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Quando a inteligência é muito grande, a percepção da vida cruel é bastante clara, a ansiedade bate forte. Carol Lemos é brilhante. E ser assim, dói. Em seu currículo de atriz cabem ainda os adjetivos de poliglota, professora, escritora e conselheira. Sua inteligência ácida, dúvidas rasas, perfeccionismo aguçado ficam claros em todos os textos deste livro. – Liguei para minha mã Carol não poupame humor nem amor em etudo sentindo mal ela m que faz. Nos contos, crônicas, diálogos da vida pediatra ou para um vete real e cenas de humor, aqui retratados, estão foseja, qualquer tografias do dia a –diaOu do bairro, cidade, país, um mundo em que vive,coisa, voltados ora para o humor serve, né? ora para a ironia, que–permitem sarropro da cara É. Voutirar ligar mecâ da gente, zombar da vida absurda em que vivemos, fazendo uma fotografia do mundo atual para que as futuras gerações percebam quanto estamos sendo politicamente corretos na chatice e na mesmice que nos assombra. Este livro é para ser lido com os dois pés no chão, mas permitindo-se voar bem alto. Carol nos encanta com seu olhar sobre o óbvio que nunca paramos para enxergar e comentar. Ela extravasa sua raiva, seu amor, suas inseguranças e dúvidas através da palavra escrita. Seja na fila do banco, no transporte público ou até mesmo na poltrona de sua casa, se o que a menina-mulher Carol Lemos estiver dizendo for um soco no seu orgulho, na sua vaidade ou no seu deboche, vire-se para o espelho e perceba o quanto você está sendo útil - ou nocivo - para a sociedade e faça uma mudança radical se nada estiver acontecendo de produtivo em sua vida. ...disse ela é tudo aquilo que queremos dizer e não temos coragem. Diga, leia, ria, chore, compartilhe e, principalmente, seja sempre uma metamorfose ambulante. Divirta-se! Marcelo Aouila

#tantofaz

Carol Lemos é carioca, formada em Teatro e Design de Interiores. Tem um currículo eclético – de professora de alemão à assistente de produções de dança e teatro. Recentemente, iniciou seus estudos em roteiros de TV e Cinema. ... disse ela é seu primeiro livro.

Capa de Marcelo Aouila

autor de Elas estão descontroladas



A EDITORA A Livros Ilimitados é uma editora carioca voltada para o mundo. Nascida em 2009 como uma alternativa ágil no mercado editorial e com a missão de publicar novos autores dentro dos mais diversos gêneros literários. Sem distinção de temática, praça ou público alvo, os editores ilimitados acreditam que tudo e qualquer assunto pode virar um excelente e empolgante livro, com leitores leais esperando para lê-lo. Presente nas livrarias e em pontos de venda selecionados, tem atuação marcante online e off-line. Sempre antenada com as novidades tecnológicas e comportamentais, a Livros Ilimitados une o que há de mais moderno ao tradicional no mercado editorial. Copyright © 2018 by Carol Lemos Copyright desta edição © 2018 by Livros Ilimitados Conselho Editorial: Bernardo Costa John Lee Murray ISBN: 978-85-66464740 Projeto gráfico e diagramação: John Lee Murray Capa: Marcelo Aouilla

Direitos desta edição reservados à Livros Ilimitados Editora e Assessoria LTDA. Rua República do Líbano n.º 61, sala 902 – Centro Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20061-030 contato@livrosilimitados.com.br www.livrosilimitados.com.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.


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Para SĂ´nia, Luiz e Diego



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Há uma vitalidade, uma força vital, uma energia, um estímulo que se traduz em você pelo seu ato, porque só há um de você o tempo todo; essa expressão é única. Se você a detém, ela nunca existirá por nenhum outro meio e se perderá. Ela não aparecerá no mundo. Não é de sua conta determinar quão boa ela é, nem quão valiosa, nem como se compara com outras expressões. O que te importa é mantê-la clara e diretamente sua, manter o canal aberto. Você não tem nem mesmo que acreditar em si mesmo e em seu trabalho. Você tem que se manter aberto e alerta ao anseio que te motiva. Mantenha o canal aberto. Nenhum artista é agraciado. Não há qualquer satisfação, em momento algum. Há somente uma estranha insatisfação divina, uma inquietação bendita que nos impulsiona e nos faz mais vivos que os demais. Martha Graham



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Prefácio......................................................................11 Só observo................................................................13 Em um relacionamento sério com o celular....................15 Cachorrólatras................................................................17 Deixe a esquerda livre.....................................................20 O rapaz da cadeira de rodas............................................23 Na mesa de trás...............................................................25 Brrrritadeira....................................................................27 Politicamente (in)correto................................................29 A fila do desamor............................................................32

Diálogos da vida real........................................33 #curandeira.....................................................................35 #limitadas.......................................................................35 #tatuagem.......................................................................35 #reflita.............................................................................36 #corretor.........................................................................36 #mãe...............................................................................36 #tantofaz.........................................................................37 #dedopodre.....................................................................37 #bluetooth.......................................................................37 #muitomesmo.................................................................38 #mpb...............................................................................38 #desafetos.......................................................................38 #mãe2.............................................................................39 #viladejaneiro..................................................................39 #crush.............................................................................39 #bff..................................................................................41


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Precisa-se de um produtor..............................43 Calcinha de vó................................................................45 Aplicativos......................................................................48 Rótulos...........................................................................50 Chama a funerária!.........................................................51 Crise Astral 1..................................................................53 Sogras.............................................................................55 PIOR..............................................................................57 Pré...................................................................................59 Crise Astral 2..................................................................62

Freud explica..........................................................65 Vai estar sempre ruim.....................................................67 A invenção......................................................................70 Anas................................................................................74 Edu e as listas.................................................................78 Foco, Fernando...............................................................80 A/C Diego......................................................................83 Do início.........................................................................85

Muito obrigada.....................................................89


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Prefácio

Este livro é resultado de muita, mas muita postergação. Muita mesmo. Bem mais que esse muito aí que você tá imaginando. É produto da insistência de vários amigos, conhecidos e parentes (os dois ou três que tenho) para que eu colocasse minhas ideias para o mundo. É a superação de muitos medos, dúvidas e questionamentos de alguém que nunca soube começar nada pelo início. É um raio-x surrealista de uma cabeça que, definitivamente, precisa de uma faxina. É um monte de coisas profundas e cafonas que fariam você largar este livro antes do segundo parágrafo se eu começasse a discorrer sobre. É uma alternativa à falta de grana para pagar um psicólogo. É o famoso “foca no trabalho”. Não segue uma lógica, pois assim são quase todos que admiro e que me inspiram. Mas se dissesse que é despretensioso, seria mentira. Mas se despertar, pelo menos, um sorriso, já valeu. É também uma promessa de agradecimento a alguém extremamente especial, para quem me faltam palavras, mas transborda amor e gratidão. E, por último, tenho a impressão de que será minha inserção num grupo que, não sei por que, sempre achei meio cool & sexy – os viciados em café. Mas isto só poderei confirmar no final.



Sรณ observo...



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Em um relacionamento sério com o celular Era maio. Ou outubro. Janeiro, talvez. Não importa, desde que o ano seja entre 1986 e 1999. As crianças andavam de bicicleta, jogavam bola, subiam em árvores, corriam, se sujavam, tinham apelidos engraçados... Eu me lembro, eu estava lá e era uma delas! Bullying não era nem palavra nos dicionários daquele tempo. Para as que moravam em prédios, como eu, era comum ouvir as mães gritando pelas janelas: “Fulano, sobe pra jantar!” ou “Fulana, hora do banho!” Bons tempos. E olha que não estou falando dos anos dourados nem da época de vovó usando biquíni! Ontem mesmo as pessoas interagiam entre si. As mães preocupadas, as crianças ansiosas, os adolescentes rebeldes, os casais apaixonados se comunicavam por meios quase obsoletos, como a boa e velha carta e o tal do “pessoalmente” (que hoje se encontra em vias de extinção). Atualmente, como um tema de jornal de ciência, nos perguntamos: “E estas crianças sujas e felizes, onde estão? Quais são seus hábitos? Do que se alimentam? O que as espera no futuro?” Quanto à primeira pergunta, respondo por mim. Estou agora atrás de um computador, com cinco páginas de sites abertas, um celular ao lado, no qual, de três em três minutos eu leio e respondo mensagens. Quem estiver muito diferente, que atire a primeira pedra. Já a segunda resposta chega ao meu tema principal. É impressionante ver como as gerações que nasceram offline, hoje dependem de celulares e internet para viver. Falo por mim, que há alguns meses, ao entrar no metrô, me dei conta que havia saído de casa sem celular. Foram quatro longas horas de abstinência até nosso reencontro, e um dia de compromissos adiados. Sair sem roupa teria me dado menos dor de cabeça e menos prejuízo naquele dia. Na semana seguinte, esqueci minha carteira com dinheiro e todos os documentos e segui o dia em paz, com agenda cumprida. Vai entender...


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Outro dia li numa rede social, claro, a seguinte frase: “Reza a lenda que, se você soltar o celular e levantar a cabeça, verá ruas, pessoas, animais, árvores, carros e muito mais.” Entre uma mensagem e outra, tentei e funcionou. Só não durou muito tempo. O normal hoje é chegar à casa de um amigo já perguntando a senha do wi-fi. É ver bebês em seus carrinhos olhando fixamente para seus (sim, SEUS!) Ipads e ignorando a paisagem em volta. É partir para a falta de educação e usar seu celular nos cinemas e teatro, sem nem se dar conta de que está atrapalhando a pessoa ao lado. É não saber do casamento da amiga porque não olhou o evento no Facebook (aconteceu semana passada...)! É fazer pesquisas escolares no Google e terminar (de copiar e colar) em minutos. É esquecer de anotar o dever de casa no colégio e pedir para o amigo enviar pelo Whatsapp. É decorar uma infinidade de senhas com uma facilidade que as tabuadas jamais viram! É nunca estar numa mesa de restaurante ou festa onde não há alguém teclando! É selfie! É selfish! É a conexão virtual das pessoas acabando com os relacionamentos reais! E como não se lembrar do filme “Her”, do diretor Spike Jonze. Perturbador. Saí incomodada e até meio assustada com o futuro que o filme propõe para a sociedade – uma relação de amor real com uma máquina! Desde então não parei de refletir sobre como o mundo está doente e caminhando a passos largos para esta vida solitária e triste, graças aos nossos apêndices eletrônicos. O filme vale, antes de tudo, pela crítica, pela provocação e pela discussão que levanta e DEVE ser assistido, se não como entretenimento, como uma forma de reflexão. Dito isto, preciso ir. Meu celular toca e já tenho e-mails para responder. E assim me despeço... Entre celulares, Ipods, Ipads, Itouchs, mensagens instantâneas, redes sociais, e-mails, senhas, palavras abreviadas... A vida segue! Até que o 4G nos desconecte.


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Cachorrólatras Quanto mais eu conheço as pessoas, mais eu gosto do meu cachorro. É clichê, mas para mim, é bem assim que funciona. Amo animais, mas sou completamente apaixonada por cachorros. Essas criaturas bem humoradas, companheiras, fiéis, carinhosas, sinceras, em quem não vejo nenhum defeito! Tenho duas cachorras, e como a grande maioria dos donos apaixonados, as trato como membros da família. E não dá para ser diferente. É comum entre os donos observar características de humanos (mesmo que imaginárias) nos seus bichinhos e, assim, tratá-los quase que de igual para igual. Essa relação, sendo sã e não passando dos limites do bom senso, me diverte. Minhas “filhas”, por exemplo, tem lacinhos que fiz para elas e às vezes desfilam por aí com eles. Na praça onde passeamos, os donos de cachorros se conhecem pelos nomes... dos cachorros! Sei quem são os donos do Bob, do Thunder, do Petrus, da Nina, da Tina... Mas não sei o nome de nenhum deles. Também acabei me tornando amiga dos moradores de rua que dormem na praça e adotam cachorros. Assim eu conheci o Bob Marley (que é apelido, porque o nome mesmo é Beethoven), a Sophia Loren, o Diamante e o Fiel. Então, inevitavelmente, me tornei a famosa: Dona da Jolie e da Moa. De nossos passeios me lembro de inúmeras histórias divertidas, mas uma em particular, eu gosto muito de contar. Aconteceu há uns anos, quando, ao chegarmos à praça, encontramos um conhecido que, assim como eu, também perdeu sua identidade e se tornou o Dono da Valentina e do Frederico, seus buldogues franceses. Fui cumprimentá-los, como sempre faço e percebi que a Valentina não estava com eles, o que já me deu um receio de perguntar e ouvir uma notícia triste. Ele então me contou que ela estava em São Paulo, fazendo um tratamento de coluna, pois, devido ao seu


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peso, acabou tendo um nervo pinçado e precisava de fisioterapia. Contou que, apesar de tudo, ela estava bem, sendo tratada num spa, por um especialista, para voltar nova. Qualquer um que passasse e ouvisse um pedaço da conversa teria certeza de que a Valentina em questão era um ser humano. A conversa fluía, quando de repente, ele olhou para trás de mim e gritou “Frederico, NÃO!” Tarde demais. Frederico estava me usando como seu poste particular. Urinou na minha perna. Poderia ter ficado chateada, com raiva, não fosse a reação do dono, que deu uma bronca daquelas! Ele dizia: “Frederico, você está maluco?! Ela não é uma árvore! Não pode isso, uma pessoa mijar na outra! Que horror! Eu não estou achando graça nenhuma!” Isso tudo intercalado de mil pedidos de desculpa. Mas eu não conseguia parar de rir daquela bronca tão cheia de regras de conduta. Ora, ele estava apenas querendo me marcar como território dele. No fim das contas me senti lisonjeada. A verdade é que os bichos não têm maldade. Aposto que Frederico estava com a melhor das intenções quando me escolheu para fazer xixi. Para mim não foi agradável, claro, mas valeram boas risadas, este texto e um prêmio na loteria (sim, porque de tanto ouvir que isso era sorte, joguei e ganhei... R$ 3,00....) Eu questiono muito tudo e todos que cismam em dizer que os seres humanos são os mais evoluídos graças à capacidade de raciocínio. Sei não, hein... Pense bem... Não fosse isso, haveria guerras, corrupções, poluição, efeito estufa, desigualdade social e tantos, tantos outros problemas? Há bens que vêm para males. Às vezes me pego pensando no que aconteceria com o planeta caso fossem extintos os seres humanos. E o que aconteceria caso fossem extintos os animais. Qual o melhor cenário? Viagens minhas... Respostas óbvias. Mas... Antes que eu seja apedrejada, ou este texto vire uma filosofia-boring-nonsense-de-bar, me defendo. Não levanto ban-


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deira desta minha utopia. Como dizem por aí: “Aceita que dói menos.” É o que faço. Afinal, o que não tem remédio... Cabe a mim amar os animais, admirar as pessoas que prezam por eles e continuar sonhando com a salvação de todos os cachorros de rua!


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Deixe a esquerda livre Minha mãe sempre me disse: “Política, futebol e religião não se discute.” De todos os conselhos que ela já me deu na vida, acho que este é o único que sigo à risca até hoje. Portanto, este não é um texto sobre política. A esquerda aqui é outra. Dito isto... Pelo amor de... qualquer amor! Você que não tá com pressa... Você que tá desligado da vida... Você que é autocentrado... Você que tá abraçadinho com alguém e quer matar os outros de inveja... Você que tá com criança... Você que é egoísta mesmo... Você que não sabe a diferença entre direita e esquerda... Você que é rebelde, com ou sem causa... Você que tá embalado pelo som do seu fone de ouvido... Você que tá a passeio (na rua ou na vida)... Você que não tem bom senso (mas deveria)... DEIXE A ESQUERDA LIVRE! – O dia em que todos perceberem como a vida é curta para ficar preso na escada rolante, o mundo terá menos gente querendo matar os outros. – disse meu lado apressado e impaciente. Quando eu era criança, adorava Os Jetsons. Achava o máximo aquelas casas suspensas, as naves, os robôs falantes, mas principalmente a esteira rolante que eles tinham em casa. Ninguém caminhava, todo mundo ia devagar na esteira. Em CASA! Até que elas (as esteiras) surgiram no mundo real, em aeroportos e até no


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metrô. Legal, né? Mas aí tem uma galera que acha que tá na casa dos Jetsons. Não satisfeitos em pararem para dar uma voltinha de esteira, eles escolhem fazer isso do lado ESQUERDO. Aí, eu me pergunto: por quê?! Onde está o semancol dessa gente que tem tanto prazer em atrapalhar o fluxo?! Eu entendo aquela esteira como algo para ajudar quem tem pressa a ir mais rápido (por isso elas estão em aeroportos e estações de metrô, e não nas calçadas, na orla, nos shopping centers...) Salvo idosos e pessoas com alguma dificuldade de locomoção, o que leva alguém a parar na esteira? Nem paisagem tem para apreciar. Desculpa, mas não. Apenas NÃO. Nessas horas, tudo o que eu queria era uma vuvuzela, bem barulhenta, para acordar o bom senso desse povo. Certo dia, lancei o tema no meu Facebook. Eis que a polêmica começou: – Menos no shopping, né?! Metrô e tal, é claro, mas o infeliz que tá dentro de um shopping ultrapassando os outros na escada rolante é o mesmo que buzina no trânsito até chegar em casa pra ver novela. – disse alguém, polemizando. E o diálogo seguiu: – Cara, em TODOS os lugares. Em TODOS! Não tem motivo para ocupar tudo. Cada um com suas pressas. Já vi muita novela... Sem julgamento. – disse eu. – Mas está julgando quem vai ao shopping para passear relaxado com a família. – provocaram. – Relaxa do lado direito, gente! – implorei. – Sei lá, sempre andei do lado direito. Mas num shopping, se estou com pressa, não forço ultrapassagem, se realmente eu estivesse com pressa não estaria dentro de um shopping... É tipo buzinar dentro do estacionamento. Dá vontade de sair do carro, ir até a porta do estressadinho, acender um baseado e passar... – sugeriram.


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– Mas e se você trabalhasse no shopping e estivesse atrasado? E se você perdeu uma criança no shopping e está desesperado? E se você está atrasado para o cinema? E se estiver apertado para ir ao banheiro? E se seu pager do Outback vibrou? E se você está fugindo de um chato que viu no outro andar? E se você só entrou 14 minutos para não pagar estacionamento e o tempo está acabando? E se... sei lá, mil coisas?! Deixa a esquerda livre! Por favor, nunca te pedi nada! – agonizei! Alguém riu. “Mas eu já deixo! Não tenho namorada e nem família. Só acho que as pessoas que estão em um ambiente de descontração não são culpadas dos problemas do mundo! – disse ele, rindo, sem imaginar metade do que se passou pela minha cabeça ao ler isto. – Todo mundo é culpado dos problemas do mundo. Mas isso Carol Lemos é carioca, formada em Teatro e é outro papo. Só acho que muitoDesign ajuda de quem poucoTem atrapalha. Do eclético Interiores. um currículo lado esquerdo ou do lado direito,–você vai demorar o mesmo tempo de professora de alemão à assistente de produpara chegar, então colabora comções o atrasado e deixa a iniciou de dançadesesperado e teatro. Recentemente, c@R@£h@ da esquerda livre pelo amor da em santa pressa! – emorri. seus estudos roteiros de TV Cinema. ... disse C

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ela é seu primeiro livro.

Capa de Marcelo Aouila


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O rapaz na cadeira de rodas

#tantofaz

Há algum tempo venho cruzando o caminho de um rapaz que anda numa cadeira de rodas. Quase todos os dias o vejo com – Liguei para mãedapara dizer seu acompanhante pelasminha ruas perto minha casa.que Eleestava é jovem, me sentindo mal e ela me mandou ligar para um deve ter a minha idade, mais ou menos, e eu o acho muito bonito. Semprepediatra que passoou porpara ele tento o olhar para não deixá-lo um disfarçar veterinário. constrangido. Me lembro de quando precisei usarde muletas por um – Ou seja, qualquer um que cuide qualquer tempo por causa de um pé quebrado ou tornozelo torcido. Bastava coisa, serve, né? eu entrar num lugar que os olhares se voltavam para mim. Na rua, – É. Vou ligar pro mecânico. a mesma coisa. Parecia um misto de pena com expectativa de sei lá o que. Eu cair? Nunca entendi a quase hipnose que isso causa nas pessoas. Mas vivenciei o desconforto de estar naquela condição. Me dava vontade de falar: “Que foi? Eu quebrei o pé, só isso.” Mas era tão óbvio. No caso deste rapaz, não é óbvio. Fico imaginando se sua condição é temporária ou irreversível. Seu olhar me parece triste, tímido e eu sempre tenho cuidado para não encará-lo muito. Hoje, o vi de novo, com seu acompanhante sorridente, sempre conversando. Eu estava de bicicleta e os avistei de longe, a quase um quarteirão de distância, vindo em minha direção. De repente, me deu uma vontade louca de gritar quando passamos lado a lado: “VOCÊ É LINDO!” e sorrir para ele. Eu estava pedalando, então ISBN: 978-85-66464740 seria tudo muito rápido e provavelmente eu não conseguiria ver sua reação. Mas acredito que abriria um sorriso também. E talvez aquilo melhorasse seu dia, e até um pouquinho sua autoestima. Eu 9 788566 464740 tive tempo para pensar nisso tudo e ponderar. Então nos cruzamos. E eu fiquei quieta. Não tive coragem. Verdade que não saio distribuindo elogios aos gritos por aí normalmente. Aliás, tirando cantadas machistas, que não são, nem de longe, elogios, dificilmente vejo acontecer. Mas hoje foi diferente. Senti que seria um gesto de carinho, que poderia gerar algo bom para outra pessoa. Porém, não www.livrosilimitados.com.br


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