CLÁUDIA BARBEITO
ENCONTRO OU ESCOLHA A liberdade como condição humana
ENCONTRO OU ESCOLHA A liberdade como condição humana
CLÁUDIA BARBEITO
ENCONTRO OU ESCOLHA A liberdade como condição humana
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Copyright © 2010 by Cláudia Barbeito Copyright desta edição © 2010 by Livros Ilimitados
LIVROS ILIMITADOS Conselho Editorial: BERNARDO COSTA JOHN LEE MURRAY LEONARDO MODESTO Revisora: Luciana Figueired0 ISBN 978-85-63248-19-X Direitos desta edição reservados à Red Pepper Consultoria, Marketing e Assessoria Ltda Rua Joaquim Nabuco, 81 –101 Copacabana – Rio de Janeiro – RJ – CEP: 22080-030 Tel.: (21) 4063-7763 contato@livrosilimitados.com.br www.livrosilimitados.com.br Impresso no Brasil / Printed in Brazil Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios.
“A razão ‘stricto sensu’ é incapaz de dar conta das categorias dramáticas da existência humana, como sejam a afetividade, os instintos ou a imaginação”.*
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FERREIRA, 1997:614.
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Introdução “(...) ninguém é jamais demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito. Quem afirma que a hora de dedicar-se à filosofia ainda não chegou, ou que ela já passou, é como se dissesse que ainda não chegou ou que já passou a hora de ser feliz.”1
Encontrar ou escolher? Este sempre foi um assunto inquietante para mim, desde que me tornei adolescente. Lembro-me do meu primeiro encontro afetivo, na Igreja Nª. Srª. de Fátima, em Todos os Santos. Foi curioso porque aquele era um lugar que eu frequentava e nunca tinha visto aquele rapaz pela área. O pároco contratara um parque de diversões e eu costumava ir aos fins de semana com os amigos comer maçã do amor, algodão doce, andar de roda-gigante, carrinho bate-bate, entre outras coisas. Tinha no bairro um ar provinciano, próprio dos subúrbios da época. Porém... Entre olhares, sorrisos e timidez, logo fiquei sabendo por um amigo dele que ele estava ali propositalmente para me encontrar. Mas como? A única coisa que eu sabia sobre ele era que os nossos pais foram amigos de infância e ele já não morava mais ali perto. Bem, o fato é que começamos a conversar e ficamos enamorados por alguns anos. Terá sido um encontro? Ou ele teria me escolhido a partir de uma referência qualquer? Vou à defesa do encontro, que vem acompanhado por uma escolha intuitiva. Gosto de pensar na autonomia2 que nós temos para decidirmos sobre nossa vida. Ainda assim, diversas vezes me surpreendo com meus pensamentos sobre o assunto. Temos mesmo essa liberdade de escolha? Mesmo que eu trate a escolha como intuitiva, para que 1
EPICURO, 2002:21 Autonomia. O termo vem do latim e significa a lei própria de cada pessoa; o poder que cada pessoa tem de se autogovernar. 2
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seja assim, ela parte de algum lugar que me é conhecido, caso contrário não seria intuição. Sendo conhecido posso acreditar que fui conduzida para aquele lugar por ele ser área de conforto natural ao que me é conhecido. Trocando em miúdos, o meu primeiro namorado, talvez não tivesse me escolhido arbitrariamente. Talvez, inclusive, ali tenha se dado um encontro pelos afetos que se tornavam presentes em nossas histórias. Seguirei pelas linhas deixando algumas considerações sobre o encontro, a escolha e a liberdade. Palavras que ecoam em nossas vidas por traduzirem potência no nosso caminho. Apresento o conceito de afeto, conforme Espinosa o propõe em sua Ética (1963), e a partir dele problematizo os termos encontro e escolha, no que estes se referem à liberdade como sinônimo de livrearbítrio ou como capacidade de criação. Entendo como encontro toda e qualquer experiência vivida por nós capaz de determinar e ser determinada pelos afetos, posto que somos afetados por uma infinidade de possibilidades, que geram diversas maneiras de percorrermos nosso caminho, com alguém, ao longo de nossa vida. Realizamos encontros, o tempo todo. Alguns deles aumentam a nossa potência de agir e outros diminuem essa potência. Por esta perspectiva, não há possibilidade de estarmos no mundo sem a realização de encontros. Tais realizações, quando são ativas, proporcionam à pessoa despertar o processo criativo que existe nela, convidando-a a transformar a sua realidade, aqui e agora, a cada instante. Isso só é possível ao ser humano por se tratar da única espécie dotada de liberdade. Nestes termos, a liberdade é condição humana. Quanto mais conhecemos os nossos afetos, maior a possibilidade de realizarmos bons encontros e, consequentemente, mais possibilidades estaremos criando para aumentarmos a nossa potência de agir. Quanto mais aumentamos a nossa potência de agir, mais conhecemos as causas dos afetos adequadamente,
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favorecendo, assim, nossas alegrias – ou melhor, a possibilidade de vivenciarmos felicidades3, aqui e agora, na experiência. Porém, nem sempre vivenciar felicidades é tão simples quanto parece, pois, como dissemos, somos afetados por uma infinidade de coisas a todo instante. Posto isso, não há felicidade absoluta ou perene, pois nos afetamos sempre tanto por alegria quanto por tristeza necessariamente. E, por esta razão, o conhecimento das coisas, bem como dos afetos são fundamentais para que o ser humano possa transformar o que lhe está causando tristeza em alegria, em causa de felicidade. A alegria surge quando o ser humano é determinado pelo que é adequado à sua natureza singular, tornando possível que ele vivencie felicidades através da experiência afetiva que tem em relação ao mundo. Essa experiência depende das nossas relações, dos encontros, que realizamos no meio em que habitamos. Entendo por escolha a opção entre uma ou outra coisa4, na vida. Apresento, ao longo destas páginas, a possibilidade de que realizamos encontros afetivos e estes não são, necessariamente, escolhas, quando tratamos de realizações afetivas entre seres humanos. Acredito que não escolhemos os nossos afetos – afetamos e somos afetados pelo simples fato de que estamos vivos. Escolhemos coisas e não pessoas, salvo quando coisificamos5 pessoas. A escolha é condição do livre-arbítrio6 e o encontro, gerado à luz da liberdade7.
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Cabe aqui uma pequena distinção entre “alegria” e “felicidade”. Por “alegria” entendemos todos os encontros que aumentam a nossa potência de agir e por “felicidade”, a capacidade de criar possibilidades que conduzam o ser humano a realização de sonhos – objetivos, metas, tudo que se realiza a partir de investimento afetivo. C.f. ESPINOSA, 1963. 4 Grifo nosso. 5 Grifo nosso por tratar-se de termo inexistente no nosso vocabulário. Usamos a palavra como metáfora para designar violência, ou seja, todo ato onde um ser humano trata o outro ser humano como se fosse coisa, ausente da sua condição de humanidade. 6 É a liberdade da vontade para escolher entre várias opções. Para alguns, o livre-arbítrio sem a graça divina só leva ao erro, ao vício e ao pecado; para outros, basta que a vontade seja bem guiada pela razão para que o livre-arbítrio faça as escolhas certas. (CHAUÍ, 1995:107) 7 Entendemos por liberdade a capacidade que o ser humano tem de criar, de construir, de inventar o que não existia. Por esta razão, a liberdade é condição humana. (Cf. Ética II, vídeo lançado pela TVE São Paulo, organizado por Marilena Chauí e Gérd Bomheim)