FRED SOMMER e CAROL GARCIA
Sobre Fred Sommer:
MMER Para falar sobre o Fred é preciso ter rima, ter bossa, ter som. Fred andaGARCIA
va contando sílabas por onde passava e se deu De Repente. Fred não usa palavra à toa. Fred ri poesia. Sua palavra é um presente para o teatro e para a literatura em tempos de cultura líquida, rala, rasa. Carol Garcia Atriz, escritora
Sobre Carol Garcia: A liberdade de um aquariano não se estende aos seus versos. Além do rigor da forma, De Repente me foi mesmo arrancado à força, confesso, não sei se pela atriz ou pela então amante Carol – igualmente ávidas. E não é que escrevi com ou para ela(s); a um só tempo tenra e, talvez por isso mesmo, altiva, Carol é a própria poesia desta obra. Fred Sommer Poeta, letrista, dramaturgo, escritor
Como se ainda houvesse lambe-lambes nas praças, ou
uma antiga polaroide, o texto de Fred “A narrativa e a poética Sommer e Carol Garcia realiza um de forma plena a vida instantâneo de um caso amoroso nas ruas d do Rio de Janeiro, em De versos, como em gelas. Repente é 3D. um cordel contemporâneo. lhada e uma melodia sab Fred e Carol não zombam, não tripudiam, e De Repente surge com uma sonoridade de improviso, mas que na textura do texto encontramos a carpintaria de uma “Se De Repente fosse m aventura amorosa e existencial bem conscomo um Faroeste truída. Os autores também adeptos daCab lercom esse amor. É viola, produzem Adorei uma escrita a fluência luminosos amorosa de um mentos encantamento. Um amore in pode ser gravadonam”. de muitas formas, e no teatro as cenas seguem um roteiro, tal qual um drama, mas não só um drama europeu, po mas uma redondilha de improviso que conta a maravilha e o desastre da vida. Do encontro. Da paixão. De Repente. O discurso do repente, do verso de cordel, é reinventado em De Repente como estranhamento, pois não recorre diretamente à tradição, mas soa como citação consensual à oralidade e inventividade do ator. A leveza do verso, humor e tom ingênuo, esconde a crítica da história menor, dos personagens menores que percorrem as calçadas da cidade, e são invisíveis aos senhores do pedaço do IPTU mais caro. Ali se movimenta um lirismo contrabandeado de um nordeste mítico tornado cotidiano, sem perda poética. www.livrosilimita (extraído do prefácio de Fábio Ferreira)
ou
O Jardim de Alah
A EDITORA A Livros Ilimitados é uma editora carioca voltada para o mundo. Nascida em 2009 como uma alternativa ágil no mercado editorial e com a missão de publicar novos autores dentro dos mais diversos gêneros literários. Sem distinção de temática, praça ou público alvo, os editores ilimitados acreditam que tudo e qualquer assunto pode virar um excelente e empolgante livro, com leitores leais esperando para lê-lo. Presente nas livrarias e em pontos de venda selecionados, tem atuação marcante online e off-line. Sempre antenada com as novidades tecnológicas e comportamentais, a Livros Ilimitados une o que há de mais moderno ao tradicional no mercado editorial. Copyright © 2015 by Fred Sommer e Carol Garcia Copyright desta edição © 2015 by Livros Ilimitados / AB Books O selo editorial AB Books é parte integrante do grupo Another Hot Brand with an American Name. A publicação da obra De Repente é fruto da parceria entre Editora Livros Ilimitados e Another Hot Brand with an American Name. Conselho Editorial: LIVROS ILIMITADOS Bernardo Costa John Lee Murray Another Hot Brand with an American Name Rick Yates ISBN: 978-85-66464795 Projeto gráfico e diagramação: John Lee Murray ilustrações: Cacá Fonseca Direitos desta edição reservados à Livros Ilimitados Editora e Assessoria LTDA. Rua República do Líbano n.º 61, sala 902 – Centro Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20061-030 contato@livrosilimitados.com.br www.livrosilimitados.com Impresso no Brasil / Printed in Brazil Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.
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Não acrescentaríamos aos versos que se seguem um só dedo de prosa senão para agradecer a todos que, no palco ou nas presentes páginas, ajudaram a contar esta história.
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DE REPENTE, UM INSTANTÂNEO EM VERSOS: nova dramaturgia com ecos
“O Circo, sua estrada e o sol de fogo/ Ferido pela faca na passagem/ meu coração suspira sua dor/ entre cardos e as pedras da pastagem./ O galope do sonho, o riso doido/ e late o cão por trás desta viagem.” Ariano Suassuna Como se ainda houvesse lambe-lambes nas praças, ou uma “velha polaroide”, um celular na mão, o texto de Fred Sommer e Carolina Garcia realizam um instantâneo de um caso amoroso nas ruas do Rio de Janeiro, em versos, como em um cordel contemporâneo. O cordel como narrativa que teve sua glória entre os séculos XIX e XX no nordeste do Brasil, trata da poesia, narrativa e cena pela via da expressão oral, a oralidade do caso, da história, ou do repente – disputa de versos
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sobre um tema. Essa oralidade, de um país que resiste a conceder uma educação básica, ou mesmo uma educação de qualidade a toda sua população, realiza o prodígio do improviso, com o verso analfabeto, ou semianalfabeto, mas nem por isso menos inspirado, sábio e divertido. A arte de feira, onde se vende de tudo para a sobrevivência básica, e onde o verso, a viola, o teatro de mamulengo, a arte não podia faltar. Sommer e Garcia não zombam, não tripudiam, e De Repente surge com uma sonoridade de improviso, mas que na textura ou na tessitura do texto encontramos a carpintaria de uma aventura amorosa e existencial bem construída. Como atores de teatro, e ambos os autores também adeptos da viola, da música, a escrita tem fluência amorosa de um encantamento, o que desde já justifica a parceria. Um amor pode ser gravado de muitas formas, e no teatro as cenas se seguem segundo um roteiro, que pode ser texto teatral, tal qual um drama, mas não só um drama europeu, mas uma redondilha de improviso que conta a maravilha e o desastre da vida. Do encontro. Da paixão. De Repente. No instantâneo as geografias, as paisagens se fundem, se sobrepõem, como também o hoje e o ontem, tudo é agora, como deve ser no teatro, mas traz alguma poeira no verso, alguma saudade e melancolia de outro tempo. Uma trupe de picada, estradeira sopra a palavra na cena sem quase nenhuma rubrica. Assim Sommer e Garcia operam uma dramaturgia em ligadura/viagem de cena a cena num contínuo. A fotografia com química que revela e/ou mistura as imagens, na frente da plateia. Mais nitidez, menos nitidez. Surge uma poética.
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Uma dramaturgia de atores, de músicos, de artistas da cena. A dramaturgia contemporânea abriu as formas do discurso como um leque de alternativas para a coautoria com o performer em cena e o público, sem passividade. Todos atuam. Assim se criam peças com textos entrevista, manifestos, depoimentos, recortes, manual de instruções, insultos, letras de música, relatórios, boletins médicos, entre outros discursos que politizam a cena na sua própria estrutura ou desestabilizando suas estruturas discursivas. O discurso do repente, do verso de cordel, é reinventado em De Repente como estranhamento, pois não recorre diretamente ou de forma intelectual à tradição, mas soa como citação consensual à oralidade e inventividade do ator. O discurso de viés oral e popular se choca com a gíria urbana do Leblon e a superestrutura da metrópole do Sudeste. A leveza do verso, humor e tom ingênuo, esconde a crítica da história menor, dos personagens menores que percorrem calçadas urbanizadas da cidade, e são invisíveis aos senhores do pedaço do IPTU mais caro. Da vista, do cartão postal. Ali se movimenta um lirismo contrabandeado de um Nordeste mítico tornado cotidiano, sem perda poética. Vemos nos últimos dez, quinze anos se calarem as vozes que repetiam enfastiadas a ausência de novos autores teatrais na cena brasileira. Que diziam da ausência de qualidade da dramaturgia e se negavam a entregar um prêmio de dramaturgia porque determinavam que naquele determinado ano, nada de bom foi produzido!!!
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Essas vozes, de jurados arrogantes estão sendo silenciadas pela massiva produção contemporânea de textos teatrais de matizes os mais variados – todos com grande riqueza cênica. Um teatro menos literário. A autores como Bosco Brasil e Newton Moreno, Fernando Bonassi e Mário Bortolotto, se seguem renovadas gerações, lideradas por vezes por “autores-provocadores-professores” como Roberto Alvim, ou por projetos como Drama-diário, que incentivam a produção e discussão entre autores de uma mesma geração. Ou ainda, a inquietação de diretores e atores que buscam criar novas cenas com uma gramática contemporânea e se arriscam na notação dramática, como o que acontece com Pedro Brício, Grace Passô, Cristiane Jatahy e Luís Fernando Marques. A dramaturgia brasileira vai muito bem obrigado! Graças ao interesse e a urgência de tratar dessa “coisa toda” complicada que implicam na experiência cotidiana no mundo contemporâneo, o trânsito de autores de outros países através de mostras e festivais, a organização de coletivos de autores, os prêmios, o aumento das publicações de textos de teatro e as traduções de textos brasileiros contemporâneos para outras línguas. De Repente faz parte desta safra de dramaturgia que deseja reinventar sua relação – não apática – com o público, de forma horizontal, e então, recorre à oralidade do verso e da sonoridade da métrica, do ritmo, enquanto a cena se estica e cria imagens fugidias, como um instantâneo.
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Aqui nessa breve apresentação, como diria o pesquisador francês Roger Chartier em seu livro Do Palco à Página (editora Casa da Palavra) que a dramaturgia não é um fim em si, é a grafia, a lembrança apenas de um fato ou fenômeno vivo, que é a cena – o teatro! Ler a dramaturgia pode ser um prazer. E ler De Repente será para quem a ler, mas não substituirá jamais o prazer que tive ao assistir a cena doce e comovente da peça De Repente. Assim, encerro essa breve apresentação desejando que “logo-logo” vocês, que me leem aqui, possam assistir novamente e renovadamente a peça De Repente. Será uma belíssima experiência! E desejo ainda que essa dupla de autores inspirados façam novos votos amorosos (porque a arte é sempre amorosa) e escrevam mais e mais peças de teatro movidos por outras renovadas emoções, parcerias e convicções. Fábio Ferreira Outubro de 2015
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Na seca dum fim de mundo, escuta-se um rádio ao fundo. Trocentos e tantos hertz, quase tudo que é frequência! Gradecemo sua audiência em mais um programa “Flertes”, como chama em paulistês o que vem antes do véu. Inda não foi dessa vez, mas a Rádio Cafundó, onde Judas se perdeu, caro ouvinte aí tão só, há de fazê-lo encontrar a botina de seu pé calejado e, ao Deus dará, quem te dê. Pois bote fé, se Cristo que era Jesus soubesse da missa um terço,
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deixaria a própria cruz, Madalena, seus segredo, a verdade do universo, e nos mandava um torpedo com a palavra-chave ‘amor’. Por apenas dez moeda mais imposto, o Salvador desposava uma fiel, dessas que não arreda, só tem olhos para os seu. Mas como santo de casa não casa nem faz magia, lembre que mesmo o Messias deu no saco e criou asa para longe de Belém do Pará, para depois, lá no Corcovado (amém!), se pôr a pensar na morte da bezerra e de seus bois. Foi atrás de sua sorte, pregou para mais de estádio que nem o Maracanã ao invés de ouvir no rádio o que fazer quando tão logo fosse o dia de amanhã, se era gol do Botafogo, quem era seu par perfeito... Não, o amor não está no ar e é preciso muito peito
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para ser o único ouvinte e atrever-se a desligar antes da atração seguinte: duas hora de lamento sertanejo sem descanso! Esse é um oferecimento da Rede “Pra Boi Dormir”, porque vaca e corno manso a gente vê por aqui!
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Segue a trupe seu cortejo: Jardim de Alah e realejo. Trago no peito uma flor do sertão Um pedaço de terra batida Uma leve impressão de calor Um mormaço, uma longa ferida Um breve baião e uma voz de cantor Vim dar no Rio de favor, violão Sob o braço, a marca da lida Na pele, perdão, meu amor Meu cangaço, o Leblon me convida E dele é que não faço pouco, eu vou Minha guia, meu colar Coração à toa, ao léu Vou té aonde o vento levar E lamento se um dia prometi o céu
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E a João Pessoa voltar Com trocentos mirréis no chapéu Púrpura tarde, corante das seis Arauto da noite que arde feliz Do alto o Mirante me espia aos seus pés Eu enfrento seus olhos covardes, gigantes rubis Vi a mais bela musa da televisão Ao meu lado ligeira passar Um senhor bem trajado vender emoção Adoidado e rosa amarela a quem queira cheirar...
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Como que a dar boas-vindas, se apresenta a moça linda. E pra não ficar por baixo, vem de lá o cabra-macho! Narrador Fiz da trupe, coração – um tropel alegre e justo.
Narradora Dê à trip tu também a intrépida contramão.
Narrador Dos teus trapo mais vetusto faço aquela coleção.
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Narradora Ou tu entre e se entretém, baixe a saia ou sai do arbusto.
Narrador Não notasse ainda alguém sua face de sertão, de certo que não assusto, pois, assaz, cada um tem de perto, um pé no baião.
Narradora Tu perdoe o embarafusto, minha turma e meu sermão, o que apraz e o que convém já comigo vêm incrusto, feito o umbigo com o neném.
Antônio Vim Antônio, sanfoneiro, sem o pai – aventureiro –, no encalço dalgum vintém, cá pro Rio de Janeiro. Olhe, mainha, lhe juro: entre a aurora e o dia escuro trago um “galo” ou mais de cem. Muito em breve ou no futuro, antes que abra-se o berreiro e as mulé mije no muro.
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Silvana Vou Silvana, repentista, mó de não “ficar na pista”, mó de não perder o trem, preparada pra entrevista. Minha voz, o meu veludo, meu canto, nada, contudo, nem pranto e vela contêm. Se berro e tu hoje é mudo, nem birra abaixa essa crista: painho, grata por tudo!
Silvana e Antônio Inté, minha terra, inté!
Narrador Na sacola só um sonho, grão sequer de almoço. Sem caroço nenhum, Totonho... Silvana? Um osso nem.
Narradora Partiram pé ante pé!
Narrador E depois de pau de arara, tempestade, coisa rara, deram os dois um passo além: era enfim a Guanabara!
“A narrativa e a poética são irresistíveis; costuram de forma plena a vida dessas personagens tão singelas. De Repente é 3D. Tem cheiro de terra molhada e uma melodia saborosa”. Paloma Duarte, atriz “Se De Repente fosse música, certamente, soaria como um Faroeste Caboclo de Guimarães Rosa. Adorei ler esse amor. É lindo como os acontecimentos luminosos e ingênuos tanto se combinam”. Caio Sóh, poeta, dramaturgo e cineasta
ISBN: 978-85-66464795
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