Segundos depois

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“PENsar na caRNe é diFÍCIL dEMais para o eSPÍrito” Vinícius Márquez

Vinícius Márquez é escritor, ator, diretor e, acima de tudo, um “maldito”. Maldito na melhor conotação da palavra, pois não se preocupa com o politicamente correto. Vinícius, o Vina, fala o que quer, sem se preocupar com maneirismos. Começou no teatro, onde dirigiu e atuou em espetáculos consagrados, e recebeu diversos prêmios: APCA, SHARP, MAMBEMBE, COCA COLA. Como autor na TV Globo trabalhou com Miguel Falabella em Toma lá da cá, em Guerra e Paz de Carlos Lombardi, O Divã com Marcelo Saback, de José Alvarenga Junior, As Brasileiras com direção de Daniel Filho e Boogie Oogie, novela de Rui Vilhena. Vina aproveita a escrita para se expressar de forma plena, de comunicar o que sente vontade e principalmente, fazer arte. Seus textos são cultuados e causam sempre uma reação no leitor, atiçando suas percepções e sentidos, gerando um desconforto agradável com grande poder de entretenimento. Sua paixão pela literatura o levou a escrever seu primeiro romance, O amor em 79:05, referência em várias escolas de teatro e cinema. Escreveu ainda Um bonde para Marte e À Deriva, em 2013 fez sua primeira incursão na literatura fantástica, com o elogiado Os Arqueiros do Rio Vermelho.

Após seu último e bem sucedido lançamento, o livro de fantasia e ficção científica Os Arqueiros do Rio Vermelho, Vinícius Márquez retorna ao estilo que o consagrou na cultuada obra Amor em 79:05, livro que ganhou uma aura “cult” sendo lançado de forma independente no ano 2000. Em Segundos Depois, o autor solta o verbo e extravasa, divagando sem autoproteções e meias palavras sobre assuntos como amor e relações em geral, religião, passado, presente e futuro. Num mundo onde as pessoas estão cada vez mais contidas e buscam a proteção da internet para conseguir mostrar sua natureza editada e propagar suas opiniões, Vinícius Márquez é uma exceção. Ele “dá a cara à tapa”. Com seu estilo próprio, o autor consegue fazer o leitor pensar ao mesmo tempo que o entretém, mesmo quando o assunto é tristeza, pois escreve de forma direta a partir de suas sensações, percepções e sentimentos. Segundos Depois é uma obra embriagante, perfeita para ficar na cabeceira ou no bar e ser consultada periodicamente, como um Salmo, porém às avessas. Não espere da obra uma ajuda para elucidar seus problemas financeiros ou emocionais, nem conselhos para simplificar sua vida, pelo contrário, você verá que a vida é muito mais caótica do que você jamais acreditou, mas que o caos pode ser muito divertido.

ISBN: 978-85-66464399

9 788566 464399

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Copyright © 2014 by Vinicius Márquez Copyright desta edição © 2014 by Livros Ilimitados / AB Books O selo editorial AB Books é parte integrante do grupo Another Hot Brand with an American Name. A publicação da obra Segundos Depois é fruto da parceria entre Editora Livros Ilimitados e Another Hot Brand with an American Name. Conselho Editorial: LIVROS ILIMITADOS Bernardo Costa John Lee Murray ANOTHER HOT BRAND WITH AN AMERICAN NAME Rick Yates ISBN: 978-85-66464399 Projeto gráfico e diagramação: John Lee Murray Direitos desta edição reservados à Livros Ilimitados Editora e Assessoria LTDA. Rua República do Líbano n.º 61, sala 902 – Centro Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20061-030 contato@livrosilimitados.com.br www.livrosilimitados.com

Impresso no Brasil / Printed in Brazil Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.


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PREFÁcio Será que existe uma sensação de mais inspiração que conseguir com poesia e tesão botar para fora suas mais íntimas agonias? Essa habilidade de escrever uma carta para seus próprios vermes se retirarem da sua paz. Me veio a imagem do encantador de angústia que com o toque da sua flauta faz essa amargura venenosa dançar boazinha para o leitor. Nas próximas páginas esse Zoológico de desesperos do autor está lindamente aberto para visita. De que se trata? Um arquimilionário de sentimentos pechinchando um aperto de mão de qualquer filho da puta insensível. Ou melhor, esse livro não se trata... ele se destrata o tempo todo. Um sujeito prestes a enfartar de paixão e aborrecimento com os vultos que ele encontra pela vida e tenta chamar de amor. Daqui para frente a loucura circula com cara de paisagem... mas tarado não sabe disfarçar, é possível ver volume na calça de cada palavra dessa obra. O herói, bêbado de tinta de caneta, quer desesperadamente desmascarar esse amor. Desventura dessas publicações narradas na sexta caveira do singular. Ele está a procura de um desejo sem estação, alguém que nunca estaciona e se acalma só na sua inspiração. Porém, existe sim uma figura dramática que trepa com o autor durante toda invenção, mas esse alguém, suspeito que mesmo depois de tão usado, ainda se apresenta como virgem... um corpo com coração no meio das pernas. Complicado se calmar. Cheguei a visualizar Deus de cinta-liga, não estava bonito (a), mas estava bem mais fascinante que os


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Semideuses individualistas que convivemos diariamente. Esse Jeová do autor era abusado e sorria por olhares. Esse livro de fé no foda-se me ganhou como devoto da sua revolta. Vou pensar duas vezes antes de me masturbar apenas por um corpo: tem que ter um que de Onipotente nesse orgasmo. Você já lançou putaria no ouvido de um anjo? O entusiasmo de ser feliz sem pensar se é pecado, se testar... Aqui o amor e o ódio podem se bolinar sem culpa, se desandarem em um só, repartirem o último cigarro e se exonerarem em paz... mesmo que o escopo da transa tenha sido só pra noticiar aquilo como uma brochada do inimigo. Mas claramente o poeta mostra que o combate dos corpos pregados é mais prazeroso que a honra que sobra depois. A saliva desse livro no seu pescoço sai no banho mas a imagem da lambida está impregnada na memória. Vi em certa folha a vida chamar a morte de vida sem medo da vingança. A esfinge questiona com tesão o seu próprio caos... O sujeito, causador, autor, não está deprimido e com medo de se lançar da varanda. O suicídio do fecundo seria apenas uma foto de um homem nu caindo suavemente no meio de uma via urbana. O barulho da beleza da destruição está toda concentrada nas palavras que só um sóbrio-vivente pode aliciar. Lendo eu vi a lua no lustre, entre as nuvens da fumaça de cigarro...Tudo de belo se aproximou da alucinação cotidiana. Talvez o autor tenha me seduzido para participar do início dessa bela obra pois nota que também me sinto um suvenir remoto na prateleira de um diabo aposentado e arrependido... ou uma foto 3x4 na carteira de identidade falsificada de algum Deus menor de idade tentando entrar na festa de um mundo só para marmanjos. É bom saber que tem gente cansada de ser barrada na porta da balbúrdia do amor.


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Empinar pipa é mais fácil na rua... já que no coração, o vento do artista segura no céu da alma um piano de paixão sem rabiola. Um esforço para chegar perto de algum eu... E, cada vez mais distante, o instante ensina que a vida é só uma tentativa. Formiga não reza, leão não gasta o fígado com arte... e o chão que segura tudo: nunca fumou um cigarro para se acalmar. Um passado negro escravizado ganha a carta de alforria como um correio elegante para os próprios perdões. Porque as culpas são só pássaros tratados como morcegos. Existir só é mais fácil que desistir. Eu sou a pior pessoa do mundo ou o mundo é minha pior pessoa? Boa leitura ou (como diria Vina): Fodam-se!!!! Caio Sóh



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MUSASe musos Peço desculpas pela necessária neblina na trincheira. Como saber se você apareceu na hora certa em que eu precisava de fôlego, ou simulei você porque precisava concluir uma expiração pra respirar novamente. E, pra que isso ocorresse, um livro acabado. Essas coisas quem cria nunca sabe: uso ou sinto? Fico imaginando a cabeça de quem criou o universo e a capacidade respiratória de seus pulmões. Devem ser os tais buracos negros... sugando, além de ar, alguns planetinhas. E quem seria a musa do tal gigante? Valhei-me. Fechar um livro. Momento delicado. Mesmo que ele não seja seu, basta ser bom. Outra coisa que quem se mete a criar também não vai saber: se o filho vai vingar aos tempos. Tempos que mataram seus antepassados, que zombarão de todas as suas tolas e imortais expectativas. Não basta prestar na hora. Se for lido anos depois, e não significar nada, deve-se pedir a exumação do autor, pra chutar as cinzas, o mais alto que puderem. Provavelmente meu caso. Bom, tinha que concluir e não conseguiria com o que estava me envolvendo. Fisicamente. O que quer dizer em volta, mas sem som. Estava surdo. Até você me acordar tocando piano do outro lado da cidade. Se chocam quando eu digo que você me ajudou a terminar esse livro, da minha trilogia de discursos variavelmente amorosos. Seria uma trilogia. E será, só que interrompida. Dessa maneira de dizer, penso que já falei demais.


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Por que você não poderia ter feito isso, e por que fez? Não podia porque... De que maneira o evento se daria? E, respondendo à segunda, respondo logo tudo. Pôde, porque estava por perto, porque entendeu, sentiu, gostou do que eu fazia naqueles instantes e entrou na mesma nota em que eu me encontrava. Dó, quem sabe. Quem sabe o perturbador esteja no tempo em que estamos. Se fôssemos rever o passado, veríamos que várias vidas criativas foram estimuladas por palavras distantes – como cartas por exemplo. Pela idealização, a impressão, o gesto, pelo rosto, a lembrança dos breves contatos... Bons olhos, grandes ilusões – pode ser o contrário. Como!? Hoje em dia uma pessoa poderia estimular, envolver, sem ficar com você? Oh, mistério! Sânscrito, rodopios em latim, qualquer coisa assim. O velho amor nos atravessa. O velho sangue de sempre. Cheio de calor, correria desembestada pelo corpo, a mácula na jugular, no olfato do velho vampiro. Amor... tão simples e impressionante, a ponto de te tocar muito mais que o toque em si. Realizado com os dedos do seu corpo. Como ela tocava suavemente o corpo dos seus pensamentos, do outro lado da cidade. Não posso convencer os outros de que te amo sem tocar. Não preciso. A verdade é quem persigo. E ela é como os elementos que te deram. No momento eles dançam pra mim, voluntários para uma guerra no escuro. Lá a gente atira. Ninguém sabe a hora da morte, aquela em que se esbarra, a hora que nos imprimimos um no outro. Dentro deles, desses elementos, posso confirmar o brilho, harmonias, palavras. Pirilampos que piscam como engraçados corações de plástico distribuídos em festa. Se meu amor não se limitava ao seu corpo, isso ajudou claramente, também, a expansão do texto além dos limites de um corpo folha, de um corpo tela. Um texto sem limites para a limitada compreensão do gostar e do tempo impessoal em que estamos.


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Também é inquestionável a capacidade de um grande encontro de trair o óbvio. Então traio. E minto. Aí nos tornamos incompreensíveis por termos tudo e, entre o consciente e o inconsciente, alheio e nosso, sermos, mesmo sem saber quem somos. O resultado? Bom, minha gente... alguma coisa eu ainda posso afirmar: tem feito dançar toda uma cidade.


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ALONGamento

insano

Não deu pra ver o dia nascer. Tem noite que esvazia tanto que nem ela, a luz do dia, enche. Vai murcho pra cama, filho. Tenta se tocar pra esvaziar logo tudo de uma vez. Pra alma vazia nada melhor que o saco idem. Será essa a diferença entre homem e mulher... a alma delas estar mais integrada ao corpo? Bom, coloco um vídeo pornô, com um bando de gente que, eu sei, não se sabe. Pensa que uma noite vai dar certo, não o sexo, o resto. Resto. Uma hora o céu estala. Não nasce silenciosamente como de costume, te fazendo tatear, urgentemente, na escuridão de uma luz súbita, inóspita e inconveniente, uns óculos escuros. É melhor fazer um voto de claridade, não deixar rolar solta a sexualidade que, no meu caso, inclui praticamente tudo. Assexuo pra não surtar ninguém – tem sempre alguém querendo alguém que eu quero. É incrível! Seria bom gosto? Já piorei tanto o elenco. Acho que devia querer corcundas, anãs, outros... Mas essa gente se pertence e olha, sem sacanagem, dá na mesma. Não tem sobremesa de nenhuma espécie, pra nenhuma delas. Fiquei tempo demais sozinho pra me acostumar com um só. Se eu pudesse ignorar a dor do outro pra ter quem eu quero. O cego, aquele que foi pego de surpresa pela claridade, aprende a pensar antes de procurar; pra aumentar a possibilidade do encontro e não ficar batendo cabeça. Mas eu perdi você há


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vinte anos! E arrastei a última imagem daquela sensação até aqui. Pena que meu tempo hoje só pode ser gasto com quem me quer. Como se eu tivesse plantado no planalto pra colher na praia. É a escassez de tempo que me faz errar, botar os pés nas mãos, num alongamento insano. É a sua ausência que me cega. É não te achar que me toca em frente. Especulações de uma pessoa maliciosamente pura, que sabe que amou um dia e, daí, não tem mais cura.


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UMA Noite. E outra Nada é meu. Sem posses, poses ou pensamentos definidos. Hoje bati com você, um bicho sexual. Tudo em você era sexo e entrega. Palavras molhadas, sussurradas, cheias de volúpia. Adoro pensar em sexo. Esse que a gente faz pra não pensar. O pensamento, passar adiante o que viveu... A importância disso não questiono. Estou vivendo a glória de estar vivo. Estou chegando ao topo da montanha, e se fiz isso, posso fazer qualquer coisa, diz a canção. Vim por um caminho cheio de frio. Lobos, piranhas, drogas, medos e fome... e agora estou chegando ao topo de tudo que me habita e sustenta. Lá embaixo tudo é meu, ao mesmo tempo em que nada me pertence. Meu velho – antigo isso – se sentia assim, como se nada fosse dele. Agora dá para entender porque ele colocava tanta emoção nessa constatação: “nada é meu”. Nada é nosso, pai, nada nos pertence. Talvez a sorte de pai e filho terem conversado uma noite... adentro. Apenas UMA noite. Alguns divãs diriam coisas sobre isso. A gente trepa no divã, em divas, que não trepam. A base do saber é não saber, não é? Não sei. E nos vemos no que os outros querem. Sabemos dos medíocres que o desejo quer e ignora. É só sede de cama e gozo. Estou tão cansado que não consigo mais psicografar. Nunca vou saber quais palavras são minhas – também não me pertencem.


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Não vou estar com o bicho sexual de novo. E a gente transou como se amasse. Pra mim é um mistério praticar com uma estranha, com muito mais intensidade do que com você, que amo, escolhi e moro. Traí? Não sei de novo. Mas vou ser muito mais carinhoso com você nessa noite... Outra delas. O que ficou do bicho sexual escorreu entre os dedos, ganhou os ralos, canos, canais, em azuladas bolhas de sabão.


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EXTREmamente

filosófico

Penso que deveria ter transado e não cogitado com quem. Penso, que se pensar, arraso e afasto a maioria – pois o pensar atrapalha o ato. Penso que depois de gozar vou voltar a pensar e me sentir um porco. Penso em ser pura, casta, lésbica, querendo o sexo de Cristo, que seria santo, oco, limpo, sem o menor problema no cigarro de depois. Penso e penso e, se pensar, não vivo. Se não pensar é coma. Não como. Penso porque me foi dada a glória, a oportunidade de ter sobrevivido às doenças, à bala perdida, vaginas soltas e o caralho a quatro. Penso e peço perdão pelo baixo calão. Que idiota pretensioso e besta eu sou! E como não ser, e como dizer, e como explicar e se defender? No fim das contas, o sexo era a atitude mais honesta em qualquer circunstância. Não quis você porque era animal demais nosso sexo. Perdão. Não quis a outra porque o coração pedia mais. Peguei o terceiro, como uma Terezinha, e esse não tinha papas na língua, mas piercing. A comida passando por ali... Isso não pode ser pensado. O espírito enjoa. Quando uma pessoa cospe, saliva que seja, é nojento. Quando ela te beija, é doce. Depende sempre. Somos iguais. Ninguém imagina uma linda mulher cheia de troços na barriga. Mas é. Ainda assim é melhor na barriga que na cabeça. Pensar na carne é difícil demais para o espírito. Por isso,


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se depois não houver mais nada, ainda assim é pouco. Por outro lado, ninguém me forçou a acreditar noutra vida, eu que achei mais confortável. Então, vire-se. Viro-me. Não se pensa noutra vida nesta. Se não houver nada depois, quem pensaria? Se não era de constrangimento, de que se ria?


20 Vinícius Márquez

ENTREo berro e o

espelho

Para um amigo meu – por quem me apaixonei instantaneamente como um café -, que me questionou se eu não tinha medo de ter um revólver, um berro no armário. Perguntou também se eu tinha medo do espelho. Tenho mais medo do espelho. Agora em casa, escrevendo isso, numa madrugada tranqüila... cheia de pássaros morgados, cigarras mudas, grilos fumados, milhões de sons silenciosos, adoráveis, aqueles que precedem o esporro dos dias nascidos, dos quais tenho pânico... Não, não é poético. Estou me perdendo. Perdas que viram ramos, que viram galhos, que viram folhas simétricas, de desenhos impecáveis. Nem faz diferença ser míope quando olho a mata. Ainda mais se os olhos são verdes. Eles se esparramam nela, e ela neles. Narciso e o rio. Eu e a mata; e minha natureza viva nas paredes. O mato de frente da minha sacada, e meus olhos pelados. Sei que ela perde um resto da virgindade em mim. Então eu disse que tinha mais medo do espelho. E agora aqui, 24 horas depois das celebrações, de drogas legais ou não, não sei se estava sincero. Pessoas e álcool de fim de ano. Ui! Sei que pra mim uma coisa leva à outra. São duas ameaças constantes: a arma e o espelho. Que em vez de me liquidarem, compensam. A falta de opção mataria. E viver passa por prazer.


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Sou meu pai e, isso posto, nada fica acima de mim ou abaixo (acho que essa frase não é minha). Largo esta idéia para me abstrair mais um pouco. Pai e mãe são palavrinhas fortes demais, pontos finais. Mais tarde posso vir a ser a mãe. Tudo bem. Pensar no que sou é uma terceira alternativa que me assusta mais ainda que o revólver e o espelho. É melhor viver primeiro e depois, se chance houver, saber quem fui. E me ocorre uma pergunta: por que chamam a montanha de assassina, se ela nunca tentou escalar ninguém? PS: Só pra ilustrar, como cartão postal de uma tragédia recente, essa semana houve uma avalanche no ponto mais alto do mundo. Morreram dezenas. Honestamente, nunca entendi a proposta dos alpinistas... sociais, então... pobre gente!


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CLAUStro Meu problema é com a liberdade. Não gosto de nada que me prenda. Não gosto que deitem em cima de mim e me prendam os braços. Há menos que eu esteja enfiado em algum lugar. Vulgar. Me atormenta elevador enguiçado comigo dentro – fora, ligo não. Não posso sair quando eu quero. O sexo me liberta e me escapa. Mas ele, por ele, também ficou claustrofóbico. Fujo dos lugares. É a fumaça, a gente que deixo pra trás, o aterro... Sinto você por perto. Está por aí, dormindo, sonhando comigo, que nem em sonhos te consigo. Mas existe a paz de sabê-lo saber vivo. Quem sabe perdido, recém-nascido... Amo você bebê. Amo seus olhos em qualquer lugar de sua época e insisto: amo te catar . Enquanto isso vou achando tudo muito simpático: o mar, luar, ar... O corriqueiro fato de respirar. Se alguém me disser que você está morto, perco o sentido. Deus está morto? Duvido. Não comigo vivo. Mas não falava de Deus, falava? Quando eu te encontrar terei provas de que nada é perecível... nem dentro nem fora. Quando encontrar você é o melhor coelhinho que eu trago na cartola. É difícil desejar demasiadamente uma coisa sabendo que a diferença entre correr atrás e ficar lendo um livro, é mínima.


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Ficar por aí perguntando, sem nada pra mostrar. Você está por trás de qualquer um. Tenho que parar de reclamar e me bastar. O que é uma bosta, porque isso não ocorre. É sempre a mesma coisa: começo falando de claustrofobia e termino pensando em quem seria. Nesses momentos, envelhecer ajuda.


24 Vinícius Márquez

A LITtle pray for

you

Pai, Me dê paciência e força pra não sentir medo. E, se por acaso sentir, ter a habilidade de enfiar um chute no cu dele, como se fosse um cão danado. Que eu, com essa pequena fagulha que me foi dada por você – mesmo porque se fosse mais explodiríamos como um fanático islâmico -, saiba transformá-la numa fogueira de calor e luz, onde todos possam celebrar, cantar e dançar em volta. Que eu consiga harmonizar meus irmãos e fazê-los entender o quão próximos e idênticos somos – ainda que não tenhamos passado, até então, pelas mesmas tragédias e alegrias. Sei que sou seu filho, parte de você e do universo que criou – ou criaste. Que não sucumbirei, nem na morte, porque tudo faz parte de uma só energia eterna: a Sua. Me conceda sempre um pouco da sua beleza, criatividade e indiferença, pra que outros também tenham sua oportunidade de evoluir..., e generosidade, pra dividir o que de bom me for dado. E de mal também, só pra ficarmos quites. Que, em vez de me irritar inutilmente, releve. Ao invés de odiar, deixar pra lá. Resumindo: em vez de tudo que não presta, que eu veja o lado bom. Onde tem amor, tudo já vai dando certo. Pra terminar, duas palavras básicas... com as quais seriam todos bem mais felizes por aqui: compaixão e paciência.


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PS: Eu ia dizer todos mais felizes aqui embaixo, mas não sei de onde tiraram esta idéia de que o Senhor está em cima, se a Terra não passa de uma bola solta no espaço, girando que nem uma doida. E que a felicidade é muito mais simples do que tudo que tenho visto as pessoas fazerem para conquistá-la. Só uma pista: ela adora um sorriso com olho e tudo, por exemplo.


26 Vinícius Márquez

ORVAlho e

cabeçada

Você está vindo demais na minha cabeça. A única explicação que encontro, otimista, sempre, é que você está pensando em mim. Que tal? Porque começo a sentir sua falta no meio do baile (acho que era baile aquilo que me levaram). Por que te penso em braile? Fico cabreiro – há muito não usava essa expressão. Você está pensando em mim? Pode, no momento, estar com outro; mas o destino de qualquer trepada é o gozo. Goza aí... Aí eu volto. Toma banho, manda ele embora, que seus sonhos estão precisando de mim. Meu jeito, meu cheiro, minha imagem, meu riso. Isso não sai esparramado. Bom dia, minha querida. Respira, relaxa, que eu vou dormir contigo. Me assusta o dia em que a gente resolver a gente. A hora de se encarar e ficarmos por nós. E depois, se já estamos lá, com quem sonhar? E se for uma merda? Ah, constatação! Não era a gente um para o outro? Como evitar saber como? Como a gente podia continuar pensando um no outro permanecendo com outros? Como encarar tudo de novo? O que mais crescia entre a gente era dúvida. E ela se partiu, porque o sexo não foi bom. Eu quero arriscar. O máximo que pode acontecer é mudar de santo. Um dia acontece. E a onda vai deixar muito pouca coisa sobre mim, sobre a terra.


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