Acontece - ed. 237

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JORNAL-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE - ANO XXI - ED. 237 - DEZEMBRO 2021

CRESCEM ADOÇÕES NA PANDEMIA - P. 3

OS SEBOS RESISTEM - P. 12 LEIA TAMBÉM: Tatuagens são menos discriminadas pelas empresas - p. 2 Sergipe é o estado que mais mata negros no país - p. 5 É hora de alunos e professores voltarem às salas de aulas - p. 7 O passaporte da vacina é uma boa solução? - p. 10 Os parques de S. Paulo pedem socorro - p. 11


Tatuagem no escritório Empresas têm se tornado cada vez mais tolerantes aos desenhos nos corpos de seus funcionários Pixabay

Maria Ligia Vasconcelos

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xiste um artigo da CLT (Conjunto de Leis Trabalhistas) que admite tatuagens como um item que não está na lista de razões de rescisão por justa causa. Mas e na contratação? Como funciona esse sistema na prática? O preconceito ligado a elas surge quando foram relacionadas a lugares como prostíbulos, bares e outros de baixo prestígio social. Dentro das empresas, a estética está diretamente ligada ao segmento e à imagem que elas desejam passar. Por exemplo, hoje em dia ainda existem empresas com um pensamento conservador e não ligado ao preconceito de origem da instituição, mas sim ao público-alvo destas, afinal, vivemos em uma sociedade capitalista e desconstruir ideais perde muitas vezes na competição com o lucro. Por outro lado, algumas empresas não ligam e até consideram um atrativo para os clientes. A assessora de imprensa Daniela Pessanha decidiu que seria de melhor tom ocultar suas 12 tatuagens no seu horário de trabalho: “Durante meu trabalho prefiro escondê-las com acessórios, roupas mais adequadas, mas o motivo nunca foi medo, pelo contrário, é mais uma forma de me reafirmar como mulher e nossas várias faces flexíveis”, afirma a profissional. Já em outros ramos do mercado, em que a tatuagem é considerada um atrativo para clientes, os empregados afirmam que elas fazem parte de sua identidade. Em entrevista ao Acontece, “O Murcego”, nome artístico de Gabriel Soares, 24 anos, disse: “Precisar me esconder não é comigo. Acho que é uma coisa que está cravada na minha pele, é muito eu, e a gente não separa um ser, quem for gostar de mim vai gostar do todo e ainda mais por causa das minhas ‘babies’”, como carinhosamente apelidou suas 22 tatuagens espalhadas pelo corpo e rosto.

O Brasil é um dos países com mais tatuados no mundo

Os tempos estão mudando e há cada vez mais pessoas tatuadas. O preconceito é combatido com a lógica. O Brasil é o oitavo país com a população mais tatuada do mundo, somando quase 50% da população, segundo o Instituto Dalia. A pesquisa realizada na Alemanha ouviu nove mil internautas de diferentes paíse, e apontou, também, que a maioria das pessoas não possui apenas uma tatuagem. Pelo lado do mercado de tra-

balho, a empresa global de recursos humanos Accountemps fez uma pesquisa com gerentes e descobriu que 1 em cada 3 não encontra problemas com tatuagens. E quase 60% afirmaram que isso não vem sendo mais um tabu devido aos “padrões sociais mais flexíveis” do mundo de hoje. E outra parte aposta na entrada de profissionais cada vez mais jovens no mercado. Seja qual for a aposta dos departamentos de RH, o profissional do futuro é uma pessoa tatuada e capacitada.

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Centro de Comunicação e Letras

Jornal-Laboratório dos alunos do Diretor do CCL: Rafael Fonseca 2o semestre do curso de Jornalismo Coordenador do Curso de Jornalismo: do Centro de Comunicação e Letras André Santoro da Universidade Presbiteriana Supervisor de Publicações: Mackenzie. José Alves Trigo As reportagens não representam a Editor: André Santoro opinião do Instituto Presbiteriano Mackenzie, mas dos autores e Impressão: Gráfica Mackenzie entrevistados.

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Adoção de pets cresce na pandemia Animais de estimação ajudam as pessoas durante o isolamento social Apesar dos benefícios que a presença de um animal de estimação traz para as pessoas, adotar um pet exige cautela e planejamento, caso contrário, o arrependimento pode levar ao abandono. Mariane Mazzon, 31 anos, fundadora do Instituto SOS 4 patas, no Paraná, que resgata e doa animais, afirma que “no começo da pandemia, o pessoal se empolgou em adotar, porque iam ficar em casa, mas, depois, muitos começaram a trabalhar ou a ver que o animal dava bastante trabalho e que não estavam preparados, então, no começo, aumentaram as adoções (no Instituto) e, em seguida, as devoluções dos animais. Depois disso, as adoções dimiO número de adoções de pets durante a pandemia teve grande aumento (Unsplash) nuíram e aumentaram os números de denúncias e resgates de animais Alice Labate abandonados”. de um animal em sua residência. Segundo dados da AMPARA Mel Marques, 18 anos, estupandemia da covid-19 teve dante de psicologia em São Paulo, Animal (Associação de Mulheres grande influência no coti- adotou um cachorro no início da Protetoras dos Animais Rejeitados e diano das pessoas, princi- quarentena. Em entrevista, a estudan- Abandonados), uma organização sem palmente por acabar obri- te diz que a sua saúde mental foi pre- fins lucrativos que ajuda abrigos e gando todos a permanecerem em judicada pela pandemia, mas que seu protetores independentes, em 2020 isolamento social. Essa mudança de pet a ajudou a lidar melhor com esse o abandono de animais cresceu 70% rotina acabou levando muitos a ado- período. “Ele (o cachorro) foi a minha no Brasil. Beatriz Beltramini Soave, 26 tarem animais de estimação por es- esperança, porque eu estava me sen- anos, uma das responsáveis do protarem passando mais tempo em casa, tindo extremamente sozinha e triste jeto Pata Sem Dono, em São Paulo, muitas vezes, sozinhos. Inúmeras or- e ele foi o único que me fez ter algo que também trabalha resgatando e ganizações registraram um aumento pra pensar”, afirmou. doando pets, indica alguns dos posna procura de animais para adoção Além disso, um estudo ela- síveis motivos para o aumento dos durante o período de quarentena. A borado por psiquiatras da Clínica abandonos de animais de estimação: ONG União Internacional Proteto- Médico-Psiquiátrica da Ordem, em “Muitas pessoas que não tinham penra dos Animais (UIPA), em São Pau- Portugal, mostrou que a presença de sado antes em ter um pet acabaram lo, por exemplo, indicou que houve um animal pode amenizar quadros adotando, mas, por outro lado, muicrescimento de 400% na procura. de depressão graves. A estudante de tas pessoas ficaram sem dinheiro e O aumento das adoções du- veterinária em São Paulo, Maria Fer- acabaram abandonando seus animais, rante o período de isolamento social nanda Madeira, 19 anos, tem 11 ani- porque, infelizmente, falta instrução deve-se, principalmente, ao fato de mais de estimação e dois deles foram do governo para as pessoas entendeque muitas pessoas se sentem soli- adotados no período de pandemia. rem melhor sobre eles”. tárias em casa, o que traz prejuízos Ela faz tratamento para depressão O problema envolvendo abanpsicológicos. Segundo dados de uma e ansiedade e afirma que, durante dono de animais na pandemia não pesquisa realizada pela Human Animal o isolamento, seus pets a ajudaram ocorre só no Brasil: a maior organizaBond Research Institute (HABRI), de muito com sua saúde mental. “Me ção de proteção animal da Inglaterra 2.000 pessoas com animais de esti- senti mais motivada a fazer as coisas. diz que, à medida que os estabelecimação, 74% notaram uma melhora Dediquei e ainda dedico muito do mentos começaram a reabrir, abrigos na sua saúde mental devido à relação meu tempo aos meus animais, eles se receberam muitos animais abandonacom seu pet, e 75% notaram melho- tornaram uma das principais razões dos, e essa onda de abandono de pets ra na saúde mental de um familiar ou para eu querer levantar da cama de é conhecida como “crise canina” ao amigo em decorrência da presença manhã”, diz. redor do mundo.

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Restaurantes entram em crise na pandemia Proprietários falam sobre os desafios atuais e as expectativas para o futuro pós-covid Divulgação

Restaurante Tanit, de comida mediterrânea, adotou vários procedimentos na pandemia Ana Clara Campos

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s últimos meses foram os mais desafiadores para a economia nacional e mundial em anos, e os restaurantes e bares não ficaram de fora dessa conta. De acordo com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), foram mais de 12 mil restaurantes e relacionados (bares, buffets, lanchonetes etc.) da capital paulista que fecharam as portas definitivamente durante a pandemia. Isso além do fato de o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ter apontado esse setor como um dos 20 mais afetados pela covid-19 no Brasil. A situação é delicada, e a inovação foi mais do que essencial para que esse nicho conseguisse resistir durante esse período. Cristiano Marcondes, 44 anos, sócio do restaurante de comida mediterrânea Tanit, destaca as novas normas sanitárias, a entrada de vários chefs de cozinha no ramo de aulas virtuais e a adaptação definitiva do restaurante aos serviços digitais de delivery como as principais mudanças que não só o seu estabelecimento, como diversos outros restaurantes com estruturas familiares, vão levar da pande-

mia para os próximos anos. Ainda na parte do delivery, ele também destaca certa dificuldade de se comunicar com o cliente por aplicativos como IFood e Uber Eats, já tendo caso de cancelamentos não avisados e de não receber notificação de um pedido ou outro. Mas ele não vê isso como algo muito alarmante por acreditar que logo em breve as plataformas serão atualizadas. Ainda sobre o restaurante Tanit, Cristiano fala de algumas medidas que foram mais do que essenciais para manter o restaurante nesse momento, como suspender o contrato de trabalho de alguns colaboradores e aumentar o valor de alguns pratos do cardápio, já que muitos produtos básicos de alimentação sofreram um grande aumento nesse período. Segundo ele, o restaurante não tinha margem para lucro, já que a meta era apenas fechar as contas ou amenizar o prejuízo. Só neste ano é que os lucros estão melhorando, de acordo com o sócio do estabelecimento. Analisando outro estabelecimento afetado nesse período, Pérola Medina, 75 anos, dona do Pérola Buffet & Art, já destaca diferentes problemas que sofreu no período, como a ausência dos clientes e a dificuldade na manutenção dos funcionários. O buffet é

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diretamente dependente dos eventos, que foram praticamente suspensos durante a pandemia. Além disso, ela destaca os riscos que sua equipe corria ao ir trabalhar, enfrentando o transporte público no auge da propagação do vírus, por exemplo. Ela própria, por fazer parte do grupo de risco, também se sentiu muito insegura nos primeiros momentos da pandemia. Pérola também relatou que, em mais de trinta anos de carreira, nunca se viu tendo que modernizar tanta coisa em um período tão curto. Novas medidas, como adaptar os produtos do cardápio para porções específicas de delivery e começar a vender vários de seus temperos e refeições congeladas no varejo, foram algumas das que ela teve que tomar em um cenário onde não se tinha projeção de quando as coisas poderiam voltar a se flexibilizar. O que tanto Cristiano como Pérola acabam tendo em comum é o fato de que ambos estão otimistas com o avanço da vacinação pelo país e, consequentemente, com a retomada da estabilidade das empresas da área. Enquanto ele diz sentir que seus clientes estão mais seguros em ficar no ambiente do restaurante, ela diz que aqueles mais fiéis estão voltando a consumir seus serviços.


A luta por uma voz

População negra de Sergipe batalha pela igualdade em uma sociedade marcada pela branquitude Bárbara Barbosa

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racismo é uma realidade na vida das pessoas negras do Brasil e do mundo devido à existência de uma sociedade dominada por pessoas brancas. Mas há diversos meios de resistência contra esse sistema, sendo o principal a existência do Movimento Negro. Em 2018, o estado de Sergipe foi classificado como o que mais mata pessoas negras segundo o Atlas da Violência. Outro dado foi que nos primeiros meses do ano de 2020 foram notificados 51 casos de racismo e injúria pela Coordenadoria de Estatísticas e Análise Criminal, mostrando assim o perigo que o estado representa para a população negra. O Movimento Negro é responsável por dar voz para as pessoas que ainda são marginalizadas e que têm suas pautas negligenciadas pelo Estado. Jairton Peterson Rodrigues dos Santos, 36 anos, professor de história e ativista do Movimento Negro em Sergipe, conta que

sentiu vontade de adentrar o movimento com apenas 18 anos, quando entrou na UFS, ao ver que sozinho não poderia provocar uma mudança e que é necessária uma atitude coletiva. Aos 26 anos entrou de vez no movimento e decidiu que ajudaria a fazer uma mudança na realidade racista dentro do estado.“Você nasce negro, no entanto numa sociedade racista a última coisa que você quer ser é ser negro. Seu cabelo é considerado ruim, sua cor é considerada exótica, há as abordagens da polícia e muitas outras situações. Quando você faz algo bom, nunca acentuam a sua humanidade e sim a sua negritude”, comenta o professor. Sobre sua atuação dentro do movimento, Jairton fala sobre o projeto “A dois passos de Wakanda”, em que ministra palestras sobre consciência negra, e sobre o coletivo chamado Yibambe, formado totalmente por pessoas negras. Esse coletivo promove diversas ações dentro da comunidade Santos Dumont,

em Aracaju, dialoga com a comunidade quilombola do Porto de Areias, na cidade de Estância, discute com a Unegro manifestações sobre a causa negra, faz biografias sobre pessoas negras e desenvolve a primeira biblioteca composta de autores negros e negras de Sergipe e do Brasil, chamada de Beatriz Nascimento. Ele diz que sente-se grato por ter conseguindo perceber uma mudança na vida das juventudes alcançadas pelas suas atitudes, vendo muitos meninos que não tinham esperança sobre seu futuro mudarem essa perspectiva. “De acordo com Joel Rufino, é necessário que se tenha uma organização, uma ideia de onde se quer chegar e por fim, que essa organização seja coletiva nos movimentos sociais. A gente participa a partir da busca da intelectualidade, de sentido educacional para que homens e mulheres negros se potencializem, fomentando nossa força, não a nossa fraqueza”, diz o ativista.

Já está na hora de voltar ao cinema? Salas reabrem, mas o medo e a preocupação ainda assombram os clientes Matheus Soares

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pandemia deixou muitos resquícios. No setor de entretenimento, a indústria cinematográfica foi uma das que mais sentiram a falta de clientes. Em 2020, o segmento registrou arrecadação de cerca de 646 milhões de reais, contra 2,8 bilhões em 2019, no Brasil, de acordo com a Comscore. A perda foi grande, mas em 2021, com a vacinação, está mais do que na hora de sabermos como podemos voltar a apreciar os telões com segurança. Aqui no Brasil, a maior parte de pequenos cinemas foram fechados ou estão desligados temporariamente, até mesmo os que oferecem sessões gratuitas, como o CineSesc. Outro exemplo é o Espaço Itaú, que fechou mais de 17 espaços devido à covid-19. A Ancine (Agência Nacional do Cinema) registra que, nas primeiras se-

manas deste ano, a bilheteria caiu 95% em comparação com o começo da pandemia. O OCA, Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, monitorado pela própria Ancine, apresenta estatísticas de arrecadação no Brasil até o último mês de setembro.Até agora, foram arrecadados mais de 365 milhões de reais com títulos estrangeiros e brasileiros, sendo 3,46 milhões dos títulos brasileiros, ainda abaixo da média anterior. Como conseguimos apurar, as redes de cinema têm tido uma extrema rigidez em relação à prevenção em suas unidades. Miguel Prado de Lima, 18 anos, estagiário, e Julia Gambaré Pagni, 18 anos, estudante, contaram um pouco sobre sua experiência na volta aos cinemas. Os questionei sobre a compra dos ingressos e ambos me responderam que era necessário ir até um totem, que se localizava na frente do cinema. Perguntei para Miguel se houve o devido

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distanciamento necessário na hora do filme e ele me relatou que muitas pessoas se aproveitavam de poltronas vazias, e seu distanciamento de uma cadeira para outra, para se juntar com o resto do grupo. Também conseguimos contato com a rede Cinepolis sobre os procedimentos relacionados ao distanciamento. A rede comunicou que tem adotado medidas rigorosas de limpeza e higiene, dando o devido incentivo a compra online e em terminais de autoatendimento. Apesar da reabertura das salas e das medidas de prevenção, o movimento nos cinemas ainda é baixo, principalmente aos fins de semana. Com os últimos lançamentos de grandes produções, entre setembro e outubro, segundo dados do OCA, a partição total de público é somente de 2.299.783, ainda abaixo da alta do ano de 2020, antes do início da pandemia, que era de 7.067.712.


Quem vive na rua sente frio Baixa temperatura afeta de forma muito mais severa aqueles que não têm casa Enrico Dardé

Enrico Dardé e Henrique Bley

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inverno de 2021 ficou marcado por temperaturas extremamente baixas na cidade de São Paulo. De acordo com a meteorologista Daniela Freitas, 42 anos, do Climatempo, tivemos a temperatura mais fria dos últimos cinco anos, com mínima de 3 graus. As pessoas que mais sofrem com essas frentes frias são os moradores em situação de rua, muitas vezes invisíveis para o restante da sociedade. O governo de São Paulo abriu novos abrigos provisórios para suprir a demanda dos quase 25 mil moradores em situação de rua do estado. “Passaram umas pessoas (assistência social) falando para a gente ir para abrigos naquela noite. Fiquei até assustado. Fui para uma estação de metrô e passei duas noites lá”, comenta Arnaldo Pereira, 58 anos, que vive no bairro de Higienópolis. Além dos abrigos provisórios do governo, ONGs também disponibilizam espaço para abrigar os mais necessitados. Pesquisa do Movimento Estadual da População em Situação de Rua afirma que 13 moradores de rua já haviam morrido por conta do frio nas ruas de São Paulo somente neste ano (dados atualizados até o início de outubro).Arnaldo relata que poucas vezes passou tanto frio:“Em São Paulo faz muito frio de noite, mas não lembro de noites tão geladas iguais a deste ano”. Segundo um levantamento da campanha Inverno Solitário, cerca de 2,3 mil casacos, 83 mil cobertores e 23 mil pares de meias foram doados, e a iniciativa privada também doou cerca de 2,3 mil agasalhos e 23 mil pares de meias. A Cruz Vermelha também forneceu cerca de 5.000 pratos de sopa e 3 toneladas de agasalhos. Rodolfo Carrer, 19 anos, estudante de direito e voluntário da ONG Anjos da Cidade, diz que nas noites mais frias o grupo vai até as ruas para ajudar com doações. “Muitas vezes nós

Morador em situação de rua enfrenta as baixas temperaturas

fazemos o papel que o governo deveria exercer.Ajudamos os moradores como podemos, porém é impossível somente as ONGs suprirem as demandas dos moradores em situação de rua da cidade de São Paulo”, afirma. A pandemia que vivemos também é um grande agravante para a situação de abrigos, pois auxiliar centenas de moradores de rua sem causar aglomeração é quase impossível, “É muito complicado, já que muitos moradores de rua ainda não entendem muito bem o que é o coronavírus e por isso raramente utilizam máscaras. Quando vamos distribuir alimento, levamos junto centenas de máscaras descartáveis para distribuição, e tentamos informar um pouco sobre o vírus”, relata Rodolfo. Muitas vezes os moradores de rua optam por não irem para os abrigos devido às rígidas regras impostas para o acolhimento.Arnaldo Pereira relata que conhece diversos amigos que não podem ir para abrigos por conta de seus cachorros, e acabam passando as noites de frio na rua. “Me contaram que não deixaram entrar por conta dos animais e ficaram na rua.” Como a maioria dos

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espaços são organizados por gêneros, muitas vezes as famílias também optam por não se separar. Outros motivos são: falta de liberdade, vício em drogas e horário marcado para o fechamento. Rodolfo também relata que as doações devem ser feitas o ano todo e não somente em momentos de extrema necessidade. “Quando temos notícias de entrada de frente fria as doações explodem, e isso é ótimo. Porém precisamos de ajuda o ano inteiro e não somente quando as coisas apertam”, diz. O morador de rua Arnaldo também comentou sobre isso: “quando o frio realmente aperta, algumas pessoas começam a se preocupar. Podia ser assim o ano todo”. A Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo prometeu abrir 2 mil novas vagas de acolhimento. O investimento desse projeto tem o valor de quase R$ 4 milhões. “Torcemos sempre para o governo cumprir suas promessas. Tivemos algumas melhoras neste ano em relação ao investimento governamental para ajuda aos moradores de rua, porém ainda falta muito”, acrescentou Rodolfo.


De volta à sala de aula Educação básica privada em São Paulo retoma encontros presenciais, mas alguns desafios persistem Frederico Cury e Valentina Mourad

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m meados de março de 2020, a quarentena foi decretada em São Paulo e em todo país, como medida de proteção contra a Covid-19. Com isso, escolas, cursinhos e universidades foram temporariamente fechados. O governador do estado de São Paulo, João Dória, declarou que a partir de julho deste ano, instituições de ensino básico, públicas ou privadas, poderiam retornar com as aulas presenciais com 100% da capacidade, porém seguindo todos protocolos sanitários (uso de máscara, álcool gel e o distanciamento social). A ida dos alunos em sua maioria não é obrigatória, e o sistema híbrido, com ensino remoto simultâneo ao presencial, costuma ser o modelo aplicado. Em uma conversa com Márcio Perrote, coordenador do Colégio Pio XII, instituição privada localizada na zona sul de São Paulo, ele esclarece algumas vantagens do modelo presencial. “O retorno trouxe um pouco mais de prontidão para os alunos”, diz, completando que a absorção dos alunos é maior. No primeiro semestre, o colégio adotou o “sistema de bolhas”, no qual grupos de alunos se revezavam para ir presencialmente às aulas. De acordo com Márcio, foi um período de adaptação, já que o ano de 2020 foi completamente online, e seria um grande baque acabar com o ensino à distância e voltar com o 100% presencial de um semestre para o outro. Também perguntamos sobre a participação dos alunos na sala de aula e se os professores sentiram diferença. Segundo ele, “os alunos, estando na sala, têm muito mais interação do que em casa, onde isso não ocorre e muitos nem abrem a câmera”. O ensino fundamental e o médio têm seus problemas focados na participação e no comprometimento dos estudantes, já que nessa idade são capazes de acessar a aula sozinhos. Entretanto, quando se trata de crian-

Parquinho vazio na escola Dream Kids

ças da pré-escola, outros problemas começam a surgir. Para compreender essas questões, entrevistamos Vera Regina Melo, coordenadora pedagógica da escola infantil Dream Kids. Os mais novos dependem de alguém para acessar os sites onde ocorrem as aulas ou “lives”, e é aí que começam os desafios. Ao ser questionada sobre as aulas online, e por quanto tempo foram aplicadas na escola, ela fala que duraram pouco e não foram muito eficazes. “Tentamos fazer algumas lives com as crianças, mas não surtiu efeito. Fizemos algumas aulas de música, com a professora, algumas aulas de capoeira online, mas o ensino pedagógico mesmo nós não chegamos a fazer”, diz. Segundo ela, as crianças precisam de muita interação e, por isso, o esquema remoto durou apenas dois meses. Como Márcio apontou, o comprometimento dos alunos aumentou, porém ainda havia responsabilidade durante o ensino remoto. No maternal, contudo, tal aspecto era nulo, pois muitas vezes os pais tinham compromissos ou não estavam em

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casa. Assim, o aluno acabava nem entrando nas aulas, como relata a coordenadora pedagógica. Uma das soluções arranjadas pela escola Dream Kids diante desse obstáculo foi mandar uma sacola com material para fazer atividades em casa, como pintura, montagem e colagem, entre outros. Nesses casos, a própria Vera entrava em contato com os pais conversando sobre o que era possível fazer em casa, e recebia fotos dos alunos com suas produções. Segundo Vera, esse método acabou sendo muito mais eficaz do que o sistema de aulas ao vivo. (não seriam as remotas?) Com o fim dos dois meses de aulas online, as crianças voltaram a todo vapor. “Estavam extremamente felizes com o retorno”, relata Vera. Ela complementa: “foi uma experiência incrível”. Segundo ela, no primeiro dia as crianças se abraçavam, e por mais que isso acabe indo contra os protocolos, é muito difícil fazer com que crianças, nessa idade especificamente, fiquem sem interação social, já que isso também é essencial para a formação.


Setor alimentício renasce na capital Após o fim das restrições, surgem cada vez mais oportunidades para quem trabalha na área Freepik

nós, sócias colocamos a mão na massa para conseguir reduzir número de funcionários e equilibrar nosso caixa e profissionalizamos nossa já existente linha de marmitas ultracongeladas, abrimos site de e-commerce e contratamos um entregador particular”, diz. Juliana Soares, 24 anos, perdeu seu emprego de cozinheira durante a pandemia. Ela trabalhava em um restaurante na zona norte de São Paulo. “Fui demitida logo no início, em agosto de 2020, e tive que me virar para conseguir me manter. Em julho deste ano, consegui um novo emprego como cozinheira, fiquei extremamente aliviada e feliz”, afirma. Com o fim das limitações, a volta das contratações está no seu maior ápice desde o início da panFuncionários do setor têm sentido os efeitos positivos da reabertura demia, principalmente na área alimentícia, que passou por diversas dificuldades, sendo uma das áreas No dia 24 de março de 2020, Gabriela Guidotte e Julia Fumiko o governador João Dória (PSDB) deu mais afetadas pelo vírus. A retomada, início pela primeira vez à quarentena porém, ainda é gradual. Pesquisa feita s restrições de horários e no estado de São Paulo, que no início pela a Associação Nacional de Resde público causadas pelo duraria apenas 15 dias. A determina- taurantes (ANR) em parceria com a coronavírus se encerraram ção impôs o fechamento dos comér- consultoria Galunion afirma que 62% no dia 17 de agosto deste cios, apenas mantendo os serviços das empresas ainda não se estabeleano, causando um misto de emoções essenciais abertos. Os bares e restau- ceram da mesma forma comparando entre esperança e receio, pois, segun- rantes tiveram que ficar cerca de 104 julho de 2021 com julho de 2019. Em relação à oferta de vagas, do dados do site do governo, o Vacina dias fechados entre março e julho, e Já, apenas 66% da população paulista após 1 ano de pandemia aproxima- o site Catho informa que as vagas estava com esquema vacinal comple- damente 12 mil bares, restaurantes na área alimentícia tiveram um crese lanchonetes fecharam na cidade de cimento, desde o fim das restrições. to até o dia 25 de outubro. O número de desemprega- São Paulo, segundo dados disponibi- As oportunidades para os garçons, dos no Brasil está em 14,4 milhões lizados pela Associação Brasileira de por exemplo, subiram 50% e para os de pessoas, segundo dados oficiais Bares e Restaurantes (Abrasel-SP). cozinheiros cerca de 49%. Lembrando disponibilizados pelo IBGE. Essa esta- Os que conseguiram superar essa que tudo depende do tamanho do cotística aumentou 1,6 milhão quando crise tiveram que se ajustar ao “novo mércio e que muitos estabelecimentos ainda não conseguiram se reescomparada com junho de 2020. A lis- normal”. Para essa adaptação o de- truturar. Segundo a ANR, o nível de ta divulgada pelo Ministério da Economia mostra que até setembro de livery foi essencial, pois com ele foi endividamento dos bares e restauran2020, com por volta de sete meses de possível continuar as vendas. O nú- tes está em 55%, e cerca de 48% dos pandemia, o ramo alimentício estava mero de novos restaurantes no iFood estabelecimentos deverão levar em na sétima posição entre os dez mais durante o período de restrições cres- média dois anos para quitar as dívidas. atingidos. Segundo Nicole Sinigoi, 32 ceu 78% no estado. Quando questio- Sobre a recontratação de funcionáanos, sócia do restaurante &EAT, foi nada sobre como as empreendedoras rios, Nicole afirma que no momento necessário cortar 50% dos funcioná- do restaurante &EAT fizeram para ainda não é essencial., “Contratamos rios. Antes da pandemia, o estabeleci- se manter na pandemia, Nicole nos apenas um estagiário por enquanto mento contava com 20 colaborado- contou que também teve que recor- e temos a expectativa de contratar rer ao delivery. “Durante a pandemia, mais uma pessoa”, diz. res. Hoje são apenas 10.

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O esporte jogado para escanteio Problemas como falta de estrutura e incentivos têm se acentuado durante a pandemia Divulgação

realidade é outra. “Eu não estava muito a fim de continuar no Brasil porque já tinha tido uma experiência na categoria de base do Praia Clube, de Uberlândia, e é muito difícil conciliar as duas coisas, estudo e treino, aí surgiu essa oportunidade de vir para os Estados Unidos. Aqui eles dão muito apoio para o jogador”, diz Bethânia Barreto, 19 anos, atleta de voleibol na Cowley College em Arkansas City, no Kansas, com uma bolsa de estudos de 100%. O incentivo e o apoio são maiores nos EUA, e Bethânia percebe que isso gera resultados mais relevantes. “Isso aqui (competição) é como se fosse uma Superliga, sabe? Se eu fizesse isso no Brasil não ia ter nada de apoio”. Lucca treina na companhia de um colega de equipe A Lei de Incentivo ao Esporte Leonardo Grané e Marcela Sousa ta, o que equivale a 242 atletas em 19 é um dos alicerces para o desenvolvide 35 modalidades, segundo o Minis- mento de atletas no Brasil, das categorias de base até os atletas profissionais, decisão de se profissiona- tério da Cidadania. A má administração e distri- mas é perceptível para aqueles que lizar e entrar no mercado de trabalho certamente buição do dinheiro que já é investi- praticam um esporte a disparidade na é uma das mais comple- do – cerca de 745 milhões por ano, distribuição de recursos. Entre 2007, xas de nossas vidas, principalmente somando diversos recursos – por ano que a Lei começou a vigorar, até em um país como o Brasil, em que parte do Comitê Olímpico Brasilei- 2020, 17.589 projetos foram apresena pandemia do coronavírus, segundo ro (COB) e das confederações es- tados e cerca de R$ 2,9 bilhões foram o IBGE, ocasionou em uma taxa de portivas explica esses números. Os captados e investidos no esporte, e a desemprego atualmente na casa de investimentos são destinados para o intenção é que esses números sigam 14,4%. Essa realidade é igual ou pior alto rendimento, deixando de lado os crescendo. Com o aumento dos praatletas de base, o que compromete zos neste ano (uma das medidas que para quem decide viver do esporte. Apesar das recentes premia- muito o desenvolvimento de novas o governo encontrou de contornar os ções em competições internacionais, promessas que poderiam trazer re- problemas apresentados pela pandeem especial nas Olimpíadas de Tó- sultados positivos em competições mia), houve um aumento de 60% em relação ao ano passado. quio, os frutos que o Brasil colhe nos nacionais e internacionais. Em um ano, a bolsa-auxílio da Segundo Arthur Gaia, de 20 esportes não foram conquistados a Lei de Incentivo resultou em R$ 10,33 partir de novos investimentos. Cada anos, jogador do Clube Atlético Servez mais, as políticas públicas espor- ranense, e Lucca Candelária, de 18 milhões de investimento nos atletas tivas são enfraquecidas pela má ges- anos, jogador do Londrina Esporte brasileiros. No total, 547 atletas de 30 tão do próprio governo federal. De Clube, a escassez de investimentos instituições foram beneficiados e o acordo com dados do Globo Esporte, resulta em várias dificuldades, notá- investimento direto nesses atletas foi quase metade dos atletas olímpicos veis quando os atletas jogam em ti- de R$ 2,2 milhões. Programas como não têm patrocínio, 19% têm menos mes pequenos, principalmente nas a bolsa vieram durante a pandemia de 2 mil reais por mês para praticar modalidades femininas, que vão des- para ajudar os atletas, trazendo uma o esporte, 7% têm auxílio inferior a 1 de transporte até a condição dos renda que serve para custear comida, salário mínimo e 10% têm outro em- campos e alojamentos, e que eles viagens, transporte e outras despesas prego para completar a renda. Além acreditam que afeta quase 90% dos essenciais para a carreira e a vida. Indisso, dos 302 atletas que compuse- clubes brasileiros, diferente do que é centivos como esse geram esperança para aqueles que sonham com uma ram a delegação do Brasil nos jogos encontrado lá fora. carreira esportiva, e gradualmente a Em países onde o esporte e olímpicos em Tóquio, 80% são bolsistas integrais do programa Bolsa Atle- os estudos caminham lado a lado, a área vem ganhando uma vida nova.

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O passaporte da vacina tem eficácia? Cidade de São Paulo adere ao plano que visa obter maior segurança em eventos Arquivo pessoal

Restaurante Triângulo do Chopp, localizado no bairro Casa Verde

imunização. Ainda não estamos próximos de eliminar a doença causada chamado Passaporte da pela pandemia do coronavírus. As Vacina foi uma medida vacinas não são ainda efetivas a ponanunciada pelo Prefeito to de evitar a transmissão, mas são de São Paulo, Ricardo necessárias para que possamos ter Nunes, no dia 23 de agosto. Inicial- mais controle da situação, diminuir a mente seria obrigatória a comprova- mortalidade e os casos graves, e gação de pelo menos uma dose da vaci- nhar tempo”. Ainda há uma grande resisna contra a covid-19 para entrar em shoppings, bares e restaurantes, mas tência na adesão do comprovante, a Prefeitura voltou atrás na decisão principalmente onde é facultativo, e alegou que a medida seria opcional por ser mais uma barreira que espara estes estabelecimentos, deixan- pantaria a clientela. Considerando do a obrigatoriedade somente para que ainda não houve uma recuperaeventos com a presença de mais de ção por completo do setor, não há 500 pessoas, teatros em shoppings e brecha para barrar frequentadores. No entanto, apesar de não optarem restaurantes com eventos. A medida entrou em vigor por seguir o programa, muitos estaem setembro e funciona com a apre- belecimentos ainda continuam com sentação da carteirinha de vacinação algumas restrições. Fernando Teixeifísica ou por meio de um aplicativo ra,35 anos, dono do restaurante La chamado E-Saúde. As pessoas que Portchelle, na Zona Norte de São não apresentarem comprovante ou Paulo, afirma que embora não solicite estiverem com o esquema vacinal o passaporte seguirá com a dinâmica atrasado serão impedidas de entrar. aplicada desde o começo da pandeOs locais que não respeitarem o mia. Também conta, que cumpre as projeto serão multados e podem até orientações, até porque segundo ele, "praticamente todo final de semana ser interditados. Entretanto, o projeto dei- passa fiscal aqui pela região, lembranxou algumas pessoas incertas sobre do que ainda tem pandemia”. O controle de imunização sua relevância na sociedade. Ao ser questionada, a mestre em infectolo- rigoroso não é uma norma que surgia Juliana Sinohara,36 anos, declara: giu repentinamente diante da crise "acredito que o grande benefício do coronavírus. Mais de 80 países já e relevância de incorporar o pas- exigiam certificado de variadas vacisaporte da vacina seja estimular a nas para a entrada em seu território, Guilherme Moraes e Mariana Ornellas

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de acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde). Sem ir muito longe, aqui em São Paulo as escolas municipais também exigem o esquema vacinal completo de crianças para que realizem a matrícula. Assim sendo uma exigência que é familiar para todos e está se tornando uma tendência no Brasil e no Mundo nas circunstâncias atuais. Sobre o prazo dessa restrição, tudo ainda é muito incerto e depende de como avançaremos na vacinação e no controle da pandemia. Para Juliana, as pesquisas e os estudos clínicos das vacinas e outras abordagens para contenção do vírus estão avançando rapidamente. Mas nenhuma abordagem será milagrosa. "Precisaremos de um governo que tome as atitudes necessárias e forneça o acesso às estratégias de prevenção e de imunização para toda a população de acordo, claro, com os dados científicos disponíveis. Precisamos também que a população seja educada e orientada da forma correta e efetiva, possibilitando assim que todos se conscientizem de que ainda não podemos voltar à vida como era antes e de que há necessidade de continuar com todas as medidas de prevenção, mesmo nos vacinados, até que a ciência diga o contrário. Como estaremos daqui a um ou dois anos, vai depender do comportamento de todos”, afirma a especialista.


Os parques pedem socorro Unidades de preservação sofrem com a falta de políticas públicas Divulgação

Milena Tachji Ogeia

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ais de 1.646 parques foram focos de incêndios em 2021 até meados de setembro, batendo o recorde, desde 2011, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). “Aquecimento global”, “queimadas” e “descaso”: termos como esses têm sido comuns na rotina das unidades localizadas em São Paulo. Atualmente, São Paulo abriga 30% da mata atlântica, de acordo com o governo estadual, e conta com mais de 30 reservas ecológicas. São aproximadamente 700 mil hectares de áreas preservadas, como o Parque do Jaraguá e Parque Ecológico do Tietê. Gilberto Natalini, 69 anos, médico e ex-vereador paulistano pelo do Partido Verde, comenta que, dentre esses, ainda estavam prevista a criação de mais de 40 parques na cidade: “O orçamento para o setor era 0,37% do orçamento global da cidade. Havia 180 milhões de reais que, no final, ficou em 150 milhões por ano pra cuidar de 104 parques. É impossível”, afirmou. Com o intuito de preservar e conscientizar, alguns espaços passaram a oferecer visitas agendadas, como o do Parque Estadual do Jaraguá, onde cada pessoa recebe informações sobre a importância do local e sua preservação. Segundo Gustavo Lopes, 33 anos, gestor da reserva, o local é a principal unidade da Fundação Florestal, e se destaca, recebendo maior atenção da administração pública. Com apoio da Polícia Militar Ambiental, o espaço oferece visitas que têm como missão mostrar a importância e benefício da área protegida, ressaltando o porquê de valorizar a sensibilização para essa causa. Para despertar o interesse, são apresentados ao convidado o bioma, fauna e flora preservados, no intuito de passar a sensação de

Quati explorando o espaço da Reserva ecológia Parque do Tietê

pertencimento ao público. Mesmo assim, a comunicação ainda é um obstáculo. “Acaba sendo um desafio você passar para um visitante a importância de estar nessa área de maneira harmoniosa, sem gerar grandes conflitos”, diz Gustavo. Mesmo com um programa de proteção e fiscalização diária, algumas pessoas ainda insistem em desobedecer às regras de cuidado, dificultando a abordagem entre convidado e equipe local. Com um clima predominantemente tropical, 80% das chuvas se situam entre os meses de outubro e março no Brasil, e isso favorece queimadas nas estações mais secas. Como prevenção, Gustavo comenta algumas medidas adotadas no parque Jaraguá. “Nós realizamos a confecção de aceiros, que dividem a área em levas, e acabam agindo de maneira preventiva combatendo os incêndios com maior efetividade, garantindo a integridade da unidade”, explica. O empresário Estêvão Esdras, 33 anos, costuma frequentar o local para fazer trilhas e ressalta a limpeza, organização e sinalização da equipe. Ele ainda lembra sobre a conscientização que muitos ainda não têm: “O mundo é a nossa casa e os recursos não são inesgotáveis. As pessoas, em geral, não pensam assim no Brasil”, lamenta.Como médico, Gilberto Natalini aborda o problema como uma

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atitude “imbecil”. “É como se você tivesse um chicote, batesse em alguma coisa que está ao seu lado e o chicote viesse exatamente em cima de você. Você é o meio ambiente, você está dentro do meio ambiente, não é uma coisa à parte”, diz. Dentre os espaços que se destacam, o Parque Ecológico do Tietê, de acordo com o site oficial do Governo de São Paulo, conta com área verde de 1 milhão de m² remanescente da Mata Atlântica.O local ainda oferece o CRAS (Centro de Recuperação de Animais Silvestres), fundado em 1986, que conta com a atuação de profissionais provenientes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Corpo de Bombeiros e Centro de Controle Zoonoses (CCZ), e incentiva a importância do desenvolvimento de atividades a favor do meio ambiente e seu cuidado. O site oficial do parque informa que o local abriga mais de 7 mil animais, com destaque para as aves, que ocupam cerca de 80% do espaço. O fotógrafo Franklin Francisco da Silva, 40 anos, explora o local como cenário e confirma o cuidado e preservação da área. “O parque é muito bonito. Na fotografia a intenção é fazer sempre a composição ser mais bonita, e posso afirmar que, bem explorado, dá pra achar vistas espetaculares”, afirma.


Os sebos resistem

O hábito da leitura não é comum no país, mas o mercado de livros usados segue em atividade Arquivo pessoal

Publicações de Hayanna no Instagram do Bello Sebo atraem jovens Arte e literatura compartilham o mesmo ambiente Laura Faia e Pietra Lima

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or Infelizmente a população brasileira não é muito interessada na literatura, como podemos ver na pesquisa do Instituto Pró-Livro e Itaú cultural, que mostra que em 2019 a porcentagem de brasileiros não leitores era de 48% no país. Os outros 52% que se interessam pela arte da leitura, no entanto, se apegam a todas as oportunidades, e os sebos são uma entre várias opções. Esse ramo do comércio é uma opção cultural que abrange todos os tipos de público em múltiplas faixas etárias, inclusive os jovens. A atendente do Bello Sebo Hayanna Buttingnol, 21 anos, fala que existem alguns meios de atrair o público jovem. “As redes sociais, o uso de memes e a linguagem informal influenciam o público a se sentir acolhido”, diz. Foi com base nisso que a empresa criou um perfil no Instagram e no TikTok, para atrair os adolescentes e jovens adultos. A mesma pesquisa citada anteriormente mostra que 67% dos leitores preferem ler livros impressos, porém é possível notar que o gasto em uma obra impressa é maior do que em livros digitais, por isso a opção de livros usados é um bom meio-termo. Os jovens, em geral nativos digitais, , costumam ser muito atingidos pelas

vendas online, e isso também auxilia na na propagação da literatura. Alguns sebos, como o Bello Sebo, também contam com a opção de troca. “Curtir a cultura de uma forma mais em conta” é um dos pontos positivos dos sebos, de acordo com Odete Machado, que é artista, curadora e representante da Associação Via Libres, que administra a Passagem Literária da Consolação, ao lado da Avenida Paulista. A passagem é a união de diversos tipos de arte, como literatura, grafite, colagens, fotografia e música, e mesmo tendo sido afetada pela pandemia, o espaço retornou à atividade oferecendo um pouco de cada tipo de arte para todo tipo de audiência. Localizada em um túnel, a Passagem muitas vezes é confundida com uma entrada de metrô, porém na entrada do sebo lemos a mensagem:“Não é metrô... Porque é grátis e te leva mais longe!”, escrita por um artista que participou da decoração do espaço. Com estilo despojado, o sebo conta com vários títulos infantojuvenis, que podem ser levados para casa por preços a partir de 3 reais. Ao contrário do Bello Sebo, que tem uma grande interação com seu público por meio das redes sociais, a Passagem Literária é encontrada majoritariamente pela curiosidade de quem

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passa no local, por quem “anda pela cidade com outros olhos”, como diz Odete. Além disso, algumas postagens em suas páginas no Facebook e Instagram e a divulgação de quem visitou e se apaixonou pelo ambiente rico em cultura e diversidade trazem um público diferente, que muitas vezes não passa na frente do local. Odete diz que no momento em que estamos, as pessoas estão “redescobrindo lugares aonde elas podem ir e não precisam gastar tanto”. Além dos preços, a sustentabilidade é um dos benefícios dos sebos. A reutilização dos livros ajuda o meio ambiente, pois com isso reduzimos o número de cópias e diminuímos o impacto ambiental. Os sebos ajudam a dar uma segunda chance a livros que, muitas vezes, poderiam ter sido jogados no lixo, e assim continuam a mover a engrenagem da cultura. Há muito tempo os sebos não são mais o destino de apenas livros antigos e mal conservados, hoje eles abrangem desde os clássicos até os títulos mais famosos nas redes sociais. Para Hayanna, a melhor maneira de romper esse preconceito é mostrar o que tem no sebo. Nas lojas virtuais, uma das estratégias é usar a foto do produto em questão e descrever minuciosamente qualquer particularidade do livro.


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