PRETOBIOGRÁFICO Treze faixas, uma identidade. Em Xenia, álbum inaugural da baiana Xênia França, a identidade negra floresce nas seivas de raízes antepassadas. Tic-tac-Tic-tac-Bum-Tic-tac-Tic-tac-Bum, rompem os tambores, atabaques, chocalhos e agogôs num ritual de candomblé, numa iniciação: a inserção de Xênia França no Afropop Brasileiro. Num conjunto de treze faixas, a baiana conta a sua – e de muitos – história, através de um canto doce, mas que brada pelo reconhecimento e emponderamento da cultura e identidade negra. Pretobiografia, a misturar cantigas iorubás, jazz e elementos da percussão afro-brasileira, em uma sinfonia nostálgica, intimista e historicizada. Xenia (2017, independente) conta com a colaboração da Natura Musical e as bençãos dos Orixás e Ancestrais da baiana. Na primeira faixa, intitulada Pra que me chamas? levanta questionamentos acerca da afroapropriação cultural, com uma mensagem diretiva (ao público branco), repele – num canto suave, mas recheado de bravata – as atitudes desse público, no que diz respeito a utilização de elementos e discursos da cultura negra. Luta pela sua visibilidade, pelo seu lugar de fala, e ressalta sua indignação ao perguntar àquele que de sua cultura se apropria: Pra que me chamas se não me conhece? Subsequentemente, transmuta seu corpo em percussão, em instrumento, faz-se música – no sentido mais fidedigno do termo – ao afirmar Música preta, sou teu instrumento / vim pra te servir. Na terceira parte de sua musicobiografia, fala do desejo incensante de cantar. Nessa faixa, a qual designa sugestivamente de Minha história, conta um pouco sobre as dificuldades de fazer ouvir seu canto, numa mescla de nostalgia e pertencimento. Insere a mãe como coadjuvante da história que cantarola e constrói sob o tilintar de lábios e a rememoração. Na quarta faixa, derrama-se sobre o onírico, constrói sua narrativa musical sob uma Miragem, na qual fala de um amor, talvez nunca alcançado. É desse tema que vai tratar na canção seguinte, Do alto, nonde França assume posição de narrador observador. Observa e conta-nos a história de uma preta, preta guerreira, que ama seu preto, mas se cansa da condição de subserviência na relação matrimonial. Em Garganta, a baiana constrói sua musicalidade num perspéctico poético, um poético urbano, a tratar das condições que o negro esteve submetido: marginalidade, subalternidade, perifericentrismo e sobretudo, animismo. Na Respeitem meus cabelos, brancos Xênia faz trocadilho com palavras e direciona o discurso aos brancos e o padrão europeizado de beleza capilar. Renega o liso, empondera o crespo, trançado, o “pixaim”. Perfeita pra você, revela uma das principais condições submetida às mulheres negras: a solidão. Trata da objetificação e sexualização do corpo feminino negro. Tereza Guerreira é um ode às mulheres negras que lutaram pela representatividade e emponderamento, nas quatro últimas faixas Destino, Reach the stars, Nave e Breu, Xênia exerce jogos com os acordes musicais, indo do pop ao jazz. Sobre moldes minimalistas, intimistas e acima de tudo, biográfico, o álbum revigora o afropop e insere no contexto musical brasileiro, uma nova estrela: Xênia França.