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MUITA LUTA, ALGUMAS CONQUISTAS

“É necessário que o estado do Espirito Santo tenha, de fato, um estudo e política sistematizada para assegurar que nós, LGBT+, tenhamos o direito ao acesso e permanência na escola, tratamento na saúde, segurança, emprego”.

Christovam Mendonça13

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As conquistas Estaduais e Municipais que o Movimento LGBT vivencia atualmente são frutos de intenso trabalho e da inquietude daqueles que desde o final da primeira década dos anos 2000 se constituiram de maneira organizada e bem articulada em diferentes setores da sociedade capixaba para lutar contra a LGBTfobia.

As glórias deste movimento começam, aos poucos, a aparecer. Espaços estão sendo conquistados, lutas estão sendo cada vez mais encampadas e podemos considerar que nos últimos dez anos esse movimento conquistou ainda mais espaço no estado - espaço este que ainda é pequeno para quem tem de viver diariamente com o peso do estigma e com a LGBTfobia enraizada na sociedade, porém grandioso para um movimento que se organizou de forma espontânea mesmo com tanta dificuldade e que já venceu muitas batalhas.

Os avanços conquistados, contudo, não podem ser interpretados – e não o são – como o melhor que o Espírito Santo e que os seus municípios podem fazer por essa população. Ainda há muitas batalhas para vencer, muito preconceito para derrubar e muita lei para ser aprovada.

No âmbito do Legislativo, por exemplo, ainda não há uma lei estadual que criminalize a LGBTfobia. A maioria das Secretarias do Estado, ao que pudemos perceber com a apuração deste livro-reportagem, não possuem ações que contemplem este público e que contribua para uma promoção de melhores condições, principalmente nos campos da educação, cultura, saúde, mobilidade urbana e trabalho.

Carecemos, ainda, de políticas públicas efetivas, que saiam dos pa-

13 Trecho do discurso do militante Christovam Mendonça na Audiência Pública Homofobia e Políticas Públicas para LGBT (27 de abril de 2012, Assembleia Legislativa do ES.

peis e que sejam verdadeiramente pensadas para e com a população LGBT+ deste estado. O Movimento LGBT+ no Espírito Santo, de uma forma geral, reconhece as conquistas e luta para ter uma gama ainda maior delas.

Segue-se batalhando para a conquisa do tripé da cidadania LGBT+ que, neste momento, já conquista dois dos três importantes pilares. Nesse tripé estão a criação de um Conselho Estadual, a criação de uma Gerência/Coordenação institucionalizada de promoção da Defesa dos direitos LGBT+ e criação de um Plano Estadual de Enfrentamento à LGBTfobia. Como mostraremos a seguir, a aprovação do Conselho Estadual foi conquistada em 2016 (e a efetivação do Conselho em si em 2017) e a Gerência/Coordenação específica os LGBT+ foi conquistada também em 2017, restando somente o Plano Estadual como uma etapa ainda não avançada nesse aspecto da luta.

Elencaremos a seguir aquelas que ao nosso ver foram as principais conquistas LGBT+ neste estado. Algumas, protagonizadas pelo Poder Público. Outras, pelo Movimento da Sociedade Civil Organizada. Mas, sem dúvidas alguma, todas as conquistas, listadas aqui ou não, são fruto da luta e resistência das pessoas que em diferentes épocas e contextos reafirmaram seus direitos à existência, à liberdade e à igualdade.

Sabemos, é claro, que não seria possível dar conta de todos os frutos produzidos por um movimento tão heterogêneo no grande espaço de tempo que nos propomos a analisar aqui. Por isso, buscamos compilar somente alguns pilares, as conquistas evidentes. De forma alguma optamos por fazer isso de forma reducionista, vale ressaltar. O esforço é somente para que tenhamos um ponto de partida e um de chegada.

Por isso, abordaremos a institucionalização da luta com as coordenações, gerências, leis e decretos existentes, as conferências estaduais realizadas, a atuação do Fórum LGBT no estado, a criação do Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - CELGBT+, as audiências públicas, a inauguração do Ambulatório Trans e as Paradas LGBT+ que acontecem praticamente todos os anos em municípios do estado.

A luta institucionalizada: coordenações, gerências, leis e decretos

Em 2002 a primeira lei no Espírito Santo voltada para a população LGBT+ foi aprovada: a Lei 7.155/2002 que versa sobre a inclusão de matéria sobre orientação sexual no currículo de ensino fundamental da rede estadual de ensino do Estado do Espírito Santo. A temática, mais atual do que nunca, desde então não deixou de ser uma reivindicação do Movimento LGBT+ no estado, que sempre lutou e continua lutando para que o ensino seja mais receptivo à diversidade.

Embora outras iniciativas como programas, eventos e conferências já acontecessem institucionalmente desde o início dos anos 2000 - sem grandes sucessos evidentes, como foi o caso da implementação do Brasil Sem Homofobia em 2005, foi somente em 2009 que o estado conseguiu aprovar a Lei 9.310/2009, que institui o Dia Estadual de Combate à Homofobia.

Em 2017, entretanto, a vitória foi mais concreta, já que a estrutura governamental ganhou, pela primeira vez, uma área específica para tratar as questões da diversidade sexual. A Coordenação de Políticas Públicas para Diversidade Sexual e de Gênero foi criada pela Secretaria Estadual de Direitos Humanos (SEDH) com o intuito de desempenhar um trabalho de articulação e execução de políticas públicas junto ao Movimento LGBT+, “estabelecendo parcerias com outras Secretarias Estaduais, Prefeituras Municipais, Empresas Privadas e Movimento Social Organizado”, de acordo com o Relatório de Gestão da Coordenação de Políticas Públicas Para a Diversidade Sexual e de Gênero de 2018.

“As Políticas Públicas para Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) podem ser definidas como um conjunto de ações, projetos e atividades que são desempenhados pelo Estado e também pela sociedade civil, a fim de promover a Inclusão de grupos sociais anteriormente marginalizados e em estado de vulnerabilidade. As políticas públicas, na prática, são a defesa e garantia de direitos assegurados constitucionalmente no reconhecimento dos novos direitos. Assim, tais políticas corroboram para garantir e reconhecer a cidadania deste público, tal como a visibilidade para as pautas, anseios, deman-

das, produção, cultura e identidade LGBT” (Relatório de Gestão da Coordenação de Políticas Públicas Para a Diversidade Sexual e de Gênero). Em 2019, a pauta ganha uma nova e importante vitória: a Coordenação passa a ser gerência, o que fortalece a luta e garante mais estabilidade dentro da SEDH.

Em Junho de 2018, a SEDH assinou o Pacto Nacional de Enfrentamento da Violência LGBTfóbica. O pacto nacional prevê uma série de medidas que têm como principal objetivo minimizar o crescimento exacerbado da violência contra a população LGBT. A validade do documento é de dois anos, podendo ser prorrogado por mais dois. Entre outras responsabilidades do estado para com o pacto, está contribuir com a articulação de recursos financeiros para financiar ações propostas no Plano de Ação e, ainda, em divulgar e fornecer dados relativos às denúncias de violações de direitos humanos do Disque Direitos Humanos.

Quando o assunto se volta para os municípios, dos 78 que compreendem o Espírito Santo somente dois possuem em sua estrutura administrativa uma Gerência/Coordenação voltada para a pauta LGBT+: os municípios de Cariacica e Vitória.

Vitória. A capital Vitória, que foi o primeiro município a instituir um Fórum Municipal, criado, segundo o portal da Prefeitura, no final de 2005, só foi ganhar uma Coordenação específica voltada à temática LGBT+ em 2010. Em 2006 a pauta LGBT ganhou mais força no município com a criação da Coordenação de Atendimento às Vítimas de Violência e Discriminação (Cavvid), que fazia atendimentos às vítimas de violação de direitos humanos com foco na violência doméstica, discriminação de gênero, racial e por orientação sexual.

De lá pra cá, entretanto, as conquistas pararam no tempo: apesar de quase quinze anos de luta institucionalizada, ainda não possui Conselho Municipal LGBT e nem Plano Municipal de Enfrentamento à LGBTfobia. Faz-se necessário, entretanto, relatar que felizmente o município conta com as seguintes leis:

Lei 8.552/2013 que institui o dia Dia Municipal Contra a Homofobia e

o insere no calendário oficial de eventos do município de Vitória;

Lei 8.585/2013 que dispõe sobre os parâmetros para a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da Administração Direta e Indireta;

Lei 8627/2014 que dispõe sobre a prática de discriminação no município de Vitória, incluindo a discriminação por orientação sexual.

Cariacica. O município de Cariacica foi o primeiro a criar uma Coordenação voltada à pauta LGBT+ e, atualmente, é o que mais se aproxima de ter o Tripé da Cidadania LGBT. Por meio da lei 4697/2009 instituiu a Coordenação de Política de Promoção da Diversidade Sexual e com a Lei nº 020/2013, criou o primeiro Conselho Municipal de Enfrentamento à Discriminação LGBT e Promoção de Direitos do Espírito Santo.

Colatina. Outro município que também conta com legislação voltada para o público LGBT+ é Colatina, pioneira nesse tipo de ação com a lei criada em 2007. Com a Lei nº 5.304/2007 institui no âmbito do município de Colatina a promoção e o reconhecimento da liberdade de orientação, prática, manifestação, e identidade sexual, além de estabelecer penalidades aos estabelecimentos localizados no município que discriminarem pessoas em virtude de sua orientação sexual e identidade de gênero.

Cachoeiro de Itapemirim. O município de Cachoeiro de Itapemirim conta com uma lei, de 2013, que instituiu o dia 17 de maio como o ‘Dia de Luta Contra a LGBTFobia’, no âmbito de Cachoeiro de Itapemirim-ES.

Quatro anos após a tentativa da implantação do programa federal Brasil Sem Homofobia, a I Conferência Estadual de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais no Espírito Santo foi realizada, entre os dias 27 e 28 em abril de 2008. Essa conferência precedeu o encontro nacional que ocorreu em junho do mesmo ano, em Brasília, e foi convocada por um decreto assinada pelo presidente da República à época, Luiz Inácio Lula da Silva.

No Estado, a Conferência foi convocada pela Secretaria de Estado do Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social. Pode se dizer que de fato representou um marco na luta pelos direitos humanos LGBT+ no Espírito Santo, porém, a sua importância se deu muito mais pelo pioneirismo e amplitude do que pelas políticas públicas institucionalizadas pelo encontro em si.

A intenção, com as Conferências Estaduais, era propor diretrizes para a implementação de políticas públicas e do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, avaliar e propor estratégias para fortalecer o Programa Brasil Sem Homofobia, bem como escolher delegados que teriam poder de voto na etapa nacional e discutir a realidade local, definindo propostas de políticas públicas que seriam expostas e debatidas no encontro em Brasília. A 1ª Conferência Estadual LGBT foi realizada entre os dias 27 e 28 de abril de 2008, no Alice Vitória Hotel, no Centro de Vitória.

Os aproximadamente 150 participantes discutiram um texto base escrito pelo Governo Federal para nortear o debate das conferências. O texto base dizia que essas conferências representavam um marco histórico na luta pela Cidadania e Direitos Humanos da população GLBT, que tinha a grande responsabilidade de discutir e propor, de forma coordenada e com a garantia de participação popular, as políticas que nortearão as ações dos Poderes Públicos.

Como é possível perceber, a 1ª Conferência LGBT representou um importante espaço de discussão e formulação de propostas, mesmo que a grande maioria ainda não tenha se concretizado no Estado. O cenário,

não há como negar, era diferente do atual: um número restrito de entidades LGBTs que, consequentemente, tinha menos voz e que ainda era relativamente desarticulado e um Governo que não contava com uma Subsecretaria específica para tratar a questão dos Direitos Humanos, estando, este tópico, representado pela pasta da Assistência Social em uma secretaria que, sobrecarregada, cuidava ainda de questões relacionadas ao Trabalho e Desenvolvimento Social, a Setades.

Esse evento foi mais um passo importante para que caminhada LGBT chegasse ao cenário atual, que conta com uma pluralidade de vozes, políticas institucionais mais acentuadas e debate mais ampliado. Dessa forma, arriscamos dizer que talvez uma das principais contribuições deste primeiro passo tenha sido a promoção de uma maior articulação entre o movimento social LGBT e o Governo do Espírito Santo e do próprio movimento entre si.

A II Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) foi realizada nos dia 06 e 07 de novembro, de 2011. Com o tema central “Por um país livre da pobreza e da discriminação: Promovendo a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”, a Conferência teve como objetivo avaliar e propor diretrizes para a implementação e execução do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, bem como sugerir estratégias para seu fortalecimento.

O evento foi organizado pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho e Direitos Humanos (SEASTDH), por meio do Decreto no 2810- R, de 25 de julho de 2011, assinado pelo governador em exercício, Givaldo Vieira da Silva, e foi realizado no Sesc Ponta Formosa, em Aracruz.

De acordo com o relatório final da Conferência, essa ação foi feita para dar continuidade aos avanços em prol da promoção da cidadania de LGBT, cujo marco foi a realização da I Conferência Nacional, em 2008. A etapa estadual foi antecedida pela realização de 08 Conferências Municipais e 03 Conferências Regionais, envolvendo 42 municípios do Estado e 1.134 participantes, entre delegados (as) e convidados(as). Esses números comprovam o resultado da mobilização realizada pela Subsecretaria Estadual de Direitos Humanos e pela Comissão Organizadora.

Participaram da 2ª conferência 196 pessoas, entre eles, 180 delegados e delegadas eleitas nas etapas municipais e regionais, e 16 convidados.

Foram escolhidos 16 delegados (dez para a sociedade civil e seis para o poder público) que representaram o Estado na II Conferência Nacional LGBT, realizada em Brasília, durante os dias 15 e 18 de dezembro do mesmo ano. O relatório final da conferência estadual traz duas moções de repúdio - contra o Senador Magno Malta, “diante da postura do Senador Magno Malta, pelo uso do poder político e uso da religiosidade para ridicularizar, difamar e excluir a população LGBT, dificultando o seu acesso à cidadania plena” – e à Secretária Municipal de Saúde do município de Vila Velha/ES, pela “(...) situação em que se encontra o Programa Municipal de DST/Aids de Vila Velha. Considerando que o programa esta sucateado, solicitamos ao Conselho Municipal de Saúde que assuma o seu papel de agente fiscalizador e cobre as devidas providências ao gestor municipal. Solicitamos, ainda, a intervenção do Ministério Público Estadual para a garantia dos direitos humanos das pessoas vivendo com HIV/Aids e das demais pessoas que procuram este serviço”. (RELATÓRIO FINAL, 2011).

O documento traz ainda uma moção de recomendação ao Governador, Renato Casagrande, para que “considerando as graves violações de direitos humanos, o Sr. Governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, crie a Secretaria Estadual de Direitos Humanos”.

Para o militante Antônio Lopes, a 2a Conferência Estadual representou um importante evento para a questão homossexual no Estado. “Tivemos um salto muito significativo da primeira pra segunda, já vimos um aceno da possibilidade de se construir um cenário melhor. Tivemos um resultado bacana em termos de números de municípios participantes e debates”.

Pelo direito à Diversidade Sexual e Identidade de Gênero de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, o Governo do Estado do Espírito Santo convocou e realizou a III Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT.

Segundo o relatório final, a construção desta Conferência não foi fácil, “diante de um cenário de crise econômica, aliado a dificuldade de alguns municípios em discutirem a temática, além da mudança da

subsecretaria de direitos humanos para a vice-governadoria do Estado”. A mobilização ficou prejudicada, no entanto, duas conferências regionais foram realizadas, além de duas conferências livres e quatro conferências municipais, envolvendo cerca de 600 pessoas entre delegados(as) e convidados(as).

Na Conferência Estadual 138 participaram, sendo 108 delegados e delegadas do Espírito Santo, advindos dos municípios que se reuniram nos dia 06 e 07 de dezembro de 2015 para discutir, debater, conferir e traçar políticas públicas para o combate a violência e promoção da cidadania LGBT.

Do relatório final: “o debate foi rico, conseguimos pensar propostas inovadoras para as políticas de combate a violência e promoção da cidadania LGBT, é tempo de avançarmos na efetivação e implementação destas políticas, é hora dos governos municipais, estaduais, federal e da sociedade civil organizada unirem forças e trabalharem juntos em prol de efetivarmos a cidadania e os direitos de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.”

Foram escolhidos 27 delegados (20 para a sociedade civil e sete para o poder público) que representaram o Estado na III Conferência Nacional LGBT, realizada em Brasília, no mesmo ano.

Com o tema “A garantia do direito à diversidade sexual e de gênero para a conquista da democracia”, a IV Conferência Estadual de Políticas Públicas e Direitos Humanos de LGBT foi realizada pela Secretaria de Direitos Humanos (SEDH) e pelo Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - CELGBT+. O evento, de acordo com o portal da SEDH, reuniu cerca de 200 pessoas e representantes de mais de 30 municípios do Estado no Hotel Praia Sol, em Nova Almeida.

A Conferência Estadual discutiu, prioritariamente, as propostas para a criação do Plano Estadual de Enfrentamento da LGBTfobia, que irá contribuir para a implementação das políticas públicas para a população LGBT+ capixaba.

Os debates e propostas da IV Conferência se estruturaram em três eixos: Direitos Sociais e o acesso à cidadania; Políticas Públicas de Pre-

venção e Combate à Violência LGBTfóbica; e Política Nacional. O objetivo principal foi tratar dos direitos da população LGBT+ do Espírito Santo e traçar propostas para as políticas públicas em âmbito municipal e estadual, especialmente no que diz respeito à saúde, cultura, justiça, assistência social, segurança, participação social, entre outros.

O relatório final da IV Conferência não foi finalizado até a publicação deste livro, por isso não trouxemos informações oficiais mais detalhadas sobre a edição.

Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - CELGBT+

A demanda por um Conselho Estadual específico para a temática LGBT+ é antiga e sempre foi debatida pelo Movimento LGBT+ no Estado do Espírito Santo. Antes de ter um Conselho próprio, as questões LGBT+ eram debatidas pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos ou em espaços extra-oficiais como é o caso do Fórum Estadual em Defesa da cidadania LGBT+. O ano de 2016 terminou com essa importantíssima conquista para os Direitos Humanos e para a militância LGBT do Espírito Santo. A aprovação da criação do CELGBT+ surpreendentemente aconteceu por unanimidade entre os deputados estaduais presentes na votação.

Fábio Veiga, militante LGBT+ e presidente do primeiro biênio do Conselho Estadual para a Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (2017-2019) explica que sua criação foi uma luta conjunta. “É importante registrar que essa não é uma vitória apenas para a geração de militantes atual, pois ativistas desde a década de 90 vem trabalhando para que o ES tenha um espaço institucional como esse para a garantia das políticas públicas para a nossa população”, explica.

Sobre o primeiro biênio do CELGBT+, Fábio conta que as atividades foram diversas. “O Conselho fez reunião com todas as Secretarias de Governo que têm algum tipo de proximidade com a temática, criando

assim possibilidades diversas de atuação. Fizemos também cobranças de políticas, participamos e construímos seminários, rodas de conversa, fizemos visita ao presídio para fazer contato com a população de gays, bissexuais e trans. Além disso, as nossas câmaras técnicas monitoraram as políticas em diversas áreas”.

O Conselho LGBT+ tem por objetivo tratar, de forma participativa, dos assuntos inerentes à promoção, proteção e defesa da população LGBT, com os recortes de diversidade sexual e de gênero hábeis a atenderem aos anseios e às demandas deste segmento da sociedade.

Constituído de forma paritária, por 12 membros representantes do poder público estadual e por mais 12 membros representantes da sociedade civil, dos quais 11 eleitos dentre candidatos apresentados por organizações sem fins lucrativos ou coletivos com sede e atuação no território do Estado, e um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES).

Na parte da sociedade civil está garantido o percentual de 60% de pessoas com identidade de gênero feminina e assegurada, pelo menos, uma vaga à representação para cada um dos segmentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, podendo ser representados por associações, grupos, fóruns municipais, regionais e estaduais voltados à promoção e defesa dos direitos da população LGBT+; instituições ou coletivos da comunidade científica que desenvolvam estudos ou pesquisas sobre tal grupo; e entidades profissionais, órgãos de classe e sindicatos que tenham atuação na promoção, defesa ou garantia de direitos da população LGBT.

A sensação, segundo Fábio, é que ao final desta primeira gestão pode-se dizer que o trabalho valeu a pena. “Este é um Conselho altamente ativo pelos seus membros. Sempre tivemos um quorum qualificado com debates qualificados. Foi só o início dessa atuação importantíssima para o Movimento LGBT+ no Espírito Santo”, finaliza.

O Fórum Estadual em Defesa da Cidadania LGBT+ foi criado com o propósito de articular a luta em defesa dos direitos das pessoas LGBT+, pensar políticas públicas, debater temas importantes e organizar agendas comuns ao movimento no Espírito Santo. É um espaço permanente e, de acordo com sua carta de princípios, “uma articulação estadual de entidades governamentais e não governamentais de luta pelos direitos dos LGBT+, acima de distinções religiosas, raciais, ideológicas ou partidárias, aberta à cooperação com entidades governamentais e não governamentais para a consecução de seus objetivos”.

Segundo a página do Fórum na rede social Facebook, a organização fomenta “a valorização da diversidade sexual, primando pela autonomia e pela liberdade individual, e a consecução do respeito e da dignidade humana de todas as pessoas, através das condições que favoreçam a conquista da cidadania plena de todos e todas e da conquista dos direitos sexuais e reprodutivos, independente de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero”.

Este Fórum realiza reuniões e discussões periódicas abordando os assuntos atuais que envolvem essa parcela da população, promovendo eventos, auxiliando na articulação de grupos e entidades que tenham a temática como fio-condutor e constitui um espaço de extrema importância na discussão e disseminação de informações referentes à comunidade LGBT+.

Outro importante feito do Fórum, tem sido a organização das programações alusivas às datas referentes à luta LGBT+ no Estado. O espaço tem reunido todos os eventos nos meses que contam com datas importantes e organizado uma agenda comum ao estado, o que contribui e muito para a visibilidade das ações e também para a manutenção da memória desses eventos, uma vez que fica tudo registrado nas redes sociais do Fórum.

A militante e participante do Fórum Estadual, Deborah Sabara, vê o espaço com bastante importância para o Movimento LGBT+. “O Fórum é um dos maiores instrumentos políticos da luta LGBT+ no Estado. Não podemos nos esquecer de todas as pessoas que já passaram por esse

espaço, todas foram importantes. Já fomos parceiros, nos ajudamos, concordamos, discordamos, brigamos, gritamos, choramos... mas sempre juntos e sempre promovendo um debate enorme no Estado”.

No passado, o Fórum já se organizou como um grupo de e-mails, mas com o passar dos anos e o surgimento de novas formas de comunicação, esse espaço também passou por mudanças. Hoje conta com uma página sempre atualizada no Facebook, um perfil igualmente atualizado no Instagram e um grupo ativo que troca informações, debate sobre temas da atualidade e divulga eventos relacionados à pauta no whatsapp, que em janeiro de 2020 conta com 81 participantes.

Audiências públicas pelo fim da LGBTfobia

A audiência Pública “Homofobia e Políticas Públicas para LGBT” foi realizada na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) no dia 27 de abril de 2012. A convocação da audiência foi feita pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Ales, mas o evento foi solicitado pelo Fórum Estadual LGBT. O evento contou com a presença de cerca de 100 pessoas entre representantes de entidades da sociedade civil e poder público.

Estiveram presentes na audiência o deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ), o coordenador do Rio Sem Homofobia, Cláudio Nascimento, que vieram ao Estado e discutiram propostas, o Subsecretário de Direitos Humanos Perly Cirpiano, Fábio Luiz Amorim, representando a Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo, Julimar Spares, representante da Secretaria de Estado de Saúde, João José Sana, Secretario de Esporte, Cidadania e Direitos Humanos, Flávia Brandão representando a OAB, Gilmar Ferreira, presidente do Conselho Estadual de Direitos humanos, Antônio Lopes e Deborah Sabará representando o Fórum Estadual LGBT, Gilma Alves Batista, Defensor Publico Geral do Espirito Santo, Carla Rezende, representante da Secretaria de Turismo e Sergio Almeida Melo, representante do Secretário de Segurança.

Antes de participar da audiência pública, o então deputado Jean Wyllys e representantes do Fórum Estadual LGBT+ se encontraram com

o governador do Estado Renato Casagrande, que se comprometeu em atender aos pedidos dos militantes.

No dia 12 de novembro de 2013, mais uma vez a Ales foi ocupada pela temática LGBT+, dessa vez focada na construção do Tripé da Cidadania LGBT+.

“A Consolidação de Direitos para a Diversidade Sexual” foi o tema do debate, que contou com a palestra do, à época, coordenador-geral de Promoção dos Direitos de LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), Gustavo Bernardes.

Na composição da mesa estiveram o deputado Cláudio Vereza (PT) e o então secretário de Direitos Humanos e Cidadania da Serra, Sebastião Sabino. Também participaram representantes dos movimentos LGBT+ e de Direitos Humanos, como o membro do Fórum Estadual pela Cidadania LGBT+ Fábio Veiga e o diretor da Diversidade Sexual do Sindicato de União dos Professores do Espírito Santo (Sindiupes), Cristovam de Mendonça.

Já em maio de 2016, a Ales abriu espaço para debater as políticas públicas voltadas para o Movimento LGBT+ - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros. A audiência pública “Política Social e a População LGBT” foi uma iniciativa do deputado Sergio Majeski (PSDB). Um dos objetivos da iniciativa, segundo Majeski em entrevista ao Portal da Ales, foi diminuir o preconceito que atinge esse segmento. “Estamos falando de uma população que precisa de visibilidade. Mais do que isso, precisamos informar a população para que diminua a quantidade de preconceito, pois o mesmo é fruto do não conhecimento, da falta de informação.”, afirmou.

Os convidados foram as integrantes do Fórum Estadual LGBT do Espírito Santo, Ana Regina Bourguignon e Natália Becher; o então coordenador da Articulação Brasileira de Gays (ARTGAY) no Espírito Santo, Fábio Veiga; a presidenta do Grupo Orgulho Liberdade e Dignidade, Deborah Sabará; e o então vice-coordenador do Instituto Brasileiro de Transmasculinidade no Espírito Santo, Murilo Lopes Teixeira.

Por fim, em julho de 2019, foi a vez de debater sobre a construção de um plano estadual para lutar contra o preconceito sofrido pelas pes-

soas LGBT+. A audiência pública “Construção do Plano de Enfrentamento à LGBTfobia” foi proposta pela deputada e vice presidente da Comissão de Direitos Humanos, Iriny Lopes (PT). Compuseram a mesa o gerente de Política de Diversidade Sexual e Gênero da Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDH), Renan Cadais, o Secretário Municipal de Cidadania, Direitos Humanos e Trabalho de Vitória, Bruno Toledo, a presidente da Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade (Gold), Deborah Sabará e a integrante do coletivo Santa Sapataria, Carolina Maria.

O Ambulatório Trans

Uma vitória e tanto para o Movimento LGBT+ no Espírito Santo aconteceu quando o hospital universitário Cassiano Antônio de Moraes (UFES) foi habilitado pelo Ministério da Saúde para realizar procedimentos ambulatoriais do processo transexualizador. De acordo com matéria publicada no portal do Ministério da Saúde, 10 serviços foram habilitados para processo de redesignação sexual no país, sendo 5 centros hospitalares e ambulatoriais e 5 centros com atenção apenas ambulatorial.

Esse foi o primeiro serviço do estado do Espírito Santo a ser habilitado, uma demanda antiga pela qual o Movimento LGBT+ sempre lutou. O hospital faz atendimento multidisciplinar e exames complementares necessários à população trans.

Os serviços habilitados têm como responsabilidade oferecer a assistência diagnóstica e terapêutica especializada aos indivíduos com indicação para a realização do processo transexualizador no âmbito do SUS. Em 2017, o SUS realizou 9.364 procedimentos ambulatoriais e 83 procedimentos cirúrgicos.

Segundo Rafael Alcântara, atendido pelo ambulatório em seu processo transsexualizador, a realidade na maioria dos casos é que as pessoas trans acabam se hormonizando por conta própria justamente pela carência de serviços como esse. “O ambulatório trans é o local em que me sinto seguro para ser atendido sabendo que vou conseguir resolver os problemas de saúde que eu possa ter, sendo tratado como quem eu

realmente sou. Eu o vejo como uma esperança para todas as pessoas trans que desejem iniciar uma transição com segurança”, relata.

E acrescenta: “ter um espaço como esse é muito importante para ter acompanhamento médico e realizar tudo de forma mais segura”.

Desde 2008, o SUS oferece cirurgias e procedimentos ambulatoriais para pacientes que precisam fazer a redesignação sexual. São eles: cirurgias de redesignação sexual; de mastectomia (retirada de mama); plástica mamária reconstrutiva (incluindo próteses de silicone) e; cirurgia de tireoplastia (troca de timbre de voz). Além disso, no campo ambulatorial, há terapia hormonal e acompanhamento dos usuários em consultas e no pré e pós-operatório.

Por se tratar de um hospital-escola, Rafael aponta que há uma grande importância política na sua existência também. “O Ambulatório promove o encontro de muitos profissionais cisgêneros com pessoas trans. Eles acabam podendo vivenciar os problemas da nossa população e esse contato direto é muito importante”, explica.

Manifestos e Paradas LGBT+

As Paradas e Manifestos do Orgulho LGBT+ se popularizaram no Brasil e viraram uma das ações afirmativas que, de forma abrangente, tornam a pauta mais visível no país. No Espírito Santo, desde a primeira década dos anos 2000, podemos encontrar municípios que realizam - muitas vezes por meio de muito esforço do Movimento LGBT e pouquíssimo esforço do poder público - suas manifestações anuais.

Entre esses municípios, Serra, Vitória, Cariacica, Colatina, Guarapari, Piúma, São Gabriel da Palha, Linhares, Vila Velha e Cachoeiro de Itapemirim já realizaram e/ou ainda realizam anualmente paradas e manifestos pedindo por mais direito e acesso para a população LGBT+.

De maneira geral nesses espaços há sempre reivindicações importantes para o Movimento LGBT+ por mais visibilidade, segurança, respeito e acesso à saúde, educação, segurança, trabalho e demais direitos. Há, também, muitos shows, apresentações culturais, festa e

comemoração pela vida das pessoas LGBT+ que, como todas as outras, são “pra brilhar e não pra morrer de fome”14 .

Layza Lima, trans e militante pelo Movimento LGBT+ no Espírito Santo já participou da realização de doze Manifestos no município da Serra. De acordo com ela, o evento representa um momento em que é possível sensibilizar gestores do poder público e a sociedade civil para a pauta.

“Estamos buscando políticas públicas efetivas, equiparativas, de direitos de igualdade. Os Manifestos são atos político. A gente se diverte e celebra o momento, sempre com a consciência que estamos reivindicando os nossos Direitos à vida, ao trabalho, à renda e à dignidade”, afirma.

14 Trecho da música “Gente” de Caetano Veloso.

Ato público - Dia Internacional de Combate à LGBTfobia, 2018. Acervo: Fórum Estadual LGBT do Espírito Santo.

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