comigo será melhor – deixe a sua esperança vencer o medo.” Na reeleição, o governo do Lula estava em péssimos lençóis no quesito corrupção. A campanha se construiu em cima do “se comigo está ruim, minha amiga, meu amigo, com eles será pior”. Em ambos os casos, o PSDB ficou perdido nas formulações da comunicação inútil. Por fim, se uma campanha eleitoral é campanha de comunicação, não se pode trabalhar com a ideia de eleitores que não votam por revolta. Eles não votam porque não encontraram o candidato – conteúdo e veículo – a mensagem que lhes convencessem. Nenhum candidato e nenhuma mensagem empolgou. Neste sentido, é preciso ficar atento ao fato que muitos esquecem: quem decide uma eleição é a campanha. Por isso, há no mundo das eleições resultados surpreendentes: favoritos na arrancada que perderam a corrida e azarões que venceram com facilidade. Nenhum fato antecedente à campanha tem força suficiente para sobreviver ao bem e ao mal, diante dos instrumentos de uma comunicação bem estruturada em cima da estratégia correta.

Luiz Inácio Lula da Silva, mais conhecido como Lula, é um político, ex-sindicalista e ex-metalúrgico brasileiro. Filiado ao PT – Partido dos Trabalhadores, foi o 35º presidente do Brasil, entre 2003 e 2010.

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Estratégia 1: Criar um candidato para posicionar um partido. Campanha de 1982: Moreira X Brizola, deu Medina

A primeira eleição direta para os governos estaduais após 1965 aconteceu em 1982, quando estava em vigor a Lei da Anistia9, que permitiu o retorno dos exilados. Leonel Brizola voltou do exterior e aportou no Rio de Janeiro, para ser candidato a governador do estado. Os militares o detestavam e resolveram, então, somar forças para impedir sua eleição. O número de partidos que disputariam a eleição foi outra novidade em 1982. Antes dela, o mundo da política estava autorizado pelos generais a funcionar com dois partidos somente. Um, o MDB10, de oposição e outro, a ARENA11, partido absolutamente fiel aos generais. Eleição após eleição, até 1974, a ARENA, sem dificuldades, vencia o MDB com folga. Mas, naquele ano, com o ingresso da televisão nas campanhas, o MDB alcançou a marca inacreditável de mais de 50% dos votos nacionais. Em sua redação original dada pelo Projeto de Lei n° 14 de 1979, dizia-se o seguinte: “Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares e outros diplomas legais.” Os generais não gostaram e resolveram criar dificuldades para o MDB nas eleições seguintes. A primeira medida foi diminuir a importância da televisão como instrumento de campanha. Criaram a Lei Falcão, que limitou a propaganda na TV à exibição de fotos “3x4” dos candidatos com a leitura sem ritmo, chata, do currículo de cada um. Como a máquina pública A Lei da Anistia, no Brasil, é a denominação popular dada à lei n° 6.683, promulgada pelo presidente João Batista Figueiredo em 28 de agosto de 1979, após uma ampla mobilização social, ainda durante o regime militar iniciado em 1964. .

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10 Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi um partido político brasileiro que abrigou os opositores do regime militar de 1964 ante o poderio governista da Aliança Renovadora Nacional (ARENA). Organizado em fins de 1965 e fundado no ano seguinte. Mais tarde, com o fim do bipartidarismo, deu origem ao PMDB

Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi um partido político brasileiro criado em 1965 com a finalidade de dar sustentação política ao governo militar instituído a partir do golpe de estado no Brasil em 1964. Fundado no dia 4 de abril de 1966, a ARENA era um partido político predominantemente conservador. Com o fim do bipartidarismo, a ARENA foi rebatizada de Partido Democrático Social (PDS).

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era de uso exclusivo dos candidatos da ARENA, inibindo a televisão, os militares acreditaram que devolveriam ao partido do governo o desempenho confortável de antes. Isso não aconteceu. O MDB perdeu velocidade de crescimento, mas continuou forte na eleição seguinte. Então, os generais mudaram de estratégia. Derrubaram a Lei Falcão, mas autorizaram a criação de mais partidos, incluindo na regra, a obrigação de todos usarem a palavra “partido” no nome. Eles esperavam que o MDB desaparecesse. O MDB, de fato, perdeu quadros importantes para os partidos novos, mas, deu um jeito de permanecer com a sigla vitoriosa e passou a ser conhecido como PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. No ambiente ressurgiu o Partido Trabalhista Brasileiro, PTB, que o Leonel Brizola tentou alinhavar para disputar a eleição para o governo do Rio de Janeiro. Não conseguiu, criou então o Partido Democrático Trabalhista, PDT. Em São Bernardo do Campo, nasceu o PT – Partido dos Trabalhadores. Para atender aos políticos mais moderados, que não quiseram, por vários motivos, permanecer no PMDB, surgiu o Partido Popular, PP, sob a liderança de Tancredo Neves. A ARENA, com a popularidade em baixa, resolveu trocar de nome, sem mudar o compromisso com o governo dos generais. Passou a ser PDS – Partido Democrático Social. Nesse ambiente partidário totalmente novo, o deputado federal Rubem Medina disputaria o quinto mandato consecutivo para a Câmara dos Deputados, depois de uma guinada forte na opção partidária. Ele vencera as quatro eleições anteriores pelo MDB, duas delas ainda no estado da Guanabara, reduto absoluto da oposição. Em 1975, os generais fizeram a fusão da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, território mais simpático a eles. Sempre entre os mais votados, em um reduto eminentemente de oposição, Rubem Medina disputaria, em 1982, a reeleição pelo PDS. Uma mudança que a imagem dos dois partidos traduzia como uma trajetória da extrema direita para a esquerda, sem passar pelo centro. Estava definida uma parte do diagnóstico. Um problemão que pedia a estratégia adequada para conseguir a “conversão” dos eleitores tradicionais do Rubem Medina à nova opção, e assegurar que os que não aceitassem a ideia fossem substituídos por eleitores novos, com outra variável presente. A eleição para a Câmara dos Deputados é resultado de uma proporcionalidade, que vincula o desempenho do can-


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didato ao do partido. Para vencer uma eleição sem depender do resultado obtido pelo PDS, Rubem Medina precisaria alcançar um número absurdo de votos. Ficou claro que além de cuidar do candidato, a estratégia deveria envolver também o partido. Estava completo o diagnóstico. Para evitar a debandada dos eleitores tradicionais, Rubem Medina deveria enfrentar a decisão de mudar de partido com a causa verdadeira, sem se preocupar em encontrar outras que parecessem, ao eleitor, mais agradáveis. Não era necessário mentir, e nem valia a pena. As campanhas eleitorais acontecem em ringues de lutas de imagens, onde tudo fica exposto e vulnerável. Além de tudo, o motivo fazia todo o sentido. O Brasil vivia tempos de descompressão política e imagem altamente positiva do “João”, o general presidente. Ele tomou posse na presidência da República com um discurso a favor da democracia e retórica da mão estendida. Pouco depois, ele assinou a Lei da Anistia, que a oposição festejou. Na solenidade, surgiu mais um discurso que poderia aproximar a oposição. Disse João Figueiredo no dia da posse na presidência da República: “É meu propósito inabalável fazer desse país uma democracia. As reformas do eminente presidente Ernesto Geisel prosseguirão até que possam expressar as muitas facetas da opinião pública brasileira. Por ele podem os brasileiros ver, que a minha mão sempre estendida em conciliação não está vazia, nunca esteve”. E no dia em que promulgou a Lei da Anistia, afirmou: “Espero ver os anistiados reintegrados à vida nacional (...) por uma sociedade pluralista, na qual os contrários convivam no respeito às leis e sob a sua proteção, por um regime político em que a liberdade de todos se expresse e garanta nos direitos e deveres de cada um, pelo respeito à lei , uma expressão da realidade nacional, e não como produto de alienações deformadoras. Sou por uma economia mais forte, mais liberal, apta a distribuir os bens e as rendas de forma mais justa entre todos os brasileiros. Para que haja mais educação, melhor saúde, assistência acessível a todos. Nos últimos 15 anos, governos revolucionários promoveram reformas institucionais profundas, atingimos alto patamar de desenvolvimento econômico, agora a nação na plenitude da ordem constitucional toma consciência da necessidade de se aperfeiçoar as estruturas sociais e torná-las mais democráticas...” Os discursos e atos do Presidente “João” foram o impulso para a troca de partido. Então, mãos à obra! Rubem Medina publicou o livro Atalho para o Amanhecer, em que recebeu tratamento publicitário, trabalho que a Artplan, agência de publicidade, fez sem maiores dificuldades. Estava


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pronto, o primeiro material de campanha, sem o risco de contrariar a legislação eleitoral que, no Brasil, determina tempo certo para as campanhas. Os meios de comunicação e pontos de venda foram explorados sem qualquer receio com a chegada inesperada de notificações da Justiça Eleitoral. Os encontros organizados para Rubem Medina autografar o livro reuniram eleitores formadores de opinião e o processo multiplicava votos, derrubava as críticas à troca do MDB pelo PDS, o que aumentava a imagem positiva do candidato. Mas, para fugir do risco de, mesmo com bom número de votos, ele não ser eleito – desgraça do sistema proporcional – faltava cuidar da imagem do partido, que continuava a apresentar alto índice de rejeição no Rio de Janeiro. O fato inquietava os estrategistas do presidente João Figueiredo porque, afinal, Brizola era candidato a governador. Neste ambiente, um candidato do partido do presidente Figueiredo com imagem altamente positiva era o convite para aventuras. A turma do presidente, então, baixou no gabinete do Rubem Medina. Ao mesmo tempo, para lá seguiu um grupo de deputados do PDS, preocupados com a dificuldade de eleição num partido rejeitado. O PDS tinha um candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro, o engenheiro Emílio Ibrahim que, a despeito de ser um profissional brilhante, com uma bela folha de serviços prestados ao Rio e amigo pessoal de um dos ministros mais próximos do presidente Figueiredo, o ministro Mário Andreazza. Ele, certamente, um candidato qualificado para governar, não conseguiria, no entanto, enfrentar sequer como candidato competitivo, o risco de eleição do Brizola. Ao lado disso, tínhamos o “pacote” de medidas para a campanha de 1982, que estabeleceu a eleição conjunta de governador a vereador com voto vinculado de alto a baixo. O voto do eleitor só valeria se ele votasse em candidatos de um mesmo partido, de vereador a governador. As medidas eram salvaguardas do presidente João Figueiredo contra a possibilidade de a oposição fazer maioria no Congresso Nacional. Embora admitissem que o eleitor escolheria primeiro os candidatos a prefeito e vereador para depois escolher o resto, situação que representava vantagem para PDS, partido com estrutura orgânica mais sólida no interior, ninguém gosta de riscos elevados. Estava montada a equação que poderia levar o Rubem Medina da eleição para a Câmara para um fiasco na candidatura ao governo do estado. E, levou. Perguntou-se naquele momento, “por que não o Moreira Franco?” Alguém, prontamente, respondeu: “Ele só aceitará pensar no assunto depois que tirarem o Emílio da parada...”


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À vista disso concluiu-se que, apesar do risco de entrar e não conseguir sair, valeria a pena o Rubem Medina ser candidato ao governo, porque ele empolgaria o partido, aglutinaria candidatos no estado todo numa campanha que teria, do outro lado, um candidato popular, o Leonel Brizola. Mas, antes de aceitar a proposta dos estrategistas do presidente João Figueiredo, Rubem Medina quis ouvir do próprio presidente a garantia de apoio do governo federal. Aconteceu o inusitado. Rubem Medina, religiosamente, todas as terças-feiras, seguia para Brasília no voo das nove da manhã em um DC-10 da VARIG. Numa delas, ele foi abordado por dois sujeitos no saguão do aeroporto, hoje chamado Tom Jobim, naquele tempo, Galeão. “Por favor, nos acompanhe, deputado.” Um convite complicado naqueles tempos dos generais. “O quê? Pra quê?...”, o Rubem Medina aceitou o convite. Seguiria num jatinho para Brasília, para ouvir do presidente João Figueiredo as garantias que pedia. O presidente, diante dos estrategistas, deu as garantias. Na despedida, levou o Rubem Medina até o elevador, uma cortesia não usual. Na porta do elevador, no abraço final, próximo ao ouvido do deputado, fez um apelo: “saia dessa, que é fria...” Pasmo, o Rubem Medina chegou diante dos jornalistas, no andar térreo. O engenheiro Emílio Ibrahim e o ministro Mário Andreazza ainda estavam posicionados na campanha, portanto “segurou-se a onda”. Era fundamental afastá-los sem desagradar de todo o ministro. O engenheiro recebeu a comunicação da candidatura do Rubem Medina logo depois do discurso que fez como candidato, numa churrascaria em Laranjeiras. Ele, evidentemente, não gostou. A candidatura do Rubem Medina, de fato, empolgou o partido no estado todo. Estava preparado o ambiente para surgir um nome novo. Entrou em campo Wellington Moreira Franco, ex-prefeito de Niterói, genro do líder político maior do antigo estado do Rio, almirante Amaral Peixoto. A campanha publicitária e de comunicação ficou a cargo da Artplan. A troca do MDB pelo PDS, uma ameaça, se fez oportunidade e, no conjunto, deu bom resultado a decisão de levar a campanha do Rubem Medina para as cidades do interior, principalmente, para os centros de maior gravidade política, como Niterói, enquanto na capital o reflexo da imagem positiva multiplicava os votos. Um episódio ocorrido com a entrada da campanha do Rubem Medina em Niterói não poderia faltar aqui, por ter sido uma experiência capaz


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de demonstrar o quanto a força da imagem positiva de um candidato pode substituir o trabalho braçal das lideranças locais. Em Niterói, o Rubem Medina tinha um aliado leal, um sujeito com muita disposição, mas pouca capacidade de multiplicação exponencial, Wilson Peçanha. Ele conseguira o apoio individual do presidente da Câmara Municipal, um vereador chamado João Batista, que, num determinado dia, reuniu os colegas no gabinete de trabalho para um encontro com o Medina. Não foi uma boa conversa. As contrapartidas pedidas pelos vereadores, todos também candidatos à reeleição e igualmente do PDS, não cabiam no orçamento da campanha, nem se reduzidas dez vezes. Sem enrolação, de “bate pronto”, a resposta foi não. Mas, dali saiu a chance de uma experiência nova, o marketing direto, sem intermediários. A maioria dos eleitores residentes em Niterói atravessa a Baía da Guanabara todos os dias para trabalhar no Rio. As programações de televisão e rádio eram as mesmas mas produzidas no Rio. Os jornais mais lidos em Niterói eram da cidade do Rio. Para quê usar os intermediários do voto? Então, durante duas semanas, quase toda a estrutura operacional da campanha do Rubem Medina, que atendia o Rio, foi transferida para Niterói. Com ela seguiu uma quantidade expressiva de cartazes e material publicitário da campanha, incluindo uma bela peça colorida, com absoluta qualidade de cores, impressão e foto do Rubem Medina ao lado da foto do candidato a governador do PDS, Moreira Franco, ex-prefeito da cidade, altamente popular e muito bem avaliado. Naquele tempo, podia-se colar cartazes nos postes, muros e paredes, e expor nas janelas dos prédios. Como estavam presentes o nome, número e foto do candidato a governador, ex-prefeito da cidade, os adesivos para carro com a inscrição “Medina 101” foram distribuídos e colocados sem resistência dos moradores. A agenda do Rubem Medina ficou restrita a Niterói nas duas semanas em que o material foi distribuído. Comprou-se anúncio do livro no principal jornal da cidade, O Fluminense. Rubem Medina visitou os principais bairros, fez reuniões nas residências, relançou o livro nas escolas, universidades e até igrejas. O PDS tinha um candidato a deputado federal na cidade, que assumiu os vereadores, que foram dispensados. Ele recebeu o apoio pesado da principal liderança local, o senador Amaral Peixoto, sogro do candidato a governador. Ainda assim, quando foram apurados os votos, o Rubem Medina apareceu como o candidato a deputado federal mais votado na cidade. Em todo o estado, a campanha, que começou com risco de derrota ou vitória pífia, terminou com Rubem Medina no pódio. Ele foi o segundo


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deputado mais votado do estado, com 221.705 votos, o primeiro disparado do PDS, com uma votação histórica, que o fez campeão de votos na capital e nos municípios maiores do interior do estado. E o PDS, que no início do processo esperava eleger apenas dois deputados federais, elegeu quatorze. Diário de Campanha: o pior é que é verdade... Quando uma galinha é a estratégia

As campanhas eleitorais já foram eventos de muita graça e festa. Os políticos deram fim nesse tempo bom, com leis completamente ridículas, que levam ao povo a noção de que as campanhas são atos sem virtude e que o voto é só uma obrigação incômoda. Mas, já houve outro tempo, quando o povo se vestia com as camisas e bonés com os nomes dos candidatos e recebia brindes. Eram canetas, pulseiras, réguas, cadernos, blocos de notas e, nas campanhas que coincidiam com as Copas do Mundo, os brindes mais cobiçados eram as eram as tabelas de composição das quartas de final, das semifinais e do jogo derradeiro, que decidia quem seria o campeão. Tudo com foto, marca e número dos candidatos. Parte do tempo dos coordenadores das campanhas era gasto com o atendimento aos fornecedores de brindes. Um mar de criatividade de fazer inveja aos modernos marqueteiros, principalmente, aos que não andam com vida confortável com a Justiça e com a polícia. No comitê da campanha de reeleição do deputado federal Rubem Medina, em 1982, vivi duas situações que considerei extravagantes ou, quem sabe, teriam melhor significado se consideradas inusitadas. A primeira aconteceu em um dia e hora de muito movimento no comitê, usual quando o candidato estava presente. O dono de um aviário de Cachoeiras de Macacu, cidade pequena localizada no caminho entre o Rio de Janeiro e Nova Friburgo, foi introduzido na sala que eu ocupava. Ele carregava, abraçada com ele, uma galinha. O jeitão dela era de um animal cansado, com sede, prova de que a viagem do comerciante tinha sido exaustiva ou que o tempo dele de espera para falar comigo foi maior do que o suportável para o pobre animal. – Fala, amigo. – introduzi a conversa. – Um caminhão virou na Serra dos Três Picos e eu cheguei atrasado pra falar com o deputado. Então, me disseram que você pode autorizar eu tocar em frente uma ideia que tenho para ajudar o deputado.


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– Quem sabe? Qual é a ideia? – Posso colocar essa galinha em cima da sua mesa? – Fique à vontade. Ele colocou. A galinha estava com as patas amarradas, mas não esboçou reação. – Você sabe como se mata galinha no interior? – o sujeito perguntou. – Quebram o pescoço dela? – respondi com outra pergunta, já que não sabia. – Não. Tem outro jeito. As mulheres raspam as penas do pescoço e passam a faca. Ela sangra e então se aproveita o sangue para fazer o molho pardo. – Sim, mas… – Então, por favor, você mesmo afaste as penas do pescoço da galinha. Fiz o que o sujeito pediu. Na pele da galinha apareceu o número “101”. Número de campanha do deputado Rubem Medina. – Pô que bacana. – falei. – Então. Imagine o que é cada vez que uma mulher matar uma galinha que comprar no meu aviário... Ele verá o número do deputado Medina. – Ótimo. Fique à vontade. Você está autorizado a fazer. – Mas, eu preciso de uma ajudinha em dinheiro do deputado para reformar o aviário. Eu estou com problema no telhado e quando chove, pinga água nas galinhas e na ração. Pensei. Esse dia cansativo merecia mesmo algo engraçado. – Sinto, amigo, nada feito. – Mas, você nem me perguntou o preço da obra. – Seja qual for, obra em qualquer telhado representa mais do que a campanha pode pagar. – Eu não acredito. Então, vou precisar falar com o deputado diretamente. – Bobagem. A resposta dele será a mesma. – Quer dizer que ele não quer voto? – Voto ele quer. Ele não quer galinha. E menos ainda galinha morta. – Você não entendeu. Ele não vai ficar com galinha nenhuma. As mulheres vão lembrar do número dele. Eu conheço um pouco de marketing. – Sim, e daí? – Imagine. As mulheres vão ver o nome e o número do deputado nos postes, na TV, nos santinhos. Chegam em casa, quando forem matar as galinhas, darão de cara com o número dele, 101. Existe uma coisa chamada


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associação de imagem... coisa que a gente usa pra lembrar coisas que a gente não pode esquecer. – Mas, a sua ideia, mesmo brilhante, não interessa. O sujeito ficou calado, com um jeito aborrecido. A galinha em cima da minha mesa. Alguns minutos depois… – Vou deixar a galinha aí, tá? Pelo menos dá pra você pagar a galinha? – Pago. Qual o preço ? Mudança de moeda, inflação, pouca memória, tudo isso me fez esquecer quanto o sujeito pediu pela galinha. – Fechado. – tirei o dinheiro da gaveta. Contei. Paguei. Adalberto, companheiro de trabalho, que ocupava uma mesa na mesma sala, ficou assustado. – Bem, agora posso ir embora. – Não antes de saber o que farei com a galinha. Abri a janela e atirei o bicho. Estávamos na Rua do Carmo, no Centro do Rio de Janeiro, quase esquina da movimentada Rua da Assembleia. O Adalberto ficou ainda mais assustado. O sujeito terminou a conversa: – O senhor é maluco! – Eu? – perguntei para os meus botões. Nunca mais soube da galinha nem do dono do aviário. Mas, o resultado da eleição apresentou para o Medina um número bom de votos em Cachoeiras de Macacu, onde ele recebeu o apoio de um político chamado Guido Pascoal, credencial que o dono do aviário usou para chegar até o comitê e oferecer o produto da criatividade dele.


“Quem vence a eleição é a campanha.” "As campanhas no Brasil se tornaram caras, como motivo a necessidade de 'mentir com categoria', para mostrar que o óbvio não é tão óbvio assim.” “Quando se constrói uma carreira política, as eleições que se ganha e que se perde no caminho são os tijolos da construção.” “Quatro presidentes da República e dois impeachments deveriam ser motivos suficientes para reprovar de vez o marketing eleitoral como instrumento para vencer eleições.” Jackson Vasconcelos

ISBN: 978-85-63194-732

www.livrosilimitados.com.br


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