Contos e cronicas do passado

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L煤cia Roberta Mello

Contos e cr么nicas

do passado O clube dos doze - Livro I


Lúcia Roberta Mello nasceu em Recife, Pernambuco. Terapeuta holística, jornalista, editora e escritora, tem especial predileção por temas espiritualistas e filosóficos, para os quais tem dedicado estudos ao longo da vida. Revela uma linha mediúnica ímpar, sutil, através da qual faz uma espécie de parceria com espíritos que geralmente não identifica. Mulher, mãe e profissional da imprensa e da literatura, Lúcia Roberta pretende apenas ser conhecida como uma alma que, mergulhada no oceano de suas próprias mazelas, busca “aprender mais para servir melhor”. Outras obras da autora: Vida e Obra de Chico Xavier (2002) Caminhos do Espírito – Kardec (2002) Vidas Passadas de Chico Xavier (2002) Chico, eu Te amo (2003) A Terceira Revelação – Kardec (2003) Amor.net (2006) Antes de crer, Compreender – Kardec (2007)


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do passado O clube dos doze - Livro I



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do passado O clube dos doze - Livro I


Copyright © 2010 by Lúcia Roberta Mello Copyright desta edição © 2010 by Livros Ilimitados LIVROS ILIMITADOS Conselho Editorial: BERNARDO COSTA JOHN LEE MURRAY LEONARDO MODESTO ILUSTRAÇÕES: LUCIANA LEBEL ISBN 978-85-63194-23-7 Direitos desta edição reservados à Red Pepper Consultoria Marketing e Assessoria Ltda Rua Joaquim Nabuco, 81 – 101 Copacabana – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22080-030 Tel.: (21) 3717-4666 contato@livrosilimitados.com.br www.livrosilimitados.com.br PARCEIRO

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


A todos os chamados. Aos escolhidos. Aos meus pais. Ao meu filho Daniel. A Inácia, com meu carinho. A Rogério de Almeida Freitas, Nelson Vilhena Granado e Carlos Augusto Cruz, com especial gratidão.



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Sumário

Registros e Sensações A Fortaleza – Cultos Incultos A Iluminação – Cultos Indiretos à Vida A Pregação – Cultos ao Rapto A Devoção – Cultos Interiores A Reconciliação – Cultos à Liberdade A Renúncia – Ritos Históricos A Cura – Ritos Insanos A Perseverança – Cultos à Natureza A Fé – Ritos Sagrados A Verdade – Cultos à Palavra A Sensatez – Cultos às Predições A Prudência – Cultos à Razão Fragmentos de Vida – Ritos Pessoais



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Registros e Sensações

Há uma lacuna no tempo que não consigo decifrar. O passado se mistura tão facilmente em minhas lembranças que se torna trôpego e inseguro, então me agarro ao tempo presente para conseguir um quinhão de lucidez na visão que remeto ao futuro. Mas isso não é o suficiente para saciar a sede de decifrar os mistérios humanos, os nossos mistérios aqui na Terra. Transpor o tempo, refazer as histórias, escrever uma nova verdade, qual a verdadeira relação com a vida? Acordamos todos os dias sem que haja um despertar verdadeiro. Escrevemos no livro da existência histórias que não conseguimos compreender. Não somos exatamente prudentes ou livres na arte de dançar com os acontecimentos. No entanto, há os que conseguem transpor os limites da própria animalidade e acendem a luz de suas almas num alvorecer que prevê e constrói um mundo melhorado. “O Clube dos Doze” é uma coletânea de histórias escritas por personagens comuns que seguiram suas vidas às cegas. Umas são fruto da minha imaginação ou da inspiração excêntrica dos amigos espirituais; outras são costuras que faço dos retalhos de lembrança dessa minha existência, dos fragmentos de vida auferidos de outras pessoas, nos inúmeros desabafos que elas, confidentemente, dirigem a mim (ai, que nem sempre é fácil ser um ombro, um ouvido atento!), ou dos floreios interpretados das fofocas de bastidores que ouvi aqui e acolá. Não se sabe para que servem. Eu diria que são metáforas, mesmo quando verdadeiras, a nos fazer pensar, meditar, refletir em nossas vidas, nas escolhas que fazemos, em como somos suportes energéticos para a loucura humana, quando não os próprios agentes dela. Não conheço muitas personagens aqui reunidas, mas elas refletem diversos padrões humanos reconhecidamente existentes, inclusive em nós mesmos. Alguns nos divertem, outros nos assustam ou nos fazem chorar, mas assim são as pessoas e suas relações.


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Os episódios recortados, dispostos de maneira a parecerem incompletos, nos servem de flashs de vida, similares àqueles acontecimentos que ocorrem cotidianamente e que acompanhamos apenas em parte pelos jornais, noticiários de tevê, sem que tenhamos o direito de participar ou conhecer a vida de seus protagonistas. Já percebeu a gama de informações que se somam em nosso cérebro e acabam por interferir em nossas escolhas, mas que não temos a menor noção do porquê de elas estarem ali? O que temos a aprender com a vida? O que fazemos da nossa vida? Que tipo de coleção de fatos e histórias nós fazemos em nossas mentes e de que maneira isso passa a fazer parte da nossa história pessoal? Certamente, este livro não conterá as respostas, mas o leitor poderá encontrá-las em si próprio, caso se empenhe na tarefa da meditação com intuito de buscar sua identidade pessoal. Muitos casos descritos aqui são tão fantasiosos que eu mesma tive dificuldade em aceitá-los no livro, mas depois de ler e reler o que havia escrito, dispor esses escritos numa ordem diferente da original e reler outra vez, pude perceber que havia um propósito maior em inserir cada história na ordem em que foram dispostas. E que mesmo as mais tolas ou insignificantes tinham algo importante a dizer. Assim é a vida, quando prestamos atenção em suas ocorrências. Obviamente, aprender com as lições e experiências não impõe que tomemos posse dos acontecimentos ou que não nos libertemos deles para viver com mais intensidade o caminho interior, mas aquele que aprende não volta no mesmo caminho, não percorre o mesmo curso, não revê suas lições de vida. No entanto, quais de nós fazemos isso? É preciso esse evoluir cíclico, espiralado e ascendente para nos mostrar o tipo de rede no qual estamos inseridos. “O Clube dos Doze” poderá não ser uma obra que satisfaça a todos os leitores, mas ela vai revelar, de um jeito ou de outro, que os grandes heróis de si mesmos começaram sua jornada pessoal


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como qualquer outro, ou seja, como pessoas comuns com capacidades, habilidades e impulsos conforme suas particularidades. Alguns lerão este livro e o acharão interessante. Outros encontrarão respostas atrás de sua simbologia óbvia. Há, ainda, aqueles que se divertirão com algumas personagens ou brigarão com certos conceitos. Mas haverá uma dúzia que se reconhecerá em suas linhas. É para todos estes que eu escrevo. Lúcia Roberta Mello



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“Vós sois o sal da terra; porém, se o sal perder a sua força, com que será ele salgado? Para nada mais serve senão para ser lançado fora e calcado pelos homens.” (Mateus: Capítulo 5, V. 13)

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A Fortaleza – Cultos Incultos

Dizem que o homem é fruto do seu meio e até mesmo Jesus disse: – Diz-me com quem andas e eu te direi quem és. Mas, se assim é, ou ele não se referia aos níveis existenciais da matéria ou nem todos seguem a regra. A exemplo de Francisco de Assis ou de Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, ou ainda, avaliando-se em menor escala, do Presidente Lula, há homens marcados por uma força estranha que os compele para uma identidade própria, diversa do meio em que cresceram. O que esperar, conquanto, dos filhos da pobreza, cuja educação precária – ou mesmo na ausência desta – encontra na ignorância predominante seu maior obstáculo para evoluir e fazer evoluir a espécie?

Não havia livro algum à sua volta, a não ser nos salões suntuosos – os quais era levado a frequentar por força do seu trabalho de entregador, que, à custa de muita revolta interior, foi obrigado a aceitar para ajudar nas despesas da casa. Por causa disso, desde cedo aquele homem aprendeu a servir. Tendo, pois, crescido sem formação acadêmica, restou-lhe obedecer aos ditames da honestidade que lhe era própria e fez-se servidor de mesas, em vez de sucumbir às “facilidades” do furto e da malandragem, como fez a maioria dos colegas de infância. Da mãe recebia o zelo e o carinho necessários para que seu coração a desejasse honrar. Do pai, a dureza e a disciplina fria de quem desfruta poucos prazeres da vida. Temeu-o com o devido respeito e nele encontrou motivos para não querer tornar-se, ele próprio, mais uma fonte de frustração. Quando conseguiu comprar seu primeiro uniforme, tratou dele com o mesmo zelo com o qual sua mãe o criara; e com severa disciplina, herdada do pai, aprendeu o ofício de garçom. A vida então lhe sorriu, ofertando-lhe oportunidades cada vez melhores, até que foi trabalhar em casa de gente fina e importante, onde pôde lapidar, ainda mais, os seus já bons modos.


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Ainda quando jovem, muito atraente e refinado, pelo que lhe proporcionava a profissão, não demorou a atender aos apelos da carne, indo dar-se aos prazeres do sexo. Seu pai jamais lhe falara dos prazeres, pois que não os tinha. E isso o deixou livre para descobrir, sozinho, a própria maneira de obtê-los. Assim, aventurou-se com os desfrutes da carne, sem criar com ninguém os tradicionais vínculos ou laços afetivos. Talvez sua vida não fosse lá muito inspiradora ou o seu coração é que se esquecera de amadurecer. Fato é que não amou. Certa vez, contudo, engraçou-se com uma moça e deitou-se com ela. “Para provar-lhe o sabor”, como sempre falava de suas conquistas. A moça, semanas mais tarde, procurou-lhe com a notícia de uma gravidez não programada. Foi como se ouvisse o pai lhe intimando para um trabalho. Juntou suas economias a um bocado de incentivo extra dos amigos patrões. Alugou um quarto e cozinha e acomodou-se com a mulher, oferecendo a ela seu amparo. E a partir desse momento transformou-se num “pai de família”. Como que seguindo a um comando genético, perdeu o elo com os prazeres e passou a ser um homem de trabalho, voltado apenas para a nutrição de sua família. A preocupação agora era com cumular bens e garantir o futuro daqueles pelos quais se responsabilizara. Ao filho, desde então, amou desesperadamente, como se fosse um troféu de Deus – e foi esta sua melhor expressão de amor. Teve mais dois filhos, mas nunca dedicou tanta benevolência para com eles quanto para com o primogênito. Seguindo sua proposta de vida, acumulou bens e os distribuiu, guardando sempre o melhor quinhão para o favorito, para quem fez questão de garantir metade das terras que comprou. No entanto, a melhor semente que lançou ao filho destinavase aos campos do coração, lugar onde as sementes invisíveis da educação e da moralidade geram frutos como o amor e a bondade. Na condição de pai, ensinou o primogênito a cultivar seu maior tesouro: a honestidade. E esta, sem dúvida, brotaria, um dia, nas terras interiores daquele ser amado, cujo coração era largamente bom.


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O pai ensinou e propiciou ao filho diversas provas, até que este pudesse criar raízes, crescer e dar seus próprios frutos. Foi assim que desde nascido o menino teria, na atenção especial, companheira e amorosa do pai, o incentivo para viver e buscar o bem e, nas surras constantes da mãe – que de certa forma o culpava pela vida sem amor que o destino lhe traçara –, a fragilidade dos castrados que, por desconhecerem ou calarem sua própria fortaleza, temem se expor demais. O pouco tempo que o pai tinha para expressar seu amor não preenchia a ânsia de aprender que residia no íntimo do menino. A mãe, raramente ocultando suas mazelas, imprimia no cotidiano da família um clima tenso e muito pouco amoroso. O garoto iria aprender com a vida, mais por conta própria do que pelas palavras da mãe. Mas, no exemplo silencioso e meio que distante do pai, uma rocha se formava internamente, tornando-o capaz de superar as dificuldades daquela e de outras épocas – futuras. Certo dia, a situação financeira – que nem sempre era boa – fez com que a mãe o enviasse para a casa da avó, onde permaneceu anos a fio. A avó era carinhosa e muitíssimo atenciosa com a criança, provendo-lhe de tudo quanto fosse necessário para alimentar seu corpo e seu espírito. Era com aquele carinho especial que o menino regava seu coração e alimentava seus sonhos. Mas, longe do pai e da mãe, a avó, compreendendo muito pouco dos anseios mais íntimos do neto, deixou-o muitas vezes aprender por si. Foi sozinho que aprendeu a pensar e a sentir calado, e foi sozinho que gerou uma ânsia de mudar o mundo. De seu refúgio interior gerou pérolas visíveis apenas ao Pai, e daí criou um hábito de querer viver sem deixar que mais nada mais lhe importasse, a não ser poder fazer pelo outro o que o outro não pôde ou não quis fazer por ele. No lugar da revolta, nasceu em seu íntimo uma nobreza ímpar e um senso de sobrevivência, positivo, calçado em valores elevados e intenções sinceras. De alma nobre e retraída, a bondade enfim


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faria morada permanente em seu coração, onde também nasceria uma fortaleza amorosa que, mesmo aos que a conseguissem penetrar, seria impossível destruir. O pai o resgatou da avó quando enfim estabilizou as finanças, mas o filho habituara-se à comedida solidão que conquistou ao lado da avó e, um tempo depois à volta ao lar paterno, entregou-se à vida, que lhe trouxe ideais políticos, militância, fugas e amores. Mesmo assim, o pai teve tempo de ver o filho tornar-se um homem e construir para si sua própria família. No tempo que ainda teve em vida, apenas um pouco mais do que já dera pôde ofertar àquele filho amado. Quando, afinal, a morte física o levou, deixou para trás um legado de retidão e uma herança simplória, mas suficiente para garantir um bom recomeço para os filhos e a mulher. O primogênito não chorou até que se viu sozinho, o pai já enterrado, a mãe já acalmada, os irmãos controlados em sua inconformidade. Seu choro foi uma reza e, sem que tivesse domínio de toda a sua emoção, foi também um “muito obrigado” ao pai. “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte nem se acende uma lucerna e se põe debaixo do alqueire, mas sobre o candeeiro, a fim de que dê luz a todos os que estão em casa. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai, que está nos céus.” (Mateus5:14)


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