Grifo 09

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Nº 9

JUN

2021 J C OA R R N T A U L N I D S O T S A S

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A raiva ataca Jacarezinho Pág. 15 Dica Sitoni e PT Riccordi entrevistam Raul Elwanger Pág.18

G R A F A R

Pressão na CPI


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A graça do humor

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brão Slavutzki, em artigo nesta edição, afirma que “o humor suaviza derrotas”. Com humor também se faz o embate cultural e político dos nossos dias. Às vezes, é o primeiro recurso. Coisa que os mal-humorados não conseguem fazer. Essa é a razão central do Grifo sempre buscar uma piada, ou pelo menos uma ironia, para tratar dos assuntos, porque ficar ranzinza não resolve nada. O assunto agora é uma das CPIs de motivação mais consistente da nossa história: descobrir por que o Brasil tem 470 mil mortes de Covid-19, terceiro lugar em números absolutos no mundo, sendo o sexto em população. É uma investigação tão ameaçadora que motivou boicotes desde antes da investigação parlamentar começar, em 27 de abril. O histórico áudio do presidente com o senador Kajuru, tentando combinar como se deveria ampliar a CPI para governadores e prefeitos, já era um indício. Já se sabe, por depoimentos e e-mails e documentos comprovantes, que houve oferta de vacinação em massa no Brasil no meio de 2020, e

grafar.hq@gmail.com

EX PE DI EN TE

O Jornal Grifo é publicação de cartunistas da Grafar (Grafistas Associados do RS) Editor: Marco Antonio Schuster Editores adjuntos: Celso Augusto Schröder e Paulo de Tarso Riccordi Capa: Janete Chargista Diagramação: Hals, Bruno Cruz e Caco Bisol. Colaboradores: Bira Dantas, Carlos Roberto Winckler, Celso Vicenzi, Céllus, Cláudia Carezzato, Dálcio, Edgar Vasques, Erasmo, Eugênio Neves, Janete Chargista, Kayser, Lu Vieira, Mauro Abdon, Marcelo Mário de Melo, Paulo de Tarso Riccordi, Paulo Muzell, Samuca, Santiago, Schröder, Uberti.

que o governo nem ligou. Já se sabe que o remédio recomendado pelo governo para prevenir a contaminação não é capaz disso, coisa que já se dizia no início. Já se sabe que os ministros e ex-ministros que depuseram não lidam bem com as palavras e seguidamente usam uma frase contradizendo a anterior, ou o que afirmaram e praticaram meses, ou dias, atrás. Já se sabe, não por causa da CPI, mas pelo noticiário, que o projeto de privatização dos serviços públicos avança atabalhoadamente, pois esse governo está aí para isso, e não vai parar. Já se sabe que a esta hora algum bolsonarista com poder está fazendo alguma bravata ou ameaça a alguém: uma mulher, um negro, um pobre, um parlamentar da oposição (e às vezes até nem de oposição). Sempre de mau humor. Até mesmo as tentativas de humor são sem graça: “Minutinho de mulher eu perco o avião amanhã” . Só não se sabe quando, nem quem, vai começar o processo de impeachment. Slavutzki tem razão. Os mal-humorados “amam as certezas e têm no ódio ao diferente uma razão de viver”.

editorial -SUMÁRIOEDITORIAL.........02 cpindo...............03 pandeconomia...08 jacarezinho.....10 terraplanismo mental...............12 só_cartum.........13 mundo.................14 rachadinha.......16 diabo_rosa.......17 papo_reto.........18 texto&traço.....22 quer_que desenhe.............23 cultura.............24 coluna dórica...............29 entrevero.........30 rabiscos...........34 ARTES DRÁSTICAS.........35


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Eu não disse o contrário

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ão, nunca criticamos o Bolsonaro. Imagina! Também nunca dissemos que não aceitávamos elogios à direita. Nunca. Muito menos que o bolsonarismo era banal, ao estilo Hannah Arendt, mas piorado. Não. Sempre acreditamos que a política de privatizações e liberação de exploração do ambiente era o melhor para o Brasil.

03 Alguém levaria a sério se nosso editorial afirmasse isso? Não, né? Mas o pessoal governista acha que dizer o contrário do que vinha dizendo convence alguém sobre sua seriedade. Na CPI anterior, a da Dilma, eles acharam que o plenário era palco de performances misóginas, preconceituosas e antidemocráticas. Agora, acham que é palco de ilusionismo. Pensando bem, têm coerência... Uma coisa é certa: eles escancaram em cada negação de si mesmos, em cada afirmação negacionista da ciência, quem eles são. A CPI, talvez involuntariamente, expõe a ideologia bolsonarista por inteiro.

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Genocídio e trevas

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Para agravar este terrível quaPaulo Muzell Bolsonaro recusou-se a dar uma cesdro, a inflação medida pelo IPCA ta básica para cada família. é economista

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número de mortes do Covid-19 ultrapassou 400.000 pessoas. Superamos as mortes causadas pelas bombas atômicas lançadas em 1945 contra Hiroshima e Nagasahi. Um governo irresponsável, negacionista, promoveu a aglomeração, desprezou o uso da máscara, negligenciou a compra e a produção da vacina. O resultado é este filme de terror. Temos 16% do número total de contaminações do mundo com apenas 2,7% de sua população. O número de mortes atingiu quase o dobro das ocorridas na Índia, país com população quase sete vezes maior. Dois dos generais de Bolsonaro tomaram vacina às escondidas, temendo irritar seu desvairado chefe. A economia vai de mal a pior. As desigualdades aumentaram brutalmente: salário mínimo congelado, desemprego em alta, cresceu a precarização do trabalho. Trinta por cento das famílias brasileiras passam fome. São mais de sessenta milhões de brasileiros. Alegando falta de recursos,

O ministro da Economia - que entregou R$ 3 bilhões de créditos do Banco do Brasil para o Banco Pactual a preços de banana e sem licitação - se queixa do aumento da longevidade da população. Teimando em viver mais, o brasileiro compromete o equilíbrio fiscal. Reforma trabalhista, privatizações, congelamento dos gastos sociais, menos recursos para a saúde e a educação. O orçamento de 2021 é um desastre: zera recursos da área de habitação popular, de apoio à agricultura familiar e aos quilombolas. Na cúpula mundial do clima, Bolsonaro afirmou que o país terá maior comprometimento com a causa ambiental, enquanto que Guedes, na contramão, cortou R$ 240 milhões do Ministério do Meio Ambiente, mutilando importantes programas nas áreas de controle de incêndios, fomento e conservação ambiental, reflorestamento, estudos e controle de mudanças climáticas. Em pleno pico do surto do coronavírus, reduziu também os recursos do Programa de Combate à Pandemia.

disparou. Em 2020 atingiu 5,2%. No primeiro trimestre deste ano, a média mensal se elevou sensivelmente, apontando para uma inflação que pode fechar 2021 próxima dos 10%. Teremos o pior: aguda depressão com disparada dos preços. O primeiro de maio provavelmente foi o pior da história das lutas trabalhistas do sindicalismo brasileiro. Desde 1872, o Brasil periodicamente realiza censos. A partir de 1940, no governo de Getúlio Vargas, o censo passou a ser realizado pelo IBGE, foi ampliado, passou a coletar não apenas informações básicas da população, mas, também, de renda familiar, condições de habitação, acesso a serviços públicos - educação, saúde, e assistência social -, ao transporte público, ao saneamento básico, dentre muitas outras. Uma radiografia das condições de vida da população do país, base para o planejamento das ações do governo. Alegando falta de recursos, Bolsonaro decidiu não realizar o censo. Em meio à tempestade, o capitão cloroquina atirou a bússola ao mar.


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Protozoário é um vírus com mania de bactéria


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Destino sobre rodas

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m passeio de moto é legal, né? Assim, de cara ao vento, tipo sem destino, o título brasileiro de um célebre filme de estrada de 1969. Andar por aí, tranquilamente, descontraidamente, sem compromissos, sem pensar na pandemia, sem agendas, apenas andar. Talvez encontrar, mas de longe, fila de pessoas esperando a vacina atrasada, ver o ministro do ambiente investigado pela Polícia Federal, o presidente do Ibama afastado por irregularidades, apoiar a privatização da Eletrobras sem debate público. O governo continua seu trabalho de desmantelamente da estrutura estatal na economia, na saúde, cultura, em qualquer lugar a fim de ajudar os ricos a ficarem mais ricos e assim definir o destino do país.

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A violência de volta

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oram 28 assassinatos no dia 6 de maio de 2021, na favela carioca Jacarezinho. Uma ação policial. “Tudo bandido” disse o vice-presidente da República sobre os mortos. Mas entidades como a Anistia Internacional, Fórum Brasileiro de Segurança Pública, além de integrantes da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro questionam a ação. Não só pela suspeita de muitos inocentes estarem entre os mortos, mas pela letalidade.

Chacinas assim não são novidades no Brasil. Em 1993, foram 21 mortos em Vigário Geral, norte do Rio, em 2005 morreram 29 na Baixada Fluminense, em junho de 2007, foram 19 mortos no Complexo do Alemão. Em todas, havia muitos inocentes. A partir de 2010, quando houve uma ação no Complexo do Alemão que instituiu as unidades de polícia pacificadoras, a violência policial diminuiu, mas voltou a crescer nos últimos anos. A raiva aliada ao medo liberou a volta da covardia violenta.


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terraplanismo mental


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Desperta, América!

O futebol é tão fora da realidade assim?” perguntou o comentarista após o reinício do jogo entre América de Cali e Atlético MG em Barranquilla, Colômbia, dia 13 de maio, interrompido duas vezes pela fumaça do gás de pimenta jogado pela polícia em manifestantes contra o governo. Para o comentarista e a equipe de transmissão, era para suspender a partida e pronto, porque havia algo muito mais importante, e sério, acontecendo. Mudanças importantes estão acontecendo na América Latina. O Chile atingiu outra etapa de protestos contra a direita no final da mesma semana (15 e 16 de maio), elegendo a assembleia que vai redigir uma nova constituição para substituir a atual, editada pelo ditador Augusto Pinochet. O resultado surpreendeu pela derrota do fascismo, que não elegeu sequer um terço dos 155 deputados, pela quantidade de independentes (grupo mais heterogêneo politicamente), pela fortalecimento do Partido Socialista (que elegeu 15 numa coligação que conquistou 28 cadeiras) e pelo grande resultado da coligação entre comunistas e Frente Ampla (25 cadeiras). Além disso, os comunistas venceram nas eleições para prefeitos e governadores importantes, como a capital, Santiago, Recoleta (região metropolitana).

Em 11 dias de maio (10 a 21), o primeiro-ministro Benyamin Netanyahu agiu como agiam os nazistas do século 20 ao mandar bombardear a Faixa de Gaza. Conseguiu 240 mortes, aumento de sua impopularidade e sangue nas mãos.

mundo


mundo

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Macondo manda uma utopia

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Carlos Roberto Winckler vítima coadjuvante, que esboça em alé sociólogo guns momentos certa autonomia e ra-

o discurso de aceitação do Prêmio Nobel, Gabriel García Márquez rompe com o pessimismo do final de Cem Anos de Solidão, ao enunciar a possibilidade de uma segunda oportunidade às estirpes condenadas a cem anos de solidão. “Uma nova e arrasadora utopia da vida, onde ninguém possa decidir pelos outros, até mesmo a forma de morrer, onde de verdade seja certo o amor e seja possível a felicidade...” O que desejam os jovens, estudantes, camponeses, povos originários, afrodescendentes, os velhos nas ruas das cidades colombianas, senão um mundo onde possam decidir suas vidas, sonegadas pela violência secular? Violência presente nas disputas intra-elites desde o século XIX, onde coube às classes subalternas o papel de

dicalidade, que as distingue na América Latina. Assim foi na Guerra dos Mil Dias na passagem para o século XX , na resistência à reação conservadora, que levou à La Violência entre 1946 e 1957 com dezenas de milhares de vítimas. O posterior pacto pelo alto das elites bloqueou oposições fora do sistema e forçou o salto organizativo das guerrilhas de esquerda contraposto à crescente militarização do Estado, concomitante à formação de bandos paramilitares de extrema direita. O acordo de paz no início dos anos 80 sucumbiu com a onda repressiva à grupos da guerrilha incorporados à vida política institucional. Centenas de políticos e lideranças populares foram assassinados. Nos anos 90 foi imposta a ordem neoliberal como política de Estado. A assinatura do Tratado de Livre Comércio com os EUA liquidou a

soberania colombiana. Degrada-se o tecido social, o crime organizado torna-se meio de vida e a economia “delectiva” se expande com as políticas neoliberais de desregulamentação geral. Em escala modesta, nem setores da guerrilha ficaram imunes a esse processo. A dinâmica da violência levou à remoção forçada no campo, a formação de massas de refugiados a pretexto de luta contra o “narcoguerrilha” (termo criado pela inteligência dos EUA) ; à concentração agrária, ao cultivo ilícito, à exploração desenfreada de recuros minerais com destruição dos modos de vida dos povos originários e degradação ambiental. A especulação imobiliária foi impulsionada pela lavagem de receitas do narcotráfico. Avalia-se que as receitas da exportação de coca superaram as do café. Em 2009 foi assinado o tratado militar com os EUA, que permitiu instalação de bases estadunidenses no território colombiano. Novo pacto de paz foi realizado pelo governo de Juan Manoel dos Santos, sucessor de Alvaro Uribe, ambos de extrema direita. A política uribista de repressão social retorna com Ivan Duque em meio à crise pandêmica. As manifestações em curso têm como motivo imediato uma reforma tributária insuficiente. A repressao policial com apoio do exército e de grupos paramilitares deixa um rastro de agressões, mortes, desaparecimentos e estupros, em tudo semelhante à repressão às manifestações chilenas de 2019. Sob pressão, o projeto de reforma foi retirado e o governo fala em diálogo. O que nos diz a Colômbia? O massacre em Jacarezinho, precedido nos meses anteriores pela morte de centenas de pessoas nas favelas, prenuncia o risco de parapolitica similar à colombiana. O assassinato de Marielle por milicianos é parte dessse cenário. O Rio de Janeiro é laboratório bolsonarista com cumplicidades no aparato estatal e conluios com a elite local. Se na Colômbia surge a possibilidade de uma Macondo de verdadeira comunhão humana, por aqui outros ainda decidem pela nossa vida e morte.


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rachadinha

O Direito Tributário pode ser revolucionário? Rodrigo Stumpf González para equilibrar as combalidas finanças é advogado do Estado. No Brasil, algumas das revoltas e professor da UFRGS

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que poderia ser visto como menos revolucionário que o Direito Tributário? Em meus tempos de Faculdade os estudantes mais comprometidos com a transformação social em geral buscavam ou o Direito Penal, pela causa da liberdade dos injustamente perseguidos pelo Estado, ou o Direito do Trabalho, pela melhoria das condições de vida da classe operária e seu direito de organização. Porém, é a tributação que está por detrás de alguns dos momentos transformadores da História. A Magna Carta fundou-se na defesa do direito dos barões contra o poder do rei tributar. A independência dos Estados Unidos começou a ser construída em episódios como o Boston Tea Party, uma disputa sobre a taxação sem representação. A mãe de todas as revoluções, a Francesa de 1789, foi possível pela convocação dos Estados Gerais por Luís XVI, com o objetivo inicial de autorizar o aumento de impostos

mais populares, como a Inconfidência Mineira e a Guerra dos Farrapos, tinham motivações relacionadas a tributos. Não por acaso. Excetuando as verdadeiras revoluções, as que fundam uma nova ordem, a maneira mais efetiva de fazer a propriedade mudar de mãos sem contestar seus fundamentos é a tributação. O que coloca os detentores de propriedade em uma sinuca de bico. Contestar o direito de tributar é abrir mão do todo poderoso Estado que lhes garante a proteção contra os mais pobres. Aceitá-lo totalmente é abrir as portas para que seus iates e fazendas não sejam livremente passados de pais para filhos. A Constituição Brasileira de 1988 previu no Artigo 153, um imposto sobre grandes fortunas. Uma forma de criar maior equilíbrio na distribuição de riqueza e na responsabilidade pelo financiamento das políticas sociais. Foi a forma de fugir da resistência a uma maior tributação das heranças, bloqueada em uma sociedade conser-

vadora. Enquanto a renda – no fundo, o salário – pode ser tributada em até 27,5%, o imposto sobre heranças em geral não passa de 3%. Não estamos falando de nada revolucionário. Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha têm sistemas tributários que buscam esse equilíbrio. São normas que acompanharam o surgimento do Estado de Bem Estar no século XX. Não por acaso surgiram os paraísos fiscais para fugir delas. No Brasil ainda nos recusamos a entrar no século XX. Vários projetos têm tramitado no Congresso Nacional tentando regulamentar o artigo 153 o mais recente, do deputado Paulo Guedes, do PT-MG - sempre fadados a ficarem trancados em alguma Comissão. Para isto mudar seria preciso um novo impulso. A situação de emergência sanitária que o país vive, desnudando ao mesmo tempo as mazelas da pobreza, a população invisível para o Estado e as disparidades econômicas, talvez seja o momento. Pode não ser uma revolução, mas é um bom começo.


diabo rosa PALAVRAS DA SALVAÇÃO

bier Como pavilhão nacional / prefiro hastear no mastro / uma calcinha fio dental.

Pazzuelo deixou pistas no ministério. Na CPI ele tá deixando rastro...

O cu é sempre mais sincero que a boca.

Que país! Pra conhecer sua história é preciso pesquisar a crônica policial.

Não entendo essa bronca do pessoal com a segunda-feira. Eu já começo a ficar insuportável lá pelo meio da semana.

Bolsonaro foi procurado pelo MST. É considerado o maior produtor de adubo orgânico da Terra.

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Agora imagina se Israel não fosse o Povo de Deus...

MAIS QUENTE QUE FIOFÓ DE GALINHA CHOCA...

Enquanto o Salles passa a boiada, o Brasil vai pro brejo.

Paradoxalmente, a lavagem cerebral funciona muito mais em quem não tem cérebro.

O mal de Alzheimer é a suprema glória dos distraídos.

Por que a posse de bombas atômicas não é considerada crime ambiental?

Já notaram que assaltos à mão desarmada geralmente são os mais lucrativos?

A matemática moral do Guedes é diretamente proporcional ao português refinado de seu chefe.

O sujeito tinha tártaro nos dentes, mas os godos, hunos, vândalos e visigodos estavam pela cabeça toda.

QUADR INHA T ORTA A palavr a“ É tampa necrológio” da de mis tér Deve de sê um re io. Na pared lógio e do nec rotério...


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papo reto com raul ellwanger

Fotos: Paulo de Tarso Riccordi

Raul Ellwanger: hoje, a ditadura é da mídia

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Dica Sitoni e Paulo de Tarso Riccordi

os 73 anos, desde meados dos anos 1960 Raul Ellwanger é uma das referências da música feita no Rio Grande do Sul. Sua grande “arrancada” em palcos (shows e festivais), no coração da Frente Gaúcha da Música Popular Brasileira, durou pouco mais de três anos – entre o show coletivo “PUC Canta em Amor e Verso”, em 1966, e o exílio político, em 1969. Então, trocou o Direito, que estudava aqui, pela Sociologia, no Chile, e a Composição musical, na Argentina. No retorno ao Brasil, em 1978, integrou o movimento MPG-Música Popular Gaúcha – que teve por marco fundador o disco coletivo Paralelo-30 -, com

Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves, Gelson Oliveira, Nei Lisboa, Musical Saracura, Talo Pereyra, Robson Barenho, Canto Livre, Loma, Gloria Oliveira, Carlinhos Hartlieb, Jerônimo Jardim, Almondegas, Fernando Ribeiro, entre tantos, e o fomento do jornalista Juarez Fonseca e do produtor musical Ayrton dos Anjos, o “Patinete”. E passou a gravar seus discos autorais, entre eles, trilhas, versões e discos coletivos. Sua música Pealo de sangue, com 30 gravações em cinco países e quatro idiomas, foi apontada, em votação pública, como uma das dez melhores músicas da história do estado. No mês de maio, ainda cumprindo um rigoroso auto confinamento pela pandemia, e em meio à finalização de seu 16º disco autoral (Fronteiras), Raul concedeu esta entrevista ao Grifo, via internet.


papo reto com raul ellwanger Grifo – Como iniciou tua carreira musical? Raul Ellwanger - Na metade dos anos 60, em torno do Diretório Acadêmico da Faculdade de Arquitetura da URGS e do Clube de Cultura de Porto Alegre, foram se sucedendo eventos de final de semana, canjas, saraus. Isso foi tomando corpo. O pessoal da Arquitetura começou a tocar em outras faculdades. Começaram a fazer shows com artistas no centro do país, como o MPB-4 e o Chico Buarque. Eu, mais no Clube de Cultura, com toda aquela geração de compositores iniciantes, até um pouco pretensiosos, a gente foi também fazendo pequenas apresentações, junto com outras vertentes que havia, como o rock and roll, que se espalhava pelos bares de bairros, e grupos de bailes melódicos. Isso foi gerando aqui um movimento musical que serviu de base para que empresas de comunicação criassem festivais, imitando os grandes eventos do centro do país. O principal deles foi o da TV Gaúcha, chamado de Festival Sul Brasileiro da Canção Popular. Que teve três edições, 1967, 68, 69. Na de 68 eu participei com uma

canção que foi finalista chamada “O gaúcho”, que tinha lá um versinho que espinafrava um pouco os militares. Isso foi bem sintomático, porque era metade do ano de 68. No final daquele ano veio o AI 5. Eu ainda me apresentei no Rio de Janeiro nas finais nacionais do festival da TV Excelsior, que chamava-se “O Brasil canta no Rio”. Gravei a canção no disco do festival minha primeira gravação. E logo, já em janeiro de 1969, as coisas foram degringolando. Eu tive minha vida cada vez mais molestada por espionagem, perseguições, visitas intimidatórias à casa de meus pais e irmãos, boatos que inundavam meu trabalho no âmbito de advogados. Muitos foram saindo para o outro lado, para o Uruguai, para Argentina, Peru, pra Europa. E nossa Frente Gaúcha da Música Popular Brasileira - que era o nome que tinha esse nosso movimento de compositores, instrumentistas, arranjadores, artistas -, ela feneceu depois desses efervescentes dois anos. Grifo - A música, como para outros artistas, foi tua arma? Ela esteve, está,

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associada a uma militância política? RE - Existem compositores profissionais que fazem a música pensando no intérprete, no conjunto, e fazem excelentes músicas. Basta pensar na música para o cinema. Como imaginar o Cine Paradiso sem a música? Eu sou mais compositor, talvez mais personalista, inspirado numa linhagem brasileira de grande qualidade em todas as épocas, mas particularmente depois do samba canção e da bossa nova, quando a qualificação na letra brasileira sobe muito, com grandes precursores. Para exemplificar, Vinicius de Moraes e Sérgio Ricardo, verdadeiros papas da letra musical brasileira. Eu sempre fui um compositor muito visceral, muito verdadeiro comigo mesmo, com o que eu dizia para fora. A mistura com a política, na medida em que eu assumo, é naturalmente espontânea, e flui com toda força, ou com toda meia força, dependendo o assunto. Agora, tem uma força com a qual ela não funciona, que é a política comum, as brigas, ingerências de grupos, facções, partidos, músicas que reflitam claramente esses conflitos.


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papo reto com raul ellwanger

O sentido político da música, para mim, é o sentido da cidadania. O grande projeto, o grande sonho, a grande reivindicação, a grande revolta. Eu sou grande admirador da Marselhesa e da Internacional. São grandes canções de época, com suas características, mas são comovedoras. Sequer tive a tentação de escrever músicas políticas. Pode ter uma que outra coisa feita assim de brincadeira, de momento, mas gravar um disco ou procurar me posicionar, de maneira nenhuma, essa não é minha praia. Grifo - Em que circunstâncias foste para o exílio? RE - Outros companheiros tiveram mais compromisso e foram mais valentes do que eu. Ter ido para o exterior não é uma coisa de que eu me orgulhe. Houve companheiros que sofreram no pau de arara pra me proteger. Houve outros que resistiram a essa prisão, à tortura e até foram “desaparecidos”. São opções que se toma no momento, olhando para si mesmo. Eu percebi que não iria estar à altura daquilo que a militância exigia. Eu seria um tormento para mim e um risco para os meus companheiros. E mais, familiares, amigos, colegas que não tinham nada a ver com isso passaram a ser molestados pela polícia da ditadura. Foi assim que eu fui para o exterior, para o exílio. Grifo - Que mudanças e influências em tua vida e tua arte o exílio produziu? RE - Ter vivido e sobrevivido no Chile, Argentina* e, por menos tempo, no Uruguai foi um grande privilégio, excepcional. Simplesmente considero que metade da formação e informação que eu possa ter é relativa a isso. Nós brasileiros, no nosso sistema educacional, sem falar em outras esferas, nós estamos absolutamente mutilados em relação ao que é a nossa América Latina. Desde a sua história geológica, biológica, social, política, suas estru-

turas atuais, cultura, é uma coisa terrível. Vivemos cegos. Para mim foi maravilhoso. Estudei Sociologia, estudei marxismo, tive grandes professores, como o Rui Mauro Marini, o Mario Toer. Estudei Composição no Conservatório de Buenos Aires, com professores pra lá de maravilhosos, extraordinários, estrelas internacionais. Creio que aprendi algumas coisas boas, percebo isso na minha criação atual, nos meus arranjos, na minha composição. Fora isto, a vida cotidiana, o passeio, a cor do céu, o clima, o tempero da comida, a culinária, uma namorada, as canções que se escuta, os museus, o tipo étnico, o gelo do oceano Pacífico. São como duas vidas. É como se eu fosse duas pessoas. Uma, fui eu com até 21 anos, como fui aqui no Brasil, e outra, esse período de nove anos no exterior, que eu incorporei àquele jovem provinciano, com a educação meia boca que eu tive no nosso país.

Eu tenho uma gratidão, um carinho, um amor! Não me toque na América Latina, que eu viro uma fera! Grifo - Na ditadura houve reação, tu estavas na militância. Nosso momento, por diversas razões, não possibilita a organização e a ação. Como tu compararias esses dois momentos da história do País? RE - Não dá pra comparar a sensação de opressão que havia no tempo do regime militar com agora. São coisas completamente diferentes. O que dá para ter é uma aproximação e a sensação de perigo. A percepção difusa, inconsciente, de que tem uma nuvem ameaçadora em algum horizonte nos espreitando. Eu associo muito isso a dois outros momentos da minha vida: um, no Chile, nos meses que antecederam o golpe militar que em 1973 derrubou o doutor Salvador Allende; o outro na Argentina de 1976, que derrubou a presidenta Isabel Perón. A gente fica numa espécie de limbo, flu-

*Nota dos Redatores: Depois do golpe de Estado contra o presidente Salvador Allende, em 1973, Raul abandonou às pressas o Chile e foi buscar novo exílio, na Argentina.


papo reto com raul ellwanger tuando, olhando para os lados, o que está acontecendo, o que é isso? E, para completar, temos hoje no Brasil um presidente falastrão, charlatão, que parece um bobo falando coisas terríveis, que assustam muito. Essas mensagens dúbias nos deixam neste “pendura”: o que é verdade, o que é falso? “O meu exército vai pra rua”. O que é isso? O que nós passamos aqui em 69, 70, pra falar da minha experiência pessoal, ou mesmo no final de 77, quando retornei, é outra coisa. É uma diferença muito grande. Grifo - Tu temes que o Brasil possa viver de novo sob uma ditadura militar? RE - Bem ou mal, ainda temos recursos, ainda temos Judiciário, ainda há uma Constituição vigente, apesar de estar sendo esfaqueada diariamente por amplos setores do país, políticos, judiciais, midiáticos então nem se fala. E é bem diferente. Não é como estar numa ditadura. É farejar uma ditadura. Grifo - Não te dá uma sensação de impotência? RE - Eu sinto uma sensação de impotência, um certo desamparo, uma certa desesperança. Mas isso não está originado no poder. Isso está originado na falta de resistência aos atropelamentos diários desse poder que temos hoje no Brasil. Se nós tivéssemos manifestações de centenas de milhares de pessoas nas cidades

Fotos: Paulo de Tarso Riccordi

do país, nós teríamos outra sensação. Teríamos a sensação de que é possível resistir, de que é possível terminar com esse pesadelo que vivemos. Então, a fraqueza está muito do nosso lado, de nossa desorganização, de nossa divisão, na falta da reação popular. O filósofo La Boetie dizia que o maior poder do opressor consiste no desejo do oprimido de ser oprimido. É muito estranho. Eu acho isto agora muito pior. A ditadura agora é da mídia. Não há censura a nós. Nós simplesmente não existimos para essa mídia. A censura agora é contra a população. A força, o poder, a sedução, a indução, a influência que tem o monopólio da mídia no Brasil é muito pior do que a ideologia e a censura imposta pelos militares. A gente nem sabe bem o que acontece no Brasil. Nós não sabemos o que está acontecendo na literatura. Como é que nós sabemos do cinema produzido aqui? Ou nós sabemos coisas que o chamado mainstream permite ou quer que a gente saiba. Vou dar um pequeno exemplo: qual é a música do Rio Grande do Sul popular ou erudita que toca aqui? Essa música fala de alguma realidade verdadeira do Rio Grande do Sul? Ela é contemporânea? Ela testemunha alguma coisa, ela relata, ela revela, ela mostra? Ela vaticina, ela antecipa? Ela grita, ela chora, ela canta? Cadê a MPB histórica, cadê as músicas que corresponderiam a um Edu Lobo, um

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Chico Buarque, ao Aldir Blanc aqui no Rio Grande do Sul nestes últimos anos? O que toca é nada. O que toca é Anitta, depois a dupla Bruno & Minhoca, depois Morroco & Marruna, Alegrete & Santa Maria... É tudo superficial, reiteração triste, até. Em algumas músicas tu vês até os caras tentando ser regionalistas. Mas não sabem nada, então eles falam bobagens, usando palavras que, evidentemente, consultaram em algum dicionário. A minha geração está desde os anos 60 lutando para criar uma música aqui no Rio Grande do Sul com características daqui, poética daqui, com o uso da nossa personalidade rítmica, trazida pelos negros, pelos açorianos, pelos portugueses, pelos espanhóis, pelos indígenas, pelos vizinhos, pelos judeus, alemães, turcos, italianos, quanta coisa rica nós temos aí! Mas tu ligas o rádio e não tem nada disso. Tem a Maroca & Muruca. “Você me beijou, você me abandonou”. Eu tenho vergonha da mídia eletrônica gaúcha. E a mídia escrita, no caso da música, ela depende que se veicule música. É uma coisa bem triste. Tirando um que outro programa, tirando a Rádio FM Cultura, de Porto Alegre, e algumas emissoras do interior e tirando canais web de música, que estão se proliferando graças ao esforço de jornalistas, músicos, e programadores musicais. O panorama é devastador.


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lu vieira & rodrigo schuster

insônia resolveu mandar um “Oi, sumido” e tentar se reaproximar de mim, o que me fez descobrir um programa de TV chamado “Como as coisas são feitas”. Veja bem que não é como as coisas funcionam, explicando a física e química que fazem as coisas serem como são. Esse consiste apenas em um narrador em off descrevendo o que aparece na tela. “Primeiro uma máquina a laser corta uma placa de metal.” Pausa. “Depois um funcionário leva a placa de metal para outra máquina,”. Pausa “...que a dobra no formato correto.” Pausa. “Após, o funcionário aparafusa os componentes e coloca a vedação.” É essa união especial e precisa entre superficialidade da informação e ritmo de documentário da BBC dos anos 70 que torna esse programa a segunda melhor solução para insônia. A primeira continua sendo Ulisses, do Joyce. A vantagem de Ulisses é que

Insônia

caso apenas deitar e ler não funcione, existe a técnica infalível de encostar a nuca no travesseiro segurando o livro em frente aos olhos, virar o rosto para proteger o nariz e simplesmente abrir as mão e deixar a gravidade fazer o seu trabalho. Quando aquelas 800 páginas acelerando a 9,8m/s² atingem minha cabeça, eu apago na hora. Às vezes por dois dias. Fui instruído pelos meus advogados a declarar que não recomendo o uso dessa técnica, ressaltando que ela pode provocar sérios prejuízos ao funcionamento do cérebro. Talvez Jair Bolsonaro tenha tido muita insônia na vida. Eu tenho optado pelo programa da TV. Ser o segundo melhor já é uma coisa boa. Eu, por exemplo, sou o segundo melhor humorista do Brasil, perdendo apenas para todos os outros empatados em primeiro. Ou melhor dizendo, todes es outres empatades

texto&traço

em primeire, que para quem, assim como eu, não sabe latim, parece latim antigo, mas é português contemporâneo. Era só isso mesmo. Hoje não vai ter nada sobre o genocídio em curso no país, a precarização do trabalho, a queda do poder aquisitivo do povo, a boiada passando nas leis ambientais. Só essa dica para insônia. Podem ir pra próxima página. Ou ver a ilustração de novo. Sério. O texto acabou. Beijos. Tchau. ...


quer que desenhe?

schröder

21 mortos e uma capa com cara de vaca

O

Brasil está assistindo a uma espécie de catarse nacional com a CPI da Pandemia. A comissão atendeu uma demanda latente de investigar porque o Brasil chegou a esta tragédia. A CPI significou um consenso de que o que está acontecendo é efetivamente uma tragédia. Foi importante verbalizar publicamente que o país não pode suportar moralmente este número de mortes e contaminação. Está sendo muito relevante a constituição de um consenso nacional de que o limite suportado está dado. A mídia nacional, Globo especialmente, sinalizou isto desde o início da pandemia e foi tendo a adesão do resto da grande imprensa, com exceção da Rede Record e , em grau menor, das mídias regionais que continuaram suportando o negacionismo. As mortes em Manaus acenderam as luzes vermelhas em nível nacional e fez com que as seis mortes num hospital do interior do Rio Grande do Sul tivesse menos impacto. Colaborou para a ocultação desta tragédia regional, que aponta obviamente para crime de responsabilidade no mínimo, a complacência e até cumplicidade dessa mídia regional. Com uma cobertura protocolar, o fato encaminhava-se para explicações e relativizações que conhecemos desde a outra tragédia, da Boate Kiss, por exemplo. Só que na segunda-feira, 17 de maio, descobrimos, meio por acaso, meio por sorte, que na verdade teriam morrido mais 15 pessoas naqueles dias e naquela UTI e naquela cidade e neste estado. Sim, 21 pessoas teriam morrido sufocadas sem oxigênio. A denúncia está numa matéria de três colunas numa página ímpar e sequer foi a capa do jornal. Aliás, a notícia era de sexta-feira e deveria estar na edição de domingo que teve a famosa capa com a vaca e que anunciava saúde e prosperidade. Da vaca.

Quer que escreva?

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Da série Não à violência contra a mulher. Acrílica sobre papel telado. 40X60

cultura

A arte de Graça Craidy


cultura

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Uma artista singular e essencial

G

Carlos Alberto de Souza maio: três em Porto Alegre (Materna, academia, ela passou a enriquecer seu é jornalista moderna, eterna, na Gravura Galeria; novo mundo como alguém que se mos-

raça Craidy se diverte, ao mesmo tempo que se identifica, com a brincadeira de uma amiga que a enquadra como ocupante da “enfermaria” dos expressionistas. De fato, como os seguidores desse movimento, ela sublima a expressão da interioridade no seu fazer artístico, descompromissado de reproduzir aparências, mesmo que convencionalmente belas. O destemor de Graça ao empunhar os pincéis resulta em gesto espontâneo e decidido, característica elogiada por mestres. Sua produção é intensa e diversificada. Rejeita tocar uma nota só. Da sua obra, destacam-se séries de cunho social como as que denunciam a violência contra a mulher, o abandono dos velhos, o êxodo dos refugiados, a rapinagem dos corruptos. A série sobre violência contra a mulher, fruto da indignação da feminista engajada, foi exposta por instituições públicas para explicitar pictoricamente a praga do feminicídio a partir da tipificação do crime hediondo no Código Penal, em 2015. O momento coincidiu com a mostra Até que a morte nos separe, pintada em cores fortes por Graça com base em fotos de cenas de crimes cometidos por maridos e ex-companheiros. Outra vertente importante do trabalho da artista visual são os retratos em que “rouba a alma” dos retratados, conforme diz. Ao longo da carreira já fez mais de 3 mil. Alguns viraram capa de livros, outros ilustraram estudos acadêmicos. Uma série sobre seus ancestrais italianos maternos ganhou exposição em Gualdo Tadino, na Úmbria (área central da Itália), em 2018, sob os cuidados da curadora romana Adelinda Alegretti. Sim, há um lado delicado na pintura de Graça, garantido por aquarelas florais, pássaros, gatos, cães. G, forma abreviada como também assina seus trabalhos, participa de cinco coletivas, simultaneamente, neste

Fora da Cor, no IEAVi; e Instantes no Tempo, na Duque); uma no México, em Mazatlán (Clara Pechansky y sus amigas), e outra na Itália (convocatória de Avelino em memória dos 700 anos da morte de Dante Alighieri). Desde que começou a expor, Graça soma 45 coletivas e 34 individuais. A aparição da pintora no cenário das artes visuais se deu depois de um mergulho de cinco anos no Atelier Livre de Porto Alegre no início da década de 2010, acrescido de aprendizados artísticos pontuais anteriores. Deixando para trás uma vida de publicitária e de professora de Processo Criativo na

tra “in progress” na internet, pesquisa, estuda, escreve, debate, faz cursos no Brasil e fora, compartilha conhecimento, estimula colegas, posiciona-se politicamente, anima sua enfermaria e o sanatório inteiro. Estabeleceu-se como uma artista singular e essencial, intérprete do seu tempo. Sobre essa ijuiense de 69 anos, filha de um médico, João, e de uma professora, Sybilla, o saudoso mestre Antonio Soriano registrou para a posteridade: “Graça Craidy é uma das melhores pintoras que tem no Hemisfério Sul da América. Como sou polêmico, que se fodam os que não acham isso”.

Corrupto de rapina. Acrílica sobre papel 66x69


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cultura

Da série Velhos na Janela. Acrílica sobre tela 60x40

Humor é uma visão do mundo Abrão Slavutzki é psicanalista

S

er humorista é um ato de coragem. O humor desnuda as máscaras ao buscar o outro lado. O humor, antes de ser rebelde, pensa diferente, é livre para pensar, é irreverente, goza as proibições. Os dicionários definem a palavra rebelde como ser do contra, contra a ordem, as instituições, e aí revelam uma carga negativa. O humor expõe sua forma de ver o mundo, vê o outro lado da ordem e do progresso, goza qualquer poder, se diverte ao buscar o outro lado. O humor é um jogo, como já escreveu Freud em 1927: “Vejam este mundo que parece tão perigoso. Um jogo de crianças, bom nada mais que para brincar com ele”. E no final de seu “Humor” elogia o sentido de humor ao escrever que ele é um dom precioso e raro.

Um dos livros menos lidos na obra de Freud é “A piada e sua relação com o inconsciente”. Título engraçado ao elevar a palavra piada à importância do inconsciente. Um dos méritos de Lacan foi ter recuperado o witz (a piada), e escreveu que a própria clínica tem um viés witzig, gracioso. Aliás, não faltam pesquisas hoje das neurociências sobre o sorriso do humor e do riso. O humor começa na infância, aos dezoito meses mais ou menos, devido à capacidade simbólica da criança. Humor é erótico, abre portas, corações e mentes, o humor alivia, suaviza as derrotas, é um dietético ao diminuir o peso de viver. O humor é uma ética que elimina toda forma de hierarquia, seja ela econômica, política ou religiosa. Uma ética em que os ricos podem revelar-se pobres de espírito, milionários sem espirituosidade. Uma ética que suporta o inevitável, e pode, como Dom Quixote, sorrir diante dos fracassos.

Já os mal-humorados não acham graça, carecem de sentido de humor, amam as certezas e têm no ódio ao diferente uma razão de viver. O humor se arrisca ao brincar até com as Forças Armadas e a terrível Lei de Segurança Nacional. E foi o que fez Gregório Duvivier no seu recente Gregnews “A ideologia do General”, onde expôs sua visão da história militar. Assegura que não deseja ser acusado de infringir qualquer lei, e então, em vez de criticar, faz um programa em defesa dos armados, saúda a instituição ilibada, infalível, fundamental na República. Como exemplo exalta a capacidade do Exército de fazer grandes desfiles no dia sete de setembro. Revela ainda que a maioria das intervenções das Forças Armadas foi contra nós mesmos, como provam a intervenção militar em “Canudos” na Bahia, a guerra do “Contestado” em Santa Catarina, e as intervenções políticas em 64 e nas eleições de 2018. O humor e os humoristas são o oxigênio que nos protege da asfixia da mediocridade.


cultura

Música na pandemia

M

Thais Araujo é Jornalista

ais de um ano depois do início da pandemia de Covid-19, nem todo mundo se adaptou às alterações impostas pela nova rotina. Mas nem tudo mudou: os músicos do estilo conhecido como sertanejo universitário continuam liderando, com folga, o ranking dos artistas mais ouvidos no Brasil pelo Spotify. Para se ter uma ideia, eles ocuparam as seis primeiras posições em 2020, na seguinte ordem: Marília Mendonça; Henrique & Juliano; Gusttavo Lima; Zé Neto & Cristiano; Jorge & Mateus e Os Barões da Pisadinha. O bolsonarista arrependido Lobão, ao menos em relação ao universo musical, parece ter razão: o Brasil ainda “está atolado num cafona agrobrega”. Com letras superficiais e cheias de clichês, as músicas desse estilo, em geral, exaltam comportamentos retrógrados e nocivos. Estudo das pesquisadoras Mariah Gama e Valeska Zanello, da Universidade de Brasília, mostra que a maioria delas naturaliza e romantiza o machismo e a violência contra a mulher. O jornalista, crítico cultural e criador do site Esquina Musical, Raphael Vidigal, atribui o sucesso, em parte, à necessidade que as pessoas têm de esvaziar a cabeça quando o mundo do trabalho se torna cada vez mais exaustivo. Em entrevista ao Jornal Hoje em Dia, disse que essas músicas “funcionam como mero escape”. Outra realidade é vivida pela maioria dos artistas brasileiros. É o caso do cantor e compositor capixaba Chico Alves, radicado no Rio de Janeiro por muitos anos, diretamente impactado pela interrupção da agenda de shows. O lançamento do seu terceiro CD, Paranauê, gravado pela Biscoito Fino, teve que ser adiado em razão da pandemia. Com mais de oitenta músicas compostas e parcerias com grandes nomes do samba, como Toninho Geraes, Moacyr Luz e Wil-

son das Neves, Chico encontrou nas lives uma forma de manter a interação com o público e aliviar a solidão do isolamento. “Com o passar do tempo, até isso ficou entediante, porque sem o contato físico a troca não é a mesma de um show presencial”, disse. Apesar de lamentar essa situação, ele afirma que, em geral, os instrumentistas foram os mais prejudicados. “Muitos artistas, mesmo de forma incipiente, fazem lives com cachês conscientes e conseguem algum retorno financeiro, o que os instrumentistas e músicos acompanhantes não conseguem”, acrescentou. Chico, que também durante a pandemia pediu demissão do empre-

Cashmere bouquet. Aquarela 65x50

27 go formal na empresa onde trabalhava e investiu em uma casa de samba em São Paulo, o Traço de União, para se dedicar inteiramente à música, diz que, como a maioria dos artistas fora do esquema das grandes gravadoras, ainda não consegue viver só de suas composições. “Recentemente li que Paul McCartney convocou artistas para cobrarem dessas plataformas uma remuneração mais. Hoje, o valor repassado aos compositores é muito desproporcional aos ganhos delas. No Brasil, o Spotify, por exemplo, paga R$ 0,02 por execução. Para o artista ganhar R$ 20 a música precisa tocar 1.000 vezes e isso artista pequeno não consegue tão facilmente”, lamentou.


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Elifas Andreato

cultura


coluna dórica

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entrevero


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rabiscos

Lu Vieira


artes drásticas

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artes drásticas


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