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Prouni ontem e hoje
Mudanças no Prouni e seus impactos
Estudantes e especialistas em educação comentam alterações na natureza do programa que foi criado em 2004, com a vocação de atender estudantes de baixa renda
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Giovanna Sigolo
Adrielle Alves, 27 anos, faz parte do grupo de milhares de brasileiros que acessaram e concluíram o ensino superior graças ao Prouni (Programa Universidade para Todos). Ela conseguiu concluir os seus estudos em 2018, no curso de Direito da Universidade São Judas Tadeu, a partir da bolsa parcial de 50% ofertada pelo programa e do financiamento dos outros 50% do valor da mensalidade, por intermédio do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil). Atualmente, trabalha como analista de contratos no UOL e almeja fazer uma pós-graduação. “A ideia de ser a primeira pessoa a completar o ensino superior em casa não seria possível sem a existência de políticas públicas como o Prouni”, destaca.
Criado em 2004, o Prouni nasceu com a vocação de atender estudantes de baixa renda. Para obter bolsa parcial ou integral, além de conseguir uma nota maior que 450 na parte objetiva da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e não zerar na redação, o aluno precisava ter cursado todo o ensino médio em instituições públicas de ensino básico ou ter sido bolsista integral (pelo menos durante algum tempo) em colégios particulares.
Mas essa natureza social foi recentemente alterada. Em 26 de maio de 2022 o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou sem vetos a Lei 14.350 que amplia o acesso ao programa para estudantes que fizeram o ensino médio em escolas privadas, sem nenhum tipo de bolsa.
Em entrevista para uma reportagem do Guia do Estudante, publicada em 27 de maio, um dia após a sanção presidencial, a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Cláudia Costin, criticou a mudança. “Ela trouxe uma facilitação para o público que de alguma manei-
Estudantes que almejam entrar no programa também sofrem com burocracia.
ra já teria acesso ao ensino superior”, diz Claudia, argumentando que não faz sentido que quem já conseguia arcar com uma mensalidade no ensino privado seja beneficiado com bolsa.
Além do desvirtuamento do programa, houve uma diminuição de 1/3 do número de bolsas ofertadas de 2020 para 2021 – menor oferta de bolsas desde 2013, segundo dados divulgados no ano passado pela Frente Parlamentar da Educação. Essa redução somada à abertura do programa para estudantes do ensino privado faz com que as poucas bolsas fiquem ainda mais disputadas.
Outro ponto a ser considerado, quando se faz um balanço dos 18 anos do Prouni, é a burocracia que os alunos enfrentam, que desconsidera, por exemplo, pontos relevantes para distinção de renda. Nathalia Moraes Desani, estudante de Engenharia Ambiental na Unesp, em São José dos Campos (interior de São Paulo), comenta que seu pai é trabalhador de usina, e a porcentagem que recebe depende da safra produzida no período trabalhado. Não há espaço no Prouni para que seja feita uma distinção da renda e dos gastos, prejudicando o processo de inscrição da estudante, que não conseguiria bolsa integral pela má interpretação dos dados financeiros de sua família.
Para o pesquisador e mestre em Educação, Phelipe Rodrigues de Oliveira Pinto, da Universidade Federal de Viçosa (MG), a criação e manutenção de políticas públicas na área de educação, com programas como o Prouni, é essencial para a garantia de que os alunos tenham acesso ao estudo contínuo. “As transformações e iniciativas no sentido de democratização que foram desenvolvidas no contexto brasileiro nos últimos anos trouxeram novas dinâmicas nas relações dos estudantes com o processo seletivo para o ingresso no ensino superior”, explica Phelipe.
“O Prouni coloca pessoas na universidade. Pra quem pode pagar não faz diferença, mas pra gente que a família tá ali contando os centavos pra dar conta da mensalidade é muito importante”, diz Leticia de Alencar Barboza que, desde 2019, vem tentando conseguir uma bolsa pelo Prouni para cursar Medicina. Ela destaca que sempre soube que sua família não teria condições financeiras para bancar os seus estudos, mas manteve o sonho sustentado pela possibilidade da bolsa. Depois de anos tentando Medicina, Letícia diz que agora está disposta a ingressar em outro curso, porém na mesma área.
Fernando Bertrand Mauro Sigrist
As Etecs (Escolas Técnicas Estaduais) têm se tornado cada dia mais procuradas. Num cenário de crise econômica, com famílias sem condições de pagar uma mensalidade em uma faculdade, o ensino técnico acaba sendo uma importante oportunidade para que jovens possam ingressar no mercado de trabalho. Entre os 81 mil técnicos que se formam anualmente nas 223 Etecs do estado de São Paulo, 70% conseguem emprego em menos de um ano, de acordo com pesquisa Datafolha (instituto do jornal Folha de S.Paulo), publicada em abril de 2020.
Ainda segundo a mesma pesquisa, o público que estuda nas Etecs é formado por jovens entre 14 e 18 anos, a maioria (80%) vinda de famílias com renda de até cinco salários mínimos.
Beatriz Montechiesi é ex-aluna da Etec Getúlio Vargas, localizada no Ipiranga, na zona sul de São Paulo. Ela diz que durante os três anos do curso de Nutrição e Dietética teve a oportunidade de aprender de forma significativa sobre como atuar nesse mercado. Pôde ficar por dentro de questões salariais, entendeu como funciona o esquema de férias, como se comportar em entrevistas de emprego, além de aprender algumas leis trabalhistas. “A Etec nos oferece um ambiente estudantil totalmente diferente de escolas convencionais do ensino médio. Eu acredito que os alunos acabam amadurecendo mais, principalmente porque no ensino técnico temos contato com o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)”, explica. A jovem destaca que o ensino da Etec foi essencial para ela conseguir um emprego na área. “Posso garantir que o aluno que estuda em uma Etec sai bem mais preparado.”
Antes de cursar Eletrotécnica na
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Alunos da Etec Basilides de Godoy, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo.
Etec Jaraguá, no bairro de mesmo nome, na zona norte, Guilherme de Oliveira estudou em uma escola pública convencional. “Quando vim para o ensino técnico pude comparar as experiências e foi aí que eu vi a importância e o diferencial da Etec”, ressalta. Vindo de uma família de baixa renda, ele considera que estudar em uma escola técnica é uma excelente maneira de melhorar o ensino recebido na escola pública tradicional. “No início, fiquei assustado com a mudança. Os professores cobram mais. Mas tem uma coisa legal: notávamos que eles queriam estar lá para nos ajudar e para melhorar a nossa experiência”, conta. Para Guilherme, a Etec lhe ofereceu as ferramentas necessárias para ingressar no mercado de Eletrotécnica. Ele só sentiu falta de algumas disciplinas mais generalistas, que lhe permitissem conhecer aspectos importantes de outras áreas. “Os cursos da Etec possuem uma matéria em comum que é chamada ‘Segurança no Trabalho’. Essa matéria trata sobre os riscos no ambiente de trabalho. Geralmente o professor foca nos riscos voltados ao seu curso. Acredito que deveriam existir mais matérias comuns entre os cursos, como Finanças. Essas disciplinas podem fazer grande diferença no desenvolvimento do aluno, e podem ser lecionadas pelos professores que já estão na escola”, opina.
Bryan Henrique, do curso de Desenvolvimento de Jogos da Etec Basilides de Godoy, na Vila Leopoldina, zona oeste, diz ter recorrido ao ensino técnico justamente para ganhar mais preparo para ingressar na área que deseja trabalhar. “Ao pensar em atuar com desenvolvimento de jogos fico um pouco receoso, tendo em vista o profissionalismo que é exigido nesse mercado, por isso recorri à Etec e espero ter um bom retorno no futuro.”