Resende | Linha do Tempo

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RESENDE LINHA DO TEMPO



RESENDE LINHA DO TEMPO


O encontro do artista com os camponeses do Alentejo, os pescadores de Mira, com os vagabundos do Porto, a gente do sargaço ou da lota da Póvoa, na década de 50, foi para si e para a nossa pintura, da mais alta importância. Nunca a pintura de Resende foi mais europeia, nunca a pintura de Resende foi mais portuguesa. EUGÉNIO DE ANDRADE

A gente a que sempre procurou dar corpo e alma e que lhe sai ao caminho mal pega no lápis ou no pincel é aquela a que Fernão Lopes chamou de arraia-miúda. Isto tornou-se pura evidência a partir de Ribeira Negra, o magnificente historial da miséria e da grandeza da população ribeirinha do Porto. EUGÉNIO DE ANDRADE

Há sítios que não visitámos e que nos habitam mais do que aqueles que já conhecemos. Estão em nós precisamente por não termos estado neles: vivem em nós como sonho e obsessão. O verde é mais verde, o roxo é mais roxo, o vermelho mais vermelho, dentro de mim. A Goa de Júlio Resende ajuda-me — e de que modo! — a sonhar. EUGÉNIO LISBOA


Toda a sabedoria que o tornou dos raros, verdadeiramente mestres da arte portuguesa do século XX, assentará nesse esforço para encontrar sonoridade na voz de fraternidade humanística, desprendida de virtuosismos executivos, avessa a fixações esquemáticas, insubordinada a teorizações. Despindo cenários, descrições, pitoresco é bem o Porto transfigurado no halo da esperança, como experiente da angústia, que o pintor nos dá a ver. FERNANDO PERNES

Luz que decorre da melodia cromática. Melodia em que é possível constatar uma viragem nos seus valores: a da revelação da luminosidade das atmosferas do Brasil. Há desde então esplendores lumínicos e cromáticos que não existiam antes. E uma escrita ainda mais solta. A lírica de Júlio Resende atinge então todo o fulgor das grandes líricas. Para destinar uma magia que tanto está na atmosfera, como no habitat, como no homem. JOAQUIM MATOS CHAVES

Resende é o único dos nossos pintores que, por experiência pictórica, se comporta europeiamente. Pintor exemplar, “mestre”, em que um prazer sem complacências, tido com o ofício, e uma severa exigência de estruturação plástica tudo domina, artista atento a um caminhar da pintura do seu tempo e nele inserido, sensível à realidade da sua terra, Júlio Resende junta, no estilo que vai criando, qualidades raras. JOSÉ-AUGUSTO FRANÇA


Por sobre um desenho sumário — e em desenho sumário não se queira ver pobreza ou ignorância mas o justo conhecimento do que a matéria implica — atira a cor em manchas simples, largas. Nada de excessos ou exaltações. Júlio Resende sabe que a expressão não se atinge pela acumulação de pormenores — de desenho ou cor — mas pela sua eliminação. JÚLIO POMAR

Da encenação e da estruturação de um espectáculo visual e da elaboração mental da obra, na tradição da pintura como pensamento, Júlio Resende passou à revelação, ao comprometimento directo com o mundo através da visão essencial, na tradição da pintura como experiência primordial, interiorizada e tratada. LAURA CASTRO

Isto é Brasil? Pois é. A isso cheiram essas figuras, estas imagens de festa ou acabrunhado espanto, mais ou menos afirmadas, desmembradas ou esmaecidas no entrechoque de manchas espalhadas de jacto e com largueza ou de arabescos que a tempo se suspendem. MÁRIO DIONÍSIO


O que Resende foi descobrindo na arte expressionista de Rouault e de Permeke, e de toda uma pintura figurativa pós-picassiana, resultou de uma curiosidade pessoal e demonstra a posse de uma linguagem figurativa actualizada em dois aspectos, construção e expressão. RUI MÁRIO GONÇALVES


até

PARIS

Paris é a cidade que se encostou languidamente ao sinuoso Sena e com ele sempre se mostrou solidária. Nesta manhã de cinza breve sinto vontade de pegar nas aguarelas e de sair sem destino certo, muito embora as torres da Catedral, rompendo a neblina, constituam não um convite mas mais uma imposição direccional na caminhada que faço em ritmo crescente a partir da rua Vercingetorix. Como é frequente, o meu saco, em boa hora adquirido no “Marché aux Puces”, aqui vai a tiracolo com as aguarelas e o recipiente de água, num conluio aos meus desígnios. A aguarela é para mim uma prática com o seu quê de lúdica mas, simultaneamente, é um teste às capacidades de operar em espontaneidade. Tenho o Sena diante de mim. Do ponto onde me encontro, distingo com toda a nitidez “um todo” urbano cuja estrutura me atrai. A Catedral assinala um eixo que se interrompe em dado momento para se denunciar, em baixo, no negro de uma fachada. Tento captar a cor dominante desta atmosfera rarefeita, anunciadora de um dia único. Tudo irá submeter-se-lhe. Uma manhã na minha vida! No esquema do apontamento, tão rápido quanto possível, utilizo uma mina grossa e três sinais de cor, o bastante para fixar no Tempo um tempo único para todo o sempre. A mão está leve segurando na caneta e o espírito esqueceu as razões de lideranças estéticas ... Um instante na vida feita de uma sucessão de instantes. Este jamais se repetirá. Está leve o ar e o apontamento acontece como o anúncio da Primavera nesta ampla curva num afago aos demais sinais. O meu primeiro contacto com Veneza foi marcado pelo silêncio e pela brancura da neve no rigor do Inverno de 1947. Condições privilegiadas para auscultar no seu próprio “habitat” o sensualismo de Giorgione, Ticiano, Tintoretto e as alegorias monumentais de Veronese. Num pequeno refúgio da atmosfera gélida, abro a caixa de aguarelas. Uma praceta cujo nome acabarei por olvidar, constitui um cenário provocantemente contido na sua minúscula dimensão, em contraste com as pesadas chaminés que encimam a grande mancha acastanhada do casario, que se advinha através da poalha húmida, subindo do pequeno cais de um canal. A forma de um poço no centro da praça, é a demarcação de uma simetria que intento trair. A praça está deserta. Só o chape-chape de algumas ondulações do canal, dão um sinal de existência. A humidade da atmosfera colabora na fusão das cores embebidas no amplo e macio pincel. Todo o toque deverá ser afirmação irreparável. Esse é o risco. Estou só eu e a motivação.


Auto-Retrato 1947 Tinta SĂŠpia 31,5 X 23,5

Irene 1947 Tinta da China 26,0 X 32,5


Avô, 1940 Lápis 14,5 X 10,5

Retrato da Mãe 1945 Lápis 27,0 X 19,5


Nu - Paris 1947 Tinta da China 26,7 X 21,5

Paris 1947 Aguarela 24,0 X 32,0


Paris 1947 Sépia 25,0 X 32,5

Veneza 1947 Aguarela 25,0 X 32,5


Génova 1947 Aguarela 24,0 X 31,5

Paris 1947 Aguarela 25,0 X 32,5


“Marché Aux Puces” 1947 Técnica mista 17,0 X 18,0

Sena - Paris 1947 Aguarela 25,5 X 35,0


Veneza 1947 Aguarela 25,0 X 33,0

Paris 1947 Aguarela 20,5 X 26,5


Paris 1947 Aguarela 32,0 X 25,0

Paris 1947 Aguarela 25,0 X 32,5


Chartres 1948 Aguarela 24,0 X 31,0

Bretanha 1948 Aguarela 17,0 X 23,0


Cabeça 1948 Tinta da China e Aguarela 13,5 X 09,0

“Marché Aux Puces” 1948 Aguarela 25,5 X 35,0


Cabeça 1947 Aguada - Sépia 26,5 X 23,0

Duardenez 1948 Tinta da China e Aguarela 16,0 X 23,0


S/ Titulo 1947 Gravura - Prova Ensaio Cor I/Iii 15,7 X 12,7

Brincadeiras de Meninas 1948 Tinta da China e Lรกpis de Cor 18,0 X 20,0



no

ALENTEJO

Um estágio no estrangeiro é marcado por inúmeros confrontos estéticos perante os quais se impõe a clarificação de uma atitude cônscia da minha natureza de homem. A superação dos conceitos, a assimilação de dados receptíveis, as opções, a investigação de um sinal cognoscível, enfim, um intenso labor e uma profunda reflexão, vem impor-me um espaço propício a tal desígnio. Não hesito à sugestão do Amigo Arq.° João Raul David que me sugere a charneca Alentejana. Dois anos em casa térrea e janelão aberto à genuína realidade portuguesa, permitem lento, mas progressivo, entendimento resultante do optativo universal e o particularismo, do meu modo de ver, de sentir e meditar, operando. É certo que não desprezo a experiência abstraccionista em franca liderança nos meios Parisienses, mas sempre duvido das ortodoxias ... Desenho tudo o que é motivo da minha inquietação. Desenhos que resultam de gestos, respondendo mais ao instinto do que a um propósito mimético. No exterior o tempo tem a medida da posição do sol. Os apontamentos dar-me-ão uma luz, aquela que busco e que possa vir a designar-se como a minha “constante”. O forte odor da flor de laranjeira e sua estranha combinação com o que resulta do esmagamento da azeitona, entra pela janela. É neste estado de ambiente que os desenhos se sucedem em constante experimentação do utensílio usado como meio. À mina do lápis, prefiro a pena que acusa a emergência, poderosa ou titubiante, mas definitiva. Não desdenho utilizar a ponta de uma cana, dela procurando extrair o eu potencial. É um fim de dia diferente do dia de ontem. O motivo será o mesmo, Eu próprio, serei o mesmo? ... O que se passa para lá de mim, é o movimento e o seu registo, ainda que rápido, é já evocação retida na memória visual.


Alentejo 1948 Técnica Mista 18,0 X 22,0

Alentejo 1949 Lápis de Cor 22,0 X 17,0


Meninos do Alentejo 1949 Lรกpis de Cor 13,5 X 18,0

Alentejo 1949 Tinta da China 16,5 X 22,0


Alentejo 1949 Aguarela 17,0 X 20,0

Alentejo 1949 Lรกpis de Cor 17,0 X 23,0


Alentejo 1949 Tinta da China e Aguarela 17,0 X 23,0

Alentejo 1949 Lรกpis de Cera 18,0 X 23,0


Alentejo 1949 Tinta da China e Aguarela 23,0 X 16,0

Mulheres do Alentejo 1949 Aguarela 22,0 X 16,5


Alentejo 1949 Lรกpis de Cera 17,0 X 19,5

Alentejo 1949 Aguarela 16,6 X 22,6


Alentejo 1949 Técnica Mista 17,5 X 21,0

Alentejo 1949 Técnica Mista 16,0 X 23,0


Homem só 1949 Aguarela e Tinta da China 17,0 X 22,5

Olaria em Viana 1949 Técnica Mista 17,6 X 22,5


Alentejo 1949 Aguarela 16,3 X 22,0

Rua de Oleiros 1949 Lรกpis de Cor 17,0 X 23,0


Dois Touros 1949 Aguarela 16,5 X 22,0

Dia de Feira 1949 Aguarela 17,0 X 23,0


Évora 1950 Lápis de Cor 16,5 X 21,6

Alentejo 1950 Técnica Mista 17,2 X 22,3


Alentejo 1950 Aguarela 16,8 X 22,5

Alentejo 1951 Lรกpis de cor 17,0 X 22,0



o

PORTO

O clima do Porto, sobretudo da urbe ribeirinha, poderá constituir a continuidade de uma obsessão de outros tempos. Com esta gente, que não deixa de exteriorizar um sentimento, qualquer ele seja, mantenho uma espécie de conluio. A Ribeira ainda é da raia miúda num esforço de sobrevivência e numa solidariedade que engloba os cães e os gatos. O “Expressionismo” está-me nas entranhas e aqui dou-lhe rédea-livre. Silhuetas negras que são gente, pronta a gesticular. Felizmente meti no saco o frasco da água e as aguarelas. Só que o papel do bloco não é o mais indicado para o resultado pretendido. Rapidamente, disponho dos meios para o registo. A postura em que me encontro, essa, é incómoda, como sempre ... Mas o registo surge e, ao fechar o bloco, dou-me conta de que Goya, uma vez ainda, voltara ao meu pensamento ... Abeiro-me de um meu conhecido corrimão de ferro, irmão da Ponte D. Luís, e aí apoio o bloco para tornar fixo o instante, aquilo que dele me interessa como proposta à dinâmica do meu estilo. O granito impõe-se! Isso leva a interessar-me pelas hipóteses texturais da matéria pictórica. Nisso, estou absorvido.


Mulher da Ribeira 1979 Aguarela 31,5 X 24,0

Ribeira 1979 Aguarela 24,0 X 32,0


Ribeira 1986 Aguarela 21,8 X 24,0

S/ Titulo 1987 Tinta da China e Aguada 18,0 X 19,0


S/ Titulo 1987 Tinta da China e Aguada 15,5 X 18,0

S/ Titulo 1987 Técnica Mista 18,5 X 13,0


Ribeira 1987 Aguarela 29,0 X 21,5

Ribeira 1987 Tinta da China e Aguada 35,5 X 27,0


S/ Titulo 1987 Tinta da China e Aguada 21,8 X 23,8

Ribeira 1988 Aguarela 20,1 X 23,0


Ribeira 1989 Aguarela 30,0 X 40,0

Ribeira Porto 1991 Aguada com Tinta da China 27,3 X 37,6


Ribeira 1986 Água Forte - P.a. Iii / V 38,5 X 24,5

Ribeira 1986 Água Forte - Prova de Ensaio Ii / Ii 38,5 X 24,5


GOA Mal cheguei a Goa cedo pressenti que teria de reformular os conceitos que de mim faziam uma pessoa razoavelmente informada para a Vida. O conceito de “gravidade” por exemplo. Será que a Terra exerce mesmo a atracção que se diz exercer? Esta dúvida parece levantar-se quando se tem a sensação que tudo se move, numa atmosfera liberta das Leis da Física. A cor rosa domina o mundo. Fico tranquilo porque estou devidamente apetrechado para essa cor. É com ela que começo um primeiro ensaio na concepção do espaço. Faço então “flutuar” formas de cores leves e transparentes, à semelhança do mágico, formas de cores que na realidade acabam por se fixar nas áreas justas para a afirmação do “todo” no qual elas participam. Portanto, longe de ser mimética a minha interpretação, utilizo-as como signos de sinais que, por sua vez, nos chegam aos sentidos como signos. A figura humana, ela própria, na delicadeza da indumentária insere-se no espaço de modo ambíguo, etéreo e transcendental, diria ... Goa entra em mim, numa globalidade que afecta todos os sentidos da percepção. Na visão, no paladar e no ar que respiro, a essência da especiaria prevalece. O que se vê, assemelha-se a sons emitidos por instrumentos delirantes, numa extensão de um tempo cuja cadência obedece a percussões profundas. O que se vê... Não é com certeza, o que é. A carga de significados na atitude, no vestuário, no olhar e no extremo do dedo, pode deixar qualquer ocidental em situação embaraçosa. Duas figuras femininas dialogam, que é o mesmo que dizer: duas gamas cromáticas procuram entender-se. As zonas de intenso azul espraiam-se em tons progressivamente mais quentes, até que em súbita “viragem”, entram em concordância com a vizinhança do verde em saturação. Como sempre, tudo se exprime pelo gesto em continuidade. O prolongado estado de êxtase, diria ser aquele experimentado por alguém que permanece algum tempo em Goa mas não é esse em que me encontro até porque estou dentro de mim próprio. Contudo, aquilo que é motor, confesso que vem do exterior, esta espécie de frenesi de que estou possuído e que me obriga à exteriorização. O que estou representando é “um todo” significante, composto, não já de objectos e de seres de distinta natureza mas, tão só, de uma massa exaltantemente vital. A “agressividade” e a “subtileza” não se confundem porque a sua função é solidária no objectivo que é a razão de ser do que estou a fazer, ou a tentar ...


Goa 1996 Pastel de Óleo 25,0 X 18,0

Flores de Sari 1996 Caneta e Pastel 30,5 X 30,5


Goa 1996 Pastel 14,7 X 20,5

Goa 1996 Pastel 17,6 X 24,3


Goa 1996 Pastel 17,6 X 24,3

Goa 1996 Pastel 32,5 X 50,0


Goa 1996 Pastel 25,0 X 18,0

Goa 1996 Pastel 25,0 X 18,0


Goa 1996 Pastel 25,0 X 18,0

Goa 1996 Pastel 25,0 X 18,0


Goa 1996 Pastel 17,6 X 24,3

Goa 1996 Pastel 17,6 X 24,3


Goa 1996 P Astel 17,6 X 24,3

Estudo p/ Serigrafia - Mulher de Goa 1996 Pastel 25,0 X 18,0


Goa - Figura em toalha colorida 1996 Pastel 33,0 X 24,0

Goa - Laranja de passagem 1996 TĂŠcnica Mista 14,7 X 21,0


Goa 1996 Técnica Mista 21,0 X 29,5

Mulher de Goa 1997 Gravura com Pastel 29,5 X 25,0


Venda de Panos - Goa 1999 Pastel 21,0 X 29,5

Sob o tapete - Goa 2001 Pastel 21,0 X 26,5


Jardim de Goa 2001 Pastel 21,0 X 29,5

Mercado festivo - Goa 19961999 Pastel 20,5 X 29,5


no

BRASIL

Vim ao Brasil e trouxe a perturbação ... Tudo a rever, não por exclusão mas por indução. A Natureza e o Homem baloiçam mas não caem ... Prodígio da imponderabilidade! O gesto, não ficou a isso indiferente, e a comunhão teria de dar-se, se não agora, num dia qualquer. A oblíqua em exaltação, propondo, submetendo toda a organização do espaço, em movimentos ritmados, clamando a afirmação da Existência. Tudo se dá em harmonia, nela participando o baloiçar do coqueiro, o andar da moça e o som da cuíca ... É liberto da carga de muitos conceitos que passo a olhar e a ver o mundo. Estas duas diagonais, talvez pequem pelo paralelismo, ou pela redundância que não posso evitar, naquilo que é o apontamento de viagem. Aguarela rápida e inexorável, requerendo uma acuidade visual, nem sempre facilitada pelas circunstâncias. Dobrado sobre mim próprio, quantas vezes, o bloco assente no piso, a caixa de aguarelas ao lado, as poeiras que se levantam ou os insectos insaciáveis que invadem a caixa das aguarelas, para não citar a clareira do sol que abrasa o plano do papel e castiga os olhos, tudo assim se passa, o documento o esconde, ou talvez o diga ... Os registos do Brasil são abundantes e deles, ressaltando a emanação dos Trópicos, como fonte geradora de Vida na harmonia do Homem com a Natureza. Não estou movido por um sentimento nostálgico porque, situado entre as quatro paredes do atelier, tenho o Brasil, ou onde quer que me encontre ... Talvez motivado por uma necessidade de retoma de certo gesto. Já sinto movimentar-se-me a mão numa exaltação luminosa explodindo de alegria, Sim! Eu vira uma criança e um papagaio inundados de luz. O encarnado será o clímax, a localização que comanda toda a estrutura. Talvez deste apontamento resulte uma pintura a óleo. Veremos!


Salvador - Bahia 1973 Caneta e Lรกpis de cor 15,3 X 20,0

Brasil 1973 Aguarela 29,7 X 42,1


Bahia 1977 Aguarela 29,7 X 40,5

Recife 1977 Aguarela 29,7 X 40,5


Homem com Pássaro 1978 Técnica Mista 35,0 X 25,0

Menino com Flor 1982 Tinta da China e Lápis de Cor 21,1 X 14,7


Cachoeira 1982 Lรกpis E Lรกpis de Cor 14,8 X 21,1

Solidao 1982 Tinta da China e Lรกpis de Cor 15,8 X 20,8


Homem com Saco 1982 Lรกpis de Cera 21,0 X 15,0

Cachoeira 1982 Lรกpis de Cera 16,6 X 19,9


Itamaraca 1982 Aguarela 32,0 X 24,0

Moรงa Com Balao 1971 Caneta e Pastel sobre papel 20,0 X 15,5


Flor Rosa 1971 Caneta e Pastel sobre papel 15,5 X 20,0

Manha Serena 1971 Caneta e Pastel sobre papel 15,5 X 20,0


A Janela 1982 Lรกpis de Cor 14,0 X 21,0

Homens E Passaros 1982 Lรกpis de Cor 14,8 X 21,0



em

CABO VERDE

“Expressionismo” não é deformação! É o acentuamento, pelos meios próprios, através dos quais o sentimento enfatiza o discurso. Não é um modo de representação desse discurso mas sim o modo de alguém se mostrar a si, tal como é no seu íntimo. Estas e outras reflexões pairam numa auto-análise, seja em que circunstância me encontre. E acontece que estou em Cabo Verde, uma ilha particularmente telúrica e na qual todo o homem traz em si a cor que falta à Natureza, ou melhor dizendo, a cor que completa o acorde de harmonia desejável. À mulher sobretudo se deve o desempenho intuitivo duma exaltação complementar, viabilizada pela vivacidade do seu vestuário. Surpreendido diante da sobriedade desta moça, a sua atitude no denunciar da torção do busto e, sobretudo na pureza do estilo e do corte do vestuário, não resisto a fixar o acontecimento que se eleva em graciosa curvatura a culminar na oval da cabeça. Se fosse poeta escrevia um poema! Negro, cinza, laranja e branco. Cá está a diagonal pelo violeta e pelo traçado negro, como um grito de desespero. A polpa do dedo que igualmente é instrumento — mais humano, porventura — permite a fusão do pastel que se impõe. O vento que corre leva tempo, até mesmo aquilo que foi a minha presunção que se terá quedado longe nos penhascos que outrora eram fogo. O timbre é a presença de um gesto central verde, amparado pela cor ocre e terra de Siena. O resto não será propriamente um mar de rosas ... Um espaço aberto às virtualidades das combinações estruturais dos referidos tons quentes espraiando-se sobre as duas diagonais que desde logo apontei. Vendo melhor, a existência desse verde motivador do apontamento, deve-se a uma presença humana. Provavelmente a roupagem de um jovem na busca de algo que não posso imaginar em tal solidão. Noutro espaço, e em diferente tempo, se a evocação é poderosa e isso acontece, disponho-me à experimentação partindo da premissa de que aqui é a tonalidade geral, um terra Siena neutralizado à justa medida. No centro, esmago um vermelho alaranjado que descai para o ângulo direito do espaço e gradação violácea. No ângulo esquerdo, duas silhuetas desempenham preponderância pelo valor luminoso e pelo azul. O negro exaltante desempenha sua função de sublinhar as cores de um Cabo Verde crepuscular.


Cabo Verde 1992 Pastel 23,5 X 31,0

Cabras - Cabo Verde 1992 Pastel 27,5 X 21,2


Cabo-Verde 1992 TĂŠcnica Mista 28,0 X 20,7

Meninos na Festa 1992 Pastel 27,5 X 38,0


S/ Titulo 1992 Pastel 28,0 X 21,0

S/ Titulo 1992 Pastel 28,0 X 21,0


S/ Titulo 1992 Pastel 28,0 X 21,0

Cabo-Verde - Rapaz Pescador 1992 Pastel 28,0 X 21,0


Cabo-Verde - MĂşsicos 1992 Pastel 21,0 X 28,0

Meninos Pescadores - Cabo Verde 1999 Pastel 20,5 X 16,0


Meninos Pescadores - Cabo Verde 1999 Pastel 16,0 X 20,0

Meninos Pescadores - Cabo Verde 1999 Pastel 16,0 X 20,0



Notas Biográficas JÚLIO RESENDE (1917|2011) natural do Porto, é autor de uma obra de pintura vastíssima, desenvolvida entre os anos 30 do século XX e a primeira década do século XXI. Concluiu a formação em Pintura, no ano de 1945, na Escola de Belas Artes do Porto, onde seria docente entre 1958 e 1987. Realizou inúmeras exposições no país e no estrangeiro, tendo iniciado, em 1934, a participação em exposições colectivas, e um trajecto individual em 1943. Ao longo da sua carreira, foi distinguido com relevantes prémios: Prémio Armando Basto (1945), Amadeo Sousa Cardoso (1949), António Carneiro (1953), todos atribuídos pelo SNI; Prémio do Salão dos Artistas de Hoje (1956); Prémio Especial na Bienal de S. Paulo (1951); Menção Honrosa na 5ª Bienal de S. Paulo e 2º Prémio Pintura na I Exposição de Artes Plásticas FCG (1957); Prémio AICA – SEC (1984) Prémio Aquisição 1987 da Academia Nacional de Belas Artes (1988); Prémio de Artes Casino da Póvoa (2008). Realizou obra pública com trabalhos executados em técnicas que vão da cerâmica ao fresco, do vitral à tapeçaria, instalados em espaços do norte ao sul de Portugal. Ilustrou obras literárias, nomeadamente para a infância, realizou cenários e figurinos para teatro, bailado e espectáculos de grande impacto. Sobre a sua produção debruçaram-se os principais críticos e historiadores de arte portugueses, mas também importantes escritores e poetas. A criação do Lugar do Desenho-Fundação Júlio Resende foi um dos principais projectos a que se dedicou a partir da década final do século XX e primeira década do século XXI. Projectada pelo arquitecto José Carlos Loureiro, foi inaugurada em 1997, na margem do Douro, em Gondomar, junto à casa-atelier do artista, da autoria do mesmo arquitecto. Em 1947 instala-se em Paris. Viajou por França, Bélgica, Holanda, Inglaterra e Itália. Na capital francesa frequentou o atelier de Untersteller, na Escola de Belas Artes de Paris, e a Academia Grande Chaumière, como discípulo de Othon Friesz. Sob a orientação de Duco de la Aix aprendeu a técnica do fresco. Realizou apontamentos do natural – paisagem e figuras – e numerosas cópias no Museu do Louvre. Conviveu com artistas estrangeiros, particularmente com Mabel Gardner, o escultor Zadkine, o pintor checoslovaco Frantisek Emler e o norueguês Oddvard Straume. Estas ligações determinariam a realização de exposições nos países nórdi-


cos e o intercâmbio com esses artistas. Promoveu, por exemplo, em 1957 uma exposição de artistas portugueses em Oslo e Helsínquia. Nos anos de 1949/50 foi professor na pequena escola de cerâmica em Viana do Alentejo, Alentejo, período em que privou com o escritor Vergílio Ferreira e com os artistas Júlio e Charrua. Nos anos 50 promoveu, em Portugal, as Missões Internacionais de Arte, para as quais eram convidados artistas estrangeiros em diálogo com artistas portugueses. Em 1954 lecciona na Escola Secundária da Póvoa de Varzim e em 1955 promove a segunda “Missão Internacional de Arte”, naquela localidade. Júlio Resende viria igualmente a tornar-se Membro da Academia Real das Ciências, Letras e Belas-Artes Belgas, tendo feito uma conferência neste enquadramento, em Bruxelas, em 1972. Em 1970 seria responsável pela orientação visual e estética do Espectáculo de Portugal na “Exposição Mundial de Osaka”, momento relevante da sua presença no estrangeiro. Nos anos 90, reforça a articulação com os países de língua portuguesa ou de influência portuguesa, tendo sido promovidas pela Fundação Júlio Resende, diversas estadias artísticas em Moçambique, Cabo Verde e Goa que resultaram em exposições nesses países e na publicação dos respectivos catálogos. Faleceu aos 93 anos de idade, a 21 de Setembro de 2011, na sua casa em Valbom, Gondomar.


Ficha Técnica Curadoria e Design Manuel Casal Aguiar Laura Castro Joaquim Vieira de Magalhães Pedro Casal Secretariado Cecília Moreira Montagem Fernando Seabra Júlio Resende no atelier Foto Pedro Casal

Organização



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