Restauro MAC USP

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MAC USP: da sombra ao monumento

No ano de seu cinquentenário, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo prossegue com a ocupação de sua nova sede. O processo confere vitalidade inédita ao antigo prédio assinado por Oscar Niemeyer a poucos metros do Parque Ibirapuera, na capital paulista Por Luisa Cella Fotos Mauro Restiffe

Recorrentes nas obras de Oscar Niemeyer, os pilares em V com proporção bem orquestrada dão as boas-vindas aos visitantes no térreo. maio 2013 Arquitetura & Construção

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1. Fotografia da maquete criada em 1953 por Oscar Niemeyer (1907-2012) para o conjunto do Parque Ibirapuera, do qual o prédio faz parte. 2. O Departamento Estadual de Trânsito (Detran) funcionando no complexo, em 1979. 3. A fachada em 2007, dois anos antes de a reforma começar.

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“O processo é complicado, pois estamos mudando para um edifício que é por si só uma obra de arte”

1. arquivo pessoal de Reynaldo Franco 2. pedro martinelli 3. IVAN SHUPIKOV

cubo branco estava lá, basreceber obras de arte, mas para sediar tou reencontrá-lo”, revela a Secretaria de Agricultura. A construo arquiteto Marcos Costa, ção, inaugurada em 1954, pertence ao do escritório Borelli & Merigo, sobre o complexo do Parque Ibirapuera, encotrabalho de transformar o pavilhão na mendado a Oscar na época da comesede principal do Museu de Arte Conmoração do quarto centenário da cidaTadeu Chiarelli, diretor do MAC USP temporânea da Universidade de São de por um conselho que contava com o Paulo. Ele se refere ao conceito arquiempresário e entusiasta das artes Frantetônico internacional que, atualmente, rege a idealização de cisco Matarazzo Sobrinho. O edifício de oito andares acaespaços expositivos de museus e galerias. Apesar de servir bou abrigando o Departamento Estadual de Trânsito (Debem à sua nova função graças à flexibilidade da planta, o tran) e seguiu marcado como um símbolo da problemática prédio assinado por Oscar Niemeyer não foi pensado para burocracia brasileira até a data da desocupação, em 2009.

Entre os pilares originais, acomodam-se equipamentos para ambientar obras, como iluminação em trilhos e paredes de drywall. 2 Arquitetura & Construção maio 2013


A fachada reformada traz de volta brises similares aos do projeto original, que controlam a entrada de luz nas salas de exposição.

“Recuperamos a potência do prédio, que havia sido muito retalhado durante a ocupação do Detran”

“O primeiro dia após a retirada das ro de estruturas danificadas, a redivisórias que retalhavam a planta liforma cuidou da volta dos brises da vre foi impressionante. Enxergamos fachada original, da construção de como o lugar era no passado: um padois prédios para a reserva e a parte vilhão com 130 m de comprimento, técnica e da transformação do anexo vãos de até 16 m e colunas que criam – antes usado como estacionamenMarcos Costa, arquiteto uma espécie de ritmo no vazio”, reto – numa sala de exposição com pélembra Marcos. Foi preciso cuidado direito de 4 m. Só essa área expositiva para modificar o edifício desenhado há mais de cinco dé- de 4 mil m 2 já supera o espaço utilizado pelo mucadas – portanto desgastado pelo tempo. Além do restau- seu desde 1992 no campus da Cidade Universitária.

Na imagem à esquerda, a vista do oitavo andar, onde funcionará o restaurante. À direita, a instalação do artista Carlito Carvalhosa no anexo. 4 Arquitetura & Construção maio 2013


O prĂŠdio se despede do passado que o marcou como templo da burocracia. Na imagem, a vista do Ăşltimo piso contempla o Parque Ibirapuera.


Doada pelo casal Matarazzo, a tela Autorretrato, do pintor Amedeo Modigliani, esperou 50 anos atĂŠ chegar Ă nova sede.


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1. O casal Francisco Matarazzo e Yolanda Penteado na inauguração do MAC USP, em 1963. 2. O primeiro diretor do museu, Walter Zanini, e o arquiteto Jorge Wilheim analisam o projeto não realizado de Paulo Mendes da Rocha para o museu, em 1975. 3. Obras do acervo do MAC USP em sua casa provisória: o terceiro andar do Pavilhão da Bienal (1976).

Início de um legado

ticos impossibilitaram a realização das propostas e o museu seguiu funcionando provisoriamente no terceiro andar do Pavilhão da Bienal (onde permanecerá até completar-se a ocupação da nova sede) – e na pequena área no campus da Cidade Universitária, inaugurada em 1992 (a ser mantida). A solução apresentada pela Secretaria da Cultura oito anos atrás de usar a obra de Niemeyer é vista por alguns como uma conquista e por outros com reprovação, já que não se fez um novo prédio, como o casal desejava. “Acho que o próprio Oscar não estava muito interessado na reforma da antiga criação dele”, brinca o arquiteto Marcos de Oliveira Costa. Isso porque Oscar foi o primeiro convidado a dirigir o restauro, mas teve sua ideia recusada por ela não respeitar as leis de tombamento da construção, que se dá nos níveis municipal, estadual e federal.

1. do livro yolanda, de antonio bivar 2. Gerson Zanini 3. carlos namba

Após anos dedicados à cena artística paulista, realizando feitos como a organização da primeira edição da Bienal Internacional de Arte e a criação do Museu de Arte Moderna, o casal Francisco Matarazzo Sobrinho (1908-1977) e Yolanda Penteado (1903-1983) doou seu acervo à Universidade de São Paulo (USP), em 1963, com a condição de que fosse erguida uma sede para a nova instituição. Nascia assim o Museu de Arte Contemporânea da USP, e os esforços para construir uma casa para o acervo (que, na época, somava 1 236 itens) se tornaram uma constante entre seus diretores. Nos últimos 50 anos, organizaram-se concursos de arquitetura nacionais e internacionais, e nomes como Rino Levi (1901-1965) e Paulo Mendes da Rocha se colocaram a desenhar projetos para o MAC USP. No entanto, enclaves polí-

Em primeiro plano, a escultura O Brasileiro (1938), de Ernesto de Fiori, atrás, a obra Graça II (1940), de Victor Brecheret. Ambas estão expostas no sétimo andar. 10 Arquitetura & Construção maio 2013


O piso térreo exibe esculturas de nomes como Ângelo Venosa, Maria Martins e Henry Moore.

“A instituição pretende ocupar todo o prédio até o final do ano, estimando mostrar até 50% do acervo de mais de 10 mil obras”

Assim, ainda em vida, Oscar Niemeyer nas de obras modernistas e contempassou pela delicada situação de não porâneas emblemáticas. Quadros de poder alterar a própria obra, uma vez Di Cavalcanti, o autorretrato de Ameque ela tinha se tornado patrimônio deo Modigliani e as telas A Boba, de histórico. Polêmicas à parte, a sede paAnita Malfatti, e A Negra, de Tarsila rece ser um presente para a vida culdo Amaral, coexistem com criações tural da capital paulista. Sua nova fase mais atuais, como as fotografias da difere da abertura oficial, ocorrida no inglesa Cindy Sherman. No anexo, Tadeu Chiarelli, diretor do MAC USP início de 2012, num gigante prédio vaduas exposições criadas especialmente zio com esculturas de grande porte apenas em parte do piso para a inauguração enfocam a memória. O fotógrafo pautérreo. “Naquele momento, interessava estrategicamente à lista Mauro Restiffe registrou as mudanças no complexo ao USP ‘colocar o pé’ ali, mas a reforma não estava termina- longo dos três anos de reforma, e sua série de 12 fotografias da. Optamos por expor esculturas de bronze e pedra, mais nomeada Obra revela a construção ora como monumento, resistentes, porque não sabíamos o que poderia acontecer. ora como ruína. O profissional, aliás, voltou seu olhar mais Não existia segurança suficiente para peças frágeis”, revela uma vez ao local e registrou seu novo momento especialo diretor e professor Tadeu Chiarelli. “É uma honra inau- mente para esta reportagem de A&C. Ao lado da série de gurar a sede em minha gestão, mas também delicado, pois Mauro, a instalação Sala de Estar, do artista Carlito Carestamos mudando para um edifício que é por si só uma valhosa, dispõe antigos postes de madeira na horizontal e obra de arte. A pressão vem de todos os lados”, afirma. obliquamente, interferindo no conjunto harmonioso de piA ocupação paulatina continua e pretende alcançar os sete lotis. “Sala de Espera traz de volta a este espaço um novo andares expositivos até o final do ano para mostrar cerca de pulsar e, dessa maneira, recupera o melhor de Niemeyer”, metade do acervo. Atualmente, o sétimo piso exibe cente- conclui Tadeu Chiarelli, em seu texto sobre a mostra. 12 Arquitetura & Construção maio 2013


Na foto acima, o registro do fotógrafo de sua própria obra no museu traça um paralelo entre diferentes momentos de um mesmo lugar.

memórias dE UMa obra novo trabalho de mauro restiffe eterniza o edifício Com a clássica câmera Leica M6, sua eleita há mais de 20 anos, o fotógrafo paulista Mauro Restiffe se dedica a uma documentação da arquitetura que busca, para além do caráter estético, identificar uma condição incomum. A série Empossamento (2003) – na qual retrata as construções de Niemeyer em Brasília, ocupadas por multidões durante a posse do então presidente Lula – inspirou o desafio de outro projeto: capturar o processo da reforma da sede do MAC USP. Na coleção

de 12 imagens, nomeada Obra, o elemento incomum emana da sobreposição de diferentes momentos de um mesmo espaço, revelando o complexo de Niemeyer “ora como monumento, ora como ruína”, conforme apontou o diretor do museu, Tadeu Chiarelli. Representado pela Galeria Fortes Vilaça, o fotógrafo acaba de receber o prêmio FCW de Arte com seu trabalho Sufocamento. A pedido de A&C, voltou novamente sua pequena câmera alemã ao prédio do MAC, e cristalizou um novo tempo do espaço.

“O espaço dentro do espaço levanta outra questão: a do tempo, pois resgata um passado quase esquecido” Mauro Restiffe, fotógrafo

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