marcos LIMA
plano diretor estratĂŠgico
como pensar o futuro desta cidade? As diretrizes e propostas do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo passam atualmente por uma revisão. A seguir, apresentamos alguns pontos críticos dos principais temas abordados pelo novo projeto de lei, que, se aprovado, ficará em vigor durante os próximos dez anos
distribuição do trabalho
para cada quatro habitantes milhões de pessoas moram na capital paulista
condições de moradia na cidade
Fontes: Balanço 2013 da Associação Nacional das Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea); Censo 2010 Engenharia e Tráfego (CET); Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município (Irbem) – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) e Rede Nossa São Paulo; Mobilidade Urbana 2013 – Ibope e Rede Nossa São Paulo; Modos de viagem motorizada, Pesquisa Origem-Destino – Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô); Plano Municipal de Habitação (PMH – 2009-2024) – Prefeitura de São Paulo; Relatório pendularidade 2013: Projeto de mobilidade pendular na Macrometrópole – Núcleo de Estudos de População
(136 empregos)
vivem em condições precárias, sendo...
vítimas fatais da poluição gerada por veículos anualmente
imóveis desocupados
tempo gasto no trânsito por dia
Média geral
1/3 da população
1/5 da população
em loteamentos irregulares
desses habitantes se declaram insatisfeitos com a qualidade de vida
em favelas
relaçÃO ENTRE O Número DE HABITANTES E o de linhas DE METRÔ CONSTRUÍDas
pontos fixos de enchente
em cortiços
entre 2001 e 2011
por Luisa cella
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Estudo anual da cidade de São Paulo – Companhia de
mais vagas no distrito do Itaim Bibi (300 mil empregos) em relação ao do Marsilac
novos entram em circulação por dia na metrópole
de mais usuários de aumento de transporte de novas linhas coletivo (de 2,8 mi de ônibus para 5,8 mi) municipais (15 mil)
10,6
pessoas/ metro de trilhos
17,8
pessoas/ metro de trilhos
19,9
pessoas/ metro de trilhos
153,4 pessoas/ metro de trilhos
18 mil toneladas diárias de lixo
(NEPO)/Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
Johann Oswald-was-fuers-auge/getty images
(Emplasa); Série 96xSP sobre deslocamento nos 96 distritos da capital – Ibope e Estadão Dados.
LUCAS LIMA
“O
Plano Diretor Estratégico [PDE] não é o remédio para todos os males. Ele deve agir com outras leis para garantir o desenvolvimento inteligente do território urbano”, ressalta José Armênio de Brito Cruz, arquiteto e presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de São Paulo (IAB-SP), mencionando especialmente a integração do PDE ao Código de Obras e Edificações (COE) e à Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos). O que ele quer dizer é que, sozinho, o Plano não resolve. Idealizado como uma espécie de constituição urbanística – colocada em vigor pela primeira vez em São Paulo em 1972 –, o documento tem a função de fornecer ao prefeito as diretrizes necessárias ao controle do exercício de construir, assim como uma série de compromissos a serem cumpridos para aproximar a cidade do modelo ideal. Mas o descompasso entre as legislações e a falta de aplicabilidade das medidas previstas arrastaram o quadro de crescimento sem controle das ruas. O resultado visto hoje? Um cenário desorganizado, disperso, desigual e engessado. Por isso, os acontecimentos que integram a história da metrópole levaram muitos a enxergar com descrença a eficácia do Plano. Entre eles, existem os que classificam o texto como uma espécie de cortina de fumaça usada para encobrir o fato de que quem decide o futuro de São Paulo é, na realidade, um pequeno grupo de setores dominantes despreocupado com o bemestar coletivo. Controvérsias e descrenças justificáveis à parte, estamos diante de um processo de revisão de seu
conteúdo, iniciativa bem-vinda após um período de 12 anos desde a última versão. E seus novos conceitos articuladores já estão declarados. Elaborado pela prefeitura, o Projeto de Lei de Revisão do Plano Diretor Estratégico (PL 688/13) está prestes a ser votado no plenário com um conteúdo que reflete – ao menos nas linhas do discurso – sobre os modelos do mercado paulistano mantidos até então intocados. José Armênio ressalta questões sistêmicas que esse PL enfrenta: o nó do adensamento populacional e a mistura de usos (comercial e residencial), vistos como paradigmas do progresso urbano, além da mobilidade, tema de grande destaque. Talvez em decorrência dos protestos de 2013, o transporte coletivo aparece como prioridade em relação ao automóvel pela primeira vez na história do planejamento da metrópole. No exercício de produção do projeto de lei, a prefeitura convocou a sociedade a participar e entender melhor o assunto por meio de oficinas e audiências públicas – foram 45 encontros até 19 de dezembro do ano passado. Agora, resta à Comissão de Política Urbana (CPU) debater as alterações que o relator, o vereador Nabil Bonduki (PT), preparou. Esta reportagem tentou contato com ele durante o último mês, sem êxito. Segundo informação de seu gabinete, a primeira votação em plenário para aprovação final deve ocorrer este mês. A seguir, falamos de algumas das principais medidas abordadas, destacando seus pontos críticos. O futuro dirá se São Paulo conseguirá perder a incômoda definição dada por urbanistas, que a descrevem como “uma cidade de obras sem planos e de planos sem obras”.
“o PLANO DIRETOR AINDA TEM MUITO a ANDAR, MAS OS PARADIGMAS QUE COMEÇou a tocar são IMPORTANTES”
JOSÉ ARMÊNIO de brito cruz, arquiteto 102 Arquitetura & Construção fevereiro 2014
A problemática da mobilidade
O discurso se debruça sobre os corredores de ônibus, mas fica a dúvida: essa medida é suficiente para melhorar o transporte e diminuir as jornadas de trânsito na metrópole?
O
Rubens Cavallari/Folhapress
o que favorece o carro, e não s índices cheo pedestre. Seguir organigaram ao ápice, zando a cidade assim é quecom congestiorer agradar a duas classes: namento queautomóveis e ônibus. O ideal brando recorde e a média seria incentivar núcleos esmais alta de tempo gasto parsos”, opina o arquiteto e diariamente pelo motorista urbanista Ricardo Corrêa, no trânsito de São Paulo – do escritório TC Urbes. A zo2h40. Quem vive na perina leste e o extremo da zona feria demora mais ainda, e sul, por exemplo, aparecem todos os usuários enfrentam como eixos, porém os correa aglomeração dentro dos dores de ônibus, os metrôs vagões da Companhia do e os trens ali ainda terão de Metropolitano de São Pauser construídos (veja o malo (Metrô) e da Companhia pa da pág. 108). Resta saber Paulista de Trens Metrose o esforço para melhorar politanos (CPTM). Só para justamente as regiões mais se ter uma ideia, o volume carentes desse tipo de infrade pessoas que precisam do estrutura será prioridade. transporte coletivo deu um Cena cotidiana do metrô: a plataforma superlotada enquansalto de 86% nos últimos 13 to os passageiros esperam o embarque na famosa estação Sé. Outra questão: apesar de abordar certas ações inoanos. O número de estações de metrô, que naquela época já não era suficiente, cresceu só 50%, vadoras, como tornar os rios navegáveis para o transporte de enquanto as linhas de ônibus municipais permaneceram pratica- passageiros e carga, o projeto de lei não objetiva o cuidado com mente as mesmas: cerca de 15 mil. A medida que ganhou maior as calçadas, que configuram a mobilidade primária. Nem as bicidestaque na revisão do Plano Diretor foi a articulação entre os no- cletas. “Quem não tem dinheiro para carro ou transporte coletivo vos adensamentos populacionais e os eixos de transporte público. – cerca de 30% da população – enfrenta dificuldade de andar de Mas alguns especialistas enxergam contradições na concentra- bike ou a pé. Isso é um erro, pois a função do Plano Diretor conção ao redor de avenidas. “Quando você transforma uma grande siste em promover a igualdade, permitindo que todos utilizem via num eixo estruturador, está criando uma centralidade linear, a cidade, independentemente da classe social”, conclui Ricardo.
“como as calçadas são a mobilidade primária, deveriam ser a base de qualquer cidade” Ricardo Corrêa, arquiteto e urbanista 104 Arquitetura & Construção fevereiro 2014
Pelo direito à moradia
A reação de diferentes setores da sociedade em relação às medidas apresentadas pela revisão do Plano reflete a gravidade do quadro de carência habitacional em São Paulo
R
NILTON FUKUDA/agência estado
nas de interesse ambiental), everter o déficit 60% do espaço fica reservado habitacional é a esse público. Nas Zeis 2 e 3 um dos ma is (terrenos desocupados, não complexos desautilizados ou subutilizados), fios da administração públisão 50% e, por fim, 80% para ca paulistana atualmente. as Zeis 4 (lotes desocupados, Calcula-se que 4 milhões de não utilizados ou subutilizapessoas vivem em condições dos, destinados à relocação precárias de moradia. A revide pessoas em áreas de risco são do Plano Diretor propõe ou preservação). “O mercado aumentar em 23% as Zonas busca lucro máximo e risco Especiais de Interesse Somínimo, não tendo interesse cial (Zeis), áreas reservadas em empreender para a socieà recuperação urbanística, à dade de baixa renda. Tornaregularização fundiária e à -se necessária uma política edificação de Habitações de de subsídios e ações do EstaInteresse Social (HIS). No do”, aponta o advogado Dito entanto, há dúvidas de como Barbosa, da União dos Movia medida resultará na consIntegrantes do Movimento dos S em-Teto do Sac omã mentos de Moradia (UMM) trução efetiva de domicílios, (MSTS) protestam contra o corte de água e luz no Cine especialmente aqueles desti- Marrocos, prédio ocupado desde novembro de 2013. de São Paulo. Para Claudio Bernardes, presidente do nados a famílias com renda de até três salários mínimos. “A suposta intenção da lei, de forçar o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Adminissetor imobiliário a produzir para essa faixa de ganho ou, inclusive, tração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovia eventual obrigatoriedade nesse sentido, pode ser declarada in- SP), o custo é incompatível com o produto, e só outras alternativas constitucional por ser abusiva. Tal perfil jamais será atendido pela viabilizariam a equação econômica. “Desde o início da implemeniniciativa privada”, afirma o urbanista Flávio Villaça. O projeto de tação das Zeis, em 2002, quase não houve operação desse tipo, e lei continua com a divisão já existente das Zeis, mas amplia o per- o atual PL gerou um modelo que dificulta ainda mais o procescentual do trecho que deverá atender aos grupos com renda de zero so”, declara. Enquanto isso, 400 mil imóveis estão desocupados a seis salários mínimos. Nas Zeis 1 (locais de risco situados em zo- ou subutilizados na cidade, principalmente na região central.
“nÃO HAVERá HABITAÇÃO SOCIAL COM EStE MODELO. PRECISAMOS ENCONTRAR outras ALTERNATIVAS VIÁVEIS” CLAUDIO BERNARDES, PRESIDENTE DO SECOVI-SP 106 Arquitetura & Construção fevereiro 2014
Estimular novos adensamentos
O atual PL propõe criar outros eixos de estruturação urbana. Organizados ao longo de áreas de transporte coletivo, eles poderão atrair mais imóveis
zona norte
C
zona oeste
zona leste
reprodução/site gestão urbana
merciais, mas faltarão om a m i s s ã o infraestrutura, creches, de tornar mais educação, hospitais. Uma democrático o coisa é aumentar o coefiterritório da ciciente numa avenida como dade – tentando reduzir, a Rebouças, e outra, numa inclusive, o tempo e a disvia como a Jacu-Pêssego”, tância dos deslocamentos defende Adriana Levisky, entre moradia e trabalho –, arquiteta e vice-presidente o Projeto de Lei de Revisão da Associação Brasileira do Plano Diretor difunde a Áreas previstas para funcionar como eixos de dos Escritórios de Arquicriação dos Eixos de Estruestruturação urbana tetura (Asbea). Além das turação da Transformação regiões onde as linhas de metrô, trem e os corcitadas, outras rotas penUrbana. A ideia é orientar redores já existem hoje sadas para esse esquema a produção imobiliária paregiões que serão consão: Bandeirantes, Paulista ra regiões localizadas ao templadas com uma nozona sul va linha de trem até 2016 e Radial Leste. A intenção longo de linhas de transregiõ e s que re c e é frear o quadro de urbaporte coletivo público. berão até 2016 cornização desigual e excluAlgumas delas já existem, redores de ônibus dente, o qual mantém a e outras estão previstas população mais pobre (veja na figura), consideO mapa revela: nas zonas leste e sul, a maior concentração de eixos rando uma faixa de 150 m está em lugares que ainda carecem de transporte coletivo público. nas periferias e extrapola a concentração imobilide cada lado dos corredores de ônibus e um raio de 400 m ao redor das estações de metrô ária nos centros endinheirados. José Armênio, do IAB-SP, e trem. Tais locais receberiam benefícios como a permissão atenta também à necessidade de investimento em infrade ter mais área construída (até quatro vezes o tamanho do estrutura. “Não se deve pensar apenas em levantar novos terreno) sob taxação reduzida. No entanto, apesar de mencio- prédios. O Estado tem de investir em operações urbanas nar incentivos a usos mistos e moradias de diferentes rendas para acompanhar essas mudanças, pois só assim haverá nos eixos, a palavra “adensamento” não é vista como sinô- melhoria na qualidade de vida da metrópole. Não enxergo nimo de desenvolvimento nem de integração social. “Pode- os eixos como problema, mas, sim a falta de recursos para se imaginar a intensificação de edifícios residenciais e co- concretizar projetos que estão no papel”, alerta o arquiteto.
“A PALAVRA ‘ADENSAMENTO’ NÃO SIGNIFICA NECESSARIAMENTE DESENVOLVIMENTO. EXISTEM VÁRIOS FATORES A CONSIDERAR” aDRIANA LEVISKY, vice-presidente da aSBEA 108 Arquitetura & Construção fevereiro 2014
poder de influência
Membro da Rede pela Transparência e Participação Social (RETPS), o jovem paulistano Américo Sampaio fala sobre a importância de atuar em debates públicos, como os que envolveram a revisão do Plano Diretor Estratégico
roberto setton
mas, no momento em que Faço parte de um o Plano se consolidar e o grupo que acompanha o Executivo enviá-lo ao LePlano Diretor e todos os gislativo, nós perderemos outros debates que o mua influência’. O projeto de nicípio organiza. No caso lei seguirá à Câmara dos da revisão do documento, Vereadores, e a sensação estive nas oficinas promoé de que a maioria deles vidas pela subprefeitura parece não se importar do meu bairro, Pinheiros, com o bem-estar coletivo. e numa audiência temáHá também outro tica. Além da apresentaponto crítico: o fato de ção geral sobre a última não sabermos como serão versão, de 2002, houve a alterados a Lei de Uso e colheita de reivindicações Ocupação do Solo [Luos] e sugestões de melhoria e, e o Código de Obras e Edipassado algum tempo, o ficações [COE]. Isso será retorno com o texto final. feito de forma aberta e O processo foi pedagógico transparente? Se as legise aceitou opiniões, todavia lações ficarem opostas, é complicado esquemanegligentes, então desejos tizar tantas demandas. escusos podem prevalecer. Pensamos que existe Américo Sampaio, de 25 anos, membro de uma rede de Vale lembrar que sempre o lado obscuro, incentivo à participação social nas decisões da cidade. nosso acompa n hacomo o lobby das grandes corporações e aqueles agentes da infraestru- mento não acaba quando o Plano é remetido à Câtura urbana, que ignoram os interesses populares. mara – ele precisa ser constante. Depois de aprovaAchei positiva a preocupação em explicar o que é o do o projeto de lei, ocorrem a implementação e seu Plano Diretor e como ele impacta nossa vida, o que acon- vínculo com as demais legislações. E os conselhos teceu nas oficinas, uma nova ideia da prefeitura. Realizar participativos, cujo papel se faz vital nisso tudo? os encontros de maneira descentralizada – em diversos Como serão organizados? São incógnitas ainda, asbairros – também aumentou a qualidade. Por outro lado, suntos em aberto. Teremos de esperar a gestão do a principal crítica que ouvi dos presentes foi: ‘Vamos agir, prefeito Fernando Haddad avançar para saber. AMÉRICO SAMPAIO, ativista
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