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Abreviando meu regresso

Acorc fez as manobras de sempre e, em poucos minutos, já estava longe para trás, o edifício de 20 quilômetros. - Para aonde vamos? Perguntei. - Para Tarnuc, respondeu ele. - Sim, mas eu me refiro se vamos direto para sua residência ou se vamos... interrompi a frase, mas ele, adivinhando o que eu queria dizer, respondeu: - Bem, se está mesmo com vontade de abreviar o seu regresso à Terra, podemos ir direto à residência do Filho do Sol e ver o que se pode resolver. - O senhor acha que ele concordará em nos deixar partir antes do dia de amanhã? - O pedido feito por você, creio que concordará. - Então não seria bom que fôssemos direto para a residência, porque, se ele concordar, terão tempo de preparar tudo para a partida, pois certamente estão preparados para partir amanhã à noite. - Sim, acho mesmo. Já que ele havia baixado duas capotas, eu procurei terminar depressa nosso assunto para poder olhar para fora, a fim de observar as cidades que íamos sobrevoando. Não vou tentar descrever o que é olhar uma cidade de Acart numa noite escura (aliás como são todas) voando por cima a 2 ou 4 mil metros de altura. É inteiramente impossível para mim. O que posso dizer é que me fez lembrar o tempo em que eu era menino e meus pais foram morar num sertão, que de planícies não tinha nada e lá estavam novos moradores todos os dias e, consequentemente, tinham que fazer novas derrubadas de matas e ali, em agosto ou setembro, nos dias de sol queimavam alqueires e mais alqueires. Como morávamos em um lugar bem alto, eu nas noites bem escuras, ficava horas a contemplar aquele colorido vermelho das labaredas que consumiam os restos das madeiras mais secas cá e lá.

Eu não gostava de ver o fogo consumir as madeiras, pois sempre amei a natureza; doía-me ver aqueas belas árvores antes com encopadas, virarem cinza. Era um prazer que dava aos olhos aquele tremular de labaredas dentro da noite escura. As cidades de Acart vão muito além disto, porque aquele tremular é completamente colorido, e não são as luzes que dão aquele esplendor, mas sim as próprias paredes. Eu ia tão entretido com aquela beleza que nem notei que já voávamos por cima de Tarnuc, embora naquele ponto de Acart, as cidades sejam quase emendadas umas às outras. Dirigimo-nos direto (vamos dizer) ao palácio do governo, que como já disse de palácio não tinha nada, pois era um prédio igual aos outros, no qual o Filho do Sol ocupava um apartamento. Atingimos o cimo do prédio. Acorc pousou mansamente a nave e desembarcamos em seguida, para o apartamento do Filho do Sol, pelo mesmo caminho que havíamos seguido anteriormente. Isto eu pude comprovar porque não me passaram despercebidos certos detalhes do caminho que percorremos nesta e na outra vez. Ao chegar à porta Acorc fez soar uma campainha. Fomos atendidos pela mesma pessoa que nos havia atendido na outra vez. Acorc falou com ele um pouco, sem que eu entendesse nada, e então este se inclinou respeitosamente e retirou-se, deixando a porta aberta. Passados uns dois minutos, voltou todo sorridente e com um gesto nos convidou a entrar. Entramos e ele nos indicou uma poltrona onde nos sentamos. Trocaram mais umas palavras e o rapaz dirigiu-se a uma repartição contínua. Eu não estava bem certo se o Filho do Sol estava em casa ou não, mas já que ele nos havia convidado a entrar e sentar, era de supor que estivesse e estava para chegar a qualquer momento. Por via das dúvidas, perguntei: - O Filho do Sol está? - Sim, está terminando a refeição. - Ele vai nos atender? - Claro que vai! E junto com a resposta me lançou um olhar sig-

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nificativo, como quem diz: Por que não nos atenderia? Nem bem Acorc tinha terminado a frase, apareceu o Filho do Sol –pelo jeito se desmanchando em desculpas pela pequena demora –sorridente, cumprimentou Acorc à maneira deles e para mim fez um gesto de cabeça, o qual eu igualmente retribuí.

Dali, nos sentamos na poltrona onde eu e Acorc estávamos sentados antes; eles conversavam em tom alegre e informal por uns minutos; de repente, me fitaram e Acorc traduziu-me a seguinte pergunta do Filho do Sol: - Quer mesmo que abreviemos o seu regresso à Terra? - Se for possível eu gostaria, respondi. - Certamente está farto de nós e de nosso sistema? - Em absoluto. Ficaria o resto de minha vida aqui, pois admiro muito o que aqui há, mas eu tenho família e só em me lembrar dela, me tira todo o prazer de contemplar todas as coisas boas e belas que há aqui em Acart. Digo mais: Nunca na Terra fui tão bem tratado como estou sendo aqui, pois pertenço à legião dos eternos esquecidos. - O que vem a ser a legião dos esquecidos? - É que sou pobre, e lá na Terra, só o rico é lembrado.

Assim que Acorc traduziu minha resposta, ele sorriu satisfeito e cruzando os dedos das mãos bateu 3 a 4 vezes com a parte grossa da palma da mão uma na outra e respondeu: - Será feita a sua vontade podendo partir amanhã antes do dia surgir em Tarnuc. Para nós é também melhor que partam antes, pois cada instante que passa a viagem se torna mais longa. - Sim senhor, respondi, e fiquei pensando: Que negócio é este da viagem ficar mais longa?

Acostumado com minhas viagens de ônibus ou a pé, nem atinei naquele momento que os planetas se movem com velocidades diferentes no espaço. Por fim, intimamente, resolvi pedir a Acorc uma explicação em momento mais oportuno.

Enquanto eu quebrava a cabeça com um problema considerado simples para mim, àquela altura Acorc e o Filho do Sol conversavam entre si.

Em dado momento, o Filho do Sol pegou um papel, rabiscou qualquer coisa nele, chamou o rapaz e o entregou. Este se retirou pela porta da outra sala com um pouco de pressa.

Então o Filho do Sol me disse: - Está tudo combinado, acabo de mandar uma carta a Con para fazer os preparativos para partirem antes de terminar a noite. Farão a viagem na mesma nave que o trouxe.

Depois de Acorc me haver traduzido estas palavras, o Filho do Sol falou novamente dizendo: - Conforme havíamos combinado antes, ficaria até o fim de nosso dia de guarda e assim poderia conhecer mais coisas a nosso respeito, porém, como combinamos antecipar o seu regresso, faço-lhe um convite, que espero seja aceito, apesar de compreender que está muito cansado depois de um dia tão longo como, aliás, são os nossos, em compensação terá uma longa noite para descansar.

Quando Acorc me traduziu, eu sorri, sem saber se deveria sorrir ou chorar. Pensei: Qualquer que seja este convite, terei que aceitar, pois coisa má não pode ser, porque de uma gente como os acartianos eu não podia esperar algo de mau e, convicto disso respondi: - Seja lá o que for, aceito, mesmo antes de o senhor dizer para que fim.

Ele riu satisfeito e disse: - Está bem, vou me aprontar. O senhor Acorc lhe explicará para que é; em seguida saiu.

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