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Uma justiça diferente

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Um trem de rodas

Um trem de rodas

Já tínhamos tomado a bebida e aguardávamos a refeição, quando me chamou a atenção o aspecto de um homem, que se encontrava no lado de fora em frente à porta. Principalmente seu traje, pois por toda a parte eu não vira uma pessoa mal vestida. Este, além de mal vestido, ainda demonstrava um rosto sofredor. Seu traje consistia de um tipo macacão, meio sujo e desbotado, sem cobertura na cabeça e com um calçado velho nos pés. Quando ele viu que eu o fitava ele me falou, porém não entendi nada, mas pelos seus gestos percebi que pedia o que comer. Encarei Acorc e perguntei: - Como é que o senhor me disse que aqui não há pobres, nem ricos, que são todos iguais? - Sim, assim é. - E este aí, o que é então? - Este aí é o seguinte: vê o que ele tem no pescoço? - O quê? Aquela corrente com medalha? Sim, o que significa aquilo? É algum religioso? - Não, pelo contrário, é um criminoso. - Um criminoso? - Exatamente. - Mas qual foi o crime que ele cometeu? - Não sei, não o conheço. - Então como o senhor pode dizer que é um criminoso? - Bem, vou lhe explicar: Aqui em Acart não existem prisões (continuei a ouvi-lo meio confuso). A pessoa que cometer um crime é julgada de acordo com a culpa, recebe o castigo que é, desde a transferência do trabalho leve para o pesado, até a pena de morte. O crime deste deve ter sido de grau médio para grande, mas não tão grande que merecesse a pena máxima, por isso o condenaram a não sei quanto tempo a pena de exclusão da sociedade.

- Que pena vem a ser esta? - É obrigado a trabalhar sem ter o direito de cidadão acartiano, não pode entrar em nenhum estabelecimento público para adquirir o que quer que seja. - Mas como é que vão saber em toda parte que ele é um condenado? - Muito simples: quando é condenado, lhe põem no pescoço aquela corrente com a medalha, que ele só pode tirar quando tiver cumprido a pena, e além disso tem que andar sempre com aquele traje que o identifica. - E se ele for para outro lugar? Outra cidade? - Não pode ir, porque lhe é vedada a entrada em qualquer veículo e se for a pé também não adiante, porque as leis são iguais em toda a parte. - Como é que ele arranja o que comer? - Se for casado, a esposa, ou os filhos, ou ainda os parentes adquirem. Veja. Olhei para o lado onde ele estava: um dos serventes levou-lhe um prato servido e ele se sentou no meio-fio da calçada e comeu de boca cheia. - Assim como lhe dão o que comer lá fora, não daria no mesmo se ele comesse aqui dentro? - Não, não dá. Já imaginou você comendo lá fora por não ser digno de entrar no estabelecimento? - Sim, é uma humilhação. - Então não acha melhor castigá-lo assim em vez de encerrá-lo em uma prisão enquanto outros trabalham para ele comer? - É verdade, mas creio que lá na Terra não daria certo uma lei assim, porque há imensos rincões que nem as atuais leis de lá podem ser impostas, devido à falta de meios de locomoção ou de estradas. Assim, um indivíduo com uma pena destas, uma vez num lugar destes, não sente nem a centésima parte do castigo que sente aqui. - Sim, isto é verdade, que agora não pode ser imposta uma lei como essa na Terra, mas com o tempo quando por ventura a Terra for

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totalmente habitada como aqui em Acart, então será mais aceitável, talvez. Nós continuamos discorrendo sobre esse assunto por vários minutos ainda, mas como minha intenção é de não me entreter e dar explicações sobre leis ou justiça, deixo de relatar o que falamos a seguir sobre este assunto. Foi servida a refeição; Acorc se serviu com certa abundância de todos os pratos que nos foram oferecidos. Eu, como sempre, limitei- -me aos pratos que já conhecia que me era possível comer. Digo possível, porque havia várias qualidades que eu não me atrevi a servir em público, porque tinha quase certeza de não poder ingeri-los. A oportunidade de prová-los sozinho tive somente uma vez e, então, nem sabia onde me encontrava e não levei em consideração esse particular. Após a refeição, fomos até onde havíamos deixado nossos pertences. Ali Acorc tirou de dentro de uma mala um capote e me deu. A propósito, quero dizer que chegou na hora mesmo, pois apesar do traje acartiano que eu vestia ser todo de tecido grosso, eu quase batia queixo de frio. Enquanto nos arrumávamos para sair, eu mentalmente me preparava para caminhar um longo trecho até onde se encontrava a nossa nave, a não ser que Acorc tivesse mandado alguém trazê-la para mais perto. Quando demos os primeiros passos, eu fiquei meio desconcertado, pois me aprontava para subir no elevador, quando, em vez disso, começamos a descer uma escada.

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