A ponte de pinho leva à porta do memorial. No interior, os visitantes enxergam a paisagem externa através das pequenas janelas e costumam ser surpreendidos pelo balanço da estrutura quando ventos fortes sopram.
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ZUMTHOR, BOURGEOIS
E os “feiticeiros” de vardo Na Noruega, o arquiteto Peter Zumthor e a artista plástica Louise Bourgeois criaram o The Steilneset Memorial, uma comovente homenagem às vitimas da caça às bruxas durante a Inquisição no século 17. I reportagem luisa cella I fotos jarle wæhler
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om auge no século 17, a onda de perseguições a pessoas supostamente ligadas à feitiçaria causou cerca de 50 mil mortes por toda a Europa. Na Noruega, a maioria das execuções aconteceu em Vardo, uma das primeiras cidades a se formar no país. Incapazes de reunir provas concretas, os oficiais do Tribunal do Santo Ofício interrogavam e torturavam centenas de acusados e, como teste final, os atiravam ao mar. Se o corpo boiasse, era prova de culpa, e a pessoa seguia para a fogueira. Documentos resgatados apontam que nenhum corpo jamais afundara. Constam nos registros a condenação de 91 pessoas. Nesse mesmo local, foi inaugurado, em junho de 2011, o Steilneset Memorial, espaço dedicado à memória das vítimas projetado por Peter Zumthor. Em 2006, o recluso arquiteto deixou a Suíça para viajar pela primeira vez à quase deserta Vardo, cidade localizada no extremo leste da Noruega. “Em minha primeira caminhada noturna pelo lugar, me emocionei com as casas escuras onde apenas as luzes das janelas indicavam a existência humana. Também me chamou a atenção as muitas redes e outros artigos de pesca e levei tempo contemplando o horizonte. Considerei a horizontalidade da paisagem extremamente importante. E, então, quando acordei pela manhã, eu já tinha a ideia”, contou Zumthor à revista Icon Eye. Zumthor sempre defendeu a arquitetura como 120 I casa claudia luxo
algo experimental que se inicia das emoções, e aponta características do ofício de um escultor em seu trabalho. Talvez por isso, as carcaças de bacalhau espetadas fora das casas para secar inspiraram o desenho do memorial: um casulo têxtil preso por meio de cabos de aço à estrutura de pinho, referência ao corpo estirado de um animal. Essa resistente estrutura de lona costurada a mão foi pensada de maneira a suportar as fortes tempestades que atingem a região. No interior, a escuridão e o teto cheio de nervuras, imitando o palato de uma boca, causam estranhamento por todo o trajeto de 120 m de comprimento e 1,50 m de largura. Pelas paredes, estão distribuídas 91 janelas iluminadas por lâmpadas penduradas, uma para cada suposto bruxo queimado na fogueira, e documentos expostos anunciam as mortes. Quando os ventos fortes sopram na costa, toda a estrutura balança. O visitante é o único a se manter estável, já que o chão do estreito corredor está preso a uma estrutura independente da membrana têxtil, mas as paredes e as luzes se movimentam de maneira inesperada e surpreendente. Como se apenas o memorial não fosse motivo suficiente para atrair olhares para a remota e esquecida Vardo – onde vivem pouco mais de 2 mil habitantes e apenas duas árvores sobreviventes dos invernos rigorosos –, foi construído, ao lado, o pavilhão que abriga uma das últimas criações da artista francesa radicada
Na página ao lado, o pavilhão erguido para abrigar a obra de Louise Bourgeois e o Steilneset Memorial. Nesta página, vista interna do memorial, que tem o teto cheio de nervuras, semelhante ao palato de uma boca, e 91 janelas iluminadas, uma para cada vítima condenada durante o período de caça às bruxas no século 17.
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nos Estados Unidos Louise Bourgeois (19112010), a obra The Damned, the Possessed and the Beloved (O Condenado, o Possuído e o Adorado). Ao passar pelos 17 painéis de vidro, sete grandes espelhos posicionados no alto da sala refletem chamas saídas de aberturas no assento de uma cadeira. As imagens formadas no espelho mostram uma distorção daquilo que realmente existe no espaço. Ali o visitante é convidado a repensar a relação entre o real e o inventado, e a reinterpretar os fatos que nos cercam. Uma sugestão direta de volta ao passado para buscar a memória dos crimes cometidos na fogueira há 400 anos, que
atingiram as pessoas acusadas de feitiçaria. A saúde debilitada de Louise não permitiu que viajasse para conhecer o lugar. Como solução, ela trocou desenhos com o arquiteto via fax até chegarem à proposta ideal. “Eu tive a responsabilidade de construir a concha para a obra de Louise, fiquei muito honrado”, revela Zumthor. A reunião em um mesmo lugar das obras de duas personalidades tão intensas e inventivas faz parte do programa para atrair visitantes, promovido pelo governo norueguês, que prevê, para os próximos anos, a construção de outros projetos arquitetônicos e obras de infraestrutura pelo país. I
Na página ao lado, acima, retrato do arquiteto Peter Zumthor (premiado com o Prêmio Pritzker de 2009) e da artista Louise Bourgeois. Abaixo, a implantação das obras, que aparecem lado a lado na paisagem. Nesta página, a instalação The Damned, the Possessed and the Beloved, criada por Louise especialmente para o memorial.
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