O futuro em construçao

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Odebrecht e AngOlA | 25 anos de parceria

O futurO em cOnstruçãO

O futurO em cOnstruçãO

Odebrecht e AngOlA | 25 anos de parceria





O futuro em construção


Director superintendente da Odebrecht Angola

Ernesto Baiardi Responsável por Relações Institucionais

Humberto Rangel Equipa de Relações Institucionais

João Marcelo Souza Jorge Benge Letícia Carolina Korndorfer

projecto e realização

Versal Editores Ltda. Pesquisa, entrevistas e texto

Eliana Giannella Simonetti Cobertura fotográfica

Roberto Rosa Projecto gráfico e diagramação

Luciana Gobbo Edição geral

Ana Laura Moura Revisão de texto

Jacyra Santana Coordenação de produção

Juliana Olivieri Produção gráfica

Malu Tavares CTP e Impressão

Pancrom Indústria Gráfica

As equipas da Odebrecht Angola e da Versal Editores agradecem a inestimável colaboração de todas as pessoas que contribuíram, directa ou indirectamente, para a realização deste livro, em especial a: José Mena Abrantes, pela interlocução constante, a leitura e as correções do texto original, a cessão de imagens de seu arquivo pessoal e por esclarecimentos e sugestões indispensáveis. Carlos Mathias, Jarbas Sant’Anna, Luiz Almeida, Luiz Mameri, Ovídio de Andrade Melo, Paulo Lacerda, Renato Baiardi e Roberto Dias, que leram, corrigiram e complementaram o texto original. Todos os que se prontificaram a conceder entrevistas e transmitir seus conhecimentos, para além de disponibilizar imagens, cujos nomes estão relacionados no final desta publicação.

Este livro é também uma forma de homenagear todos os integrantes da Odebrecht em Angola ao longo de 25 anos de parceria com o país. Sendo impossível citar cada um, simbolizamos esta homenagem nas pessoas dos diretores Girleno Gadelha, Carlos Hupsel, Paulo Lacerda, Otacílio Carvalho, Luiz Mameri e Ernesto Baiardi.


O futuro em construção Odebrecht e Angola  |  25 anos de parceria

2009





Apresentação Esta publicação insere-se no âmbito das comemorações de uma data significativa para a Odebrecht e para Angola. No dia 21 de Novembro de 2009 completaram-se 25 anos da assinatura do contrato para o Aproveitamento Hidroeléctrico de Capanda, marco inicial da presença da Odebrecht no continente africano e de infra-estruturas que possibilitariam o desenvolvimento futuro de Angola. Capanda é um símbolo da História de Angola, um emblema da perseverança, da coragem e da confiança no futuro de paz conquistado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, pelo seu governo e pelo povo angolano; para além dos governos da então União Soviética e do Brasil, financiadores do projecto, e da Odebrecht, que se empenhou em realizar as obras numa conjuntura de grande complexidade. Considerada como pilar fundamental para o desenvolvimento, após o advento da paz, Capanda transformou-se, com efeito, em factor de atracção de novos investimentos. Os pioneiros que deixaram o Brasil para construir uma barragem numa região com uma natureza exuberante guardam forte lembrança das experiências vividas junto ao acolhedor e solidário povo angolano. Da mesma forma, os angolanos trazem na memória momentos de companheirismo e determinação que caracterizaram os actos necessários à realização do empreendimento. A Odebrecht tornou-se, a partir da entrada em Angola, um grupo empresarial com actuação diversificada e investimentos crescentes no país. Assim, esta edição comemorativa tem por finalidade assentar a memória e registar os fortes laços históricos que unem os dois países; e também apresentar sinais positivos das perspectivas no sentido do engrandecimento de Angola.

Ernesto Baiardi Director superintendente dA Odebrecht Angola


Laços de confiança José Eduardo dos Santos Presidente da República de Angola

São sobejamente conhecidas as afinidades de ordem histórica e cultural a ligar Angola e o Brasil. Também se torna desnecessário acentuar a consanguinidade e a proximidade de comportamentos e afectos entre os nossos dois povos irmãos, a sua mútua disponibilidade para a entreajuda e solidariedade efectivas.

Os angolanos não esquecem que foi o Brasil o primeiro país a reconhecer a Independência de Angola, um gesto corajoso que contrariava importantes sectores, num período conturbado e ideologicamente marcado no plano internacional pelo confronto entre as duas maiores potências do planeta.

O exemplo conferiu imediata legitimidade diplomática ao novo país e arrastou muitos indecisos atrás de si. Isso num momento em que outras forças lutavam por apoios externos. Mais do que isso, não foi um gesto isolado. Desde a primeira hora o Brasil se dispôs a lançar as bases de uma parceria estratégica com Angola, inclusivamente com o apoio à promoção do aproveitamento hidroeléctrico do curso médio do rio Kwanza – o maior do país, com mais de mil quilômetros de extensão – para gerar a energia que permitisse, com o advento da paz, impulsionar o desenvolvimento económico e social.


o futuro em construção  O Trajecto para a paz

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Foi assim dado início à construção da barragem

alguns como um investimento público me-

de Capanda, com o envolvimento do Brasil e

galómano, já começa a ser insuficiente para

também da Rússia. O governo angolano, ainda

suprir as necessidades energéticas do país.

submetido a um intenso esforço de defesa do

Temos, por essa razão, de continuar a con-

território nacional, disponibilizou recursos mili-

tar em primeiro lugar com as nossas forças

tares para a segurança da obra e a construtora

e com o apoio dos nossos amigos mais se-

Odebrecht enviou os seus técnicos e trabalha-

guros na edificação de uma economia forte

dores para uma região de difícil acesso e com

e sustentável.

grandes carências. O estreitamento dos laços entre Angola e Durante mais de duas décadas, angolanos e

Brasil insere-se neste processo e não se pode

brasileiros entregaram-se com empenho e dis-

confinar apenas ao domínio da criação de

ciplina à realização de uma tarefa complexa em

novas estruturas, devendo continuar a alar-

termos humanos, materiais e de mobilização

gar-se às áreas da educação e do ensino, da

de recursos financeiros. Puderam, deste modo,

formação de quadros, da saúde, da produção

consolidar na prática uma relação assente no

de bens de consumo e de muitas outras áreas

diálogo, que a língua comum favorece, na con-

decisivas para o progresso e o bem-estar dos

fiança recíproca, no respeito mútuo e, acima de

respectivos povos.

tudo, na amizade. Este livro relata não só a difícil e complexa taHoje, Capanda é já um marco histórico na via da

refa de construção da barragem de Capanda,

prosperidade e do progresso que Angola pre-

mas também a experiência da Odebrecht em

tende trilhar. Ficou demonstrado que o sonho, por

Angola durante um quarto de século. Tem para

maior que seja, pode tornar-se realidade, desde

nós um grande significado, não só porque se

que haja vontade, firmeza, organização e planea-

soma ao esforço de valorização da rica História

mento para uma acção coordenada e eficaz.

de Angola, mas também porque confirma de forma evidente os sólidos laços de cooperação

É certo que muito ainda há a fazer e que a bar-

já existentes e o rumo que Angola e Brasil pre-

ragem de Capanda, criticada inicialmente por

tendem continuar a seguir juntos.


25 anos de aliança Emílio Odebrecht

O parentesco entre Angola e o Brasil é patente, como bem afirma o Presidente José Eduardo dos

Presidente do Conselho de Administração

Santos. Menos conhecidas são algumas coincidên-

da Odebrecht S.A.

cias que ao longo dos anos aproximaram a Odebrecht e Angola – e que, de alguma forma, podem ter contribuído para o molde tão particular que tomou nossa aliança. Ao comemorar os primeiros 25 anos de presença da Odebrecht em Angola, aproveito para reavivar algumas lembranças.

As primeiras obras de engenharia de meu avô, Emílio Odebrecht, foram erguidas ao final da Primeira Guerra Mundial em Pernambuco – estado brasileiro que guarda ligações históricas e culturais seculares com Angola. A sede da empresa que originou nossa Organização foi plantada por meu pai, Norberto Odebrecht, na Bahia, o estado mais angolano do Brasil. Isso em 1944, precisamente 40 anos antes da assinatura do nosso primeiro contrato em Angola.

Nos anos 1970, quando a Odebrecht decidiu enfrentar o desafio da internacionalização, definiu-se que a tarefa teria início por países com os quais o Brasil tivesse afinidade cultural ou proximidade geográfica. Foi assim que, na América do Sul, actuamos junto a empresas soviéticas, entre elas a Technopromexport, tendo sido justamente esta companhia a nos oferecer, nos anos 1980, a oportunidade de assumir nossa primeira operação em Angola: o Complexo Hidroeléctrico de Capanda.

Nessa época Angola vivenciava anos de guerra e a instabilidade prosseguia. As carências eram


o futuro em construção  O Trajecto para a paz

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inúmeras, como é normal nessas condições.

para além de ampliar o relacionamento entre

A localização do Projecto Capanda, na provín-

Angola e Brasil nos sectores económico, social,

cia de Malanje, a insegurança e as dificuldades

cultural, educacional e de saúde. Ou seja, unimos

logísticas que se impunham poderiam ter sido

nosso crescimento ao crescimento qualitativo e

factores de desestímulo. Mas nossa cultura em-

quantitativo de Angola.

presarial leva-nos a valorizar os desafios, os riscos que nos tornam mais empenhados e cria-

Estamos cientes de nossas responsabilidades.

tivos para o alcance dos objectivos propostos.

No intuito de oferecer as melhores soluções às questões que surgem em situações diversas, ela-

No caso específico de Capanda, havia a nos moti-

boramos planeamentos dinâmicos, assumindo

var o evidente anseio do Presidente José Eduardo

po­sicionamentos claros em relação aos que con-

dos Santos, de seu governo e dos angolanos em

fiam em nossa competência e espírito de servir.

geral, pela paz e pelo desenvolvimento. Angola investiu em seu projecto de futuro de maneira

A Odebrecht orgulha-se de sua participação no

abnegada. A Odebrecht abraçou a causa, com o

processo de reconstrução de Angola. Investe na

apoio do governo brasileiro, certa da importância

formação do angolano, em pesquisas, em tecno-

da Hidroeléctrica de Capanda quando da recons-

logias inovadoras e na implantação de projectos

trução do país – fosse para a formação profissional

voltados a posicionar o país em lugar de destaque

dos angolanos, fosse pelo que a energia represen-

no cenário internacional do século 21 – sempre

taria como indutora e força motriz do crescimento.

com o fundamental apoio do governo do Brasil.

Como tempo não se recupera, e não se podia

Muito mudou em Angola nestes últimos 25 anos.

perder pela demora, logo se encetaram entendi-

Finda a guerra civil, este país rico e diverso, pleno

mentos capazes de tornar o programa exequível.

de potencialidades e que tem um povo extra-

Angolanos, brasileiros e soviéticos integraram-se

ordinário, passou a desenvolver-se de maneira

e trabalharam como se formassem um só corpo.

ininterrupta e auspiciosa. Tenho observado pes-

As directrizes estabelecidas ao tempo do início

soalmente este movimento em visitas frequentes.

da internacionalização da Odebrecht orientam

Creio poder afirmar que crescemos com Angola

nossa conduta actual e permanecerão válidas no

e, ao mesmo tempo, prestamos nossa contribui-

futuro. Delas Angola é testemunha. Ao ingressar-

ção para o progresso do povo ao qual nos fami-

mos no país, assentamos raízes a fim de nele per-

liarizamos e nos afeiçoamos. Assim, com respeito

manecermos. Não nos limitamos a realizar obras

e admiração por tudo o que já se fez, observo o

de engenharia. Buscamos liderar programas de

dia de amanhã na certeza de que as expectativas

transferência de conhecimento aos angolanos,

dos angolanos serão concretizadas.





SUMÁRIO 18 introdução

26

O trajecto para a paz

28

A Independência

60

Desafios do novo país

78

Energia para o crescimento

80 visão de futuro 94

O início das obras de capanda

102

A guerra atinge o empreendimento

114

A Barragem em funcionamento

118

Angola e Brasil

120

Relações ancestrais

140 projectos de reconstrução

148

Angola no século 21

150 prosperidade económica 164 influência internacional 170

Angola e Odebrecht

178

O futuro é hoje

204

referÊncias

212

Créditos das imagens



intrOduçãO

18 19

Introdução

Esta publicação marca a comemoração dos 25 anos de

Outro importante ponto de referência da conexão en-

presença da Odebrecht em Angola.

tre o Brasil e Angola viria a concretizar-se menos de uma década mais tarde. Em 1984 foi assinado o con-

Ao contribuir para o registo da História de Angola,

trato para a construção do Complexo Hidroeléctrico

das suas relações com o Brasil e especialmente com a

de Capanda, que propiciou a entrada da Odebrecht

Odebrecht, num tecido em que os fios se entrelaçam

no país. Firmado ainda em tempo de guerra, o contrato

com a conjuntura internacional, sem a pretensão de

tinha por meta a viabilização do crescimento futuro.

esgotar o estudo do tema, este livro tem a intenção

Não foi fácil levar adiante uma obra dessa dimensão.

de anotar eventos de relevo, de forma a tornar mais

Houve dificuldades de todo tipo. As principais delas

facilmente compreensível o que aparentemente era

estavam relacionadas com a conjuntura em que o em-

improvável ocorrer e, entretanto, ocorreu: que um país

preendimento se realizava. Afinal, Angola havia sido

nascido como nação independente na metade da dé-

destruída pela luta armada contra o colonizador e,

cada de 1970, destroçado por mais de 40 anos de lutas

nesse processo, foi palco de divisões internas entre

e guerras, seja uma das nações de crescimento eco-

facções políticas. Ao alcançar a Independência, viven-

nómico mais vigoroso em todo o planeta, com a pro-

ciou a disputa de grupos pelo poder numa guerra civil

gressiva importância política no cenário internacional,

que durou 27 anos.

já no início do século 21. O significado da palavra “capanda” é singelo: trataAngola foi a última das colónias portuguesas a tornar-se

se de uma pequena árvore angolana de hastes her-

independente, a 11 de Novembro de 1975. E o Brasil

báceas, folhas simples e flores dispostas em cachos.

– que foi a primeira entre elas a obter a liberdade, em

A obra de engenharia que levou este nome, entre-

1822 – foi o primeiro país a reconhecer a legitimidade

tanto, foi bem mais complexa e repleta de desafios.

do Estado independente de Angola e do seu novo go-

A sua viabilização financeira exigiu esforços dos go-

verno. Este é um dos marcos da relação entre os dois

vernos de Angola, Brasil e União Soviética; e das em-

países que, ao longo do tempo, construíram uma con-

presas Odebrecht, brasileira, e Technopromexport,

sistente parceria cultural, social e económica, e hoje

soviética. Os realizadores construíram a Barragem de

se encontram, mais do que nunca, unidos por laços

Capanda ao mesmo tempo em que montavam infra-

firmemente atados.

estruturas, capacitavam trabalhadores locais e actua-


Luanda está em paz, tem energia e crescimento económico, e a vida das pessoas melhora. Na foto, vista da região central da cidade a partir da baía.

vam em favor da melhoria das condições de vida do

Cada vez mais largas e urbanizadas, as avenidas

povo e do crescimento do país, promovendo pro-

continuam a ser insuficientes para o crescimento do

jectos sociais – nomeadamente nas áreas da educa-

número de automóveis e de autocarros a circular nas

ção e da saúde. Portanto, para além da energia a ser

grandes cidades. Por toda a parte há obras peque-

gerada, a construção do empreendimento em si foi

nas, médias e grandes: residências em construção

importante para o desenvolvimento de Angola num

ou ampliação, novos estabelecimentos comerciais e

sentido mais amplo.

industriais, edifícios de escritórios, hotéis, áreas de lazer e de desporto.

Ao observar a Angola que entra na segunda década do século 21, a impressão que se tem é a de um país

Nos últimos anos houve queda na taxa de desem-

que se está a construir em ritmo acelerado rumo

prego, aumento da produtividade dos trabalhado-

ao futuro. As escolas estão repletas de crianças e

res e do salário mínimo nacional. Uma emergente

jovens, mesmo nas vilas mais isoladas do interior.

classe média estabeleceu-se e está a expandir-se.


introdução

20 21

Em todas as camadas da população é evidente a as-

tudos do grupo de publicações britânico The Eco-

piração por uma vida melhor. Há alegria e esperança

nomist, que produz análises e previsões regulares

na face dos angolanos.

sobre seis áreas produtivas em mais de 200 países – a economia angolana é uma das mais dinâmicas

Potencialmente, o território de Angola é um dos mais

do planeta, com crescimento médio de 18% ao ano

ricos do continente africano. Tem petróleo, diaman-

entre 2003 e 2008.

tes, minerais estratégicos, madeiras, peixe, terras férteis e recursos hídricos. No que diz respeito à

No ranking dos maiores produtores de petróleo bru-

natureza, portanto, o país tem inúmeras facilidades

to em África, Angola ocupa já a primeira posição. A

que aos poucos estão a ser aproveitadas.

sua produção duplicou entre 2003 e 2008: passou de 875 mil barris diários para 1,8 milhão de barris

Conforme relatório divulgado em 2009 pelo Eco-

por dia. Além disso, nesta fase, o país beneficiou do

nomist Intelligence Unit (EIU) – um gabinete de es-

aumento do preço internacional do petróleo. Assim,



O trajecto para a paz



o futuro em construção  O Trajecto para a paz

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A IndependênciA

Anoitecia em Luanda quando as pessoas começaram a afluir para o Largo 1º de Maio numa segunda-feira, véspera do dia 11 de Novembro de 1975, data acordada para a oficialização da Independência de Angola. Em Janeiro daquele ano, membros do governo português e dos três movimentos de libertação reconhecidos como legítimos representantes do povo angolano haviam assinado em Portugal o Acordo de Alvor, que estabelecera a formação de um Governo de Transição em Angola e marcara o dia da Declaração de Independência. A Declaração de Independência foi anunciada às zero horas e vinte minutos pelo líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), António Agostinho Neto. Em cerimónia realizada nesse mesmo dia no Palácio do Governo, em Luanda, o feito foi comemorado num ambiente que misturava alegria e tensão. Alegria pelo fim de quase 500 anos de domínio colonial. Tensão porque a liberdade fora obtida após 14 anos de luta armada; vários dos pactos assinados entre os grupos independentistas angolanos no Acordo de Alvor e em muitos outros não foram cumpridos; e restavam ainda sérios desentendimentos. Tudo indicava que a paz, de facto, ainda ia tardar. Além disso, faltavam profissionais habilitados para actuar em quase todos os sectores da economia. O desenho do futuro tinha traços de incerteza. Agostinho Neto iniciou assim a Declaração de Independência: “Em nome do Povo angolano, o Comité Central do Movimento Popular de Libertação de Angola proclama


solenemente, perante a África e o Mundo, a Independência de Angola. Nesta hora, o Povo angolano e o Comité Central do MPLA observam um minuto de silêncio e determinam que vivam para sempre os heróis tombados pela Independência da Pátria. Correspondendo aos anseios mais sentidos do Povo, o MPLA declara o nosso País constituído em República Popular de Angola.” Prosseguiu: “Longo caminho teremos de percorrer. Teremos de pôr a funcionar em pleno a máquina económica e administrativa, combater o parasitismo de todo o tipo, acabar progressivamente com as distorções entre os sectores da economia, entre as regiões do País, edificar um Estado de Justiça Social”. E antes de encerrar, afirmou: “Respeitamos as características de cada região, de cada núcleo populacional do nosso País, porque todos de igual modo oferecemos à Pátria o sacrifício que ela exige para que viva. A bandeira que hoje flutua é o símbolo da liberdade, fruto do sangue, do ardor e das lágrimas, e do abnegado amor do Povo angolano”. Imperial Santana, representante dos Heróis de 4 de Fevereiro – data que simboliza o início da luta armada pela Independência – içou com a ajuda de um jovem Herói do 4 de Fevereiro, data do início da luta armada, Imperial Santana hasteia pela primeira vez a Bandeira de Angola, no momento da Declaração da Independência.

a bandeira de cetim confeccionada na semana anterior pelas irmãs Ju-Ju e Ci-Ci, do Departamento de Quadros do MPLA.


O futurO em cOnstruçãO

O Trajecto para a paz

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Na bandeira de Angola, a metade vermelha simboliza

hino nacional Angolano

o sangue derramado nas lutas contra a opressão colonial, pela libertação nacional e pela defesa da Pátria;

Ó Pátria, nunca mais esqueceremos

e a metade negra representa o continente africano.

Os heróis do Quatro de Fevereiro.

No centro, a figura composta em amarelo, cor que ex-

Ó Pátria, nós saudamos os teus filhos

prime as riquezas do país, mostra uma roda dentada,

Tombados pela nossa Independência.

que simboliza os trabalhadores e a produção indus-

Honramos o passado e a nossa História,

trial; uma catana que representa os camponeses, a

Construindo no Trabalho o Homem novo.

produção agrícola e a luta armada; e uma estrela, que

Angola, avante!

simboliza a solidariedade internacional e o progresso.

Revolução, pelo Poder Popular! Pátria Unida, Liberdade,

Outras pessoas falaram no comício, mas pouco se ouvia.

Um só povo, uma só Nação!

Havia o ruído de confrontos travados a apenas 20 qui-

Levantemos nossas vozes libertadas

lómetros de distância, em Kifangondo. As palavras per-

Para glória dos povos africanos.

diam-se, principalmente devido ao barulho dos disparos

Marchemos, combatentes Angolanos,

das armas, mesmo no Largo da Independência. Ali, na

Solidários com os povos oprimidos.

falta de disponibilidade de fogos de artifício, tiros de me-

Orgulhosos lutaremos pela Paz

tralhadoras, espingardas e revólveres incendiavam o en-

Com as forças progressistas do mundo.

tusiasmo da população que comemorava o nascimento do novo país. Acabava de vir ao mundo o 47º Estado do continente africano, a República Popular de Angola. Entretanto, o povo aplaudiu um espetáculo de dança encenado por veteranos da luta, armados com catanas. E vibrou com o Hino Nacional, de melodia composta por Rui Mingas e letra de autoria de Manuel Rui Monteiro, entoado pela primeira vez oficialmente pelo Coral da Organização de Pioneiros Angolanos (OPA), formado por jovens em uniformes de cor azul claro (por acaso confeccionados no Brasil).




Os angolanos foram negociados como mão-de-obra

União Ibérica, Portugal impôs maiores impostos aos

escrava por cerca de três séculos. O tráfico de pes-

colonos e restrições aos seus negócios, provocando

soas foi oficialmente abolido em 1836. Entretanto,

forte descontentamento nos dois lados do Atlântico,

no decorrer desse período houve fases em que o co-

em Angola e no Brasil.

mércio escravagista foi reduzido ou até interrompido por questões políticas e económicas. Ocorreu, por

Na altura, outras potências emergiam na Europa.

exemplo, um interregno de quase 20 anos entre 1621

França e Inglaterra passaram a disputar territórios

e 1640. Nesta fase, o trono de Portugal foi dominado

além-mar. A riqueza acumulada nestes países permi-

pela Espanha, compondo o que foi denominado de

tiu o desenvolvimento tecnológico e a expansão do

União Ibérica. Em guerra com a Holanda, os espa-

capitalismo industrial – com novas classes sociais,

nhóis impediram negócios que se desenvolviam entre

ideias e necessidades. Havia uma tendência contrária

os portugueses, suas colónias e as companhias navais

ao tráfico escravagista, que estava em flagrante con-

holandesas. Em represália, a Companhia das Índias

tradição com as práticas do capitalismo nascente.

Ocidentais, holandesa, ocupou partes de Angola e do Brasil, entre outras colónias de Portugal, ali pro-

Portugal não se envolveu na Revolução Industrial e

movendo economias diversificadas e pouco depen-

na produção de bens em larga escala e baixo custo.

dentes do trabalho escravo – até porque a Marinha

Não atentou para o risco que corria quando a Ingla-

da Espanha não facilitava o trânsito de navios de ban-

terra perdeu a sua colónia na América, os Estados

deira holandesa no Atlântico.

Unidos, em 1776. E apenas se deu conta dos efeitos da Revolução Francesa ao ver-se ameaçado por

Aí se deu uma das voltas do laço de união entre

Napoleão Bonaparte.

Angola e o Brasil. Em 1648 desembarcou nas proximidades de Luanda a primeira força expedicionária da

Entretanto, já em 1764 a sociedade angolana produ-

história brasileira, comandada por Salvador Correia

zia aquilo de que necessitava para o consumo interno.

de Sá e Benevides, que derrotou um comando mer-

A autonomia económica acentuou-se após a abolição

cenário a serviço da Companhia das Índias Ociden-

do tráfico de escravos e a abertura dos portos aos na-

tais de Holanda em Angola. É certo que não libertou

vios estrangeiros, eventos que ocasionaram alterações

o país – mas é preciso lembrar que, nessa altura, o

adicionais, inclusivamente o surgimento de uma inci-

Brasil também era colónia de Portugal.

piente burguesia local. Foi assim que o antigo entreposto comercial de Luanda se converteu numa cidade

Nas próximas páginas, imagens de Luanda nos anos 1970, período pré-independência, em que era conhecida como ‘cidade branca’ – um dos pólos de desenvolvimento na África.

Esta passagem histórica teve outra consequência: lan-

repleta de firmas comerciais. Em 1850, juntamente com

çou a semente do movimento independentista que

Benguela, exportava óleo de palma e amendoim, cera,

mais tarde se iria fortalecer. Isso porque, no esforço

borracha, goma copal, madeiras, marfim, algodão, café

para se recuperar das dificuldades económicas resul-

e cacau, de entre outros produtos. Angola também

tantes do investimento feito para o encerramento da

produzia milho, tabaco, carne seca e mandioca.


o futuro em construção  O Trajecto para a paz

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o futuro em construção  O Trajecto para a paz

38 39

Os conflitos internacionais pelas possessões co-

nário, Angola assumiu nova importância. Era ali que

loniais tomaram uma dimensão ainda maior nesse

Portugal obtinha os recursos necessários ao esforço

período. Na tentativa de equacioná-los, em 1884

de guerra e, adicionalmente, bens valorizados no

realizou-se a Conferência de Berlim. Resultado:

mercado internacional, em fase de decadência pro-

Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Itália, Bélgica

dutiva. Assim se explica o desenvolvimento siste-

e Alemanha estabeleceram normas de ocupação e

mático da produção de cana-de-açúcar, café, sisal

partilharam o continente africano entre si.

e milho, para além de outros produtos destinados à exportação a partir de Angola em 1914.

Forçado a ocupar as suas colónias e a explorar as suas potencialidades no novo cenário desenhado

Internamente, a República de Portugal passou a

na Conferência, Portugal iniciou a conquista do

ser um espaço com liberdade de expressão, sindica-

interior do território angolano, então denominado

tos e partidos políticos. Por algum tempo, também

‘fim de mundo’ – um processo lento, devido à re-

viveu forte instabilidade política e económica,

sistência de comunidades locais e à falta de vias

com inflação nos preços, desemprego, greves e

terrestres de comunicação. Para que se tenha a

lutas partidárias. Isto até 1926, quando um golpe

medida da transformação ocorrida a partir de en-

militar instaurou um regime ditatorial de carácter

tão, um recenseamento realizado em 1830 con-

fascista, que dois anos depois levaria ao poder o

tabilizou a presença de apenas 1.832 brancos em

ex-seminarista, advogado e economista António

toda a Angola. Pouco mais de um século depois,

de Oliveira Salazar, cujo programa de governo pre-

Portugal mantinha um exército de 30 mil homens

via a manutenção do colonialismo. “Sei muito bem

em terras angolanas, para além dos colonos.

o que quero e para onde vou”, afirmou na tomada de posse, em 28 de Abril de 1928. Salazar perma-

Portanto, embora Angola fosse auto-suficiente no

neceria no comando de Portugal, resistindo a pres-

que respeita à sua economia, inclusivamente em

sões internacionais, sob o lema ‘Orgulhosamente

condições de promover algum desenvolvimento

sós’, até 1968.

fabril, permanecia submetida aos interesses e às estratégias da metrópole colonial, assentes na agri-

O controlo português sobre Angola tornou-se

cultura e na exportação de matérias-primas.

ainda mais rígido. As práticas de Portugal em relação à economia e à sociedade angolanas, con-

No começo do século 20, factos políticos significa-

tudo, não impediram o seu crescimento. Quando

tivos ocorreram em Portugal e tiveram repercussão

eclodiu a Segunda Guerra Mundial, havia já uma

em Angola. Em 5 de Outubro de 1910, uma revo-

rede de vias férreas em terras angolanas a facilitar

lução derrubou a monarquia e instaurou o regime

as exportações de café e algodão produzidos em

republicano. Em 1914, aliado à Inglaterra, Portugal

quantidade e fortemente procurados no mercado

participou na Primeira Guerra Mundial. Nesse ce-

internacional.




enfermeiros, professores, estudantes, tipógrafos e

manifestavam-se por toda parte e os independentis-

mecânicos – vários deles militantes do MPLA.

tas perceberam as novas perspectivas que se abriam à sua luta.

Diversos eventos ocorridos no mundo em 1961 influenciaram os acontecimentos registados em Angola

A revolta angolana começou a generalizar-se. A 4 de

a partir de então. Foi assassinado Patrice Lumumba,

Janeiro de 1961 entraram em greve camponeses

líder da luta de independência do antigo Congo Belga

empregados da Companhia de Algodão de Angola

– um dos maiores países de África, possessão pes-

(Cotonang), de propriedade luso-belga, na Baixa de

soal de Leopoldo II da Bélgica. Nos Estados Unidos,

Kassanje, província de Malanje. Exigiam melhores

o governo de John Kennedy, mais do que os seus

condições salariais e de trabalho, para além de exigi-

antecessores, tinha os países africanos como peças

rem o reconhecimento jurídico do cidadão angolano

estratégicas para a contenção da expansão da área de

independentemente da raça, cor ou etnia. Milhares de

influência comunista na Guerra Fria.

pessoas foram massacradas. Após a Independência, o 4 de Janeiro passou a ser lembrado como Dia dos

Na posição contrária surgiu, entre os negros norte-

Mártires da Repressão Colonial.

americanos, o movimento Black Power em defesa dos direitos civis e contrário à discriminação racial

Um mês depois, um grupo saiu dos bairros reservados

– ao qual aderiram personalidades como o pastor

aos angolanos em Luanda em direcção à zona central

evangélico Martin Luther King e a professora de filo-

da cidade, onde se encontravam muitos nacionalistas

sofia Angela Davis, activista emblemática do partido

presos. Não conseguiram libertá-los; entretanto a ac-

Panteras Negras. Na África do Sul, após a prisão de

ção foi a primeira da luta armada que se espalhou pelo

Nelson Mandela, principal líder do Congresso Nacio-

país – e 4 de Fevereiro de 1961 entrou para a História

nal Africano, de oposição ao governo, irrompeu o le-

de Angola como o Dia do Início da Luta Armada.

vantamento armado contra o apartheid, estabelecido desde 1948 como política oficial segregacionista de

Imperial Santana, que hasteou a bandeira de Angola

castas raciais (a palavra apartheid designa ‘identidade

no acto da Declaração de Independência, participou

separada’ no idioma africâner).

do movimento de 4 de Fevereiro de 1961 e ali perdeu um braço. Preso, foi libertado apenas em 1974,

Houve mais. Foi oficializado o Movimento dos Países

quando se engajou em serviços de apoio às activida-

Não-Alinhados, sem compromisso formal com os dois

des das tropas das Forças Armadas para a Libertação

blocos da Guerra Fria. Realizou-se em Casablanca, em

de Angola (FAPLA), do MPLA.

Marrocos, a sessão inaugural da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas,

Em Março de 1961, independentistas ocuparam

que levou à formação da União Geral dos Estudantes

postos e bases militares, cantinas e fazendas. Foram

da África Negra. Antagonismos ideológicos e raciais

libertadas mais de 50 aldeias na região de Nambu-


o futuro em construção  O Trajecto para a paz

44 45

angongo, então província de Luanda. Durante cinco meses a população organizou a recolha de mandioca, milho, batata, feijão e banana, a trabalhar para prover o seu próprio sustento, até ser reprimida e dispersada por tropas portuguesas. Estes são apenas alguns casos. Há inúmeros outros. A 17 de Abril de 1974, a polícia encontrou manifestos clandestinos numa autoestrada do Lubango – uma pequena fracção dos milhares de panfletos que estudantes e activistas produziam e distribuíam por toda a Angola há muitos anos. Mensagens do MPLA transmitidas semanalmente pelo programa de rádio ‘Angola Combatente’, a partir do Congo-Brazzaville, eram ouvidas com simpatia pela juventude. Inclusivamente por militares. Os angolanos não eram um povo despreparado para a luta armada. Pelo contrário. No tempo colonial, obrigados a alistar-se no exército de tropas de Portugal, eram treinados para manejar armamentos e combater mesmo vizinhos e parentes. Aos poucos, militares e ex-militares nascidos em Angola compreenderam a força de que dispunham. Em 1964 já havia sargentos milicianos angolanos estrategas e capazes de instruir soldados. A situação tornou-se crítica quando as rusgas promovidas pela Pide e pelo exército se sucederam com maior frequência. Foi assim que, em Junho de 1974, jovens recrutados pelo Exército português na província de Moxico se recusaram a prestar juramento à bandeira. Depois, cerca de nove mil militares angolanos exigiram publicamente a sua desmobilização imediata. A maior parte desses homens se juntou às milícias anticolonialistas logo depois de dar baixa do Exército português.

Batalhas seguidas destruíram infra-estruturas no interior e nas cidades de Angola.


viço de interesses estrangeiros neocoloniais, no contexto da Guerra Fria. Foi no exterior (em Léopoldville, actual Kinshasa, capital de República Democrática do Congo), que aconteceu a 1a Conferência Nacional do MPLA, em Dezembro de 1963, quando foram elaborados o programa de acção, o estatuto e o regulamento interno do Movimento, para além da eleição de Agostinho Neto como seu presidente. Líder da luta pela Independência, Neto tinha sido preso diversas vezes e encontrava-se na clandestinidade (leia

mais sobre o Presidente Agostinho Neto no quadro “O Presidente da Liberdade”, página 48).

O MPLA em luta

Em Angola, a situação da população era cada vez mais difícil. As lojas das cidades estavam praticamente vazias, eram raros os produtos nacionais e

Entre as organizações envolvidas na luta pela Inde-

havia postos de controlo de pessoas nas ruas. Entre

pendência destacava-se o MPLA, fundado em 1956

a militância do MPLA no exterior o cenário não era

e que reunia as principais lideranças do nacionalismo

diferente: faltavam alimentos, armas e reconheci-

angolano no país e no exterior.

mento internacional – inclusivamente por parte da Organização da Unidade Africana (OUA).

Outros grupos, maiores ou menores, se mobilizaram. Eram mais de quarenta. Entre eles figuravam a Frente

Agostinho Neto e o MPLA dedicavam-se a uma

Nacional para a Libertação de Angola (FNLA), lide-

intensa actividade de relações diplomáticas, con-

rada por Alvaro Holden Roberto, e a União Nacional

tactando dirigentes estrangeiros e projectando a

para a Independência Total de Angola (Unita), sob o

imagem e as directrizes do MPLA no mundo. Luís

comando de Jonas Savimbi.

de Almeida, representante do Movimento em Argel, na Argélia, e que acompanhava Neto nessas inves-

Os desentendimentos entre os grupos vinham de

tidas, escreveu num dos seus relatórios: “Por toda a

longa data. Para além das divergências ideológicas,

parte por onde passava, um ambiente de respeito se

travava-se em Angola uma luta pelo poder no novo

fazia sentir”. Como consequência, o MPLA tornou-

país que nasceria. E enquanto o MPLA defendia uma

se membro do Comité Executivo da Conferência

verdadeira independência, outros estavam ao ser-

Pan-Africana e do Secretariado da Organização de


O futurO em cOnstruçãO

O Trajecto para a paz

46 47

Solidariedade Afro-Asiática. Em Fevereiro de 1965 o

Na altura, o MPLA estava fortalecido. Já contava

Conselho de Ministros da OUA reunido em Nairobi,

com algum apoio internacional e Portugal dava sinais

no Quénia, reconheceu a legitimidade do MPLA.

da pressão diplomática que estava a sofrer. Mais de duas dezenas de dirigentes e integrantes do Mo-

Perante a 4 Comissão da ONU, Neto enumerou os

vimento foram libertados das prisões, de entre os

feitos recentes e fez uma declaração demonstrativa

quais Lopo do Nascimento, Roberto de Almeida e

da disposição do MPLA de actuar a favor da paz:

Hermínio Escórcio. Voltaram à luta, portanto, lide-

“O MPLA não poupa nem poupará esforços, em to-

ranças históricas. Mas havia também jovens e mu-

dos os sectores da sua actividade, para chegar a um

lheres a contribuir para que Angola alcançasse a

entendimento com os principais grupos políticos, a

Independência (leia mais no quadro “Mulheres de

fim de conseguir a criação indispensável e urgente

Angola”, página 56).

a

de uma frente unida. Na unidade ser-nos-ia mais fácil vencer o nosso inimigo e poderíamos, amanhã, utili-

Poucos meses depois da declaração de generaliza-

zar todas as capacidades humanas e construir o pro-

ção da luta armada, em Janeiro de 1968, registou-

gresso e o bem-estar do nosso povo”.

se a perda de um importante combatente: Hoji Ya Henda, nome pelo qual era conhecido José Mendes

Unidade, portanto, não havia entre os grupos inde-

de Carvalho, que participara do MPLA desde o

pendentistas. E não sobreveio depois deste mani-

seu nascimento, foi morto durante um ataque ao

festo. Assim, numa entrevista à imprensa em Janeiro

forte de Karipande, Alto-Zambeze, na província

de 1968, Agostinho Neto anunciou a instalação no

do Moxico. A data do seu falecimento, 14 de Abril,

interior de Angola do Comité Director do MPLA e a

foi marcada no calendário de Angola como Dia da

generalização da luta armada.

Juventude Angolana.

em 1968, com a declaração de generalização da luta armada por Agostinho neto, os independentistas do mPlA passaram a fazer incursões pelo interior de Angola para combater o exército colonizador.


O presidente da liberdade António Agostinho Neto nasceu na aldeia de Kaxicane, província do Bengo,

Autor de poemas de carácter libertário projectados para um futuro pro-

a 60 quilómetros de Luanda, às cinco horas do dia 17 de Setembro de 1922.

missor, Agostinho Neto participou da fundação do Centro de Estudos

Até aos oito anos viveu na sua aldeia natal, na margem do rio Kwanza, na

Africanos e da revista Momento, instrumentos de valorização da africani-

casa de seus pais, o pastor metodista Agostinho Pedro Neto e a professora

dade. Seus escritos constituíram-se como cânticos capazes de mobilizar

primária Maria da Silva Neto. Dali saiu com a família para Luanda. Por ter

pessoas, e tornaram-se internacionalmente conhecidos.

alcançado desempenho escolar suficiente para fazer o exame de admissão ao Liceu Nacional Salvador Correia (hoje Mutu-ya-Kevela), Agostinho

No dia de sua formatura como médico, em 1958, Neto casou-se com Maria

Neto perfilou-se entre os poucos angolanos negros que conseguiram es-

Eugénia, com quem viria a ter três filhos: Mário Jorge da Silva Neto, Irene

tudar até ao 7º ano, formando-se em Janeiro de 1944, com seu nome a

Alexandra da Silva Neto e Leda da Silva Neto.

figurar no Quadro de Honra daquela instituição de ensino. Retornou a Angola em 1959 e estabeleceu consultório em Luanda, na casa Encerrada esta etapa, Neto trabalhou como funcionário público nos servi-

de Manuel Ramos Nicolau, o ‘Alfaiate’, espaço que servia à prestação de

ços de saúde de Angola e destacou-se no movimento cultural nacionalista

serviços médicos e também a reuniões políticas.

que, durante a década de 1940, conheceu vigorosa expansão, estimulada pelas convulsões no mundo afro-asiático: a Independência da Índia,

Em Luanda foi detido outras vezes, inclusivamente a 8 de Junho de

a revolta anti-britânica dos Mau-Mau no Quénia, a derrota francesa no

1960, em uma acção do director da Pide que o buscou, pessoalmente,

Vietname e a guerra na Argélia – tudo a assinalar a entrada dos povos

no seu consultório. Desta feita, uma manifestação pacífica de protes-

colonizados na cena política internacional e as transformações no conti-

to realizada na sua aldeia foi recebida à bala pela polícia. O balanço

nente africano.

do que passou a designar-se Massacre do Icolo e Bengo dá conta de que, na ocasião, houve cerca de 30 mortos e 200 feridos. A sequência

Em 1948, aos 26 anos de idade, Agostinho Neto embarcou para Portugal

de detenções apenas chegou ao fim quando Agostinho Neto, então

para estudar na Universidade de Coimbra e depois na Faculdade de Medi-

preso em Portugal, se evadiu com a sua família e acabou por ir para

cina de Lisboa. Para além dos estudos, dedicou-se a actividades políticas

Léopoldville, em 1963.

e literárias. Na secção de Coimbra da Casa dos Estudantes do Império e nos salões literários da Tia Andreza, em Lisboa, conheceu, entre outros

Entretanto a luta pela Independência prosseguiu. Em 11 de Novembro de

nacionalistas, Mário Pinto de Andrade, Lúcio Lara e Humberto Machado,

1975 Agostinho Neto foi proclamado Presidente da República Popular de

seus conterrâneos, para além do poeta guineense Amílcar Cabral.

Angola, continuando Comandante-em-chefe das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola e presidente do MPLA. Até à sua morte

A sua primeira detenção ocorreu em 1951, quando recolhia assinaturas

num hospital de Moscovo, em 1979, vítima de doença, defendeu o com-

para a Conferência Mundial da Paz de Estocolmo. Em 1955 voltou a ser de-

bate a preconceitos contrários à unidade nacional e à reconciliação dos

tido durante uma manifestação de estudantes, tendo-se gerado um movi-

angolanos, entre os quais o tribalismo, o regionalismo e o racismo. Num

mento internacional de solidariedade, no qual se envolveram intelectuais

dos seus discursos afirmou: “Temos sempre lutado pela unidade nacional

como os escritores franceses Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, o

para que todo cidadão do nosso País, seja qual for a área geográfica que

artista plástico mexicano Diogo Rivera e o poeta cubano Nicolás Guillén.

habite, a sua raça ou tribo, ou a língua que fale, se sinta essencialmente

Neto foi libertado em 1957.

um homem que contribui para o desenvolvimento desta nação”.


Criar criar gargalhadas sobre o escárnio da palmatória coragem nas pontas das botas do roceiro

Criar (Agostinho Neto, 1951)

força no esfrangalhado das portas violentadas firmeza no vermelho sangue da insegurança criar criar com os olhos secos

Criar criar criar no espírito, criar no músculo, criar no nervo criar no homem, criar na massa criar criar com os olhos secos criar criar sobre a profanização da floresta

criar criar estrelas sobre o camartelo guerreiro paz sobre o choro das crianças paz sobre o suor, sobre a lágrima do contracto paz sobre o ódio criar criar paz com os olhos secos.

sobre a fortaleza impúdica do chicote criar sobre o perfume dos troncos serrados criar criar com os olhos secos

Criar criar criar liberdade nas estradas escravas algemas de amor nos caminhos paganizados do amor sons festivos sobre o balanceio dos corpos em forcas simuladas criar criar amor com os olhos secos.




Os Cravos de Portugal

A geração que vivera sob a ameaça de uma hecatombe nuclear buscava e apregoava novos valores.

A era de prosperidade e desenvolvimento dos países

Em certa medida, as pressões deram resultados.

industrializados durou de 1950 a 1973, período em que o preço internacional do barril de petróleo não

No início dos anos 1970, o Papa Paulo VI recebeu

passou de dois dólares e, com energia barata, foi pos-

em audiência António Agostinho Neto, juntamente

sível a expansão das actividades económicas. Mas

com Amílcar Cabral (representando a Guiné-Bissau

esses “anos dourados” chegaram ao fim.

e Cabo Verde) e Marcelino dos Santos (de Moçambique). Afirmou considerá-los como legítimos represen-

Em 1973, um grupo de ministros de países produto-

tantes dos povos colonizados pelos portugueses. Em

res de petróleo reuniu-se na cidade do Koweit para

1971, o presidente norte-americano Richard Nixon

tomar uma decisão que abalou a política mundial e

visitou Pequim e conferenciou com o líder da China

deflagrou a crise económica dos anos 1970. Com o

comunista, Mao Tsé-Tung. No ano seguinte, em

objectivo de aumentar os lucros obtidos com o pe-

Moscovo, iniciou-se um processo que culminou na

tróleo que produziam e exportavam, os membros da

assinatura dos acordos Salt, de limitação da produ-

Organização dos Países Exportadores de Petróleo

ção de armas estratégicas.

(Opep) reduziram a extração do crude. Como havia grande competição entre compradores, e a oferta foi

Sobrevieram outros factos, de entre os quais o que

reduzida, a elevação no preço internacional do pro-

teve maior influência sobre o futuro de Angola foi a

duto foi imediata.

chamada Revolução dos Cravos, em Portugal.

A crise do petróleo muito contribuiu para que a dé-

Durante a Guerra Fria, Portugal era um país de eco-

cada de 1970 fosse a pior, em termos económicos,

nomia pouco industrializada, em que os cidadãos ca-

desde a Depressão no período entre as duas guerras

reciam de liberdades essenciais. Salazar, que sofrera

mundiais. A energia passou a integrar a agenda da

um derrame cerebral em 1968, fora substituído por

alta política e da política pública dos governos. Como

seu ex-ministro Marcelo Caetano, que não alterou a

era de se esperar, a retracção económica teve reper-

política do seu antecessor.

cussões sociais e políticas. A decadência económica e o desgaste provocado A queda nos investimentos governamentais e na

pela guerra colonial só faziam aumentar o desconten-

actividade das empresas provocou o aumento do

tamento no meio da população e das Forças Armadas.

desemprego, a redução do poder de compra e alte-

A mobilização contra a ditadura logo adquiriu maior

rações nos benefícios oferecidos pelos governos. Em

dimensão. Ancorados nessa força, capitães descon-

protesto, estudantes e trabalhadores saíram às ruas

tentes com a situação articularam o que passou a ser

na Europa, na América Latina e nos Estados Unidos.

conhecido como Movimento das Forças Armadas.


o futuro em construção  O Trajecto para a paz

52 53

Foi assim que, aos 20 minutos do dia 25 de Abril de 1974, a rádio Renascença transmitiu uma música proibida pela censura, “Grândola Vila Morena”, que havia sido composta por José Afonso como homenagem à Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense. Suas letras falavam de fraternidade, igualdade e de um lugar onde “O povo é quem mais ordena”. Era a senha para o início da revolução. Em várias regiões do país, naquela quarta-feira chuvosa, pôs-se em marcha a operação militar denominada Fim-Regime. Representantes do governo deposto refugiaram-se num quartel. Sem que fosse disparado um único tiro, instalou-se uma nova presidência na República de

Nicolau, em Moçâmedes (actual Namibe). As nego-

Portugal, assumida pelo general António de Spínola,

ciações para a definição do processo de independên-

com promessa de implantação da democracia no

cia foram iniciadas em reuniões de representantes de

país. A população saiu às ruas a distribuir cravos

Portugal com líderes da FNLA e da Unita.

aos militares rebeldes. Sendo o cravo a flor nacional portuguesa, o movimento ganhou a alcunha de

Na altura, a população portuguesa reclamava o re-

Revolução dos Cravos.

gresso dos seus soldados enviados para as colónias. Tropas estacionadas no Ultramar começavam a con-

Uma das primeiras medidas tomadas pelo novo

fraternizar com os nacionalistas angolanos. Não ha-

governo foi a libertação dos presos políticos do sa-

via alternativa. Era preciso negociar a Independência

lazarismo. No mesmo dia, os portugueses foram cha-

de Angola. O primeiro encontro de Agostinho Neto

mados a eleger uma Assembleia com o objectivo de

com representantes de Portugal ocorreu a 21 de

elaborar uma Constituição democrática para regular

Outubro de 1974, sob uma tenda montada numa

a vida do país.

chana bastante conhecida dos militantes do MPLA, próxima ao forte do Karipande – local onde falecera Hoji Ya Henda.

Acordos e desacordos

Agostinho Neto e Lúcio Lara ‘Tchiweka’ – independentista de primeira hora, um dos fundadores do

Como forma de demonstrar a sua disposição a favor

MPLA e um dos seus principais dirigentes, que ape-

de mudanças, Portugal libertou mais de um milhar

nas abandonaria a vida política em 2003 – deixaram

de presos políticos das cadeias de Luanda e de São

a Zâmbia por terra com uma equipa. Outra equipa do

Assinatura do Acordo da Chana do Lunhamege, em 1974.


MPLA desembarcou de helicóptero, acompanhada

considerar angolanos todos os que tivessem nascido

de jornalistas angolanos e estrangeiros ansiosos

em Angola, ou que ali vivessem e se declarassem

por registar a primeira aparição pública oficial de

angolanos por opção. O último soldado português

Agostinho Neto em Angola. A delegação portuguesa,

deveria abandonar o território de Angola antes de 11

presidida pelo almirante Leonel Cardoso, também

de Novembro de 1975.

chegou de helicóptero. Como já se tornara rotineiro, contudo, os comproA reunião terminou com a assinatura e o carimbo

missos não foram cumpridos e os confrontos prosse-

oficial no Acordo da Chana do Lunhamege. As fo-

guiram. Na altura, a Independência corria forte risco,

tografias da ocasião foram publicadas em grandes

não mais pelos interesses do colonizador, mas por

jornais de diversos países e o MPLA ganhou maior

rivalidades e disputas internas pelo poder.

visibilidade, inclusivamente em Angola. Isso porque a revista Notícia, ao tempo uma das mais lidas pelos

O MPLA tomou, então, uma atitude determinante.

angolanos, publicou uma ampla reportagem sobre o

Na manhã de 4 de Fevereiro de 1975, Agostinho Neto

evento – e sua repercussão deu margem à expansão

desembarcou em Luanda e, diante de grandiosa

das organizações distritais e provinciais do MPLA.

manifestação popular, proferiu um discurso com a seguinte mensagem: “Vamos o mais rapidamente

Entretanto a trégua foi passageira. A rivalidade entre

possível construir a nossa Nação independente,

os movimentos de libertação que pretendiam contro-

construir a democracia para o povo e redistribuir as

lar o novo país acirrou-se.

riquezas do País”.

Em Janeiro de 1975 realizou-se nova negociação no

Nessa altura, o grupo que detivesse o controlo de

Hotel Penina, no Algarve, em Portugal. Estiveram

Luanda e ali proclamasse a Independência no dia

presentes representantes do governo português e

acordado, 11 de Novembro de 1975, teria oficial-

líderes dos três movimentos de libertação. Uma chuva

mente o poder sobre o país. O MPLA encontrava-se

miúda molhou a cidade e as suas ruas durante os seis

em Luanda e não podia perder a cidade. Mas isso não

dias da cimeira.

seria uma tarefa fácil.

Para além da formação de um governo de transição e

Nas vésperas da Independência, tropas de oposicio-

da marcação da data da Declaração de Independên-

nistas apoiadas por mercenários e forças estrangei-

cia para 11 de Novembro de 1975, o resultante Acordo

ras aproximaram-se da capital pelo Norte e pelo Sul.

de Alvor estipulou a unificação das forças angolanas

Temia-se que atacassem a Barragem de Cambambe,

num único exército nacional e a preservação dos

no rio Kwanza, cerca de 190 quilómetros a Sudeste

interesses dos portugueses residentes em Angola.

da capital. Sem ela Luanda ficaria sem energia e sem

Os movimentos de libertação comprometeram-se a

água, e não poderia resistir.


o futuro em construção  O Trajecto para a paz

54 55

O ataque mais perigoso provinha do Sul. A 23 de

tiva por algum tempo. Mas essa situação não durou:

Outubro um agrupamento sul-africano munido de

nos 27 anos seguintes os angolanos viveram uma do-

unidades blindadas, artilharia e infantaria mecani-

lorosa guerra civil.

zada, invadira a fronteira de Angola com a Namíbia, movimentando-se em direcção ao Norte. Ondjiva,

Na capital de Angola, no período imediatamente

Xangongo, Cunene, Lubango e Namibe, para além

posterior à Independência, já eram grandes os pro-

de outras povoações, foram ocupadas. A 8 de No-

blemas que se avistavam. Semana a semana era

vembro, Benguela e Lobito foram tomadas e o bata-

notável o crescimento do número de utentes das

lhão seguiu para Luanda.

corroídas infra-estruturas que haviam sido montadas pelos colonos portugueses para servir não mais do

Portanto, nas semanas anteriores à Independência,

que 400 mil pessoas. A base de governo instalada no

as reuniões do Bureau Político do MPLA na Vila

tempo colonial havia sido desfeita no processo de In-

Alice dedicaram-se a essas questões prementes,

dependência – não apenas pela retirada dos que re-

para além da definição da estrutura e do programa

tornaram a Portugal, mas também pela destruição de

do governo que seria assumido a partir do dia 11 de

documentos, registos e muito mais. Edifícios da rua

Novembro. E as decisões tomadas nesses encontros

Avelino Dias, como o Hotel Luanda e a velha fábrica

deram resultado.

de gelo, estavam irreconhecíveis.

No dia mesmo da Declaração de Independência, o

Havia muito a reconstruir na capital e em toda An-

governo de Angola tomou uma medida estratégica

gola: barragens para fornecimento de energia, estra-

para deter o agrupamento sul-africano: deu ordem

das para o trânsito de pessoas e bens, obras urbanas,

para que fossem destruídas todas as pontes sobre o

para além de escolas, hospitais, estruturas de lazer

rio Queve, na província de Kwanza Sul, que davam

e muito mais. Era preciso também obter o reconhe-

acesso a Luanda. Impediu-se, assim, a invasão pro-

cimento e o apoio internacional, sem os quais o país

veniente do Sul. Vencidos, os inimigos não foram

destruído pela guerra teria dificuldades para se re-

capazes de impedir que o MPLA assumisse a gover-

compor. Os dirigentes do MPLA empenhavam-se na

nação do país.

superação dos desafios. Portanto foi de grande significado a atitude do Brasil em reconhecer, na primeira

A independência trouxe um breve período de paz a

hora, não apenas a Independência de Angola, mas

Angola. O MPLA expulsou os invasores e assumiu o

também o governo do MPLA. De certo modo, a me-

controlo militar do país. Holden Roberto, a esta al-

dida estimulou outros países a fazerem o mesmo.

tura adoentado e enfraquecido, desistiu da luta, com o que a FNLA praticamente desapareceu. A Unita de Jonas Savimbi teve sua presença restrita a pequenas áreas do interior, desorganizou-se e manteve-se inac-



mulheres de Angola Desde o século 17, quando a Rainha Ginga (N’Gola N’Zinga

República de Angola e actualmente vice-Presidente do MPLA,

M’Bandi) reuniu vários povos para lutar contra os colonizadores,

cedo se tornou activista. Nascida em Catete em 1939, Deolinda foi

as mulheres de Angola são respeitadas pela sua capacidade de

alfabetizada pelos pais e ingressou na escola primária em Luan-

resistir e garantir a sobrevivência do seu povo. N’Zinga frustrou

da onde viveu sob os cuidados de Dona Maria, mãe de Agostinho

15 expedições provenientes de Portugal e, durante o período da

Neto, em sua casa no Bairro Operário. Enérgica e decidida, com o

União Ibérica, aliou-se aos holandeses reduzindo, por algum tem-

objectivo de incorporar companheiros à luta pela independência,

po, a presença dos portugueses.

visitava musseques e viajava em camiões que transladavam contratados para prestação de trabalho obrigatório em campos e in-

As mulheres estiveram presentes também na luta pela Indepen-

dústrias. Seu nome de guerra: Langidila, termo que em kimbundo

dência. No MPLA, constituíram a Organização da Mulher Angolana

significa vigilante, sentinela.

(OMA), com a incumbência de prestar assistência social e sanitária, promover escolarização, formação técnica e político-militar,

De facto vigilante, Deolinda evitou ser presa como insurgente no

para além de participar em organismos de direcção.

Processo dos Cinquenta: avisada do risco que corria, viajou para Lisboa em Fevereiro de 1959, já com visto de entrada no Brasil. Por

Deolinda Rodrigues, Lucrécia Paim, Teresa Afonso, Irene Cohen

mais de um ano estudou Sociologia no Instituto Metodista Rudge

e Engrácia dos Santos, representadas num monumento erguido

Ramos, em São Paulo. Livrou-se da cadeia, mas não do julgamen-

na Praça das Heroínas, em Luanda, são ícones das guerreiras

to e da condenação. Em 1961, após a assinatura de um acordo de

angolanas. Participaram do destacamento Kamy, que partiu de

extradição entre Brasil e Portugal, embarcou, sob a proteção da

Brazzaville em 1966, numa mobilização de expansão das acti-

Igreja Metodista, para Illinois, nos Estados Unidos.

vidades político-militares do MPLA. Porém enfrentaram problemas inesperados. Era tempo de chuva, os rios estavam cheios e

Para uma revolucionária de África, viver em terras norte-ameri-

não era fácil atravessá-los. Ao dar-se conta da dificuldade, o es-

canas não foi experiência fácil. No seu diário, no dia 2 de Abril de

quadrão houve por bem enviá-las de volta à base de Brazzaville.

1962, Deolinda escreveu: “Numa discussão com as ianquis do dor-

Tratava-se de medida preventiva, porém as jovens foram seques-

mitório, casquei o País delas. A Liz toda irritada disse-me: Se és

tradas no dia 2 de Março de 1967, quando faziam o caminho de

tão antiamericana, o que estás a fazer no nosso País? É verdade,

retorno, e detidas no Zaíre de Mobutu.

estou aqui a mais. Este não é o meu lugar”. Portanto, saiu dali para Conakry, na Guiné, e de lá para Léopoldville.

O último registo no diário de Deolinda: “Tudo parecia tão bem e de repente, bumba: Kamuna!” Apenas Engrácia dos Santos so-

Engajada no MPLA, Langidila traduziu documentos, preparou pan-

breviveu: as demais foram executadas. Eis, portanto, o motivo

fletos e viajou para estabelecer contactos. Sonhava estudar Medi-

de celebrar-se o Dia da Mulher Angolana a 2 de Março: a preser-

cina, mas adiou os seus projectos para lutar pela Independência de

vação da memória da coragem das heroínas da Independência

Angola. “Quando olho para a foto do Roberto preso e do resto da

de Angola.

família naquele beco sem saída, não tenho coragem nenhuma de me afastar da luta para continuar os estudos”, escreveu.

Deolinda Rodrigues Francisco de Almeida é a mais conhecida do grupo das heroínas. Prima de Agostinho Neto e irmã de Rober-

Foi na missão do destacamento Kamy que Deolinda Rodrigues

to de Almeida, mais tarde presidente da Assembleia Nacional da

empunhou uma arma pela primeira e última vez.





o futuro em construção  O Trajecto para a paz

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desafios do novo país

Entre os angolanos, a perspectiva de um futuro de prosperidade sempre esteve presente. É notável entre aqueles que jamais deixaram de montar praças multicoloridas repletas de produtos para compra, venda e troca. Isso nas cidades, onde as populações sempre puderam viver sem maiores sobressaltos. Contudo, a resistência e a esperança também são características dos que vivem no interior, e que foram mais prejudicados pela guerra intestina que dizimou estruturas produtivas no correr dos anos 1980. Desde a Independência era patente para os integrantes do governo que a paz chegaria e que, portanto, era preciso estar preparado. A promoção do desenvolvimento requeria providências imediatas – em especial no tocante à energia, insumo que intervém directamente em sectores-chaves, como o abastecimento e tratamento de água, o saneamento básico, a saúde, a refrigeração de alimentos, a iluminação, o aquecimento, o transporte, a agricultura, a indústria e os meios de comunicação. O país contava com o apoio financeiro da União Soviética para investir em geração de energia – e tinha urgência em aproveitá-lo. Ocorre que a União Soviética da década de 1980 não se apresentava pujante como no passado, embora fosse ainda considerada uma superpotência. A invasão do Afeganistão, em 1979, não resultou como era esperado: transformou-se numa guerra longa e desgastante, com esforços que prejudicaram a economia. Nessa década, o crescimento demográfico soviético foi superior ao registado na produção agrícola. A população urbanizada e instruída já não aceitava os padrões centralistas do governo. Houve greves e formaram-se organizações dissidentes.





o futuro em construção  Energia para o crescimento

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A barragem em funcionamento

Inicialmente, o Projecto de Capanda previa que fossem desenvolvidas, de maneira integrada, a construção da barragem, a instalação de subestações e a extensão de linhas de transporte para os locais de consumo, bem como a reabilitação e a expansão das redes de distribuição. Entretanto, dificuldades relacionadas com o esforço de guerra impediram a implementação de estruturas associadas, como fora planeado. As obras foram realizadas por etapas. A primeira turbina da barragem entrou em funcionamento em Fevereiro de 2004. A segunda foi accionada em Junho do mesmo ano. Considerava-se, assim, encerrada uma primeira parte do empreendimento, que já contava com capacidade para atenuar o défice de fornecimento de energia nos principais centros de consumo, fundamentalmente Luanda. No início da fase seguinte foi realizada uma cerimónia que marcou a inauguração da primeira fase. O evento contou com a presença do Presidente José Eduardo dos Santos e do Ministro da Energia, José Maria Botelho de Vasconcelos, a 8 de Novembro de 2005. As obras em Capanda seguiram em ritmo acelerado, o que possibilitou o accionamento da terceira e da quarta turbinas da barragem no ano de 2007. Nesta altura, a directora-geral do Gamek era a actual ministra da Energia de Angola, engenheira Emanuela Vieira Lopes, que actuara no órgão como estagiária desde muito jovem, após a sua formação em Engenharia Eletrotécnica na União Soviética, e acompanhara todo o processo de edificação do Projecto Capanda. Ainda hoje a ministra


recorda as dificuldades enfrentadas no empreen-

varam a um aumento do consumo e Capanda tornou-

dimento, as avultadas perdas humanas e materiais

se pequena diante do engrandecimento de Angola.

que levaram a atrasos no cronograma. Era natural,

Foi assim que o governo decidiu promover melhorias

portanto, que desejasse ver a barragem construída

em antigas barragens, entre elas a de Cambambe,

e em funcionamento o mais rapidamente possível.

para além de dar início a estudos de novos projec-

Segundo ela, a Barragem Hidroeléctrica de Capanda

tos, inclusivamente de construção de outras duas

trouxe um grande ganho para o país, permitindo que

barragens no mesmo rio Kwanza onde se encontram

fossem atendidas novas solicitações, sobretudo nos

Capanda e Cambambe.

sectores da indústria, habitação, de entre outros que afectam directamente a vida das populações.

Confirmou-se, portanto, a correção do investimento do governo de Angola no Projecto Hidroeléctrico de

Foi assim que, cinco anos após a pacificação de

Capanda. O esforço necessário para a sua realização

Angola, a última turbina foi accionada e a capacidade

em paralelo com o esforço de guerra foi recompen-

total de produção de Capanda alcançou os 520 MW

sado. Como fora previsto, o desenvolvimento decor-

previstos. Contudo, havia outras providências a to-

rente da pacificação rapidamente absorveu toda a

mar para que Angola se beneficiasse da eletricidade

produção de energia. Mais do que isso: para que o

gerada – obras que compunham novas fases do pro-

progresso tivesse continuidade, houve necessidade

jecto e que corrigiriam o atraso resultante das dificul-

de novos e maiores investimentos no sector eléctrico.

dades dos tempos de guerra. Aos poucos, a implantação de linhas de transmissão ampliou a área de abrangência dos beneficiados.

Efeito multiplicador do projecto

Primeiramente elas foram estendidas até as subestações de Cambambe e Malanje. Depois, duas linhas

A obstinação dos envolvidos no Projecto Capanda em

transportaram energia de Capanda para as subesta-

iniciá-lo num período difícil, em mantê-lo numa fase

ções de N´Dalatando e de Viana.

de guerra agudizada e em terminá-lo sob pressão, foi compensada de muitas maneiras. A construção e a

Capanda praticamente triplicou a capacidade de ge-

albufeira transformaram-se em emblemas da Angola

ração hidroeléctrica do país. Entretanto, a pujança do

moderna, progressista, optimista. Com o advento da

crescimento verificado em Angola após o advento

paz e da estabilidade, as pessoas puderam retomar

da paz foi tamanha que em pouco tempo a energia

suas vidas e melhorá-las. O mesmo aconteceu com

disponível se mostrou insuficiente para fazer frente

os negócios. A actividade em Capanda estimulou

à procura. A aceleração económica e a consequente

empresas angolanas dos mais diversos sectores e di-

melhoria gradual do nível de vida das populações le-

mensões, que foram reactivadas ou ampliadas.


o futuro em construção  Energia para o crescimento

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As obras trouxeram outros benefícios. Entre eles,

des e novo ânimo à economia da região. Entre outros

propiciaram a formação de profissionais angolanos

empreendimentos, já existe, naquela área, a Fazenda

em diversas especialidades, regularizaram o fluxo do

Pungo Andongo, produtora de milho e fuba para as

rio Kwanza, reduzindo as cheias que prejudicavam

reservas estratégicas do governo de Angola; e a Bio-

as actividades de comunidades de agricultores da

com, empresa privada de açúcar, energia e biocom-

região. Além disso, criaram condições para o surgi-

bustíveis feitos a partir da cana-de-açúcar de que se

mento do Pólo Agro-Industrial de Capanda.

tratará com maior detalhe adiante.

O projecto do Pólo, que nasceu juntamente com o

Para além destes resultados, há ainda um que me-

planeamento da construção da barragem na província

rece nota. Espera-se que as belezas das Pedras

de Malanje, foi aprovado pelos legisladores em 2008.

Negras de Pungo Andongo, das Quedas de Ca-

Inclui incentivos para a implantação de indústrias, fa-

landula e do Parque Nacional de Cangandala, com

zendas de produção agrícola e pecuária, e actividades

suas palancas negras gigantes, atraiam investimen-

pesqueiras. Sua efectivação trará novas oportunida-

tos para o sector turístico.

Trabalhos na Usina Hidroelectrica de Capanda.

Colheitadeira de milho na Fazenda Capanda, que suporta boa parte da alimentação dos trabalhadores da obra e de suas famílias.



Angola e Brasil



o futuro em construção  Angola e Brasil

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relações ancestrais

Angola e Brasil têm mais em comum do que o idioma resultante da colonização portuguesa. Uma integração cultural profunda decorreu do facto de cerca de cinco milhões de angolanos terem sido levados para o Brasil como escravos no tempo colonial, entre os séculos 16 e 19. Apenas entre 1710 e 1830 quase dois milhões embarcaram em Luanda e Benguela e desembarcaram em portos brasileiros. Estas pessoas, que trabalharam em campos e casas no Brasil, deixaram marcas nos hábitos, na culinária e mesmo na maneira de falar o português – que ganhou tom adocicado e ritmo mais lento e musical. No vocabulário do brasileiro foram adoptadas inúmeras palavras de origem angolana, como camundongo, milonga, umbanda. No que diz respeito ao comércio, ainda no tempo colonial a integração foi facilitada pelo sistema de ventos e correntes dominantes no Atlântico Sul, que favorece a navegação entre os dois países. Assim, por mais que Portugal desejasse manter o monopólio sobre as suas colónias e obrigar os carregamentos a passar pelos seus portos, os negócios directos entre angolanos e brasileiros eram frequentes. Cachaça, tabaco, couros, cavalos, açúcar, carnes, peixes secos e salgados do Brasil serviram para que os colonos portugueses que cultivavam a cana-de-açúcar em terras brasileiras adquirissem escravos em Angola. Muito mais aconteceu longe da vista dos fiscais de Portugal. A mandioca, com que se faz o bombó, é originária do Brasil: era alimento básico dos indígenas muito antes do tempo colonial. A palmeira, de que se extrai o óleo de sabor adocicado, foi transportada em navios portugueses de Angola para o Brasil. Em Angola esse



O futuro é hoje Riquezas naturais, um povo acolhedor, paisagens deslumbrantes e novas infraestruturas fazem de Angola um país de imenso potencial económico e turístico.

O correcto aproveitamento dessas capacidades, no presente, tornará a Nação cada vez mais próspera, e determinará a qualidade da vida das próximas gerações.

Para contribuir com esse desafio, as equipas da Odebrecht se qualificam de modo permanente. O objectivo é continuar a servir Angola com responsabilidade social e ambiental, e celebrar muitos outros 25 anos de parceria.










Este livro faz parte das comemorações de 25 anos de actuação da Odebrecht em Angola. Impresso em Novembro de 2009, na gráfica Pancrom, em São Paulo, Brasil. Foram utilizadas as fontes Gotham e Foundry Sans. Papel do miolo: couché matte 150g; guardas em papel Offset 180g. Tiragem: 1.500 exemplares



Odebrecht e AngOlA | 25 anos de parceria

O futurO em cOnstruçãO

O futurO em cOnstruçãO

Odebrecht e AngOlA | 25 anos de parceria


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