CONJUNTO NACIONAL Anรกlise do impacto de projetos multifuncionais e seu potencial transformador da malha urbana Luana Pedrosa Prof. Ms. Silvio Sguizzardi
CONJUNTO NACIONAL Anรกlise do impacto de projetos multifuncionais e seu potencial transformador da malha urbana
Centro Universitário Senac Programa de Iniciação Científica, Tecnológica e Artística Linha de Pesquisa Arquitetura e Design Grupo de Pesquisa Memória Urbana: Formação do espaço urbano na cidade de São Paulo Orientação Prof. Ms. Silvio Sguizzardi Autoria Luana Pedrosa Este trabalho foi desenvolvido durante o período de agosto de 2012 à agosto de 2013 e apresentado na XXV Conferencia Latinoamericana de Escuelas y Facultades de Arquitectura 2014, em Assunção, Paraguai.
RESUMO Este é um trabalho desenvolvido com bolsa de estudos do Centro Universitário SENAC, no programa de Iniciação Científica. Esta pesquisa analisa o impacto e o potencial indutor de transformações de um grande projeto multifuncional – o Conjunto Nacional – no tecido urbano consolidado da Avenida Paulista, um dos principais eixos da capital de São Paulo; identificando os desdobramentos da implantação desse projeto no espaço urbano. Discute-se a relação do edifício com seu entorno, como se insere e como dialoga com a cidade; se tornando, efetivamente, parte deste tecido, trazendo fluidez e permeabilidade à quadra. Identificado esse potencial transformador, apontam-se premissas do projeto atemporais e essenciais na discussão da revisão do Plano Diretor de São Paulo.
PALAVRAS-CHAVE Projeto, Edifício Multifuncional, Conjunto Nacional, David Libeskind, Espaço Urbano
SUMÁRIO
9 | INTRODUÇÃO
11 | HISTÓRICO E CONTEXTO
21 | ANÁLISE E INFLUÊNCIA
33 | A LEGISLAÇÃO
37 | EM PAUTA Revisão do Plano Diretor de São Paulo
42 | REFERÊNCIAS 45 | AUTORES
INTRODUÇÃO
Projetado em 1955 pelo arquiteto David Libeskind (19282014), com apenas 26 anos de idade na época, o edifício Conjunto Nacional foi um elemento de grande transformação na cidade, tanto como um espaço diferenciado para os pedestres, como um ícone da Avenida Paulista, trazendo diversas transformações no tecido urbano da região. O edifício, que ocupa quadra inteira e oferece diversos usos – residencial, comercial e serviços – é um excelente exemplo de como um edifício multifuncional pode se inserir na cidade e como este projeto transforma e qualifica o espaço urbano. Este artigo busca discutir a transformação causada pela inserção do edifício na Avenida Paulista e quais aspectos impactaram no tecido urbano, desencadeando a transformação do eixo e seu entorno.
Fig. 1: Localização do Conjunto Nacional (Fonte: Google Maps); Fig. 2: Conjunto Nacional por André Stefano (Fonte: caumt.org.br).
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HISTÓRICO E CONTEXTO
Localizado em um dos principais eixos de São Paulo e circundado por ruas secundárias de grande fluxo e importância – a exemplo disso, a Rua Augusta, uma das ruas mais conhecidas de São Paulo, tanto pelo comércio quanto pela vida noturna ativa – o Conjunto Nacional é um dos cartões postais e uma das maiores referências da cidade de São Paulo. Com 111.083,24m² de área construída, 3.600m² de calçada e 3.000m² de jardins no terraço, atualmente o Conjunto Nacional possui um bloco comercial e um residencial. O bloco comercial conta, basicamente, com seu piso térreo, mezanino e dois edifícios: o Horsa I com 413 estabelecimentos de pequeno e médio porte (consultórios, escritórios, empresas de informática, etc.), o Horsa II com 72 estabelecimentos de maior porte (multinacionais, consulados, etc.) e o centro comercial com 66 estabelecimentos, como lojas, farmácias, agências bancárias, restaurantes, uma central de contact center e a matriz da Livraria Cultura. O bloco residencial conta com um edifício, o Edifício Guayupiá, com 47 apartamentos. Ao analisar o projeto, tem-se a clara leitura de que a lâmina horizontal do edifício é aberta à cidade, interligando os quatro eixos de seu perímetro, criando um espaço único, atemporal e incomum para a época na qual foi construído. Da cobertura da base com seu terraço-jardim, surge uma enorme lâmina vertical, onde se localiza a área residencial e os conjuntos de escritório paralelo à Avenida Paulista. O diagrama a seguir explica a setorização de usos com um breve resumo do programa do edifício. 11
Fig. 3: Esquema volumétrico do Conjunto Nacional (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa)
O edifício foi erguido sob o terreno de Horácio Sabino, antigo barão do café, onde não se imaginava a implantação de um edifício desse porte. Idealizado pelo empresário judeu argentino José Tjurs, o terreno foi adquirido em 1952, quadra delimitada pela Avenida Paulista, Rua Augusta, Alameda Santos e Rua Padre João Manuel. Inicialmente, esse grande empreendimento fora até rejeitado, pois romperia com a característica residencial da Avenida Paulista, além de impulsionar o processo de verticalização que já ocorria nesse eixo com a construção de edifícios residenciais. Porém, no contexto dos anos 50, o desenvolvimentismo 12
nacionalista de Juscelino Kubistchek utilizou a arquitetura como representação do avanço do país – em seu sentido de modernidade – transformando-se em plataforma de governo e, neste contexto, o Conjunto Nacional representaria o avanço da indústria paulista, simbolizado por ele na Avenida Paulista (IACOCCA: 1998). Na década de 50 a sociedade brasileira “lutava para se completar no plano econômico e social” e tinha o impulso de pensar a questão da formação nacional (SCHWARZ: 1999). Com o deslocamento de grandes corporações do centro da capital para à Avenida Paulista, acelera-se a verticalização e traz uma mudança de uso e ocupação do eixo. Protagonizando uma cidade que transformava-se em metrópole, o Conjunto Nacional foi concebido como uma extensão do espaço público: o arquiteto David Libeskind aplicava sua uma visão de cidade planejada ao edifício, em parceria com o empreendedor José Tjurs ao fazer “uma cidade dentro da cidade”. Segundo a urbanista Regina Meyer, as tipologias de edifícios-conjunto e edifícios-galeria, mesmo não presentes nos programas oficiais ou na legislação urbanística da época, se reproduziram pela metrópole paulistana, o que evidenciou maior relação entre espaços privados e públicos; onde o espaço público ganhou grande valorização na década de 50 (MEYER: 1991). As imagens a seguir mostram a situação da Avenida Paulista na época e uma colagem de como seria a inserção desse edifício na paisagem.
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Fig. 4: Avenida Paulista nos anos 50 (Fonte: Site do Condomínio Conjunto Nacional – ccn.com.br)
Fig. 5: fotomontagem da implantação do Conjunto Nacional (Fonte: Site do Condomínio Conjunto Nacional – ccn.com.br)
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As obras iniciaram-se em 1955, onde a intenção era construir um hotel e um centro comercial. No final dos anos 50, a Prefeitura não permitiu a instalação de um hotel na Avenida Paulista, o que modificou o projeto original de Libeskind. A previsão era que a lâmina vertical se dividisse em três: hotel, escritórios e residências. Outra modificação significativa é que as lojas avançavam até o limite do lote, o que anulava o passeio coberto proporcionado pela marquise; algo que foi revisto e a marquise foi retomada nas fachadas da Avenida Paulista, Rua Augusta e parcialmente na fachada da Rua Pe. João Manuel. O projeto passou por inúmeras alterações, desde o projeto até meados de sua construção. Na época da construção do Conjunto Nacional, por não existirem shopping centers, o arquiteto previa a lâmina horizontal como um espaço aberto, que se tornaria um prolongamento da Rua Augusta, o eixo comercial da região. Em 1958, instalou-se no mezanino do Conjunto Nacional o elegante Restaurante e Bar Fasano e em dezembro do mesmo ano, houve a inauguração da primeira etapa do projeto. A instalação de comércios e serviços foi determinante para a consolidação do edifício como um ícone paulista: do Fasano – fechado em 1968 – que ultrapassava os limites da calçada e invadia a rua – à Livraria Cultura – que permanece com sua sede no local até hoje, atraem de grandes nomes da música internacional até o presidente dos Estados Unidos da época. Com essa mudança que ocorreu no uso do solo na Avenida Paulista, que antigamente era residencial e ocupada pelos antigos casarões, o gabarito – ou seja, as alturas dos prédios – também sofreu grande modificação. 15
Atualmente, a Avenida é tomada por grandes prédios empresariais, comércios, shoppings, bancos, enfim; edifícios de diferentes linguagens, épocas e estéticas.
Fig. 6: Foto aérea de 1958 (Fonte: Site Geoportal – geoportal.com.br)
Fig. 7: Construção do Conjunto Nacional (Fonte: Site do Condomínio Conjunto Nacional – ccn.com.br)
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Na década de 70, a Rua Augusta começa a apresentar sinais de decadência, que podiam ser também notados no edifício-ícone da sua esquina com a Avenida Paulista: o Conjunto Nacional incendiou-se algumas vezes, reflexo dos problemas administrativos e do abandono.
Fig. 8: Foto da Rua Augusta na década de 70 e relógio da Ford no topo do edifício residencial (Fonte: Site do Condomínio Conjunto Nacional – ccn.com.br)
Fig. 9: Sinais de abandono e falta de manutenção do edifício (Fonte: Site do Condomínio Conjunto Nacional – ccn.com.br)
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Na década seguinte, a administração passa para as mãos de sua nova síndica, Vilma Peramezza, traz o Conjunto novamente à vida, dando início ao processo de restauração e reestruturação do edifício: recuperar sua identidade e imponência, principalmente no aspecto social do edifício. A nova gestão ofereceu mais segurança, reformas na fachada, marquises e na galeria, além das inúmeras atividades que acontecem no térreo do edifício organizadas pela administração do condomínio, atraindo mais ainda a atenção dos pedestres e usuários do edifício.
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ANÁLISE E INFLUÊNCIA
Fazer “uma cidade dentro da cidade” torna-se algo complexo no contexto e época em que o Conjunto Nacional se insere. Porém, David Libeskind atinge este objetivo, utilizando três tipos de usos dentro do edifício (residencial, comercial e serviços) e destacando a importância do espaço coletivo, com a criação de espaços de convivência e contemplação, como a cúpula geodésica, que abriga o conjunto de elevadores, que vai do terraço-jardim ao subsolo; e em conjunto, há a rampa helicoidal, sendo um dos acontecimentos do projeto, como ponto de encontro, principalmente pela união dos vastos corredores.
Fig. 10: Vista da caixa de circulação vertical; Fig. 11: vista da rampa; Fig. 12: vista do terraço-jardim (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa).
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Em contraposição à separação do que é espaço público e privado, a fluidez do piso térreo do Conjunto Nacional, não se dá somente pelas largas ruas internas com 11 metros de largura, mas também pelas calçadas cujo piso invade o edifício, cuja materialidade se assemelha às calçadas externas. O uso da pedra portuguesa se faz presente em espaços internos e externos da quadra, dando ao pedestre a sensação de continuidade com o lado de fora do edifício, oferecendo outras atividades naquele espaço, além da ligação entre as ruas e quadras do entorno, principalmente com a Rua Augusta.
Fig. 13: Vista do Conjunto Nacional da calçada da Avenida Paulista; Fig. 14: piso interno e piso externo; Fig. 15: vista das ruas internas (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa).
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A junção dos usos residencial e comercial também é um fator marcante dentre as inúmeras características, formando um novo conceito de moradia. A galeria, que ocupa o território horizontal do edifício, transformou-se em paradigma para projetos semelhantes durante as décadas de 50 e 60. O uso misto também se popularizou na época e, atualmente, percebe-se a retomada desse partido em novos projetos de edifícios. O ponto positivo de encontrar um edifício de uso misto é a quantidade de atividades que ele propõe à quadra – no caso do Conjunto Nacional, especificamente, se opondo às demais quadras da Avenida Paulista, demarcadas principalmente pelo uso de serviços. Em entrevista à Folha de São Paulo, em 1º de março de 2008, o arquiteto e urbanista David Libeskind explica: “[...] a estrutura principal continua a mesma. O piso da calçada externa reproduzido no lado de dentro marcou a fusão do espaço público com o privado e acentuou a função multifuncional do meu projeto, em sintonia com a época. Rino Levi e Vilanova Artigas, embora opostos no plano político, pregavam que a arquitetura precedia o edifício isolado, que os prédios deveriam se integrar ao resto da cidade”.
O autor mostrou-se preocupado em desenvolver um projeto com características típicas da arquitetura brasileira evidenciada na época, percebe-se a insistência na tipologia dos edifíciosgaleria e edifícios-conjunto que se integrassem à cidade. Segundo Viégas (2003), as declarações de Libeskind sobre sua formação apontam, direta ou indiretamente, como referências projetuais do Conjunto Nacional as obras de Le Corbusier, Lúcio Costa e Oscar 23
Niemeyer – este que o influenciou até em sua escolha profissional. Contemporâneo ao Conjunto Nacional, outro destaque na cidade que possui premissas parecidas é o edifício Copan, de 1951, projetado por Oscar Niemeyer.
Fig. 16: Vista do térreo do Copan (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa).
Fig. 17: vista do edifício (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa).
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Localizado na Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo, o Copan é outro marco na paisagem paulistana, tanto pela sua forma sinuosa como pela sua arquitetura. Galeria comercial no piso térreo, blocos habitacionais com diferentes acessos, com diversos pontos de entrada que tornavam o lote permeável e convidativo ao pedestre, sem que o volume do edifício atinja o solo de fato; Em cuidadosa análise do partido adotado por Libeskind, fica clara a influência e importância desse edifício, e das ideias de Niemeyer, para o jovem arquiteto recém-formado. Por mais que a forma esteja longe de ser parecida, o partido arquitetônico e as justificativas dos dois projetos são muito próximos: articular os espaços privados com espaços públicos, convidativos e integrados à urbe. Essa fusão do espaço público com o espaço privado, premissa adotada por Libeskind, tornou a circulação pelo piso térreo do Conjunto Nacional mais democrática, sendo a calçada de fato um dos elementos que melhor representa o conceito do que é público, permitindo, teoricamente, uma condição de igualdade à todos que passam pelo local. Também há a presença da marquise, que circunda uma grande parte do bloco comercial, cobrindo uma parcela generosa da calçada. Possui o pé direito mais baixo, contrastando com a amplitude da Avenida Paulista e com o suntuoso pé direito do Conjunto, para que se intensifique sua característica de espaço público e aberto. Partindo para uma análise sobre os fluxos e a circulação que o Conjunto Nacional propõe e agrega, o edifício funciona como quadra aberta e local de passagem – incorporado à cidade por 25
suas ruas internas – possui eixos com maior fluxo de pessoas e áreas mais vazias, de menor circulação. Tendo a Avenida Paulista como eixo principal e de maior movimentação com a Rua Augusta perpendicular a ela, proporciona ao edifício um fluxo mais intenso de pedestres vindos desses eixos, utilizando-o como local de passagem, mas, ao mesmo tempo, de contemplação. A estação Consolação, uma das principais da Linha 2 (verde) do Metrô, também intensifica o fluxo a partir do momento em que os pedestres atravessam a quadra. Outros equipamentos urbanos como os pontos de ônibus muito próximos às entradas da Avenida Paulista e da Rua Augusta são elementos que convidam o pedestre a entrar no edifício, além das calçadas que continuam dentro da quadra, como analisado anteriormente.
Fig. 18: Levantamento de fluxos (04) das ruas paralelas e perpendiculares ao Conjunto Nacional (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa).
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Fig. 19: Levantamento de mobiliário urbano (03) (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa).
Foi elaborada uma sequência de mapas1 para levantamento dos principais itens sobre o edifício e seu entorno: mobiliário urbano, fluxo da ruas, fluxo interno/circulação de pedestres, aglomeração e acessos do edifício. Os mapas auxiliam na leitura e compreensão de fatores importantes para a “vida urbana” que o edifício potencializa. 1 Os mapas foram elaborados durante a pesquisa (2012-13) a partir de visitas técnicas e levantamento em campo e podem estar desatualizados.
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Fig. 20: Mapa de fluxos internos do Conjunto Nacional em relação ao entorno (09); Fig. 21: Mapa de aglomerações internas (06) do edifício; Fig. 22: Mapa de acessos (07) do edifício (Fonte: acervo pessoal Luana Pedrosa)
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Analisando a disposição do equipamento urbano, temse a clara visão do aumento da quantidade de mobiliário urbano voltado ao transporte público nos eixos de maior trânsito de pessoas e menor quantidade de mobiliário e equipamentos na área descoberta da quadra. Na calçada da Alameda Santos, não há equipamento urbano para transporte coletivo, mas há uma maior arborização e menos postes, proporcionando um passeio mais tranquilo aos pedestres. A Avenida Paulista possui grande fluxo de pedestres e automóveis, evidentemente, pelo seu comprimento e importância dentro da cidade. A Rua Augusta, perpendicular à Av. Paulista, possui também grande fluxo, principalmente por seu caráter comercial, ligando a Av. Paulista ao Centro da cidade e ao bairro Jardins. Na Rua Pe. João Manoel há menor circulação de pedestres, porém há concentração de automóveis, principalmente pelos pontos de táxi e office-boys no local. Já na Alameda Santos, o fluxo variável de automóveis é causado influência da Rua Augusta, porém a quantidade de pedestres circulando é menor. Com maior movimentação, os acessos da Avenida Paulista e da Rua Augusta são privilegiados pela proximidade com a Estação Consolação do Metrô e pontos de ônibus. E com fluxos menos intensos, temse a Rua Pe. João Manoel, devido a maior concentração de táxis e office-boys, além da entrada do estacionamento comercial do Conjunto Nacional; e na Alameda Santos, por ter um caráter mais residencial, que dialoga com o acesso de automóveis restrito para os moradores do bloco residencial do edifício. A proposta de abertura do lote ao público, juntamente com 30
as atividades e atrações que o edifício proporciona aos pedestres esporadicamente, faz com que as pessoas se sintam convidadas a atravessá-lo. Em contrapartida, esse conceito de quadra aberta é explorado de uma forma restrita: apenas com galerias comerciais. Partindo de uma análise de Igor Guatelli (2006), em seu estudo sobre o filósofo alemão Jürgen Habermas, o mundo estaria passando por um processo de “refeudalização” em relação à vida pública, que seria, praticamente, uma privatização crescente do solo público. Há uma grande tendência da disseminação de condomínios fechados, shopping centers, centros empresariais e grandes edifícios corporativos. A Avenida Paulista é tomada por um excesso de edifícios empresariais, com seus espaços de contemplação e passeio reduzidos, porém neste cenário encontramos espaços de qualidade, tais como o MASP e seu extenso vão, o Parque do Trianon e o Cetenco Plaza. Todo o movimento que o comércio trouxe à região no passado permaneceu, tornando a rua um lugar de passagem, tendo poucos pontos onde as pessoas possam permanecer.
A LEGISLAÇÃO
Durante as décadas de 1940 e 1950, houve um processo de adensamento e transformação da malha urbana brasileira, as cidades passaram a apresentar altas taxas de urbanização e as dimensões físico-territoriais das cidades demandavam novos instrumentos urbanísticos que superassem o olhar apenas quanto ao controle de uso do solo urbano (QUINTO JR.: 2003). A legislação moderna surgiu a partir das demandas sociais diante dessa nova cidade que se criou com a industrialização, passando a ter nova lógica de produção e reprodução do capital, atraindo cada vez mais pessoas, indústrias, empresas, etc. A ocupação intensa do solo, resultado deste proceso, necessita incorporar os custos sociais dessa reprodução, como por exemplo a criação da infraestrutura urbana que atende a cidade, habitação e mobilidade (QUINTO JR.: 2003). Cria-se, nesse momento uma legislação urbana mais restritiva, que abrangeria diversas diretrizes e gerenciaria o processo de construção da cidade o que pode nos leva ao questionamento se isso é realmente benéfico para o desenho da cidade. Por este motivo, o edifício aqui analisado, da mais alta qualidade arquitetônica, só se concretizou porque seu projeto foi aprovado antes de julho de 1957, quando passou a vigorar a lei 5261, que aplicaria o coeficiente de aproveitamento. Segundo a urbanista Regina Meyer, a nova lei previa que o coeficiente de aproveitamento do lote não deveria ultrapassar o índice 6 para prédios comerciais e índice 4 para edifícios de habitação coletiva, Ela limitava a densidade residencial líquida a 600 habitantes por hectare e exigia que cada habitação correspondesse à 35m² de 33
área do lote. O Conjunto Nacional ultrapassa os limites impostos por esta lei e as que a seguiram, atualmente ele também não se enquadraria na legislação urbanística, principalmente por ocupar a quadra inteira, sem os recuos obrigatórios.
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REVISテグ DO PLANO DIRETOR DE Sテグ PAULO
EM PAUTA
Na atual gestão, a legislação que indica e gerencia as diretrizes de ocupação do solo urbano encontra-se em revisão. O Plano Diretor Estratégico deve orientar o crescimento urbano, econômico e social nos próximos 16 anos, privilegiando o debate com a sociedade civil por meio de audiências públicas e grupos de trabalho. Os dois pontos fortes desta revisão destacam-se pela intenção de incluir a participação popular nos debates sobre habitação e mobilidade. Através destes pontos, o Plano Diretor visa criar mecanismos para aproximar moradias de empregos ao incentivar a criação de edifícios habitacionais na área central e levar novos empreendimentos para as áreas periféricas, afim de contruibuir com a urbanização qualificada dessas regiões. Além disso, o Plano Diretor pretende estimular o adensamento das áreas junto aos eixos de estruturação da transformação urbana, próximos da rede existente de transporte público, a partir de uma legislação que permita a construção de edifícios que desfrutem de um melhor aproveitamento do solo urbano e que receberão um maior incentivo para construir, principalmente edifícios habitacionais que abram espaço para comércio no pavimento térreo e não priorizem os estacionamentos e garagens, desestimulando o uso de automóveis a partir de um equilíbrio da oferta de empregos e moradia nestas regiões assim como o estimulo da produção imobiliária, com o objetivo de qualificar e ampliar a oferta de espaços públicos. Outra intensão é diminuir a possibilidade de ocupação nos chamados miolos de bairro, limitando o gabarito dos edificios construídos ali em 25 metros, aproximadamente 8 andares. 37
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Fig. 21: Imagem retirada da matéria “Plano Diretor paulistano exige lojas em prédios perto de corredores” (Fonte: Folha de São Paulo).
Em uma metrópole como São Paulo, onde há grande diversidade socioeconômica visível na produção do espaço urbano, essa revisão do Plano Diretor é uma chance de se construir o edifício para a cidade e para seus usuários, e não somente para o lote de forma introspectiva. De fato, David Libeskind trouxe ao seu projeto a qualidade de espaço coletivo, aberto, convidativo e permeável a qualquer pedestre que passe por sua quadra, aproveitando-se do uso misto previsto no programa arquitetônico. Quando essa intenção transforma-se em legislação, que de maneira mais consciente que a atual, entende este processo como consequência do coas desenfreado de urbanização e de ocupação do solo, fica claro que o desenho do edifício mais generoso e da cidade mais qualificada será o resultado dessas diretrizes. Resgata-se, portanto, a discussão da vida na urbe, e não mais 39
da vida dentro de um lote isolado. A definição e a importância do uso do pavimento térreo às galerias comerciais juntamente com a intenção de trazer moradia para os eixos próximos à rede de transporte público já evidencia de forma indireta o uso misto, que traz grande movimentação e vida para as ruas, tornando o espaço da calçada mais seguro, receptivo, de forma a priorizar o trafego pedestres, qualidade urbana vista no Conjunto Nacional. Assim, o desenho desses novos edifícios não será somente o desenho de edifícios vistos de forma isolada, e sim o desenho da extensão do tecido urbano, um desenho de transição do espaço público para o espaço privado, e não mais de uma ruptura entre um e outro. Os desdobramentos dessas diretrizes em desenho podem variar com uma minuciosa leitura do contexto em que a arquitetura estará inserida, lembrando que a cidade não deveria comportar edificações desconectadas da malha urbana, e sim priorizar edíficos que estabeleçam uma conversa com todo seu entorno. São Paulo pode reconquistar, através de um instrumento político de gestão urbana, um desenho que foi negado pela própria cidade ao longo de décadas: quadras permeáveis aos pedestres, com ruas e calçadas que permitam a livre circulação de seus habitantes.
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REFERÊNCIAS 42
Site do Condomínio Conjunto Nacional [s/d]: Arquitetura: O Projeto de David Libeskind. Condomínio Conjunto Nacional. Disponível em: <http://www.ccn.com.br/arquitetura.php>. Acesso em: 13 junho 2013 às 15h51. BRASIL, Luciana T. (2007): A obra de David Libeskind – Ensaio sobre as residências unifamiliares. São Paulo: Romano Guerra Editora, Edusp. 160 p.: Il. (Coleção Olhar Arquitetônico, 2) FIALHO, Roberto N.(2007): Edifícios de escritórios na cidade de São Paulo. 385 p. Tese de doutoramento – FAUUSP. São Paulo. GERAQUE, Eduardo; GALLO, Ricardo (2013): Plano Diretor paulistano exige lojas em prédios perto de corredores. Disponível em <http://www1.folha. uol.com.br/cotidiano/2013/08/1331928-planodiretor-paulistano-exige-lojas-em-predios-pertode-corredores.shtml>. Acesso em: 24 setembro 2013 às 20h45. GUATELLI, Igor (2006): Edifício FIESP-CIESPSESI: de “landmark” a “container”?. Disponível em < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/07.079/286>. Acesso em: 18 junho 2013 às 20h48.
IACOCCA, Ângelo (1998): A Conquista da Paulista: Conjunto Nacional. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis,126 p. MEYER, Regina M. P (1991): Metrópole e Urbanismo - São Paulo anos 50. Tese de doutoramento, São Paulo, FAUUSP. QUINTO JR., Luiz de Pinedo (2003): Nova legislação urbana e os velhos fantasmas. Estudos Avançados. São Paulo, v. 17, no. 47. Jan./Abr. 2003. Disponível: <http://www.scielo.br/scielo. php?pid=S0103-40142003000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 19 abril 2014 às 10h45. SCHWARZ, Roberto (1999): Seqüências Brasileiras. São Paulo, Companhia das Letras. URSINI, Marcelo L.(2005): Espaços francos na Avenida Paulista. Texto beaseado na dissertação de mestrado. Disponível: <http://www1.sp.senac.br/hotsites/campus_ santoamaro/Simposio_Arquitetura_Urbanismo/2012/arquivos/ Marcelo_Ursini.pdf>. Acesso em: 25 novembro 2012 às 15h34. VIÉGAS, Fernando Felippe (2003): Conjunto Nacional: A Construção do Espigão Central. Dissertação de mestrado, São Paulo, FAUUSP. XAVIER, Denise. (2007): Arquitetura Metropolitana. 1ª edição. São Paulo: Annablume, Fapesp. 198 p.
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AUTORES
Pesquisa desenvolvida durante o período de agosto de 2012 à agosto de 2013. Artigo apresentando em maio de 2014 na XXV Conferencia Latinoamericana de Escuelas y Facultades de Arquitectura (XXV CLEFA 2014) em Assunção, Paraguai. Esta publicação é resultado do artigo apresentado no XXV CLEFA 2014. Luana Pedrosa Estudante de graduação, bacharelado em Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Senac São Paulo, aluna pesquisadora do Programa de Iniciação Científica do Centro Universitário Senac (2012-2015). Tem experiência no setor público e privado, com estágio cumprido na Pró-Reitoria de Planejamento da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e no escritório Zoom Urbanismo Arquitetura e Design. Silvio Sguizzardi Arquiteto e Urbanista formado pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie (2000) e Mestre pela FAU USP (2011). Desde maio de 2009 é sócio do escritório Sguizzardi.Coelho Arquitetura. Atualmente leciona na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi professor do Centro Universitário FIAM-FAAM no curso de Arquitetura e Urbanismo (2001 a 2014) e do Centro Universitário SENAC, nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Design Industrial da graduação e na pós graduação no curso de Arquitetura Comercial (de 2008 a 2014). Tem experiência nas áreas de projetos e obras de arquitetura, projetos expositivos e design. 45
Este caderno foi elaborado com o intuito de compilar a informação reunida durante a pesquisa e disponibilizá-la para consulta online, sem qualquer finalidade lucrativa. O caderno está no formato 148 x 210mm (A5) e as fontes utilizadas foram Swis721 BlkEx BT e Swis721 Cn BT. Arte, diagramação e conteúdo feito pela própria autora do artigo.