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Da submissão à autonomia

Carlos R. Winckler

A viagem de Lula à China é crucial à retomada da presença do Brasil no cenário internacional bem mais complexo se comparado com os anos inaugurados em 2003 de uma diplomacia que privilegiava as relações Sul-Sul, o multilateralismo e a unidade latino-americana. Os anos de Bolsonaro primaram pelo servilismo aos EUA, mais precisamente ao governo Trump. O grau de servilismo chegou às raias do grotesco. Prestou continência à bandeira americana antes e após as eleições. Nem John Bolton, assessor de Segurança Nacional de Trump, foi poupado quando esteve no Brasil. Na abertura da Assembleia Geral da ONU em 2019, saudou Trump com um patético “I love you”, após o discurso de abertura. Discurso onde expôs ao mundo a visão diplomática do fascismo colonial que acalentava: subordinação aos EUA, ódio a qualquer governo latino-americano que defendesse soberania e políticas em defesa da integração latino-americana e desprezo às políticas de enfrentamento da crise climática. A retomada da “política ativa e altiva” pelo governo Lula, iniciou antes da posse com viagem ao encontro da COP-27 sobre mudanças climáticas, realizada no Cairo. Empossado viajou à Argentina, Uruguai e EUA. O governo Biden reafirmou publicamente a lisura dos resultados das urnas, o que enfraqueceu o golpismo nacional. O Brasil retornou à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e à União de Nações Sul-Americanas (Una- sul) e resgatou a importância do Mercosul. No encontro com Biden o governo brasileiro retomou a posição tradicional de defender a autodeterminação dos povos e criticou a intervenção armada da Rússia na Ucrânia. A posição crítica foi assumida em votação posterior na Assembleia da ONU , mas não cedeu às pressões de Olaf Scholz, chanceler alemão, para que fornecesse munições à Ucrânia. Em reunião do Conselho de Segurança da ONU, defendeu a posição da Rússia – derrotada – para que se investigasse o atentado a gasodutos entre a Rússia e Alemanha. Deve-se compreender que a intervenção russa ocorreu no contexto do golpe patrocinado pelo Ocidente em 2014 na Ucrânia, dos bombardeios por oito anos de áreas de maioria russa junto à fronteira russa e da expansão da Otan desde a dissolução da URSS. Fins de março, Celso Amorim, assessor especial da Presidência, viajou à Rússia e Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Rússia, realizará visita ao Brasil. Um complexo jogo diplomático. A viagem à China, que assinou acordo de “parceria estratégica” com a Rússia, é vital ao aprofundamento de relações, após as hostilidades do governo Bolsonaro, não só pela busca de recursos, como para a diversificação na pauta de exportações hoje com base em commodities, mas principalmente pelos acordos nas áreas de infraestrutura, tecnologias e ciência. O papel do Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICs, dirigido por Dilma Rousseff, será decisivo para a expansão econômica que se avizinha com a Rota da Seda. Os EUA mostraram contrariedade com essas iniciativas, que significam também o fortalecimento dos BRICs com inúmeros pedidos de adesão. Cindido internamente, economicamente em declínio, acompanha em desespero a previsível e gradativa substituição do dólar por moedas nacionais nas transações internacionais. Colhem o que plantaram com as sanções e sequestro de depósitos em dólar no estrangeiro como arma de guerra. A passagem não será tranquila. Em meio à tempestade construímos nosso destino.

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