● Edição das
23h15
o estado de s. paulo DOMINGO
SP, RJ, MG, PR e SC: R$ 4,00. Demais Estados: ver tabela na página A2.
REUTERS
JULIO MESQUITA (1891-1927) DIRETOR:
RUY MESQUITA
22 de março de 2009 --ANO 130. Nº 42159
EDUARDO NICOLAU/AE
CULTURA ‘O cinema é a minha vida’
CLASSIFICADOS
q
15.269
RONALDO
é o total de ofertas
‘Quero fazer 30 gols na temporada’
8.483 anúncios classificados
Pedro Almodóvar fala de seu novo filme, uma homenagem ao próprio cinema. O crítico Luiz Zanin Oricchio analisa a trajetória do cineasta. ●
EXCLUSIVO
“Estou adorando”, conta o Fenômeno a Daniel Piza sobre seu retorno ao Brasil. O craque, que hoje enfrenta o Santos, diz se sentir “novo” e que voltou por “amor ao futebol”. ●
1.968 de autos
4.360 de imóveis
‘Clube de amigos’ promoveu a farra milionária do Senado Pacto de silêncio entre parlamentares permitiu aumento de 42,8% na folha em 2 anos Agaciel Maia operou uma máquina de multiplicação de cargos. Em 1995, quando ele assumiu,havia7 secretarias(diretorias) e 16 subsecretarias. Em 14 anos,passarampara67secretarias e 104 subsecretarias com status de diretoria – e ninguém
Políticos avaliam que a desordem administrativa do Senado foi encoberta por um pacto de silêncio entre parlamentares. “O Senado se tornou um clube de amigos”, diz o senador Renato Casagrande (PSB-ES). Nesse ambiente, o ex-diretor-geral
sabia quantas elas eram. “Às 18 horasdeterça-feira,a contabilidade oficial somava 136 diretorias. Duas horas e meia depois, recebiumtelefonemainformando que havia mais 45 diretores”, conta o senador Heráclito Fortes (DEM-PI). ● PÁGS. A4 e A6
Um diretor para furar filas nos voos Sexta-feira pela manhã, horas antes de o Senado anunciar o fim da Diretoria de Apoio Aeroportuário, o servidor Francis-
●● ●
co Carlos Melo Farias cumpria mais um dia da rotina de “diretor de check-in”. Na verdade, um furador de filas. ● PÁG. A6
SANTA CATARINA: A TRAGÉDIA AINDA NÃO ACABOU
Brasil tem 550 cirurgias de obesidade por semana
●● Netoeraumeruditodas coifas. Ali estava um homem contente. ● PÁG. C10
ALIÁS
O palpiteiro do príncipe Em entrevista, Marco Aurélio Garcia conta comotransitapeloPlanalto.●
●●
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou um pacote anticrise que inclui redução de salários de altos funcionários do governoe corte depublicidade oficial – sobretudo nos jornais da oposição. ● PÁG. A14 ●●
LULA E OBAMA
Lulanãosesatisfez comresposta de Obama sobre América Latina, disse Chávez. ● PÁG. A15
REVELAÇÃO
O horror no porão de Fritzl CLAYTON DE SOUZA/AE
Dilma: crise afetou avaliação de Lula
A coifa uruguaia
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS
A receita de exportação de manufaturados brasileiros entre janeiro e fevereiro foi 34% menor na comparação com o mesmoperíodode 2008.Foiamaior queda em 20 anos, em razão da crise de crédito e de consumo. O último recuo anual havia sido em 1999. Os manufaturados representaramquase70%da perdadeUS$6,6bilhõesnasexportações no primeiro bimestre, contra 9,7% dos produtos básicos no período. ● PÁGS. B1, B3 e B4
Pesquisa
ANTONIO PRATA
Ruth Costas
Sem crédito, exportações de manufaturados desabam 34%
A cada semana, cerca de 550 brasileirossesubmetema cirurgiasdeobesidade.Agrande procura criou um mercado, informa o repórter EduardoNunomura. Médicos operam sem necessidade, cobrando até R$ 100 mil e usandotécnicasdesautorizadas; pacientes engordam só para que seu plano cubra o tratamento; e várias cirurgias malsucedidas têm de ser revertidas. ● PÁG. A28
●● Ministraminimizaquedadepopularidadedopresidente. ● PÁG. A8
Contra crise, Chávez corta salário de altos funcionários
eportagem detalha o inferno de Elisabeth Fritzl e dos filhos que teve ao ser estuprada por seu pai durante os 24 anos em que ficou presa no porão de sua casa, na Áustria. ● PÁG. A18
R ●●● Janine Lehmkuhel , de 5
anos , acompanha o mutirão da família para recuperar uma casa destruída na periferia de Blume-
NOTAS E INFORMAÇÕES
Um estatuto para as reservas A regra do STF impede a formação de verdadeiros Estados indígenas. ● PÁG. A3 ●●●
nau. Quatro meses depois das inundações em Santa Catarina, ainda há 12 mil desabrigados e desalojados, relata o enviado es-
Tempo: CAPITAL
29º MÁXIMA
● PÁG. C2
16º MÍNIMA
Domingo de sol, com temperatura amena ao amanhecer e calor e chuva à tarde.
pecial Rodrigo Brancatelli. O dinheiro do governo federal para a reconstrução de residências não chegou. As estradas não foram
Tiragem: 307.505 Hoje: 248 páginas A.1ºcaderno: 32 ● B.Economia: 20 ● C. Metrópole: 10 ● D. Caderno2: 14 ● E. Esportes: 6 ● H. Especial Vida& Sustentabilidade: 12 ● J. Aliás: 8 ● T. TV&Lazer: 20 ● M. Casa&: 36 ● F. Feminino: 20 ● Ca. Autos:26 ● Ce.Empregos: 8 ● Ci. Imóveis: 26 ● Co. Oportunidades: 10
consertadas. Os bombeiros desistiram das buscas há um mês, sem ter encontrado os corpos de duas vítimas. ● PÁGS. C4 e C5
CADERNO ESPECIAL
Água: novo ciclo ●● Empresas brasileiras já reaproveitam a água, e a economia chega a 50%. ●
Regra impede prédios novos em 12 bairros ● PÁGS. C1 e C3
HYUNDAI VERACRUZ. INCOMPARÁVEL. 3.8 V6 24V CVVT 4X4 AWD 280 CV PERFEIÇÃO ATÉ NOS MÍNIMOS DETALHES
VEJA NA PÁGINA 5. 7 8 9 10 11 12
www.hyundai-motor.com.br
O ESTADO DE S. PAULO
●
H1
●
DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2009
Novociclo
Em busca de economia, empresas brasileiras começam a adotar programas de reaproveitamento da água. A medida, chamada de reúso, pode reduzir em mais de 50% o custo PÁGS. H8 e H9
Homenagem ao Dia Mundial da Água
Nova onda de consumo
Último rio limpo de SP corre risco
Fórum em Istambul, que termina hoje, debate parcerias de países na gestão de bacias hidrográficas em regiões de fronteira
O mercado de água engarrafa cresce no mundo todo, e o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking de produtores
Falta de saneamento no distrito de Marsilac faz com que esgoto seja lançado diretamente na natureza ainda livre de poluição
PÁG. H2
PÁG. H4
PÁG. H10 e H11
7 8 9 10 11 12
H2 ESPECIAL
DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2009 O ESTADO DE S.PAULO
SUSTENTABILIDADE
Brasildebatecomvizinhos usoracionaldesuper-reserva
Homenagem
Programa
O Dia Mundial da Água foi instituído durante AssembleiaGeral das Nações Unidas, em 1993. A ideia foi sugerida um ano antes, durante a Eco-92, no Rio
Será realizada hoje, ao lado do bicicletário do Parque do Ibirapuera, uma campanha de conscientização pelo dia da água. O evento será das 9 às 15 horas
Notas NÍVEL DO MAR
ESPECIAL PARA O ESTADO
Representantes do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina se reúnem no próximo mês para discutir novos rumos de um projeto voltado para o Aquífero Guarani – uma das maiores reservas subterrâneas de água doce do mundo. Com uma área de 1,2 milhão de km2, o aquífero tem um volume estimado de 45 milhões de litros. Os quatro países finalizaram no mês passado a primeira fase de um estudo integrado sobre a região, concebido em 2000. Com financiamento de US$ 13,4 milhões do Fundo Global para o Meio Ambiente, o Projeto para a Proteção Ambientale Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aquífero Guarani fez um novo mapeamento da região, identificando, por exemplo, nascentes e pontos de poluição. A partir de agora, o projeto poderá ser transformado em um tratado novo ou ser incorporado a outros já existentes, como o do Mercosul ou o Tratado da Bacia do Prata. “O conceito central do estudo é a troca permanente de informações para aprofundar o
conhecimento técnico sobre o Aquífero Guarani”, diz VicenteAndreu Guillo, coordenador do projeto no Brasil e secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente. “Mesmo assim, é comum dizer que o aquífero é mais famoso do que conhecido. O acervo é crescente, mas ainda insuficiente.” Segundo Guillo, Brasil e Argentina já se comprometeram a desembolsar US$ 90mil, cada um, parao projeto. Uma sede permanente foi montada em Montevidéu, no Uruguai. DEBATE
DIPLOMACIA DA ÁGUA – Bacia do Prata é objeto de tratados desde 1970
A gestão de recursos hídricos em regiões de fronteira também é o tema central do 5º Fórum Mundial da Água, que termina hoje, data em que também é celebrado o Dia Mundial da Água. O encontro, realizado a cada três anos, foi o mais expressivo desde o primeiro, no Marrocos, em 1997. Realizado em Istambul, na Turquia, o evento deste ano reuniu cerca de 27 mil participantes de 182 países, segundo a organização. Apenas a delegação brasileira tem cerca de 150 especialistas e políticos, a maior comitiva da América Latina (mais informações na pág. H04). RIQUEZA COMPARTILHADA
Ointeressebrasileiro é explicadopelosnúmeros.Deacordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), o País tem 12% de toda a água doce do mundo e 56,9% da água superficial disponível na América do Sul. Boa parte é compartilhada com vizinhos. Um dos exemplos brasileiros de gestão de recursos hídricos é exatamente o Aquífero Guarani. O Brasil ainda tem em seu território a maior parte da Bacia Amazônica, compartilhada com mais seis vizinhos latinos e gerida pelo Tratado de Cooperação Amazônica. Outra importante bacia hidrográfica, a do Rio da Prata, tem acordos firmados desde a década de 1970. MUNDO
Segundo levantamento feito pela organização do Fórum Mundial da Água, há no mundo 274 aquíferos que se espalham pelos subterrâneos de nações limítrofes. Da mesma forma, foram identificadas 263 bacias hidrográficas em regiões de fronteira. Isso significa quepelo menos 75% de todos os países dividem rios com algum vizinho. Números que ajudam a identificar o tamanho do problema no caso de guerras por causa da água. Historicamente, porém, são poucos os conflitos gerados pela falta d’água. Nos últimos 60 anos, foram reportados mais de 300 acordos, contra 37 casos de violência. Mas outros números indicam que essas estatísticas poderão piorar no próximo centenário. Até 2075 estimase que entre 3 bilhões e 7 bilhões de pessoas habitarão regiões com falta crônica de água. Essa população deve estar espalhada por até 60 países. Atualmente, 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável. Os dados são da ONU, do Instituto Internacional de Água de Estocolmo e da Water Partners International. ●
Corrente acelera derretimento de geleira Como se não bastasse o aquecimento global, cientistas americanos e britânicos descobriram que uma mudança pouco compreendida nas correntes oceânicas pode estar levando mais água para a Antártida e derretendo o gelo a partir de baixo. Não se sabe se essas alterações estão relacionadas à mudança climática. “Minha hipótese é que mais água parece estar vindo em direção à geleira, muito mais do que um aumento na temperatura da água”, afirmou Adrian Jenkins, o principal especialista do British Antarctic Survey. Um submarino robô revelou pistas
para o aumento no nível dos oceanos ao fazer incursões profundas numa plataforma de gelo na Antártida. Foi a primeira inspeção feita pelo submarino de 7 metros no lado inferior da plataforma localizada perto da geleira de Pine Island. O nível dos oceanos do mundo poderia subir até cerca de 5 metros se o gelo da Antártida Ocidental, incluindo a geleira de Pine Island, derretesse, afirmou ele. A geleira de Pine Island é a que se move com mais rapidez no continente antártico, e seu deslocamento em direção ao oceano está se acelerando. ● REUTERS
METAS DO MILÊNIO
Crise pode atrasar distribuição de água Se faltava uma boa desculpa para não se alcançar as Metas do Milênio na área de saneamento básico, não falta mais. O Banco Mundial alertou na última semana que a crise econômica global pode retardar em pelo menos uma década o desenvolvimento do abastecimento de água no mundo, porque faltarão investimentos e cada vez mais gente se verá sem condições de pagar as contas de água. Jamal Saghir, diretor de Energia, Água e Transporte do Banco Mundial, afirmou durante o Fórum Mundial da Água que novos empreendimentos devem
ser cancelados, e os projetos atuais de infraestrutura em distribuição e tratamento d’água podem sofrer pressões de elevação de custos. A conferência foi criticada por não ressaltar de maneira clara o fato de que a água potável é um direito fundamental do ser humano. Uma das chamadas Metas do Milênio, instituídas pela ONU no começo da década, é reduzir pela metade até 2015 a proporção de pessoas sem acesso à água potável. Hoje, há cerca de 1 bilhão de pessoas sem acesso à água, e 2,6 bilhões sem saneamento básico.
AGRICULTURA DE PRECISÃO
Esalq reduz irrigação de laranjal em 60% Testes realizados na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP de Piracicaba mostraram que o controle rígido da irrigação de mudas na citricultura pode reduzir em até 60% o consumo de água. O engenheiro agrônomo Eduardo Augusto Girardi comprovou que é possível produzir mudas de laranjeiras de alta qualidade usando menos água com a adoção de um sistema de monitoramento da umidade do solo. Se feita sem nenhuma forma de controle, a irrigação pode ser responsável por até 20% do valor da muda. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), é na produção de alimentos onde se gasta mais água doce. Cerca de 69% da água doce do planeta é utilizada no proces-
EPITACIO PESSOA/AE–26/2/2009
ARIEL PALACIOS/AE-13/6/2007
Lucas Frasão
ARIEL PALACIOS/AE-23/2/2009
Parceria sobre Aquífero Guarani ilustra tema central do Fórum da Água
so de agricultura e pecuária. A índústria gasta 21% e para uso doméstico são destinados cerca de 10%. Para produzir um quilo de soja, por exemplo, gasta-se cerca de 1.800 litros de água. Isso equivale ao consumo de uma pessoa por 12 dias, se forem levados em consideração dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
CONSUMO CONSCIENTE
Água com selo de sustentabilidade Produtos com selo verde de uso sustentável de água . Essa é a proposta que foi apresentada semana passada em Istambul por um grupo de cinco ONGs ambientais, entre elas a WWF. A proposta inclui todo o ciclo do produto. Hoje, já existe madeira certificada, pedraria certificada, sistema de comércio justo, mas ninguém tem como escolher qual a cerveja usou água em sua produção de maneira consciente na prateleira de um mercado.
Clique agora
Leia mais reportagens sobre sustentabilidade Veja infográfico sobre as emissões de carbono Acesse o blog da repórter Andrea Vialli www.estadao.com.br/h/h2
EXPEDIENTE Edição: Luciana Constantino e Sergio Pompeu Fechamento: Ricardo Muniz Diretor de arte: Fabio Sales Coordenação de arte: Andrea Pahim Diagramação: Claudio Gaspar Tratamento de imagens: Alexandre Godinho, Carla Monfilier e Edmundo Pereira
H4 ESPECIAL
DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2009 O ESTADO DE S.PAULO
SUSTENTABILIDADE
Alerta
Documento
A crise financeira ameaça o acesso à água, informou o Banco Mundial durante o fórum em Istambul. A entidade prevê menos investimentos no setor
As Nações Unidas, no Relatório sobre Desenvolvimento Mundial da Água, avaliam que as crises por escassez serão piores em países pobres
Omercadode7bidelitros Brasil é 4.º maior produtor de água engarrafada; setor cresce 7,6% ao ano no mundo e já bate o de refrigerantes JF DIÓRIO/AE
Lucas Frasão ESPECIAL PARA O ESTADO
Há dez anos morando em São Pedro, interior de São Paulo, a professora aposentada Maria do Carmo Meirelles, de 61 anos, não lembra qual foi a última vez que comprou garrafa d’água no supermercado. A cada mês, ela encheseis galõesde 20litros cada em uma fonte natural que ficaa 3 quilômetros de sua chácara, sem pagar nada. “A água é fresca, boa mesmo. O gosto é diferente da água de garrafa.” Já a arquiteta Paloma Shizue Cortes Morimoto, de 26 anos, consome apenas água de garrafa. Moradora do Rio, ela não tem uma fonte natural próxima aseu apartamento, no bairrodo Catete, e não bebe água de filtro. “Acho que não filtra direito. Além disso, o encanamento do meu prédio é velho e não confio na manutenção da caixa d’água”, conta ela, que gasta cerca de R$ 10 com água a cada semana. “Água de torneira, só em casos extremos.” Cadauma à suamaneira,Maria e Paloma interagem com as estatísticas do mercado nacional de águas engarrafadas, que cresceu cerca de10% aoanonos últimostrêsanos,segundoaAssociação Brasileira da Indústria de Águas Minerais (Abinam). “A água de torneira não é ruim, mas ninguém confia mais”, diz Carlos Alberto Lancia, presidente da instituição. Nos últimos anos, o setor vem registrando crescimento –
100
bilhões foi o faturamento, em dólares, do mercado internacional de águas engarrafadas, em 2007
6,8
bilhões de litros de água mineral foram produzidos e consumidos no Brasil em 2007
MARKETING DA NATUREZA – Prateleira de água mineral engarrafada em supermercado de São Paulo
produziu cerca de 1,5 bilhão de litros de água mineral em 1995. Em 2005, esse número saltou para 5,6 bilhões e, em 2007, 6,8 bilhões. De acordo com Lancia, 35 empresas respondem por 50% da produção nacional. Outro dado que aponta crescimento é a receita arrecadada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM),
vinculado ao Ministério de Minas e Energia. Apenas por compensação financeira pela exploração de recursos minerais, a autarquia arrecadou cerca de R$ 857 milhões em 2008, valor aproximadamente50% mais alto se comparado ao de 2007. Em1995,havianoBrasil319concessões de lavra de água mineral. Até setembro do ano passa-
do, eram 789. Dados da Associação Internacional de Águas Engarrafadas indicam que o Brasil ocupa o 4º lugar no ranking mundial de produtores. Consome mais águaengarrafadaquepaísescomo Itália, Alemanha, França e Espanha. E fica atrás dos Estados Unidos, México (que crescem, em média, 8,5% ao ano) e
Entrevista
daChina, cujademandaaumenta 17,5% a cada ano. A taxa média de crescimento mundial é de 7,6% ao ano. Em 2007, por exemplo, foram consumidos 206 bilhões de litros de água vendida em garrafa. O mercado faturou cerca de US$ 100 bilhões naquele ano. “A água mineral brasileira é uma das mais baratas do mundo”,dizLancia.Segundoopresidente da Abinam, o consumo mundial dessa água ultrapassou a venda de refrigerantes. O crescimento do mercado também ajudou a expandir a oferta e variedade de produtos. Se antes o consumidor tinha a opção de comprar água com gás, agora encontra no supermercado águas saborizadas, um misto de mineral com refrigerante. Algumas marcas aindainvestiramno mercadodeluxo, como a americana Bling H2O. A empresa trata a água diversas vezes antes de envasá-la emgarrafascomformatosespe-
Vice-presidente do Conselho Mundial da Água, organizador do Fórum Mundial da Água, Benedito Carvalho defende a “gestão eficiente dos recursos hídricos do planeta” e diz que, se isso não for feito agora, a escassez de água potável poderá gerar conflitos em um “futuro próximo”. Braga alerta que os investimentos para garantir acesso a água e saneamento têm ficado aquém dos compromissos assumidos pelos países até 2015 nas Metas do Milênio. Integrante da diretoria da Agência Nacional de Águas (ANA), ele afirma que o Brasil não deve atingir a meta de saneamento, como a maioria dos países em desenvolvimento que assinaram o documento das Nações Unidas. Apesar disso, o professor licenciado de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) revela otimismo em relação ao futuro. “Acredito na ciência e na tecnologia.” De que forma a crise mundial influencia a discussão sobre a escassez de água potável no mundo?
Fazer uma correlação implica especulação. Mas podemos dizer que a globalização tem impacto direto na gestão de águas. Importar e exportar alimentos significa levar água de um país para o outro, mesmo que indiretamente. É a chamada água virtual. Em vez de dessalinizar a água, irrigar o de-
é o índice de crescimento do mercado nacional nos últimos anos
60% dos garrafões comercializados no Brasil tem entre 10 e 20 litros
ciais.Lançadasemedições limitadas e geralmente adornadas com cristais Swarovski, as garrafas da Bling H2O custam de US$ 20 a US$ 65. PLÁSTICO
Um dos problemas enfrentadospelaindústria deáguamineral é o plástico produzido para fabricar a garrafa, derivado do petróleo e do gás natural, ambos recursos não renováveis. A fabricaçãodegarrafasPETconsome pelo menos 1,5 milhão de toneladas de plástico. “No Brasil, as garrafas de água representam 0,003% do total de material plástico disposto em um supermercado”, explica Lancia. De acordo com a Abinam, o mercado nacional recolhe 55% das garrafas PET produzidas. Além disso, 60% do mercado é de água vendida em galões de 10 e 20 litros, que são retornáveis, o que ajuda a diminuir a poluição. ● COLABOROU BRUNO VERSOLATO
DIDA SAMPAIO/AE
Semgestãohaverá conflitosembreve Para Benedito Braga, acordos entre países têm sido eficazes, mas há risco de confronto pelo domínio de recursos hídricos
10%
serto e produzir grãos, como trigo, a Arábia Saudita prefere importar a água virtual de países com melhores condições hidrológicas, como o Brasil e a Argentina. Na verdade, a crise minimiza o problema, ao diminuir a demanda. A água já ganhou status político tão poderoso como o do petróleo?
Não diria como o petróleo, mas a água já atingiu um nível político importante, em todos os países. Prova disso é a grande quantidade de chefes de Estado presentes no Fórum Mundial da Água de Istambul (que termina hoje). Se considerarmos que não há substitutos para a água, essa importância poderia ir além do petróleo, que pode ser trocado, por exemplo, pelo etanol. A água é vital. O tratamento da água como commodity ajuda na sua preservação?
A pergunta é boa, mas difícil de responder. A água tem valor econômico, sim. No Brasil, inclusive, isso está sedimentado na Lei das Águas, de 1997. Considero que algo que tem valor econômico, em geral, é utilizado de forma parcimoniosa. Quando a água adquire valor, ela começa a ser utilizada de forma mais eficiente. Por consequência, parece lógico que haverá melhor conservação. O tema do fórum de Istambul sugere a superação de problemas de água em regiões transfronteiriças. A escassez pode aumentar riscos de conflitos. Como lidar com isso?
A gestão transfronteiriça é importante para evitar conflitos, até no Brasil. Compartilhamos a Bacia Amazônica com oito vizinhos e a do Prata com mais
Quem é: Benedito Braga ● É vice-presidente do
Conselho Mundial da Água, presidente da Comissão Brasileira para o Programa Hidrológico Internacional da Unesco e integra a diretoria colegiada da Agência Nacional de Águas
quatro. Na África, o Rio Nilo serve mais dez países. No Oriente Médio, os Rios Tigre e Eufrates passam pela Turquia, Iraque e Síria, região complexa, não só do ponto de vista hídrico. Em todos esses exemplos, há acordos de cooperação. Na América do Sul, existe uma discussão sobre a Bacia do Prata desde a década de 1970. E, hoje, uma comissão se reúne regularmente para discutir políticas para o Rio Nilo. A história mostra que conflitos são raros. As supostas discussões das guerras pela água ainda não têm substrato técnico seguro. Podemos prever, porém, que, se não houver gestão eficiente dos recursos hídricos do planeta, teremos conflitos em um futuro próximo. O Brasil tem uma comitiva com 150 pessoas no fórum. Como elas poderão aplicar, localmente, aquilo que for apontado no encontro?
O objetivo é justamente trazer as soluções para o nível local. A delegação brasileira levou cientistas e políticos. Na comitiva da ANA há seis senadores, dez deputados federais, um número enorme de prefeitos e secretários de Estado. São pessoas que podem influenciar outras, depois. O tema do direito à água, por exemplo, foi muito debatido no Fórum do México, em 2006, e hoje já começa a ser debatido entre nossos parlamentares. O senhor acha que os países já inserem a água em suas agendas políticas de maneira satisfatória?
Há iniciativas importantes em países chave, mas o caminho a percorrer é longo. O Brasil desponta nesse sentido. O México
● Professor licenciado da USP, colaborou em 25 livros
duais. E o governo federal tem pouca ação no tema da água. Há problemas que os governadores estão encarregados de resolver. Talvez por isso o programa de Obama não se refira diretamente à água. Pacotes bilionários foram criados para frear a crise mundial. É possível citar um exemplo de iniciativa bilionária criada em prol da água?
IDEIA – Braga propõe fundo para estimular saneamento em país pobre
tem um sistema sofisticado e a França inovou na gestão de bacias hidrográficas. Mas os países do sudeste da Ásia e os africanos, com exceção da África do Sul, ainda não se desenvolveram. Considerando a distribuição de água potável, a questão do saneamento e outros usos, como a navegação, a irrigação e geração de energia, ainda há muito para se fazer. Os países têm até 2015 para cumprir as Metas do Milênio criadas pela ONU em 2000. O sr. acredita que o Brasil vai cumprir as metas?
Em 2000, os países colocaram como meta reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso a água e saneamento. Acontece que os investimentos nesses setores não estão à altura dos compromissos. É uma si-
tuação alarmante. O Brasil deve atingir as metas em termos de água potável. Mas não na questão do saneamento, assim como a maioria dos países em desenvolvimento que assinaram o documento. O programa do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fala muito em energia renovável e pouco na questão da água. Faltou dar mais atenção a esse assunto?
Os EUA já desenvolveram todo o seu potencial hidrelétrico. O grande problema que enfrentam hoje é a mudança climática. A Califórnia, por exemplo, depende bastante da água de degelo das montanhas nevadas. Se a temperatura média aumentar, eles terão um grande problema. Ocorre que, nos EUA, todos os rios são esta-
Não. Quem sofre efetivamente são os pobres, que não têm acesso a água potável. Esse é o problema que pede investimentos de bilhões. Mas só teremos um pacote bilionário se houver interesse dos ricos. Uma saída seria criar um fundo internacional para estimular companhias de saneamento a trabalharem em países pobres. Todos ganhariam. A humanidade precisa abrir mão de algum hábito para salvar a água potável no planeta?
Acredito que não seja questão de abrir mão. Sou muito otimista em relação ao futuro. Acredito na ciência e na tecnologia. Malthus (Thomas Robert Malthus, 1766-1834) dizia que estávamos perdidos porque os recursos cresciam linearmente enquanto a população crescia exponencialmente. Mas, hoje, conseguimos alimentar uma população muito maior do que a que ele imaginava. Só temos de usar os recursos hídricos de forma eficaz. ● LUCAS FRASÃO, ESPECIAL PARA O ESTADO
H8 ESPECIAL
DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2009 O ESTADO DE S.PAULO
97,5%
SUSTENTABILIDADE
de toda a água da Terra é salgada. Dos 2,5% restantes de água doce, 70% estão nas calotas polares e 30% estão no solo como umidade ou em aquíferos
Indústria reduzcustos comreúso
ECONOMIA DE ÁGUA
A lógica do reaproveitamento Sem reúso Cada etapa de produção recebe água diretamente da caixa d água. A fábrica despeja efluentes que poderiam ser reciclados
100%
Empresas investem em reaproveitamento de água não potável, mas ainda faltam estimativas nacionais JF DIORIO/AE
Andrea Vialli Lucas Frasão ESPECIAL PARA O ESTADO
100% Consumo de água
Quando a água não é racionada ou reaproveitada, a empresa gasta mais com consumo e emissão de esgoto
o
t
o
g
s
E
As indústrias, que por décadas reinam como as grandes poluidoras dos rios, descobriram que o reúso de água é uma oportunidade para reduzir custos. Estão tomando a dianteira nessa área da reciclagem, que pode ajudar a corrigir uma distorção registrada há anos: o uso de água potável até para limpeza de casas e empresas. Apesar disso, o Brasil ainda não tem estimativas nacionais da quantidade de esgoto tratado que ganha nova utilização. Um exemplo de como a água pública poderia ser mais bem utilizadaé aregião metropolitana de São Paulo, que recebe, em média, 70 mil litros de água por segundo. Desses, nada menos que 80% viram esgoto. Segundo o professor Ivanildo Hespanhol,diretordo CentroInternacional de Referência em Reúso deÁgua(Cirra), vinculadoà Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), as principais estações de tratamento têm potencial para tratar 18 mil litros por segundo, mas tratam apenas13,6mil.Oresultadodessa equação é o despejo de mais de 40 mil litros, a cada segundo, de água não tratada nos rios de São Paulo. “Os programas de aproveitamento de água de esgoto tratada são minúsculos.” Por outro lado, a indústria partiu firme para a prática de reúso. “Muito por conta da cobrança”, explica. A indústria precisater outorgade captação de água e de lançamento de efluentes, e a segunda é especialmente cara. Ao reaproveitar a água no processo industrial, a empresa transforma efluente em matéria-prima. Segundo uma pesquisa recente feita pelo professor com 2.311indústrias paulistasdemédio e grande porte, o custo conjunto diário de consumo de água, sem reúso, é de cerca de R$ 1 milhão. “Sem grandes investimentos, é possível reusar aproximadamente 60% do total deáguaconsumida emuma empresa” – ou seja, o custo total dessas2.311 empresas cairia para cerca de R$ 400 mil por dia. Hespanhol acredita que de 20% a30%daindústrianoBrasilpratica o reúso de alguma forma. “Aáguacomeçaaserpercebida pelas empresas como um bemdeextremovalor”,dizMarcos Ferreira, presidente da Haztec, grupo que presta serviços de tratamento de água para grandes indústrias. Segundo ele, os fatores redução de custos e expectativa da sociedade porpadrõesambientais maisrigorosos estão transformando o modo como o setor privado lida com o recurso hídrico. Mas há limites para a reutilização. “Nem toda água que entra na indústria recircula. Há perdas no processo com vazamentos e evaporação. Mas um índice de reaproveitamento razoável é da ordem de 70% a 80%”, diz. Ferreira explica que fabricantes de alimentos e bebidas, por exemplo, enfrentam restrições legais em relação à reciclagem: a água de reúso não pode entrar como insumo. Mas o aproveitamento pode ser maior em setores que a água é
1
A fábrica utiliza a água da caixa em uma primeira etapa de produção. Depois, em vez de despejar no esgoto, aproveita a água em outras etapas
Com reúso
40% ECONOMIA - Em Campinas, shopping trata esgoto no próprio local
menos utilizada como matériaprima e mais empregada nos processos. A siderúrgica ArcelorMittal Tubarão, ex-CST, na região metropolitana de Vitória, apostou no aproveitamento quase integral dos recursos hídricos. Hoje, 97,4% da água que entra na planta industrial é tratada e reutilizada. Nos últimos anos foram feitos ainda investimentos para dessalinizar a água do mar, para uso industrial, o que hoje satisfaz 95% da demanda. O restante, 5%, vem da concessionária local. Mesmo com reúso, a siderúrgica gasta R$ 24 milhões por ano com água. “Sem as iniciativas de dessalinização e reúso, o custodaáguaseriasimplesmente proibitivo”, diz Luiz Antonio
‘Sem grandes investimentos, é possível reusar cerca de 60% do total de água consumida em uma empresa’, diz Ivanildo Hespanhol, diretor de centro ligado à Poli Rossi,gerentedeMeioAmbiente da ArcelorMittal Tubarão. A produção de aço é intensiva em recursos hídricos, mas o consumo de água por tonelada vem caindo na companhia, graças aos investimentos em sistemas de reaproveitamento. Em 2008, foi de 3,8 metros cúbicos por tonelada de aço produzido, o que fez a fábrica da Grande Vitóriafigurarentreastrês melhores siderúrgicas do conglomerado ArcelorMittal no mundo, no que tange à gestão da água. A média de consumo de
água no setor de siderurgia é de 11,5 m³ por tonelada de aço.Na Gerdau, quetambém produz aço, o índice de reaproveitamento é igualmente alto: gira em torno de 97,5% da água captada. “O reúso só não é maior porque ocorrem perdas com evaporação no processo”, diz Érico Sommer, gerente de Energia, Meio Ambiente e Engenharia da Gerdau. Ele explica que o reaproveitamento da água trouxe uma economia de 40% a 50% nos gastos financeiros com o insumo.
2
Uma segunda etapa de produção pode usar a água consumida pela primeira, sem tratamento. Se essa etapa exigir água tratada, a fábrica pode instalar uma estação própria para isso
3
ETE NO SHOPPING
Mas os programas de gestão da água também começam a aparecer fora da indústria. Quem passeia pelo shopping center Parque Dom Pedro, em Campinas (SP), não faz ideia de que bem perto das lojasháumaestaçãodetratamento de esgotos (ETE) capaz de tratar 100% dos efluentes gerados no local. Cerca de 35% da água volta aosistemahidráulicodoshopping para abastecer descargas dos vasos sanitários e para regar plantas nos jardins. “Temoscapacidade para reaproveitar até 60% da água, e o faremos conforme a demanda crescer”, garante ElizabethMorita,responsávelpela área de meio ambiente da Sonae Sierra, grupo responsávelpelaadministraçãodoParqueDomPedroedeoutrosoito shoppings em todo o País. O grupo aposta também em captação da água da chuva. Em 2007 foi feito um piloto no Penha Shopping Center, zona leste de São Paulo. A água da chuva captada no sistema passou a ser usada na central de ar condicionado, o que já permitiu uma redução de 18% no consumo. Agora, outros dois shoppings,BoaVista e PlazaSul, passarão a usar o dispositivo. ●
A água usada em etapas anteriores pode servir para um terceiro processo. Havendo necessidade de água tratada, também pode usar a estação de tratamento
Reciclagem final
Para lavar carros e caminhões
Para dar descarga
Limiteslegaisnãosão empecilhoàeconomia Para Benedito Braga, vice diretor geral do Conselho Mundial da Água, o reúso é cada vez maisnecessárioem razãoda escassez de recursos. “Vamos ter de caminhar para o processo de reaproveitamento de água. Países muito carentes, como a Namíbia, estão fazendo reúso até para abastecimento humano”, afirmou Braga ao Estado. No Brasil, fabricantes de produtoscomoalimentos, bebidas e cosméticos têm restrições legais para fazer reúso de água de modo mais intensivo. Mesmo assim, o investimento
em reaproveitamento da água está em alta. Na fabricante de bebidas AmBev, o consumo de água por litro de bebida vem caindo. Em 2003, o gasto médio era de 4,88 litros de água para cada litro de bebida produzido. Hoje, é de 4,11litros. Como a águade reúso não pode ser utilizada para produzir bebida, sua utilização é concentradanalavagemdegarrafas retornáveis e limpeza de equipamentos. “Temos fábricas em regiões de menor disponibilidade hídrica, então o reúso torna-se essencial”, diz Bea-
triz Oliveira, gerente de Meio Ambiente da AmBev. A Coca Cola Brasil traçou um plano para reduzir em 20% o consumo de água até 2012. Há 11 anos, o gasto era de 5,4 litros de água para cada litro de bebida. A média já caiu para 2,10 litros em 2007. Essa economia ocorreu porque a empresa reutiliza entre 750 milhões e 1,5 bilhão de litros de água por ano. “O processo envolve primeiro a conscientização sobre o racionamento de água. A prática de reúso vem depois”, diz José Mauro de Moraes, diretor de Meio Ambiente da Coca Cola Brasil. Na indústria de cosméticos Natura, foi possível reduzir em 9,5%oconsumodeáguaporproduto vendido em 2008, em relação ao ano anterior. ● A.V. e L.F
DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2009 O ESTADO DE S. PAULO
ESPECIAL H9 ESPECIAL H9
20%
70%
2 milhões
é o que se perde em vazamentos de água em tubulação da cidade de São Paulo. Outros 20% são desperdiçados em instalações clandestinas
é a porcentagem de água suja tratada para ser reaproveitada em Israel. O país também tem tecnologia de ponta para dessalinizar a água do mar
de toneladas de sujeira são jogadas nos rios do mundo a cada dia. No Brasil, um terço do esgoto coletado é descartado sem receber nenhum tratamento
Setor busca versão ‘clean’ de produtos domésticos
Captação de chuva
Os sistemas de captação de água de chuva, instalados nos telhados, armazenam água em um reservatório subterrâneo. Ela pode ser usada para descargas, torneiras e irrigação, por exemplo
Apesar do marketing ‘verde’, efeito na qualidade da água ainda é pequeno
Caixa d água de reúso
PAULO LIEBERT/AE-14/8/2008
Reservatório
Caixa de inspeção
40% Reaproveitamento
1
2 3
Se há prática de reúso, é possível reduzir o consumo em até 60%, diminuindo também a emissão de esgoto. A fábrica economiza
Para irrigar jardins
Para lavar pátios INFOGRÁFICO: CARLOS GRILLO/AE
Saiba mais ● Atenta ao reúso, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) realizou uma pesquisa em 2008 que apontou uma redução na captação de água de 9.220 litros por tonelada de produto fabricado, em 2001, para 6.990 litros por tonelada, em 2007 ● Durante o mesmo período, o volume de efluentes lançadospelo setor químico brasileiro caiu de 4.190 para 1.890 litros por tonelada. Os resultados foram alcançados graças a uma política de reúso na indústria. Em 2001, o volume de águas reaproveitadas era de 3.700 litros a cadatonelada de produto. Esse número saltou para 31.500 em 2007 ● O grupo Sonae Sierra, que administra shopping centers em todo o País, fixou metas para redução do consumo de água. Até 2012, o objetivo é chegar a um consumo de água anual de 4 litros por visitante do shopping. Em 2007, ele era de 4,5 litros por visitante. Para isso, está captando e tratando água da chuva
Detergente biodegradável. Amaciante de roupas concentrado. Sabão em pó livre de fosfato. Atenta ao potencial de mercadodeprodutosmenospoluentes,a indústria de produtos de limpeza doméstica começou, de uns tempos para cá, a oferecer atributos ecológicos. A tendência, no entanto, é incipienteeaindanãotrouxemelhorias para a qualidade da água. AQuímicaAmparo,fabricante do sabão em pó Ypê, anunciounoanopassadoolançamento de produto livre de fosfato, o Ypê Premium. Na formulação do novo sabão , a empresa substituiu o componente conhecido pela sigla STPP (tripolifosfato de sódio) por zeólito, um mineral que desempenha a função decoadjuvante na limpeza, mas com menor impacto ambiental. O STPP presente no sabão em pó, apesar de facilitar a limpeza, vai para o esgoto e desemboca nos rios e lagos, sendo responsávelpor um efeito conhecidocomoeutrofização–aproliferação de algas na água, queconsomem o oxigênio e provocam mortandade de peixes. “Tirar o fosfato do sabão em pó foi uma inovação e uma tentativa de se anteciparàlegislação.Omercado está reagindo bem”, diz Waldir Beira Júnior, diretor da Química Amparo. Até 2005, o STPP respondia por até 15% da formulação dos sabões em pó comercializados no País. A resolução 359/05 do ConselhoNacionaldoMeioAmbiente (Conama) impôs a redução gradativa do componente nos produtos de limpeza, sem bani-lo.PaísescomoJapãoeHolanda já baniram a substância. Sem remover o fosfato de suas marcas de sabão em pó, a multinacional Unilever resolveu atacar em outra frente: lan-
DESEQUILÍBRIO - A alta concentração de algas no Rio Tietê é causada pelo fosfato dos produtos de limpeza
çou no mercado um amaciante de roupas concentrado, sob a marca Comfort. Segundo a empresa,a embalagemde 500mililitros do produto tem rendimento semelhante à de 2 litros. Na prática, possibilita uma economiade79% deáguanaformulação e redução pela metade do consumo de água na hora de enxaguar a roupa. “O uso deste produto envolve uma grande mudança de hábito entre as consumidoras, assim como ocorreu na Europa, Ásia e Estados Unidos”, afirma Priya Patel, diretora de Marketing da área de Higiene e Limpeza da Unilever. Outra multinacional do ramo de produtos de limpeza, a Reckitt Benckiser, também está atenta à tendência. Fez o lançamento de um detergente em tabletes, o Finish, para lavar
louça em máquina que também promete poupar água. Segundo a empresa, a lavagem de louça na máquina gasta seis vezes menos água do que a manual. MARKETING
Para especialistas, a tendência do mercado de oferecer produtos que poupam água ou livres de substâncias poluentes é válida. Mas apesar do marketing “verde” da indústria, os efeitos reais para a qualidade da água ainda são muito pequenos. “As empresas ainda não perceberam a real oportunidade de mercado dos produtos menos poluentes. O que vemos são ações isoladas da indústria, que são válidas, mas ainda muito incipientes”, afirma Hélio Castro, superintendente da Unidade de Produção de Água da Sabesp.
Castro afirma que a eliminação do fosfato do sabão em pó em grande escala seria fundamental para resolver o problema da eutrofização, o que reduziria substancialmente os custos com tratamento de água. “No Japão, o consumidor exigiu da indústria que eliminasse ofosfato dos produtos de limpeza. Por aqui, falta consciência ao consumidor”, diz Castro. “O preço determina o consumo. É só olhar as periferias e ver como se vendem detergentes caseiros, aqueles coloridos. Ninguém sabe o que tem lá dentro.” Para os fabricantes, a consciência até começa a aparecer, desde que não custe mais caro. “Oconsumidorbuscadesempenho e não quer pagar a mais pelo atributo ecológico”, diz Beira Júnior, da Química Amparo. ● ANDREA VIALLI
H10 ESPECIAL
DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2009 O ESTADO DE S.PAULO
SUSTENTABILIDADE
0,245
39,6
é o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Marsilac. A média da cidade de SP é 0,52
é a taxa de mortalidade infantil por mil nascidos em Marsilac. A média do Nordeste é 35,6
AlertanoúnicoriolimpodeSP Falta de saneamento faz distrito de Marsilac lançar esgoto diretamente no Capivari, ainda livre de poluição FOTOS: ANTONIO MILENA/AE
Bruno Versolato ESPECIAL PARA O ESTADO
Umavez por semana, NinoSantana, de 38 anos, inicia um ritual que leva toda a manhã. O primeiro passo é ligar à caixa d’água de casa uma mangueira que segue morro abaixo até uma mina localizada num barranco coberto por vegetação. “Com estes dias quentes, tive que fazer essa romaria umas duas vezes.” Santana mora no distrito de Marsilac, extremo sul de São Paulo. Sua casa seria atendida por um poço profundo perfurado pela Sabesp em 2004, inativo até hoje. “Várias famílias usam a água da mina. Não sei até quando ela aguenta”, diz Santana, vendedor de loja afastado do emprego após um acidente de trabalho. Os15milmoradoresdodistrito de Marsilac têm o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da capital e nível de mortalidade infantil superior à média do Nordeste. Como a maioriadapopulaçãoutilizavalasnegras para despejar o esgoto, há riscodecontaminaçãopordoenças graves, como hepatite, cólera e tifo (mais informações na pág. H11). A falta de saneamento coloca em risco vidas e também o único rio livre de poluição que corta São Paulo – o Capivari. “Em termos ambientais a região é de extrema importância. Na verdade, o Capivari é o único rio sem poluição que corta Marsilac, mas a região abriga vários cursos d’água intactos que nascem na Serra do Mar e abastecem o Sistema Guarapiranga”, diz Élio Neves, chefe de gabinete da Secretaria Municipal do Verde. O Guarapiranga, que fornece cerca de 30% da água consumida em São Paulo, não é o único destino do esgoto produzido em Marsilac. Os dejetos do barraco da catadora de papel Janete Aparecida Elias, de 45 anos e seis filhos, por exemplo, são despejados todos no Ribeirão Claro, riozinho que vai encontrar o Capivari quase na chegadaà Represa Billings, que passa pouco atrás da casa. Recentemente, Janete aumentou para 5 metros a profundidade do poço de onde retira a água que usa no dia a dia. Nos últimos meses, a catadora andou às turras com o vizinho, quepretende construiruma vala negra em um terreno acima do poço dela. Se o vizinho insistir no projeto, os dejetos vão contaminar a água que a catadora e os seis filhos usam para beber, cozinhar e tomar banho.
NO MEIO DA MATA – Moradores de Marsilac tomam banho em piscina natural formada pelo Rio Capivari, que corta a única região de mata atlântica preservada da capital paulista
DESEMPENHO AMBIENTAL
O drama da população de Marsilac é exemplar para se entender oque acontece com osaneamento básico no Brasil. O Índice de Desempenho Ambiental (EPI, na sigla em inglês), levantamentofeito pelas Universidades de Yale e Columbia que mede a performance ambiental de 132 países, listou o Brasil em 34º no ranking, com 82,7 pontos de média. Não muito atrás de países como Dinamarca (84) e Espanha (83,1). Mas no quesito Adequação Sanitária o País fez feio. No levantamento de 2008 teve nota 70,8. Na comparação das Américas, ficou atrás de países como Guatemala, Paraguai, Jamaica e República Dominicana. “Mesmo São Paulo, que tem IDH de país europeu, tem seu lado africano”, diz Raul Pinho, presidente executivo da ONG Trata Brasil. Hoje, 97% dos municípios brasileiros dispõem de água tratada em 70% das residências ou mais, só que apenas um terço do esgoto é recolhido, diz Paulo Libânio, coordenador do Programa de Despoluição das
SEM OPÇÃO – Como os vizinhos, Janete usa água de poço do quintal de sua casa para beber e cozinhar
“
A visão de que saneamento não traz dividendos políticos já não existe Paulo Libânio, da Agência Nacional de Águas
Bacias Hidrográficas (Prodes) da Agência Nacional das Águas (ANA). “O mais grave é que apenas 30% do esgoto coletado é tratado e esse é o maior fator de poluição de águas no Brasil”, afirma Marcelo Néri, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nesse cenário, não é apenas o morador pobre, da zona rural ou de comunidades irregulares que sai prejudicado. O número de pessoas morando em cidades no Brasil corresponde a 82,7% da população. Desse total,56% é atendido pela rede coletora de esgoto. O resto é obrigado a despejar esgoto in natu-
ra em córregos, rios ou praias. “É o caso dos condomínios da Barra da Tijuca ou do Recreio dos Bandeirantes, no Rio”, diz Pinho. Os imóveis desses bairros, que ostentam construções de alto padrão, não dispõem de rede coletora. O esgoto produzido por eles é jogado na praia ou em fossas sépticas, cujo transbordamento por falta de manutenção pode trazer danos sérios ao ambiente. Libânio, doutor em Saneamento Básico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que, nos anos 1970, os investimentos no setor foram concentrados em distri-
buição de água. “Só a partir de 2000 é que se começou a investir em coleta e tratamento de esgoto de forma maciça.” “Há duas décadas a política era afastar o esgoto. Jogava no mar, rio abaixo. Hoje, com as cidades crescendo e uma se juntando à outra, a populaçãopassaa vera sujeira”, diz Pinho. Um exemplo dessa mudança de enfoque ocorreu nas últimas eleições municipais, em que candidatos debateram a questão do tratamento de esgoto. “A visão de que saneamento não traz dividendos políticos já não existe”, diz Libânio. Mas, apesar do cenário mais favorável ao investimento em saneamento, modernizar o setor no País exigirátempoe dinheiro. “Secomeçarmos agora, vamos demorar 20 anos e R$ 200 bilhões para levar água e esgototratadoa 100% dos domicílios do País”, diz Libânio. Em coleta e tratamento de esgoto, números internacionais mostram que se gasta cerca de R$ 600 por pessoa para montar a infraestrutura. Paratratar e distribuirágua potável, o número gira em torno de R$ 200 per capita. RETORNO
O gasto de R$ 200 bilhões pode parecer alto, mas o custo-benefício é atraente. Citando levantamentos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Pinho afirma que, para cada R$ 1 investido em saneamento, o poder público poupa R$ 8 em gastos na saúde. “Em alguns casos, a relação pode ser de R$ 1 para R$ 30. É um investimento que se paga facilmente.” ●
Sabespafirma queregiãoterá águatratada OdistritodeEngenheiroMarsilac surgiu com a construção do ramal Mairinque-Santos da antigaEstradadeFerroSorocabana, que começou a operar em 1937,masfoi inauguradooficialmenteem1938,por GetúlioVargas. Só em 2004 chegou a primeiraobradesaneamentobásico à região: um poço artesiano perfurado pela Sabesp com vazãode55 metroscúbicosporhora. Hoje, o poço está tapado por um tubo preto enterrado no chão,numterrenopertodo centro do distrito. Em 2006, o Ministério Público Estadual (MPE) entrou como uma ação contra a Sabesp pedindo a instalação de um serviço de distribuição de água e esgoto. O processo ainda corre na 2ª Vara de Fazenda Pública, à espera de um estudo da Sabesp para atestar a viabilidade ambiental da obra. Emcomunicado,aSabespinforma que já foi concluído um estudo para a construção de uma rede de distribuição de água tratada para cerca de mil moradores do centro de Marsilac. Mas falta ainda a contratação do projeto executivo de instalação do poço artesiano. Quanto ao esgoto, a Sabesp informou que a melhor solução para o bairro será a abertura de fossas sépticas em cada habitação. A Sabesp não deu um prazo para a conclusão das obras. Odistrito não é inteiramente desprovido de saneamento. Uma parte mais habitada, próxima do Embu, tem um poço em funcionamento. ● B.V.
DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2009 O ESTADO DE S. PAULO
SUSTENTABILIDADE
ESPECIAL ESPECIAL H11 H11
31%
São Paulo
das obras do PAC para esgoto estão atrasadas; 22 não foram iniciadas e 4 estão paralisadas
tem o maior número de obras atrasadas (5), seguido pelos Estados do RN (4), CE (3) e RS (3)
Aameaçaquevemdaágua Marsilac convive com surtos de hepatite e outras doenças; água contaminada mata 7 crianças por dia no País SANEAMENTO BASICO Apenas 49,4 % da população brasileira têm acesso a rede de esgoto e cerca de 40 milhões de brasileiros (21,4% dos domicílios) ainda utilizam fossas sépticas ou negras
São Paulo Represa Guarapiranga
Represa Billings
Represa Billings
Parelheiros
SÃO BERNARDO DO CAMPO
PARELHEIROS Aldeia Krukutu
EL
HO
Marsilac Região mais urbanizada
RI
BE
IR
à O VER M
Aldeia Tenondé Porã Casario da Emae
Ponte Alta
EMBUG UA Ç U
Centro Ponte Seca
Gramado
JU
20 - 40
I QU
GU
MARSILAC
A ÇU
0 - 20
A
U-
C
RIO E MB
Represa do Capivari
A
RI VA PI
Estação Ferroviária Evangelista de Souza Poço das Virgens
O
Em porcentual B TI
Casario de Engenheiro Marsilac
Vila Alemã
RI
Taxa de acesso a rede de esgoto
Encontro dos Rios Capivari e Monos
Cachoeira de Marsilac
40 - 60
ad Parque Est
ual
erra do M da S ar
Núcleo Curucutu
60 - 80
Cachoeira Capivari
80 - 100
SÃO VICENTE
I TA N H A É M FONTE: PESQUISA TRATA BRASIL/FGV
Problema sanitário A fossa negra caracteriza-se por não ter fundo, sendo o esgoto despejado diretamente no solo e absorvido verticalmente. Já nas fossas sépticas há dois estágios, o primeiro separa os dejetos sólidos dos líquidos - que são transferidos para um segundo recipiente chamado de sumidouro. Lá os liquidos são vazados por furos laterais, facilitando a filtragem natural do solo
Fossa Negra
Poço
Doenças
Fossa Séptica
Poço
Caixa de inspeção Curso d água
Sumidouro
Curso d água Fundo Vedado
Solo
l
Febre Tifóide
l
Salmonelose bacilar
l Disenteria
lDisenteria amebiana
l
Cólera Diarréia
l
Hepatite tipo A
l
Giárdia
l
INFOGRÁFICO: GLAUCO LARA E CARLOS GRILLO/AE
ANTONIO MILENA/AE
Quando tinha 16 anos, Alan Cirillo costumava brincar no RibeirãoClaro,afluentedoRioCapivari, próximo de sua casa, em Engenheiro Marsilac, sem saber do perigo que a água contaminada trazia. “Minha mãe não gostava, mas era ela sair para trabalhar que a gente se picava para lá”, diz o rapaz de 21 anos, hoje estudante de Veterinária. Diasdepoiselepassou aternáuseas e vômitos. Foi diagnosticado com hepatite tipo A. “Volta e meia a região tem um surto de hepatite. Em 2007 foram 73 casos”, diz Maria Lúcia Cirillo, mãe de Alan e presidentedaassociação demoradores da área central do distrito de Marsilac. Ela afirma que, na mesma época em que Alan contraiu hepatite, um menino de 6 anos morreu de febre tifoide no bairro Evangelista de Souza. A hepatite foi apenas uma das doenças transmitidas a Alan pela água. “Já tive malária, vários tipos de verminoses e diarreia não sei quantas vezes. Agora melhorou. Mas faz uns quatro anos que só tomo água mineral.” Apesar disso, o rim de Alan acusou o golpe. Há cercadeumano, orapazfaztratamentocontrauma doençaautoimune. “É como se o rim dele se ‘suicidasse’”, diz a mãe. “Não sabemos o que é, mas os médicostêmquase certeza deque foi algo que eu ingeri”, diz Alan. Um folheto distribuído pela Sabesp na região alerta que, além da hepatite A, da diarreia eda febre tifoide, doenças como cólera, giárdia e salmonelose podem ser transmitidas pela água sem tratamento. A maioria delas é causada por micro-
masoproblemanãoescolheidade, raça ou condição social”, diz Timerman.Segundoele,Ilhabela, refúgio de paulistanos abastados no litoral norte, tem só 3% do esgoto tratado. “Costumo brincarqueocamarãoea lagosta, pratos associados a pessoas dealtonível social, sãoumgrande democratizador da falta de saneamento do País. Quando pescados numa praia onde há despejo de esgoto in natura, o risco de eles serem o vetor de um vírus ou bactéria é grande.”
organismos eliminados pelo intestino. O corpo, como defesa, expulsa boa parte dos agentes causadoresdedoençaspelas fezes. Se o esgoto não é recolhido e tratado, volta ao ambiente e contaminaoutrapessoa,perpetuando o ciclo da doença. Asdoençascausadaspelafalta de saneamento básico são responsáveispor65%dasinternações no Sistema Único de Saúde(SUS),afirmaoinfectologista Arthur Timerman, do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. A diarreia provocada
FOSSAS
Além de matar, doenças ligadas à contaminação da água afetam a aprendizagem: causam 34% das faltas de crianças a creches ou escolas no País por saneamento inadequado mata sete crianças com idades de 1 a 5 anos por dia no Brasil, segundo dados da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). Por ano, são mais de 2,5 mil. “Oelofracodafaltadesaneamento é a criança”, diz Timerman. A ausência de saneamento interfere até na aprendizagem. “Problemas relacionados a doenças transmitidas pela água são responsáveis por 34% das faltas de crianças a creches e salas de aula.” “As crianças sofrem mais,
A CÉU ABERTO – Esgoto in natura em Marsilac: folhetos da Sabesp alertam sobre risco de doenças
Em Marsilac, riscos como os descritos por Timerman tornam-se mais graves por causa das fossas negras e poços rasos e bicas de onde os moradores tiram água para beber. A fossa negraéumburaco,normalmentede3a5metrosde profundidade,onde são despejados os dejetos da cozinha e do banheiro. Elararamentetemalgumrevestimento, o que faz o material sólido e líquido penetrar diretamente no solo. Uma saída para regiões distantes da rede coletora, como Marsilac, é recorrer a fossas sépticas com sumidouro. Nesse sistema, há uma decantação do material sólido e o líquido é vazado para outro recipiente com fundo vedado e furos laterais. Assim, o líquido é absorvido pelo solo de maneira horizontal, facilitando a filtragem natural. Segundo a associação presidida por Maria Lucia, das cerca de 3 mil pessoas da área central do distrito, 97,55% usam a fossa negra. As 2,45% restantes não têmnemfossa,deixamseuesgoto correr a céu aberto. ● B.V.