Entrevista com Tadao Ando

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Volume, silêncio e rigor “Não creio que a arquitetura tenha de falar muito. Ela deve permanecer silenciosa e deixar que a natureza, guiada pela luz e pelo vento, fale.” Tadao Ando é dado a sínteses. Por isso mesmo, ele faz nossa alma congelar, tamanho é o desejo de conservar para sempre a sensação de estar em um espaço seu. I reportagem kátia stringueto e luisa cella

foto nobuyoshi araki

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eveza é uma das melhores qualidades da arquitetura contemporânea. E o japonês Tadao Ando consegue atingir essa expressão usando concreto. Não um bruto qualquer, é verdade, mas um devidamente tratado com água e longos alisamentos para ficar com uma textura que lembra a seda. Essas estruturas formam pátios descobertos onde a luz, o vento e a chuva coexistem com a obra e são o ponto de partida de sua arte – uma arquitetura que nunca rejeitou os elementos inquietantes e imprevisíveis, que procuram ser eliminados da vida moderna. Autodidata e apaixonado por livros, Tadao escondia uma edição de Le Corbusier, por quem é fascinado até hoje, na pilha de títulos mais reservada dentro do sebo que frequentava. Apesar de usado, o volume custava caro e era preciso ocultá-lo enquanto juntava dinheiro para adquiri-lo. Em sua autobiografia, lançada no Brasil pela Be Editora, o arquiteto compartilha histórias como essa, o que torna mais saborosa a trajetória desse ganhador do Prêmio Pritzker, em 1995. Da memória, vem o Tadao briguento, que só

sossegava depois que a avó, por quem foi criado, saía à rua e lhe jogava um balde de água fria. Somos surpreendidos pela experiência como boxeador profissional por volta dos 16 anos. A vida modesta que levou, numa casa muito simples e fria em um distrito comercial de Osaka, estruturou sua personalidade e o ensinou a ser rígido, exato e econômico. Características que exige de seus funcionários. Como sentiu o arquiteto nipo-brasileiro Eiji Hayakawa, que, na época de estudante, se viu fascinado pelo mestre japonês. Eiji arriscou uma carta “utópica” pedindo estágio no escritório de Osaka e quase não acreditou ao receber um sim. “Foram seis meses que valeram mais do que toda a minha educação formal. A grande arquitetura não é somente fruto de traços geniais, mas sobretudo de disciplina, dedicação e seriedade”, diz. Quanto à fama durona do arquiteto e ao seu “tratamento à base do terror”, Eiji afirma que não há exagero. “É uma maneira paternalista que ele encontra de nos preparar para a profissão.” A entrevista a seguir parece confirmar isso.

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Minimalista, quase monástica. A arte de Tadao Ando está nas linhas exíguas e altamente sensoriais, como se vê na Igreja da Luz (foto à direita), na cidade de Ibaraki, distrito de Osaka. O mesmo se vê nas casas. Embora mais abastada, o método para construir a residência Koshino (na foto das páginas finais) foi o mesmo usado para a Sumiyoshi: a luz como artifício para a natureza penetrar na casa.

Fora da Ásia, o Brasil é o único país a contar com a publicação de sua biografia. Por que a preferência? Por um lado, houve o encorajamento de um querido amigo nipo-brasileiro. Por outro, me sinto bastante interessado por esse país longínquo e pelo rápido desenvolvimento que tem demonstrado nos últimos anos. Tinha esperança de que as pessoas apaixonadas por arquitetura no Brasil dessem as boas-vindas a um livro que fala da minha vida – uma história cheia de dificuldades e muito esforço contra enormes desigualdades – e que isso fosse inspirador para elas. Como foi o processo de escrevê-lo? A ideia surgiu da editora japonesa Shinchosha, especializada em literatura e artes. Não sou escritor, então, o processo exigiu não apenas um grande esforço mental como também o de voltar no tempo e recuperar a memória. Isso não foi agradável. De maneira alguma. No entanto, eu tive a chance de colocar a vida em perspectiva mais uma vez e reorganizar minha ideologia. Como os meus dias são muito ocupados, foi uma excelente oportunidade de introspecção. No livro você conta que metade de seus clientes some depois que você fala da residência Sumiyoshi [marco inicial da carreira de Ando, ela é revestida de concreto aparente e toda a movimentação entre os cômodos é feita por um pátio interno sem telhado]... Uso o exemplo da Sumiyoshi para explicar o seguinte: para mim, conforto numa casa não necessariamente significa conveniência e proteção total. Até mesmo no ambiente urbano, o que eu prezo é uma morada onde o homem possa coexistir com a presença da natureza. Os conflitos ocasionais com a severidade do frio ou do calor fazem parte dessa coexistência. Aqueles que conseguem compartilhar dessa ideia se tornam meus clientes. Onde mora Tadao Ando? Cresci numa pequena casa geminada de madeira, numa região desordenada, próxima ao centro de Osaka. Vivi lá até 20 anos atrás. Agora moro num apartamento comum próximo ao meu escritório.

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Assim consigo dar conta da minha agenda eficientemente. Apesar de arquiteto, não me interesso em projetar minha própria casa. Ou deveria dizer que meu escritório pode ser considerado a minha casa. Depois de projetá-lo e construí-lo, já o ampliei e o remodelei várias vezes. Talvez a força de gravidade da minha vida esteja centrada em torno do meu trabalho. Seu grande mestre é Le Corbusier. Qual a influência dele no seu trabalho? Le Corbusier teve um papel decisivo na arquitetura moderna com sua forma cristalina de expressão e seu jeito extraordinário de articular os espaços. Foi tão importante que ele poderia ser considerado uma fonte de inspiração para todos que fazem arquitetura contemporânea. Mas o que me atrai mais é o momento em que ele muda seu estilo de trabalho. Quando passa de um período minimalista chamado Era Branca para, em seus últimos anos, adotar uma criação livre e desinibida representada pela Capela Notre-Dame-du-Haut, em Ronchamp. Nesse intervalo de tempo, vemos uma mudança dramática em curso que eu considero significante. Seu explosivo poder criativo supera a lógica da razão. Seu insaciável espírito de busca por novos desafios e sua vitalidade são os principais motivos pelos quais eu o respeito profundamente. E como gostaria que sua arquitetura fosse entendida? Edifícios são “seres vivos” que crescem e envelhecem com o tempo. Meu desejo é que, depois de nós, criadores, trazermos essas construções ao mundo, os usuários possam apreciá-las com afeto e cuidar delas. Seus projetos são reconhecidos pelas formas nuas. Como essa qualidade traz tanto bem-estar? Uma das maneiras de criar um espaço rico é usar o máximo possível de elementos. Meu jeito de pensar é o oposto: limitando a quantidade de itens ao mínimo absoluto, tento transmitir a essência do ambiente e, como resultado, expresso sua riqueza por meio de elementos abstraídos da natureza, como a luz e o vento. O nu e o cru dos materiais não são o


foto mitsuo matsuoka

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Seu escritório projeta uma ou duas casas por ano. O que o faz aceitar um trabalho assim? Há duas razões principais de eu ainda desenhar casas. Uma é por prevenção: para que eu nunca perca a sensibilidade da proporção humana. A outra é para dar uma chance aos jovens profissionais que estão sendo treinados no meu escritório de entenderem a arquitetura em todos os seus processos (do esboço à construção), antes de serem envolvidos em projetos de escala maior. É a casa que nos faz recordar as principais questões da arquitetura: com que propósito e para quem estamos projetando. Se por um lado o contato com os futuros moradores causa uma situação difícil devido às muitas negociações e desejos, por outro oferece uma boa oportunidade de expressar o sonho de alguém. Pensando no meio ambiente, o que será do concreto – seu material preferido – daqui para a frente? É hora de reavaliar como a indústria deve ser, desde os materiais escolhidos até os sistemas de construção. Tendo desempenhado o papel principal na construção das cidades do século 20, a presença do concreto vai realmente mudar com o tempo. Eu não tenho a menor intenção de ir contra essa

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corrente. O que eu esperava ao usar o concreto era atingir uma expressão peculiar com esse produto acessível a qualquer um. Para o futuro, quero levar adiante, com a mesma paixão, o desafio de explorar o potencial de novos materiais. Como parecem a você os edifícios construídos com base no espetáculo? A respeito de profissionais como Santiago Calatrava, Daniel Libeskind ou Frank O. Gehry, eu os considero grandes arquitetos contemporâneos, perseguindo o potencial da arquitetura de um jeito diferente do meu. Eles são dignos rivais. Cada vez que um trabalho sensacional deles é anunciado, me sinto estimulado a criar algo à altura dessas obras usando minhas limitadas habilidades. Em 2010, o Prêmio Pritzker foi dado ao SANAA. Qual sua visão sobre o trabalho desse escritório japonês? O SANAA produz edifícios com alto nível de qualidade, independentemente das suas dimensões. Não há necessidade da minha avaliação. Eles são arquitetos representativos do nosso tempo, com atividades em todo o mundo. Entre outras expressões que indicam o melhor da nossa era contemporânea, a palavra leveza está incluída. O SANAA engenhosamente aplica essa leveza no meio “peso pesado” que é a arquitetura. I

foto tomio ohashi

meu objetivo. É só um jeito de chegar mais perto do espaço arquetípico que almejo alcançar.



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