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Em terra firme

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Conclusões

Conclusões

Então Acorc se aproximou de mim dizendo: - Chegamos ao ponto de seu desembarque. Vamos deixá-lo a poucos metros da rodovia que vai dar na sua cidade.

Eu estava tão emocionado que nem pude responder nada. Ele continuou: - Vamos acompanhá-lo até a saída da nave, recomendando que assim que pisar o solo vá em frente dez passos sem se voltar. - Por que sem me voltar? - Porque assim deve ser, advertiu ele.

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Então acompanhado pelos dois, um de cada lado, percorremos a escada intercalada de saletas. À medida que ia avançando eu cada vez me sentia mais duro, achei até que por fim não poderia nem caminhar mais.

Foi quando Acorc disse: - Vai se sentir um pouco mal, mas não se preocupe que isto logo passa.

Finalmente atingimos a última porta e então Acorc me pôs as duas mãos nos ombros e me deu mais uma instrução e nos despedimos sem mais cerimônias. Como nas vezes anteriores ele apertou em algo na parede e a porta foi se abrindo no meio devagarzinho. Ali está a minha querida terra esperando que eu desse o primeiro passo para tocá-la. A noite era sem lua àquela hora. Já solto por eles dei um passo e toquei na relva do campo –pois foi no campo que me deixaram –, dei outro, estava fora da nave. Até contar cinco passos ainda me alcançava a claridade emitida pela nave, mas daí em diante fiquei na completa escuridão. Quando completei dez passos recomendados por ele, parei e devagar fui me voltando esperando ver a partida da nave, mas qual nada, ali não mais se encontrava nave alguma. Olhei para o céu e nada, tudo calmo, olhei para o horizonte com esperanças de avistá-la, também não vi nada. Por fim, vendo que era inútil pro-

curá-la, pois parecia que havia se evaporado, enfrentei a escuridão da noite até acostumar as vistas com ela. Dentro em pouco, avistei uma cerca de arame liso a poucos passos à minha frente.

Ainda me sentindo como de chumbo, tratei de alcançá-la, assim que alcancei, firmei as mãos no arame superior e fiquei ali parado por vários minutos. De repente, vi a estrada a poucos passos além da cerca. Daí pela cerca e pelas existentes por perto, reconheci o local, uns cinco quilômetros da cidade. Lentamente fui levantando uma perna e fui me enfiando entre os arames a fim de transpô-los. Quando passei para o outro lado, por mais que me esforçasse não pude evitar um tombo e caí estatelado no chão, com o coração aos pulos, achei até que ia morrer. Por instinto de sobrevivência, quase gritei por socorro, mas daí me lembrei das recomendações de Acorc e me contive. Aliás, não adiantaria nada eu gritar, pois ali não morava ninguém e, além disso dificilmente transitaria por ali alguém àquela hora da noite.

Quase rolando, alcancei o barranco da estrada e larguei as pernas para baixo e deitei de costas na relva encharcada, mas isto comparado com o que estava sentindo não era nada. Após longo tempo de reflexões, em que até cheguei a maldizê-los por não terem me deixado mais perto da cidade, sentei e com muita cautela fui me pondo de pé, sempre com as mãos apoiadas no barranco. Segui uns cem metros, tropeçando depois numa varinha jogada na sarjeta, apanhei-a improvisando uma bengala e com ela fui andando ainda bastante cambaleante.

À medida que eu ia avançando pela estrada ia melhorando. Por fim, já bem melhor, porém ainda bem longe do normal, sentei de novo num barranco e permaneci um bocado ali sentado com um turbilhão de ideias na cabeça. Reiniciei a caminhada a passos lentos, porém já mais firmes.

Quando me encontrava a meio caminho da cidade, ouvi um ruído de um veículo e logo as luzes dele a 1 quilômetro atrás de mim. Meu primeiro impulso foi de pedir uma carona, mas logo me recordei das palavras de Acorc de não entrar em contato com ninguém até chegar em casa. Como o veículo já vinha perto, temendo ser reconhe-

cido, joguei-me fora da estrada até que o veículo passou. Era um jeep Willys dos mais antigos. Não reconheci os que iam nele. Daí por diante até a cidade não encontrei mais ninguém, apesar da caminhada ter durado umas 3 horas, aproximadamente, sendo que em estado normal eu a faria em uma hora folgado.

Só quando atingi a rua da minha residência, no clarear do dia, é que encontrei as primeiras pessoas. Estas vinham da igreja existente perto de meu lar, onde é rezada a missa que começa ainda no escuro e termina ao romper da aurora.

Algumas pessoas me cumprimentaram e eu respondi num sussurro, pois parecia que eu nem sabia mais falar o português, depois de tantos dias em que havia passado falando alemão forçado.

Finalmente, depois de oito dias, após ter iniciado uma viagem a pé de dezoito quilômetros, que no fim foram reduzidos a oito, chegava eu em minha residência. Passei dias sem sair de casa, com uma confusão tremenda na cabeça, até que me animei um pouco e passei a mão num lápis e cadernos e fui escrevendo este relato, que aqui finda.

Arthur Berlet.

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