Alex Saberi/getty images
mapa do verde na cidade
Vista da Avenida Paulista em 1902, registrada pelo fotógrafo Guilherme G aensly (18 4 3-1928).
São Paulo já teve
é o que resta de Mata Atlântica no estado de São Paulo, com as maiores frações nas serras da Cantareira e do Mar
Preservar os recursos naturais é um dos maiores e mais importantes desafios que as metrópoles de hoje enfrentam. Em nossa cidade, as áreas da natureza remanescentes estão constantemente ameaçadas – seja pela especulação imobiliária, por falta de ação do poder público, seja pela invasão de plantas estrangeiras. A seguir, apresentamos uma perspectiva do cenário atual. Por LUISA CELLA
ilhas de calor
A temperatura aqui varia até 14 °C nas diferentes regiões, o maior índice já registrado no mundo
de rios e córregos. Hoje, menos de permanecem a céu aberto
áreas com vegetação X áreas construídas
Na zona urbana, a taxa de impermeabilização do solo varia entre o mínimo, de 53,7%, no distrito do Jaraguá, e o máximo, de 84,3%, no Brás
Como comparação, em Berlim, a cidade mais verde do mundo, uma lei impõe obras com:
mapa da região metropolitana
A imagem comprova a falta de trechos verdes, especialmente na região central. No extremo norte, resiste o Parque da Cantareira, e, no sul, o Parque da Serra do Mar
desigualdade verde
Compare os índices de cobertura vegetal por habitante na cidade: Mínimo estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS): 12 m2/hab.
Centro: 0,60 m2/hab.
N
São Miguel Paulista: 3,01 m2/hab.
Penha: 5,84 m2/hab.
Área de Proteção Ambiental (APA) Parques municipais Parques estaduais Reservas
Pinheiros: 22,53 m2/hab.
Fontes: AtlAs de Uso e ocUpAção do solo do MUnicípio de são pAUlo – eMpresA pAUlistA de plAnejAMento politAno (eMplAsA); AtlAs dos reMAnescentes FlorestAis dA MAtA AtlânticA 2011 e 2012; FUndAção sos MAtA ticA (sosMA); Ilhas de calor nas metrópoles (MAgdA AdelAide loMbArdo); institUto nAcionAl de pesqUisAs Ais (inpe); orgAnizAção MUndiAl dA sAúde (oMs); preFeitUrA de são pAUlo; secretAriA do Verde e do Meio AMbiente
MetroAtlânespAci(sVMA).
wikimedia commons
Um dos raros respiros verdes na região central, o Parque Trianon resiste em meio ao mar de prédios da Avenida Paulista. Inaugurado em 1892, tem 48,6 mil m² de área e abriga um remanescente da Mata Atlântica nativa da cidade.
E
m meio à preocupação com o baixo índice de água nos reservatórios da cidade – e de atenção mundial à possível escassez de outros recursos –, iniciamos uma pesquisa a fim de descobrir como anda a base natural de São Paulo. Além de benéfica à qualidade de vida, a convivência com áreas de natureza é vital ao ser humano, e a preservação da fauna e da flora nativas, essencial ao equilíbrio do meio ambiente. Mas a forma como nos organizamos hoje, aqui, aponta a direção oposta, e os problemas superam a mera falta de chuva. A vida num ecossistema pressupõe causas e consequências correlacionadas. Então, se no avanço da mancha urbana se fizeram constantes questões como a especulação imobiliária e o descumprimento às leis e aos projetos urbanísticos, estava ali o embrião de diversos dos atuais problemas: altos índices de impermeabilização do solo, contaminação de mananciais, escassez de trechos verdes, poluição do ar, doenças respiratórias e, claro, uma qualidade de vida ruim. “A mentalidade de que terrenos verdes estão disponíveis como uma reserva a ser usada para o que for necessário se faz bastante comum. Desde o começo do
século 20, planos defendiam a criação de parques, mas nada era feito, e os lotes acabavam retalhados por avenidas e prédios”, conta Vladimir Bartalini, docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). No centro, por exemplo, os perímetros estipulados para os parques Dom Pedro e Anhangabaú logo deram lugar a outras construções. E é justamente ali onde se chegou ao índice de 0,60 m2 de cobertura vegetal por habitante (um dos mais baixos do mundo), enquanto o defendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como ideal mínimo é de 12 m2. Some-se aí o crescimento de bairros periféricos sem regulamentação que estipule a obrigação de pontos com cobertura natural, o que acentuou a “desigualdade do verde”. Ou seja, se em Pinheiros o índice de cobertura por habitante consiste em 22,50 m2, em outros locais, como São Miguel Paulista e Itaim Paulista, é de apenas 3 m2 e 2,10 m2, respectivamente. “Por causa disso, a temperatura na metrópole chega a variar até 14 °C de região para região, o maior valor já registrado no planeta”, revela a pesquisador a d a Un i v ersid a de E s t a du a l Paulista (Unesp), Magda Lombardo.
“perdemos o verde,os rios. e NÃO ENCONTRAMOs solução para problemas como o do transporte”
VLADIMIR BARTALINI, PROfessor da fau-USP 126 4 Arquitetura & Construção maio 2014
A Zona Sul, onde estão localizadas as Áreas de Proteção a Mananciais (APMs) das represas Billings e Guarapiranga, é considerada um dos maiores eixos de expansão da cidade nas últimas três décadas, com crescimento intensificado nos anos recentes. Segundo o levantamento da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), entre 1991 e 2000, enquanto o avanço urbano em pontos de parques e reservas florestais foi de 15,8%, o número chegou a 28,3% nas APMs. Os dados evidenciam a preocupante falta de conservação das zonas que armazenam nossos recursos hídricos. No caso da Billings, a margem leste tem predomínio de casas de alto padrão e chácaras, as ruas são pavimentadas, existem iluminação e coleta de lixo. No entanto, a margem oeste revela uma realidade oposta: os terrenos que beiram as águas estão tomados de favelas e domicílios precários, as ruas não são asfaltadas, há carência de infraestrutura, equipamentos públicos e saneamento, além de alta densidade populacional. Segundo a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), a represa recebe cerca de 400 toneladas de lixo por dia. Com
capacidade quatro vezes maior do que a da Guarapiranga, ela teria potencial para abastecer toda a região metropolitana da cidade de São Paulo por um ano. Mas esse mar de água-doce encravado no ABC está poluído, inutilizado e ignorado pelo poder público. Partindo para o extremo oposto do mapa, na Zona Norte, está em pauta outra questão ecológica, que envolve o Rodoanel e a Serra da Cantareira – perímetro com remanescentes da Mata Atlântica, considerada a maior floresta urbana do país. Diante dos inevitáveis danos causados por uma construção de tal porte, a pressão dos moradores e de ambientalistas fez com que as obras fossem paralisadas, e o trajeto, repensado mais de uma vez a fim de amenizar impactos. Engenheiros se associaram a pesquisadores de botânica para encontrar soluções, e ficou estipulado como compensação ambiental o plantio de 1,7 milhão de mudas de espécies nativas. Especialistas atentam à importância de fiscalizar essa medida. “É essencial, para reduzir o dano, que o plantio seja, ao menos, de espécies típicas da região. Não adianta trazer 5 mil pinheiros, pois os benefícios não são os mesmos”, a ler ta o botâ nico R ica rdo Ca rd i m.
“ou a preservação parte do poder público ou da ação da população, que precisa reivindicar”
VLADIMIR BARTALINI, professor da FAU-USP 128 6 Arquitetura & Construção maio 2014
SEBASTIÃO MOREIRA/AGÊNCIA ESTADO
A vista aérea revela o avanço da mancha urbana nas margens da Represa Billings, em 2005. Na Represa Guarapiranga, a ocupação irregular se repete, agravando o quadro de dano ambiental, que pode se tornar irreversível.
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Encravada entre a Marginal Pinheiros e o Parque Burle Marx, a área de 5 mil árvores pode virar conjunto habitacional e shopping. Ali, entre os elementos da biodiversidade original da cidade, um tem imenso valor ambiental: os remanescentes das várzeas e florestas inundáveis do Rio Pinheiros, únicos sobreviventes dessa formação ecológica.
Um dos últimos remanescentes da Mata Atlântica nativa no centro de São Paulo também chama a atenção: desde 2013, a luta pela instalação do Parque Augusta no terreno de 25 mil m2 ganhou força. Quando as incorporadoras Setin e Cyrela anunciaram a construção de um condomínio de alto padrão ali – seguindo o processo de verticalização da região, já absolutamente tomada de prédios –, movimentos sociais surgiram para reivindicar um parque público no local. O atual prefeito, Fernando Haddad, respondeu sancionando o projeto de lei que estabelece sua criação. Contudo, as empresas proprietárias do lote fecharam os portões e anunciaram o uso de 20% do espaço para levantar torres residenciais. “Na minha opinião, elas deveriam doar 100% dessa área a São Paulo, num gesto simbólico de compromisso com a qualidade de vida aqui. Afinal, o que vêm fazendo pela cidade? Estão pri-
vatizando os poucos trechos verdes que temos e transformando em condomínios de luxo”, comenta o vereador Ricardo Young. Outro anúncio recente indica nova ameaça a uma área da Mata Atlântica localizada num respiro da tão impermeabilizada e pavimentada margem do Rio Pinheiros, vizinha do Parque Burle Marx, no Panamby. O local, com cerca de 5 mil árvores nativas, foi dividido entre as empresas Cyrela e Camargo Corrêa. Essa última reivindica, segundo a Associação de Moradores do Morumbi e da Vila Suzana (Samovi), pela segunda vez (a primeira foi negada), um alvará para construir no terreno. Por essas e outras, como podemos ajudar nossa cidade? Pedimos ao botânico Ricardo Cardim para apontar algumas espécies nativas que podem ser cultivadas em casa. Ao optar por plantas locais, e não estrangeiras – que já são a maioria por aqui –, você colabora com o equilíbrio ambiental. Entenda o porquê a seguir.
“O Parque Augusta poderia ser um símbolo, mostrando que o setor econômico tem, sim, interesse em se comprometer” ricardo young vereador
130 8 Arquitetura & Construção maio 2014
CONHEÇA SEU JARDIM
O uso de plantas estrangeiras – que tomam o lugar das nativas e desequilibram o habitat – é considerado a segunda maior causa da perda de biodiversidade ção por recursos e capazes de tomar o espaço dos nativos. “Uma planta do deserto do México, por exemplo, produz cem sementes. Se, lá, só uma germinava, aqui, onde tudo dá, todas brotam”, conta. Entre os problemas, está o desaparecimento da fauna e da flora originais, que acarreta desequilíbrio ambiental. “Das 20 frutas mais consumidas por nós, só duas são brasileiras: o abacaxi e o maracujá.” Pedimos para Ricardo listar algumas das invasoras mais populares nas áreas externas de São Paulo, além de também apresentar nossas árvores e suas características.
I n vasor as NÊSPERA
X
Nati vas ARAÇÁ
Apreciada por seus frutos, a ameixaamarela, como também é conhecida, é nativa do Japão. Dispersada por meio de seu fruto e com a ajuda das aves, espalha-se pelo solo de áreas da Mata Atlântica.
Arbustiva da mesma família da goiabeira, com fruto de sabor semelhante. A cor da polpa varia de acordo com o tipo, como o araçá-vermelho e o araçá-pera. Sua raiz tem propriedades diuréticas.
AGAVE
Pode ter porte de arbusto ou árvore, já que chega a atingir 6 m de altura quando não é podada. Atrai a fauna e, por ter raízes fortes, costuma ser empregada no paisagismo como cerca viva e renque rústico e resistente.
Originária sobretudo do México e, em m e n o r g r au , d o s Estados Unidos e de outros países da A méric a C entral, a suculenta pode infestar sup er f ícies da Mata Atlântica e do cerrado.
cheflera
Muito utilizada em vasos interiores, quando esta espécie da Ásia se encontra em áreas livres, tem as sementes levadas por aves a forquilhas de árvores, ocupando o lugar de bromélias, orquídeas e figueiras-bravas.
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CLÚSIA
CABELUDINHA
Tornou-se raro encontrar este arbusto ou arvoreta de frutos e flores aveludados. Em outubro, bolinhas de polpa adocicada brotam junto a seus galhos e tronco – daí seu nome popular de jabuticaba-amarela.
fotos: ricardo cardim
“Estima-se que, hoje, 80% de nosso paisagismo seja composto de plantas estrangeiras. O número é absurdo se pensarmos que somos o país com a maior diversidade no mundo”, conta o botânico Ricardo Cardim, dono da loja SkyGarden, que luta pela reversão do quadro. Durante a colonização, a nobreza trouxe profissionais que trataram de reproduzir aqui os jardins cobiçados na Europa. Foi o início do atual quadro preocupante. A falta de conhecimento de nosso patrimônio natural faz com que sejam cultivados tipos exóticos invasores, altamente eficientes na competi-
@biaferrerfotografa
@daczero
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@theycallmebells
@carolesuasgatas
Entre o cinza e o verde Os paulistanos lutam pela criação do Parque Augusta
@carol_sganzerla @satodobrasil
@__marcelo
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Acompanhando a dança dos portões do local – que, no dia 19 de abril, foram reabertos após quase quatro meses fechados –, os paulistanos mantêm viva a ideia da criação do Parque Augusta por meio de grandes manifestações ou gestos simples. Nesta página, reunimos algumas fotos publicadas nos últimos meses no Instagram, com a hashtag #parqueaugusta. Sobrepondo a altura do muro – que começa na icônica ladeira central, vira a esquina e segue pela Rua Caio Prado –, é possível avistar o remanescente da Mata Atlântica que colore a dura paisagem. Entre o verde e o cinza, estão os moradores, cuja ação se mostra essencial para preservar este espaço, benéfico ao lazer e à qualidade de vida na metrópole.
@daczero