Como nasce um museu?

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julho 2013 Arquitetura & Construção

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como nasce um museu

Ou, mais precisamente, como a nova sede do Museu de Arqueologia e Etnologia vem tomando forma na Cidade Universitária. O prédio marca o início da construção de um complexo de 80 mil m2 assinado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha

Por Luisa cella (texto) Projeto paulo mendes da rocha e piratininga arquitetos Fotos tuca vieira

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Ao lado de um dos pilares com 1,20 m de diâmetro, o engenheiro Newton Marçal, da USP, fotografa imperfeições na estrutura de concreto do museu, que devem ser corrigidas durante este mês. julho 2013 Arquitetura & Construção

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o Edifício Expositivo (EEX) e o Edifício para Atividades Culturais (EAC). O intervalo de tempo até a retomada exigiu dos arquitetos a revisão da proposta. “De 2000 para 2010, quando voltamos a discutir o assunto, só o acervo do MAE já pedia muito mais do que a planta inicial previa. Houve uma mudança no parâmetro, mas o partido do projeto se manteve”, revela a arquiteta Renata Semin. Ela e o sócio, José Armênio de Brito Cruz, são os profissionais do escritório Piratininga Arquitetos envolvidos na obra desde o início, em parceria com o consagrado arquiteto Paulo Mendes da Rocha. RENATA URSAIA

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assaram-se dez anos da entrega do projeto, em 2002, até que despontasse o primeiro prédio, programado para ser a nova sede do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, o MAE. No terreno de encostas íngremes e grandes proporções da Cidade Universitária, o bloco de concreto aparente e geometria rigorosa, previsto para ficar pronto em 2014, representa a promessa de um complexo muito maior, com área total de 80 326 m2, nomeado Praça dos Museus e prometido para 2015. Para completá-lo, falta ainda construir ali o Museu de Zoologia (MZO),

No alto: o arquiteto Paulo Mendes da Rocha revela a primeira maquete da Praça dos Museus, em 2002. Acima: o croqui feito por ele esboça a implantação do conjunto.

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Um dos dois vãos de escadas, posicionados simetricamente no edifício de planta quadrada. Os pés-direitos variam de 4 a 16 m.

“A construção do mae começou graças a um termo de ajuste de conduta”

do MAE têm 35 m de altura e, Ao traçar o desenho, Paulo para conferir flexibilidade aos Mendes considerou a indepenespaços internos, os pés-direidência de cada unidade, mas tos variam de 4 a 16 m”, conta pensou também em soluções Renata sobre os dois museus de capazes de integrá-las. A princoncreto aparente, ambos com cipal ideia foi incluir uma escristina demartini planta quadrada de 46 x 46 m. pécie de rua aérea que funciona arqueóloga O destino do projeto engacomo eixo de articulação das edificações. Com 14 m de largura e 242 m de comprimento, vetado começou a mudar em 2010, graças a um processo a passarela também deverá ser usada como área expositiva, que envolveu a Brookfield Incorporações, uma casa bandeisegundo os arquitetos do Piratininga. No caso do MAE, ela rista do século 18 e um empreendimento multimilionário conduz o visitante até uma abertura de acesso no quarto an- na avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste da cidade dar. “Como o terreno é um vale, verticalizamos os prédios pa- – o edifício Pátio Victor Malzoni, que ocupa um quarteira evitar tanto impacto na geografia. Os dois blocos do MZO e rão e tem o metro quadrado comercial mais caro da cidade. 10 Arquitetura & Construção julho 2013


Para valorizar a entrada de iluminação natural nos pisos superiores, uma claraboia acompanha todo o perímetro do bloco.

“O PRÉDIO REVELA SURPRESAS E OS VAZIOS SÃO CARREGADOS DE SIGNIFICADO”

No nosso trabalho, mesmo Para erguê-lo, a construtora dapequenos vestígios ajudam a nificou o patrimônio histórico reconstruir o passado”, conta da Casa Bandeirista do Itaim, a arqueóloga Cristina Demarsítio tombado pelo Conselho tini, pesquisadora do MAE há de Defesa do Patrimônio Hismais de vinte anos. O prédio tórico, Arqueológico, Artístico RENATA SEMIN é um presente para a instie Turístico (Condephaat) desarquitetA tuição, que funciona sem a de 1982. Como medida cominfraestrutura ideal. Segundo pensatória, o acordo assinado pelo Ministerio O Ministério Público Federal em São Paulo, os arquitetos do Piratininga, o objetivo da Praça dos Museus a Brookfield Incorporações, a Universidade de São Paulo e o é fortalecer os vínculos da USP com a sociedade e permitir Iphan impôs à Brookfield a responsabilidade de construir o maior exposição da atividade acadêmica e dos acervos, além MAE e parte da passarela da Praça dos Museus. “A casa foi de configurar um novo espaço público na cidade. O lugar vai preservada entre as duas torres do prédio, mas a construtora conferir um potencial expositivo inédito ao museu, que atuprejudicou o terreno, que também é um sítio arqueológico. almente não tem sequer um espaço reservado para mostras.

No terreno com encostas íngremes, a rua aérea de 242 m liga o Edifício Expositivo (à esq.) ao MAE (à dir.).

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À direita, o pavimento com mezaninos é banhado por iluminação natural de uma claraboia central. À esquerda, as aberturas que contemplam o verde da paisagem.

“a área que receberá o acervo é absolutamente protegida, como o coração do prédio”

Piratininga Arquitetos

que não são ideais. Quem traA sede atual, também locabalha diretamente com o lizada no Campus da Cidaacervo sabe da necessidade de Universitária, funciona de mais lugar e de infraesapenas como reserva técnica trutura para a conservação”, dos mais de dois milhões de revela arqueóloga Cristina objetos do acervo – coleções sobre as expectativas para a raras, datadas de milênios RENATA SEMIN arquiteta nova sede. A arquiteta Renaatrás, e que registram modos ta Semin contou que o acervo de vida dos nossos antepassados. A única área visitável atualmente revela a coleção do ficará num núcleo central do edifício, com área total de 3 mil ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do Banco Santos. Os itens m2. Ali, dispositivos eletrônicos vão garantir as condições do colecionador estão sob cuidados do MAE até o desenrolar ideais para os vários tipos de acervo, que exigem diferendo processo penal que confiscou todos os seus bens, e podem tes ambientações. As salas vão abrigar coleções de extintas passar a integrar o acervo do museu depois disso. “Estamos sociedades brasileiras, mediterrâneas, pré-colombianas, há vinte anos nesse prédio da USP, nos adequando a espaços do médio oriente, africanas, norte-americanas e outras.

À esquerda: a fachada externa do MAE, fotografada no final de junho. O edifício de 46 x 46 m tem 35 m de altura e sete pisos. À direita: os arquitetos envolvidos no projeto (da esq. para a dir.) – Julia Gouvêa, Marco Artigas, Renata Semin, Paulo Mendes da Rocha, Marcelo Dionísio, Natasha Pirondi e Mauricio Petrosino. 14 Arquitetura & Construção julho 2013


Vasos de cerâmica feitos pelas tribos indígenas Marajoara dispostos numa das salas de reserva técnica da sede atual do MAE.

registros do passado

Ao projetar a sede do Museu de Arqueologia e Etnologia, os arquitetos pensaram formas de abrigar diferentes tipos de objetos datados de centenas e até milhares de anos Entre as tarefas que Paulo Mendes da Rocha e os profissionais do escritório Piratininga Arquitetos tiveram de realizar, estava o planejamento de estruturas ideais para conservar o acervo do MAE. São mais de dois milhões objetos que variam de minúcias, como moedas ou pequenas lâminas, até ossadas, canoas de madeira ou vasos de cerâmica, alguns deles revelados na imagem acima. Dispostos numa das salas de reservas técnicas, os vasos usados para abrigar restos mortais pelas tribos indígenas Marajoara – que viveram na Ilha de Marajó, no Pará – datam de cerca de mil anos atrás. No centro da nova

sede, como o coração do edifício, será construída uma estrutura com 3 mil m2 de área, que ocupará dois pisos e será isolada pelos núcleos de escadas e elevadores. Ali, as peças armazenadas ficarão protegidas de condições externas, e dispositivos eletrônicos vão garantir temperatura e umidade ideais para cada ala. O pé-direito duplo poderá receber um mezanino metálico, duplicando a capacidade do acervo, que está em constante crescimento. “Praticamente todas as escavações produzem objetos que vêm depois para o laboratório do museu, para serem estudados”, revela a arqueóloga Cristina Demartini.

“grandes objetos ou pequenos fragmentos nos passam informações sobre a trajetória humana na terra” cristina demartini arqueóloga 16 Arquitetura & Construção julho 2013


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